Sumário: 1. Conceitos gerais. 1.1. Mundo dos fatos e mundo jurídico. 1.2. A criação do fato jurídico. 1.3. O suporte fáctico e o processo de juridicização. 1.4. O mundo jurídico e seus planos. 1.5. Classificação dos fatos jurídicos. 2. O contrato de fornecimento. 2.1. Enquadramento na classificação dos fatos jurídicos. 2.2. Elementos integrantes do suporte fáctico. 2.3. Ausência do preço e o "fato do príncipe". 2.4. Posição do novo Código Civil e da jurisprudência. Conclusão. Referências.
1. CONCEITOS GERAIS
1.1. Mundo dos fatos e mundo jurídico
Os acontecimentos existentes no mundo, qualquer que seja a ordem são sempre acontecimentos fácticos. Podem ocorrências sem a participação relevante do homem (= fato ou evento) — à noite, o dia, o tempo, a tempestade, o nascimento, a morte etc. —, ou se situem como acontecimentos que tenham a participação humana ( = conduta) — o casamento, a concepção, a declaração de vontade, os atos ilícitos etc. — todos, sem exceção, formam o mundo dos fatos.
Alguns destes fatos, contudo, por se revestirem de importância social, dado a freqüência com que ocorrem ou ainda, dada à importância nas relações sociais interpessoais, passam a ser importantes para o Direito e então, são valorados e erigidos a uma outra categoria, passando a integrar o mundo jurídico. Esta distinção ocorre quando a sociedade, através de seus órgãos legislativos, cria normas que estabelecem a valoração destes fatos, tornando-os jurídicos
No dizer de PONTES DE MIRANDA1, "Os conceitos de que usa o jurista são conceitos de dois mundos diferentes: o mundo fáctico, em que se dão os fatos físicos e os fatos do mundo jurídico, quando tratados somente como fatos do mundo fáctico, e o mundo jurídico, em que só se leva em conta o que nele entrou, colorido pela regra jurídica que incidiu". Ora, por este ensinamento podemos constatar que o mundo jurídico, nada mais é que uma parte do mundo fáctico, cujos acontecimentos passaram, pela incidência de uma norma jurídica, a pertencer a uma nova esfera: o mundo jurídico. Sua representação gráfica poderia ser assim expressa:
Desta figura pode-se depreender que todos os acontecimentos se dão no mundo dos fatos sendo, portanto, muito maior sua ocorrência que no mundo jurídico. Neste, só determinados fatos interessam, daí sua valoração e a incidência da norma que o qualifica. É bom alertarmos que certos fatos podem interessar ao mundo jurídico individual ou coletivamente, ou seja, serem fatos únicos ou virem acompanhados de outros fatos, para que possam ingressar no mundo jurídico.
Esta noção de que os mundos fáctico e jurídico não se confundem é essencial ao entendimento da fenomenologia jurídica, como veremos adiante ao discorrermos sobre a criação do fato jurídico. No dizer de Marcos Bernardes de Mello2, "Partindo da constatação de que há fatos relevantes, a que a norma jurídica imputa efeitos no plano do relacionamento inter-humano e fatos que, considerados irrelevantes, permanecem sem normatização, podemos distinguir dentro do conjunto que é o mundo — o mundo fáctico — um subconjunto — o mundo jurídico — formado, apenas, pelos fatos jurídicos".
Deste modo, torna-se claro que, os acontecimentos do mundo fáctico podem ou não ingressar no mundo jurídico, dependendo de sua qualificação pela incidência da regra jurídica.
1.2. A criação do fato jurídico.
Visto que os acontecimentos do mundo fáctico podem ser erigidos a um subconjunto denominado de mundo jurídico, cabe-nos explicar como isto se dá. Como também já foi exposto, o fato meramente fáctico, quando relevante para as relações inter-humanas, sofre a incidência da norma jurídica e é qualificado, assumindo a condição de fato jurídico e dele —não da norma jurídica—, decorre todos os efeitos previstos quando de sua criação: direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações e exceções ou extinguindo estes efeitos.
Ë necessário lembrar que, numa observação atenta dos efeitos do fato jurídico, podemos ver que a cada conseqüência criada corresponde um dever, são situações ativas às quais correspondem umas outras situações passivas.
A incidência da norma jurídica transformando o que é fáctico em jurídico, dá-se no mundo dos fatos e é revestida de duas características básicas: a incondicionalidade e a inesgotabilidade. Toda vez que ocorrer seu pressuposto de incidência — suporte fáctico —, a norma incide e qualifica o fato ou conjunto de fatos, trazendo-os para o mundo jurídico. Por outro lado, sua incidência não se esgota e a cada concreção de sua previsão, novamente, incidirá.
Numa tentativa de visualizar o processo de juridicização — criação do fato jurídico —, podemos imaginar a seguinte figura:
A = a regra jurídica;
B = linha imaginária separando o mundo jurídico X mundo fáctico;
C = o mundo fáctico.
1.3. O suporte fáctico e o processo de juridicização.
Vimos anteriormente que a norma jurídica incide sobre o fato do mundo fáctico e transforma-o em fato jurídico. Este processo de transformação chama-se juridicização e é a finalidade da norma jurídica. Esta incidência poderá dar-se sobre um único fato ou sobre um conjunto de fatos. Dando-se sobre apenas um fato — a morte, no caso da abertura da sucessão —, ou, sobre um conjunto de fatos — o tempo e a posse mansa e pacífica — no caso de usucapião ordinário, o fato ou os fatos sobre os quais a norma incide, denomina-se suporte fáctico. Portanto, suporte fáctico é no dizer de Pontes de Miranda3, "aquele fato ou grupo de fatos que o compõe, e sobre o qual a regra jurídica incide".
Em Marcos Bernardes de Mello4, um alerta extremamente importante:
"Quando aludimos a suporte fáctico estamos fazendo referência a algo (= fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica. Suporte fáctico, assim, é um conceito do mundo dos fatos e não mundo jurídico, porque somente depois que se concretizam ( = ocorram) no mundo os seus elementos é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico e, portanto, poder-se-á falar em conceitos jurídicos".
Vale observar, que o fato ou grupo de fatos que integram o suporte fáctico não ingressam no mundo jurídico como fatos isolados entre si, mas, como fato jurídico específico, previsto na norma e pertencente a uma determinada categoria. Não se juridicizam fatos. Juridiciza-se, isso sim, suportes fácticos — simples ou compostos —, transformando-os em fato jurídico. Pontes5 nos ensina com muita precisão: "É incalculável o número de fatos do mundo, que a regra jurídica pode fazer entrar no mundo jurídico, — que o mesmo é dizer-se pode tornar-se fatos jurídicos. Já aí começa a função classificadora da regra jurídica: distribui os fatos do mundo em fatos relevantes e fatos irrelevantes para o direito, em fatos jurídicos e fatos ajurídicos".
Concluímos, pois, que a finalidade da norma jurídica é a sua atuação no mundo dos fatos, incidindo sobre os suportes fácticos, transformando-os em fatos jurídicos que, no mundo jurídico poderão produzir seus efeitos.
1.4. O mundo jurídico e seus planos.
O mundo jurídico é uma abstração criada pela imaginação humana com a finalidade de regular as relações sociais. Portanto, trata-se de uma criação lógico/jurídica, com o objetivo de disciplinar as relações inter-humanas e distribuir, no dizer de Pontes, "os bens da vida". Não se pode falar em mundo jurídico sem se incluir, necessariamente, a existência do homem. Porisso, Marcos Bernardes de Mello6, afirma: "O mundo jurídico, como se vê, é criação humana e se refere, apenas, à conduta do homem em sua interferência intersubjetiva; não se desenvolve, assim, no campo da causalidade física, mas, sim, numa ordem de validade, no plano do dever-ser. O ser fato jurídico e o produzir efeito jurídico são situações que se passam no mundo de nossos pensamentos e não impõem transformações na ordem do ser".
Assim, para facilitar o entendimento, a doutrina pontiana dividiu o mundo jurídico em três planos, a saber: plano da existência, plano da validade e plano da eficácia.
No plano da existência inicia-se a caminhada do fato jurídico, sua entrada para o mundo jurídico, deixando de ser fato ou fatos do mundo fáctico, para existir como fato jurídico. Aqui, busca-se apenas certificar-se da existência dos requisitos mínimos indispensáveis à incidência da norma jurídica, não se detendo, o analista, na busca de encontrar os elementos necessários à validade e/ou à eficácia.
Transposta esta etapa, a da existência, o suporte fáctico passa a ser um fato jurídico e aí sim, será analisado, detalhadamente, na sua composição fáctica ( = suporte fáctico) quando, então, ingressará no plano da validade. Aqui, se defeito houver, o fato jurídico poderá ser nulo ou anulável. Se o defeito existente na sua composição for insanável (Ex: forma prescrita em lei), o fato não passará pelo subplano da nulidade. Se, contudo, o defeito existente em seu suporte fáctico puder ser sanado (Ex: falta de capacidade relativa de agir), o fato será anulável.
Já no plano da eficácia, produzir-se-ão os efeitos decorrentes do fato jurídico, criando-se ou extinguindo-se direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações e exceções. Em Marcos Bernardes de Mello7, encontramos a lição:
"O plano da eficácia, como o da validade, pressupõe a passagem do fato jurídico pelo plano da existência, não, todavia, essencialmente, pelo plano da validade. Por isso, o que se passa para que o fato jurídico tenha acesso ao plano da eficácia pode assim ser descrito":
a) quanto aos fatos jurídicos stricto sensu, atos-fato jurídicos, e fatos ilícitos latu sensu, salvo lex specialis, basta que existam. Quer isto dizer que essas espécies de fato jurídico do plano da existência ingressam, diretamente, no plano da eficácia e irradiam, instantaneamente, a sua eficácia. (...)
b) (quanto aos atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos há que se distinguir três situações:
b.1.) os atos jurídicos válidos têm entrada imediata no plano da eficácia, mesmo enquanto pendentes termos ou condições suspensivos. (...)
b.2.) os atos anuláveis entram, de logo, no plano da eficácia e irradiam seus efeitos, mas interinisticamente, pois poderão ser desconstituídos caso sobrevenha à decretação de sua anulabilidade. (...)
b.3.) os atos nulos, de regra, não produzem sua plena eficácia."".
1.5. Classificação dos fatos jurídicos.
Diversas são as classificações dos fatos jurídicos. Alguns pretendem ordená-los pelos efeitos que produzem no mundo jurídico e aí, encontraram as categorias constitutivas, modificativas ou extintivas. Cometem o erro de classificar o fato jurídico não por sua existência, mas sim, por suas conseqüências (= efeitos), que só se darão, posteriormente.
Outros, o enumeram pelos "elementos fácticos encontráveis em sua configuração", ou segundo a natureza dos fatos, o que também é um equívoco, pois, não conseguem englobar neste processo, no dizer de Marcos Bernardes de Mello8, "todas as espécies possíveis".
Quem conseguiu elaborar uma classificação dos fatos jurídicos baseada em critérios científicos precisos foram os alemães, que elaboraram uma classificação dos fatos jurídicos, tendo como base, o elemento cerne necessário à existência do fato jurídico. Apesar disso, coube a Pontes de Miranda, o aperfeiçoamento dos estudos desenvolvidos pelos germânicos, partindo "de critérios lógicos e metodológicos, empregados para classificar os fatos jurídicos", elaborar uma classificação, tendo por base o elemento cerne do suporte fáctico. Com base nisso, Marcos Bernardes de Mello9, sistematizou o seguinte esquema para a classificação dos fatos jurídicos e que,visualmente, colocamos no Anexo.
Nessa classificação, parte da existência de um gênero único, o fato jurídico lato sensu,, divididos em duas categorias: a) conforme a direito (lícito); e, b) contrário a direito (ilícito).
Nessa classificação, parte da existência de um gênero único, o fato jurídico lato sensu,, divididos em duas categorias: a) conforme a direito (lícito); e, b) contrário a direito (ilícito). Na categoria a teríamos: a1) fato jurídico stricto sensu; a2) ato-fato jurídico; e a3) ato jurídico lato sensu, elencados em dois subgrupos: - ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico.
No que tange ao fato jurídico contrário a direito, pode ser: a) segundo o suporte fáctico e b) segundo a eficácia. O primeiro divide-se em: a1) fato ilícito stricto sensu; a2) ato-fato ilícito; e, a3) ato ilícito civil. O segundo grupo compreende: b1) ato ilícito indenizatório;b2) ato ilícito caducificante; e, a3) ato ilícito invalidante.
-
a) conforme a direito (lícito):
fato jurídico stricto sensu
ato-fato jurídico
-
ato jurídico lato sensu
ato jurídico stricto sensu
negócio jurídico
-
b) contrário a direito (ilícito):
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segundo o suporte fáctico :
fato ilícito stricto sensu
ato-fato ilícito
ato ilícito civil
-
segundo a eficácia:
ato ilícito indenizatório
ato ilícito caducificante
ato ilícito invalidante
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2. O CONTRATO DE FORNECIMENTO
2.1. Enquadramento na classificação dos fatos jurídicos.
O contrato de fornecimento de produto é comumente celebrado entre as companhias distribuidoras de combustíveis e os postos revendedores. Neste instrumento contratual, os postos revendedores se comprometem a adquirir, num lapso de tempo, quantidade específica de cada produto distribuído pela Contratante.
A partir do Plano Brasil Novo, no bojo do programa federal de desregulamentação (Decreto no. 99, de 15 de março de 1990), foram retiradas algumas injunções do governo no mercado, resultando na liberação de preços, que se deu com o advento das Portarias nos. 59. e 60, de 29 de março de 1996, o que provocou um completo desequilíbrio nas relações mantidas entre distribuidoras e postos revendedores.
Os contratos celebrados, de regra, possuem a redação da seguinte cláusula:
"CLÁUSULA VI – Os produtos mencionados nas Cláusulas anteriores serão fornecidos aos preços vigentes nas datas das entregas, segundo as tabelas da própria VENDEDORA, ou as dos órgãos oficiais e dentro das condições de comercialização estabelecidas pela VENDEDORA".
Assim, com a possibilidade de abertura de novos postos, motivada pela completa desregulamentação do setor, da desvinculação da bandeira e da liberação dos preços, o mercado de revenda e distribuição sofreu profundas modificações, que passaram a interferir nas condições anteriormente negociadas.
Deste modo, houve a modificação dos elementos integrativos do negócio jurídico celebrado, ocasionando um claro desequilíbrio contratual, pois, a vasta maioria dos contratos foi celebrada com os preços ainda controlados pelo governo federal, portanto, no regime de preços públicos.
Ë insofismável que não é viável concorrer no mercado em situação de igualdade de condições com outras empresas, preso a um contrato de exclusividade no fornecimento de produtos, sem qualquer preço previamente estabelecido, ficando a fixação do valor a ser pago ao talante do próprio vendedor.
Ora, assim, o Contrato de Fornecimento de Produto em estudo pode, claramente, ser enquadrado na classificação dos fatos jurídicos como um negócio jurídico bilateral e comutativo.
2.2. Elementos integrantes do suporte fáctico.
Em se tratando de negócio jurídico, há que se perquirir, inicialmente, se os elementos necessários à existência do fato jurídico estão presentes. Não temos a menor dúvida que sim. A concreção do suporte fáctico necessário à incidência da regra jurídica deu-se, com todos os seus elementos:
AS PARTES: DISTRIBUIDORA x REVENDEDOR
O OBJETO: GALONAGEM A SER FORNECIDA
ACORDO DE VONTADES
O elemento nuclear necessário ao ingresso do suporte fáctico juridicizado no plano da existência é o acordo de vontades, portanto, não há que se discutir quanto à existência do negócio jurídico firmado.
A polêmica decorre, isto sim, após a medida governamental que desregulamentou o setor e retirou a característica de preços públicos dos combustíveis, deixando o mercado livre para a fixação da remuneração. Neste momento, o suporte fáctico foi alterado por uma determinação intransponível: a liberação do mercado.
2.3. A ausência do preço e o "fato do príncipe".
o acordo de vontades, sendo elemento nuclear, ficou eivado com o defeito que, se conhecido na ocasião da celebração do negócio, não teria, evidentemente, sido realizado. A fixação do preço do litro do combustível ao livre talante da companhia distribuidora e não mais pelo governo federal ou mesmo acordo entre as partes, tornou o contrato insuportável para um dos contratantes, no caso os revendedores, além de faltar-lhe um de seus elementos completantes — o preço —, para que pudesse ser o acordo de vontades validamente expresso.
A ausência do preço, após a liberação e sua livre fixação por uma das partes, torna defeituoso o suporte fáctico do negócio jurídico por faltar-lhe um dos elementos completantes, necessário ao crivo do negócio no plano da validade, porque tal acontecimento, por não ter sido previsto antecipadamente, modificou substancialmente o equilíbrio contratual em detrimento da parte mais fraca economicamente. Por outro lado, a estabelecimento unilateral da contraprestação é vedada pelo artigo 1.225 do Código Civil, que considera nulo o contrato quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço a ser pago pelo objeto do contrato. Esta inclusive tem sido a opinião de alguns tribunais, como veremos no item seguinte.
2.4. Posição do Novo Código Civil e da jurisprudência.
A jurisprudência brasileira ainda é tímida na declaração de nulidade dos contratos pela inexistência de um dos elementos integrantes de seu suporte fáctico, especialmente em casos que, já tendo o "pretium" constado do instrumento contratual, tenha sido retirado por "fato do príncipe". Mas, aqui e acolá, algumas decisões já vão sendo prolatadas, especialmente, por uma maior divulgação e entendimento da teoria pontiana dos fatos jurídicos.
Nesses instrumentos, conhecidos como "contratos de galonagem", o preço esteve presente na constituição de seu suporte fáctico, porém, por determinação governamental, a contraprestação que era fixada pelo governo federal, através da política de preços públicos, abstraiu-se. O contrato passou a não ter um valor de pagamento pelo fornecimento o que, por cláusula contida no negócio jurídico, passou a ser uma atribuição de uma das partes, acarretando sua nulidade por: a) ausência de elemento componente do suporte fáctico; e, b) contrariedade ao artigo 1.125 do Código Civil.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal nos processos nos. APC 408669610, em que figurou como relator o Des. Eduardo Moraes de Oliveira e na APC 1999031005747811, em que foi relator o Des. Lécio Resende, decidiu pela nulidade do contrato celebrado em que faltara um de seus elementos essenciais: o consenso das partes, objeto e preço.
No mesmo sentido decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, no processo Ap.Civ. no. 5619600012, da Comarca de Arapongas, relator o Des. Lauro Laertes de Oliveira, considerando o preço elemento essencial do contrato e decidindo por sua nulidade, quando couber a uma das partes a fixação unilateral do preço, contrariando o artigo 1.125 do CCB.
Por sua vez, o novo Código Civil, aprovado recentemente, em seu artigo 489 determina, taxativamente, a nulidade dos contrato que deixarem para apenas um das partes a fixação do preço, adotando as redação do atual CC.
Vai mais além, nos artigos 486 e 487, admite que o preço possa ser fixados por parâmetros objetivamente definidos ou seja estabelecido por valores da bolsa, desde que previamente identificados, sob pena de ineficácia do contrato.
Por fim, na Parte Geral das Obrigações, o novo CC, estabelece no seu artigo 478, a resolução do contrato por onerosidade excessiva, nos negócios jurídicos de execução continuada ou diferida, em que se tornar demasiadamente oneroso para uma das partes. Finalmente, nos artigos 421 a 424, estabeleceu o legislador civil a consagração dos princípios relativos a função social dos contratos, da probidade e da boa-fé, como cláusulas gerais dos contratos.
Com efeito, a aplicação de tais dispositivos na interpretação do "contrato de galonagem", diante dos novos conceitos doutrinários, invalidar-lhe-ia sem qualquer contemplação.
Conclusão
Pelo que ficou amplamente descrito acima podemos concluir:
Na teoria dos Fatos Jurídicos de Pontes de Miranda podemos enquadrar o Contrato de Fornecimento de Produto, como sendo um negócio jurídico bilateral;
Na composição de seu suporte fáctico, três elementos são essenciais: consenso de vontades, objeto e preço;
A ausência de qualquer destes elementos impossibilita a passagem do negócio jurídico pelo Plano da Validade;
-
Não recebendo o crivo da validade, o negócio jurídico celebrado não produzirá eficácia jurídica;
Esta impossibilidade de produzir eficácia jurídica já foi reconhecida pela jurisprudência nacional;
Os "contratos de galonagem" são nulos também por infração ao artigo 1.125 do CC.
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Notas
1 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações, Tomo I, p. 3, RT, 2ed.
2 MELLO, Marcos Bernardes. Contribuição à Teoria do Fato Jurídico, Ed. Edufal, 1982, p. 19.
3 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo I, 3a. ed, Borsoi, p. 19.
4 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico-Plano da Existência, Saraiva, 11a. edição, p. 36.
5 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo I, 3a. edição, Bor.soi,p.20.
6 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, Saraiva, 11a. edição, p. 10.
7 MELLO, Marcos Bernardes. Ob.cit., p. 86.
8 MELLO, Marcos Bernardes. Contribuição à Teoria do fato Jurídico, Edufal, p.67.
9 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, Saraiva, 11a. edição, p.104.
10 Diário da Justiça da União. 06/02/1997. p. 1.206.
11 Diário da Justiça da União. 06/06/2001.p. 33.
12 Tribunal de Justiça do Paraná, acórdão no. 13852, da 4a. Câmara Cível.