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Direito Internacional e política externa.

Uma análise dos discursos brasileiros nas Sessões Ordinárias da Assembleia Geral da ONU – de FHC à Lula

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Agenda 27/01/2013 às 14:48

Considerações Finais

A política externa de FHC à Lula tem uma linha de continuidade e outra de ruptura, mas uma coisa é certa, todos os discursos nas Sessões de Abertura da Assembleia Geral da ONU refletem o contexto em que viviam os governos e ambições que nem sempre se parecem com a realidade. Nas ações, o governo Lula tem posturas diferentes, mais assertivas, no entanto facilitadas graças à reformas do governo FHC e seus efeitos, especialmente aquelas da esfera econômica.

De Cardoso à Lula a política externa passa por mudanças substanciais, influenciadas por mudanças domésticas e outras externas. No plano interno, várias são as mudanças no Brasil com a redemocratização. Mudanças macroeconômicas do período FHC podem explicar parte das mudanças estruturais. Seriam positivas as seguintes conquistas: a modernização industrial; o aumento da competitividade global da economia brasileira; e a intensificação do comércio brasileiro. Por outro lado, seriam negativas a abertura do mercado de consumo nacional, que gerou um déficit inicial no comércio exterior; endividamento externo; submissão a consensos e  conselhos do centro do capitalismo; e sacrifício das relações com os países emergentes em favor do “primeiro mundo”.

Além disso, com FHC houve uma diminuição do Estado e a ascensão da sociedade na distribuição de responsabilidades sobre o crescimento e o desenvolvimento econômico, o que Lula mudaria mais para frente com a retomada da participação do Estado. Com as mudanças do governo FHC, o Brasil deixou para trás uma ideia fundada no isolamento; e passou a desempenhar papel de crescente importância nos foros internacionais, ganhando credibilidade na sua ação externa. Essas mudanças se deram graças a abertura econômica à competição internacional, ao bem-sucedido controle inflacionário e as ditas reformas estruturais. O resultado foi um novo ciclo de desenvolvimento e uma vigorosa expansão do comércio internacional, o que contribuiu para que a administração FHC recuperasse uma imagem positiva do Brasil no exterior.

Já a política externa de Lula teria priorizado a reforma das instituições de governança global, alianças regionais (na América do Sul) e novas parcerias ao Sul do Globo. Celso Amorim (2005) dizia que o Brasil estava deixando para trás mecanismos de inserção dependente para situar o Brasil entre as nações que procuram andar por conta própria, defendendo que estavam sendo impostas inovações conceituais e diferenças práticas.

O governo Fernando Henrique Cardoso desenvolveu uma política externa condizente com uma lógica de cunho neoliberal, o que foi alvo de muitas críticas, mas que estava de acordo com a conjuntura externa da época em que governou, com as exigências do FMI e do Consenso de Washington – que propunha reformas para a América Latina. Portanto, a política externa de grande parte do governo FHC seguia-se na esteira internacional frente a vitória norte-americana na Guerra Fria. Seu governo encarou as reformas como necessárias ao país, obtendo alguns sucessos mas também fracassos, como os vínculos de dependência externa e de fragilidade na construção de uma autonomia nacional. 

Por outro lado, o governo Lula trabalhou por uma afirmação da identidade nacional, com uma política externa mais voltada para a plataforma ideológica do PT, portanto mais próxima de uma esquerda moderada. No discurso de Lula, percebe-se uma diplomacia voltada aos interesses nacionais costumando ser mais enfático que seu antecessor nas decisões diplomáticas, e propondo que o Brasil e outras nações sejam reconhecidos como agentes internacionais de grande expressão.  Daí seu discurso voltar-se à defesa do multilateralismo, do desenvolvimento das coalizões ao Sul, de reformas institucionais, do combate às assimetrias, e da aproximação com a África – a despeito da inegável existência de proximidades culturais.

Outro ponto importante a se considerar é que as transformações geopolíticas têm sido profundamente dinâmicas, impactando nos governos e em seus discursos. No contexto do governo Fernando Henrique, as assimetrias internacionais eram mais acirradas, e o discurso de aceitação a elas no mundo era maior, até porque havia pouco tempo depois do fim da Guerra Fria e muitas eram as dúvidas acerca do futuro das relações internacionais. Na conjuntura do governo Lula, os países emergentes ganharam força política, principalmente devido a importância que hoje possuem no comércio internacional. Além disso, com a participação dos Estados Unidos em questões de terrorismo e guerras, houve um distanciamento político em relação à América do Sul – principalmente após o 11 de Setembro, abrindo brechas para a ampliação da influência brasileira na região, o que tem foi razoavelmente explorado pela diplomacia do governo Lula.

Deve-se dizer ainda que a integração com a América do Sul, em especial junto ao Mercosul, parece um ponto de aproximação entre os governos FHC e Lula. Apesar de muitas cisões, o Brasil tem privilegiado a região, defendendo na maioria das vezes uma política de cooperação, respeitando as autonomias dos países, e buscando acordos ainda incipientes, mas ambiciosos, como o caso da UNASUL. Resta-nos observar como ficará o processo de integração com o desdobramento da crise econômica atual e o impacto dos seus efeitos.

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As estratégias comerciais são diferentes nos dois períodos. Para além do Mercosul, o período FHC buscava maior aproximação com a Europa e os Estados Unidos, enquanto o governo Lula não abriu mão desse tipo de relacionamento, mas buscou maior contato com outras partes do globo.

Por fim, ressalta-se a diferença em relação à ambição pelo poder internacional verificado nos dois governos. A assunção do papel do Brasil como líder era visto, por FHC, como o resultado da gradual preeminência econômica do país. Este deveria, em princípio, ser restrito à região, tendo em vista a limitação dos recursos efetivamente disponíveis para a ação externa do Estado. Para o governo Lula, a busca por maior presença internacional pareceu tratar-se de um dos grandes objetivos políticos, e não necessariamente limitando-se à região. Enquanto FHC modulava esse objetivo em função das percepções dos parceiros regionais, Lula acreditou que esse papel pode ser conquistado com o ativismo diplomático e as alianças estratégicas que estão sendo desenvolvidas com os parceiros em várias partes do mundo.

Entre retórica e ações, portanto, vemos proximidades e distanciamentos. Proximidade no que se espera para o Brasil e para o mundo. Distanciamento no que se é possível e naquilo que se tem capacidade de fazer, sempre considerando o interno e o externo.


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Notas

[1] Segundo Lins da Silva (2002), na sua tentativa de afirmar a autonomia do país em relação aos Estados Unidos, alguns governos brasileiros na segunda metade do século passado se aproximaram do movimento do Terceiro Mundo, como foi o exemplo do período João Goulart, em que o Brasil teve papel relevante na formulação dos seus principais teóricos.

[2] A própria indicação de Amorim como ministro de Relações Exteriores indicava a prioridade da área externa no governo Lula. Celso Amorim é diplomata de carreira e sempre defendeu uma postura autônoma do Brasil nos foros multilaterais.

[3] Artigo em que Amado Cervo desenvolve melhor as características dos paradigmas de política externa e como eles estiveram presentes nos países da América Latina e no Brasil é “Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque paradigmático” (2003). Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n2/v46n2a01.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2013.

[4] O G-20 concentra sua atuação em agricultura, e tem uma vasta e equilibrada representação geográfica, sendo atualmente integrado por 23 membros - 5 da África (África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue), 6 da Ásia (China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia) e 12 da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela). Após a falta de resultados concretos no encontro de Cancun, o G-20 dedicou-se a intensas consultas técnicas e políticas, visando injetar dinamismo nas negociações. Foram realizadas diversas reuniões ministeriais do grupo, além de freqüentes reuniões entre chefes de delegação e altos funcionários dos países. O grupo promoveu, ainda, reuniões técnicas com vistas a discutir propostas específicas no contexto das negociações sobre agricultura da OMC e a preparar documentos técnicos, em apoio à posição comum adotada pelo grupo. A legitimidade do G-20 está, sobretudo, na importância dos seus membros na produção e comércio agrícolas, representando quase 60% da população mundial, 70% da população rural em todo o mundo e 26% das exportações agrícolas mundiais (G-20/MRE, 2003).

[5] O conceito envolve dois pressupostos: a existência de regras para compor o ordenamento internacional sem as quais irá prevalecer a disparidade de poder em benefício das grandes potências, e a elaboração conjunta dessas regras a fim de garantir reciprocidade de efeitos para que não realizem interesses de uns em detrimento de outros.

[6] Apesar dos desafios, existem perspectivas positivas quanto a esta coalizão, de modo que os objetivos principais do Fórum do Diálogo IBAS são: a) promover o diálogo Sul-Sul, a cooperação e posições comuns em assuntos de importância internacional; b) promover oportunidades de comércio e investimento entre as três regiões das quais os países fazem parte; c) promover a redução  internacional da pobreza e o desenvolvimento social; d) promover a troca de informação trilateral, melhores práticas internacionais, tecnologias e habilidades, assim como cumprimentar os respectivos esforços de sinergia coletiva;  e) promover a cooperação em diversas áreas, como agricultura, mudança climática, cultura, defesa, educação, energia, saúde, sociedade de informação, ciência e tecnologia, desenvolvimento social, comércio e investimento, turismo e transporte (IBAS, 2008).

[7] A CPLP envolve uma população de 240 milhões de pessoas em vários continentes, a maioria da África. São seus componentes Brasil, Portugal, Timor Leste, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola. Eles têm buscado cooperação nas áreas de segurança, negócios, saúde e educação. Para saber mais, ir ao site: <http://www.cplp.org/>.

[8] O primeiro passo para a criação dessa união ocorreu em 8 de dezembro de 2004, na cidade de Cusco, no Peru, quando foi realizada a 3ª Reunião de Presidentes da América do Sul. Nesta ocasião, foi redigido um documento (Declaração de Cuzco) que criou as bases para a UNASUL. O projeto criado nesta oportunidade ganhou o nome de Casa (Comunidade Sul-Americana de Nações). Em 2007, durante a 1ª Reunião Energética da América do Sul (realizada na Venezuela), o nome foi modificado para UNASUL. Contudo, somente em 23 de maio de 2008, em Brasília, representantes dos doze países assinaram efetivamente um tratado para criá-la. Ressaltemos que este tratado ainda precisa ser ratificado pelos congressos dos países membros. Quem quiser ver mais, pode visitar o site oficial da instituição: <http://www.unasursg.org/>.

[9] No governo Lula as embaixadas saltaram de 18 para 30, mais dois consulados-gerais. Para dar conta dessa ampliação, aumentaram as vagas nos concursos anuais do Instituto Rio Branco e criou-se programa de ações afirmativas para alunos afro-brasileiros se prepararem para este concurso. Além disso, a abertura de postos diplomáticos de países africanos no Brasil saltou de 16 para 25.

[10] Para ser ter noção, o fluxo anual de comércio com os africanos saltou de US$ 5 bilhões em 2002 para US$ 26 bilhões em 2008, fazendo da África o quarto parceiro do país (atrás de China, Estados Unidos e Europa). Entre 1995 e 2002 (governo FHC), quando a África não era tão prioritária na agenda externa, as exportações cresceram aproximadamente US$ 1 bilhão, uma variação de 76%, contra quase 400% no período 2003-2009. Ver em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/2.2.3-africa-comercio-e-investimentos/view>. Acesso em: 08 jan. 2003.

Sobre o autor
Walace Ferreira

Professor de Sociologia da UERJ. Pesquisador. Doutor em Sociologia pelo IESP/UERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Walace. Direito Internacional e política externa.: Uma análise dos discursos brasileiros nas Sessões Ordinárias da Assembleia Geral da ONU – de FHC à Lula. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3497, 27 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23553. Acesso em: 20 dez. 2024.

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