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Contratos telemáticos: pontos controversos e os direitos do consumidor

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Agenda 03/03/2013 às 10:22

O direito à privacidade

O direito à privacidade dos cidadãos, por exemplo, é um tema que ainda desperta preocupação quando se refere ao mundo virtual. Tanto a doutrina brasileira quanto a portuguesa distinguem os termos “privacidade” e “intimidade”. Quando se trata do primeiro, faz-se referência aos atos da vida de um indivíduo que, por mais que não sejam secretos, encontra-se no âmbito de sua discricionariedade ocultá-los da curiosidade pública. Com relação ao segundo, relaciona-se aos atos da vida íntima que são mais ocultos, e denotam um âmbito de espaço fechado da própria pessoa, como um diário ou outros segredos íntimos que encerram o seu conceito.

É sabido que, no ciberespaço, a maioria dos dados pessoais que circulam na rede é advinda de pessoas que preenchem cadastros e formulários, principalmente para realizar transações eletrônicas. A coleta dessas informações sem autorização judicial viola a privacidade garantida constitucionalmente, que inclui as garantias de inviolabilidade de correspondência e dos dados de comunicação telefônica, salvo por determinação judicial.

Muitas vezes estes dados obtidos pelo fornecedor na transação eletrônica são comercializados com outras empresas, que não os coletou inicialmente. São formados, então, verdadeiros bancos de dados acerca de seus usuários. Neles podem ser localizados dados pessoais, patrimoniais e preferências de consumo, o que é preocupante, já que nem o próprio usuário nem o Poder Público têm acesso à formação, destinação e utilização dessas informações.[6]

No mundo virtual, quando se fala de crackers e cookies, são meios que permitem a violação tanto da intimidade quanto da privacidade de diversas pessoas por meio, por exemplo, da cópia não-autorizada dos arquivos de seu disco rígido, ou da venda de seus dados pessoais para fins de pesquisas mercadológicas.

Distinguem-se dois meios de coletas de dados efetivados na internet: os explícitos são aqueles em que o consumidor tem pleno conhecimento de que estão fornecendo informações pessoais para o website, quando, por exemplo, preenche um formulário ou um cadastro com seus dados pessoais. Outro é o caso quando nos referimos aos meios não-explícitos, nos quais o usuário não tem a consciência plena de que está passando informações ao website. Isso ocorre quando os cookies verificam sempre que há o acesso de um computador pessoal a determinado site e personalizam a utilização da página da Organização, ou investigam os horários em que o consumidor utiliza a internet, e a forma como gasta seu dinheiro online.

O Código de Defesa do Consumidor não tem previsões legais para esse tipo de situação, até porque é anterior ao uso da internet no Brasil. O Anteprojeto de Lei sobre Comércio Eletrônico, apresentado à Câmara dos Deputados pela OAB – Seção de São Paulo, recebeu o apoio de diversos órgãos protetores dos direitos consumeristas, e faz previsões expressas no sentido de zelar mais pela privacidade dos compradores, de acordo, por exemplo, com seu artigo 5º:

“0 ofertante somente poderá solicitar do destinatário informações de caráter privado necessárias à efetivação do negócio oferecido, devendo mantê-las em sigilo, salvo se prévia e expressamente autorizado a divulgá-las ou cedê-las pelo respectivo titular.”

A implementação da Lei parece ser um método eficaz para que as relações estabelecidas entre fornecedores e consumidores no âmbito dos contratos eletrônicos sejam mais protegidas pelas garantias presentes no CDC. Há portaria do Ministério da Justiça que considera abusivas certas práticas constantes nos contratos eletrônicos, como as cláusulas que permitem o repasse de dados pessoais de algumas empresas para outras sem que haja prévia notificação do consumidor.


Os spams e a publicidade abusiva na Internet

Muitas são as situações em que, navegando no ciberespaço, recebem-se e-mails informando prêmios e descontos extraordinários que o internauta ganharia, ou inúmeros e-mails indesejados informando sobre promoções ou ofertas de produtos e serviços não solicitados. O spam é um produto humano, portanto também abrangido pelo Código de Defesa do Consumidor, e que causa inúmeros incômodos, além de propiciar uma técnica de telemarketing desleal e agressiva.

Quando se recebe um spam, isso ocorre à força, não há como evitá-lo ou se livrar dele facilmente. No entanto, se os internautas são fracos no sentido de evitar essas práticas abusivas, podem se valer de meios legais para punir o spammer, ou seja, aquele que envia os e-mails indesejados. De fato, como salienta o artigo 6º do CDC:

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Art. 6º- São direitos básicos do consumidor:

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

Por meio dos e-mails indesejados, o spammer constrange os seus destinatários, e na maioria dos casos apela para uma prática de marketing abusivo e desleal, por meio de suas ofertas. Isso ocorre, por exemplo, quando a oferta explora a curiosidade alheia para que o consumidor abra o e-mail, com anúncios como “Você Ganhou!”, ou quando faz referência à indicação de um amigo que nunca existiu. Ao proceder dessa forma, viola-se nitidamente o artigo 36 do CDC, que apregoa: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.

Dessa forma, há quem afirme que todo e qualquer tipo de spam é abusivo, especialmente porque não dá chances ao destinatário de recusar o seu recebimento:

E o spam é abusivo porque não dá ao destinatário a possibilidade de seu não recebimento, porque faz com que o destinatário e a própria Internet arquem com as despesas de seu “empreendimento”, porque impõe ao destinatário obrigações que ele não assumiu por vontade própria e que não tem que assumir por força de inexistência de imposição legal. [7]

Quando veicula propaganda enganosa, ainda, o spam viola não apenas o artigo 6º, inciso IV, e o artigo 37 do CDC, mas também incide no disposto no §1º do artigo 60, que possibilita a imposição ao spammer de uma contrapropaganda. Entretanto, como leciona Silva Neto, o spam por si só já é um incômodo, e uma contrapropaganda não ajudaria resolução da problema, só importunaria ainda mais o consumidor.

Cabe ressaltar, ainda, que por não ter um destinatário limitado e definido, na maioria das vezes, o spammer atinge com os seus e-mails um grupo muito amplo de consumidores, muitos dos quais se encontram em situação de hipossuficiência frente à propaganda abusiva. Assim, alguns consumidores, em razão de “sua idade, saúde, conhecimentos ou condição social”, podem ser mais facilmente ludibriados, especialmente crianças com acesso à Internet.

O CDC traz em seus artigos (artigos 55 a 60) as sanções administrativas que podem ser impostas ao spammer, dentre elas: multa, suspensão de fornecimento do produto ou serviço, suspensão temporária de atividade, revogação de concessão ou permissão de uso e cassação de licença do estabelecimento ou de atividade. Quando faz afirmação falsa ou enganosa a respeito de seus produtos, ainda, o spammer pode sofrer pena de detenção de 3 meses a 1 ano, além de multa, nos termos do artigo 66 do CDC, podendo incidir também, por meio de suas condutas, nas penalidades dos artigos 67, 72 e 73 do CDC.


Conclusão

Conquanto haja significativo esforço doutrinário empenhado no estudo das relações entre o Direito e a Internet, muitos ainda são os questionamentos e as perplexidades que se encontram quando se lança um olhar mais atento ao tema. O desenvolvimento eletrônico é veloz, e a legislação parece, muitas vezes, não acompanhar o ritmo de multiplicação das novas situações jurídicas criadas a partir dos contratos firmados por meio da Internet, ou envolvendo produtos eletrônicos.

A incidência eficaz do Código de Defesa do Consumidor é requisito essencial para que os contratos telemáticos e informáticos sejam celebrados, executados e concluídos respeitando o equilíbrio entre as partes e os princípios da probidade e da boa-fé. Muito a desenvolver, portanto, no campo de estudos que abrange as relações consumeristas em âmbito virtual, especialmente devido ao aumento do e-commerce, e à expansão dos sites de compras coletivas.

Ademais, num contexto de propagandas abusivas e e-mails indesejados, há que se reforçar também os dispositivos de proteção contra o marketing desleal, para que os dispositivos do CDC que visam ao equilíbrio fornecedor-consumidor nos contratos de adesão sejam de fato resguardados, e não se tornem obsoletos. Os métodos para encaminhar o consumidor a ofertas enganosas se multiplicam na rede, e a fragilidade do consumidor deve sempre ser levada em conta quando se fala de meios de proteção como, por exemplo, a possibilidade de arrependimento, prevista no artigo 49 do CDC.


Bibliografia

ALVES, Paulo Antônio Nevares. Implicações Jurídicas do Comércio Eletrônico no Brasil: um estudo preliminar acerca do âmbito de aplicação da disciplina das relações de consumo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

BACELAR, Hugo Leonardo Duque. A Proteção Contratual e os Contratos Eletrônicos. São Paulo: IOB Thomson, 2006.

BARRETO, Ana Carolina Horta...[et al.]. O Direito e a Internet. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

BLUM, Rita Peixoto Ferreira. Direito do Consumidor na Internet. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002.

LUCCA, Newton. Aspectos Jurídicos da Contratação Informática e Telemática. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

PERRONI, Otávio Augusto Buzar. O Contrato Eletrônico no Código Civil Brasileiro. 1ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2007.

SALGARELLI, Kelly Cristina. Direito do Consumidor no Comércio Eletrônico: uma abordagem sobre confiança e boa-fé. São Paulo: Ícone, 2010.

SILVA NETO, Amaro Moraes. Emails Indesejados à Luz do Direito. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002.


Notas

[1] PERRONI, 2007, p. 50-51.

[2] BACELAR, 2006, p. 36.

[3] SALGARELLI, 2010, p. 74.

[4] BACELAR, 2006, p. 38.

[5] BLUM, 2002, p. 99.

[6] SALGARELLI, 2010, p. 127.

[7] SILVA NETO, 2002, p.155.

Sobre o autor
Frederico Alencar Monteiro Borges

Graduando em Direito pela Universidade de Brasília - UnB.Estagiário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Frederico Alencar Monteiro. Contratos telemáticos: pontos controversos e os direitos do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3532, 3 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23853. Acesso em: 22 nov. 2024.

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