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O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental

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Agenda 04/03/2013 às 19:55

Há relatório da ONU que destaca um número cada vez maior de países a adotar leis que tornam o acesso à Internet um direito fundamental

Resumo: O presente trabalho tem por finalidade demonstrar que, naatual sociedade da informação, há uma real necessidadede acesso à rede mundial de computadores (internet) pelo brasileiro mediano. Oreconhecimento e a elevação do acesso àInternet e à informação ao patamar de direito fundamentalé viabilizada pela cláusula de abertura constitucional cristalizada no artigo 5º, §2º da Constituição Federal.Lançamos mão da doutrina mais renomada do direito constitucional, nacional e internacional, para referendar tal afirmação. Para isso, consideramos a Internet não como uma simples tecnologia de comunicação, mas como um dos mais rápidos, universais e revolucionais fenômenos sociais que a humanidade já viveu.

Palavras-chave:Direitos Fundamentais. Cláusula de abertura constitucional. Acesso à Internet.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 CONCEITUAÇÃO, DEFINIÇÃO TERMINOLÓGICA E BREVE HISTÓRICO. 1.1 Conceito de Direitos Fundamentais. 1.2 Definição Terminológica de Direitos Fundamentais. 1.3 Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais. 1.3.1 Direitos Humanos na Antiguidade Clássica. 1.3.2 Direitos Humanos no Período Medieval. 1.3.3 Direitos Humanos na Idade Moderna. 1.3.4 Direitos humanos na Contemporaneidade. 1.3.4.1 Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. 1.3.4.2 Revolução Francesa. 1.3.5 Direitos fundamentais do Pós-Segunda Guerra até hoje. 2 NOMECLATURA E PROCESSO DE AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.1 Gerações, dimensões ou categorias de Direitos Fundamentais. 2.1.1 Primeira Geração (direitos individuais ou negativos). 2.1.2 Segunda Geração (direitos sociais ou direitos positivos). 2.1.3 Terceira Geração (direitos difusos e coletivos). 2.1.4 Quarta Geração (direito a democracia e à informação).. 2.1.5 Quinta Geração (direito à paz).2.2 Fundamento Jurídico-Filosófico dos Direitos Fundamentais. 2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana.2.2.2 Estado Democrático de Direito..2.3 Direitos fundamentais em Sentido Formal e em Sentido Material.2.4Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.3 ACESSO À INTERNET COMO COROLÁRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.3.1 A rede mundial de computadores (Internet): definição e origem.3.2 A abertura constitucional do art. 5º, §2º, CF/88 a novos Direitos Fundamentais..3.3 Jurisprudência e Doutrina Internacional – Direito à Informação e àInternet como fundamentais. 3.4 O acesso à Internet como Direito Fundamental.4 CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

O cerne do estudo teve como fonte inspiradora o entendimento doutrinário hodierno da ampliação e concretização dos Direitos Fundamentais, na proposta de considerar o acesso à rede mundial de computadores como direito essencial ao pleno desenvolvimento e exercícioda liberdade, da cidadania, da democracia e das potencialidades da personalidade dosindivíduos, portanto, ante a relevante natureza transformadora da Internet, a mesma deve ser considerada como Direito Fundamentalcom supedâneo no Art. 5º, § 2º da Carta Magna.

De início, abordaremos o conceito e as várias definições terminológicas que a doutrina nacional e internacional confere aos Direitos Fundamentais. Logo em seguida, percorreremos os caminhos da história humana desde a antiguidade clássica, como os pais da democracia, os gregos,até os dias atuais, sempre atento aos fenômenos sociais e jurídicos que ensejavam manifestos, mesmo que discretos, dos Direitos Humanos no começo e com os Direitos Fundamentais nos tempos atuais.

Em seguida, colheremos na doutrina mais escorreita a forma mais didática de expressar o processo de afirmação histórica dos Direitos Fundamentais, declinando de embates teóricos sobre a nomenclatura empregada, se gerações, dimensões ou categorias de direitos fundamentais. Neste ponto, adotaremos a doutrina baseado, principalmente, nos escritos de Paulo Bonavides, que usa o termo geração e as classifica em cinco, representando assim, sua evolução histórica.

Por fim, abordaremos os fenômenos que a Internet está provocando na sociedade, que fazem com uma tecnologia de comunicação se torne um dos maiores fenômenos sociais de todos os tempos, ao ponto de, segundo a tendência mundial, serconsideradaDireito Humano. Encontramos argumentos a favor desta tese, tanto em legislações alienígenas (Finlândia, França, Grécia, Espanha, Costa Rica, ONU), quanto no Art. 5, § 2º da nossa Carta Constitucional de 1988.

1CONCEITUAÇÃO, DEFINIÇÃO TERMINOLOGIA E BREVE HISTÓRICO

1.1 Conceitode Direitos Fundamentais

Faz-se necessário firmarmos como ponto de partida breve exposição sobre oconceito que a doutrina utilizapara designar Direitos Fundamentais.

A proposta de logo apresentada é uma tarefa espinhosa, pois a falta do mínimo de rigor técnico findará por eivar o conceito formulado em tautologia ou demonstrar-se-á inútil por ser muito amplo. Desta forma, buscaremos de início essa definição expondo as principais características e definições de direitos fundamentais adotada pela doutrina dominante, buscando declinar de embates conceituais que são desnecessários para esta pesquisa.

Com o fito doutrinário de tentar angariar informações relevantes pertinentes à conceituação de Direitos Fundamentais, fazemos a transcrição de algumas das definições apresentadas pela doutrina mais renomada.

Assim conceitua Dirley da Cunha Junior:

São todas aquelas posições jurídicas favoráveis às pessoas que explicitam, direta ou indiretamente, o princípio da dignidade humana, que se encontram reconhecidas no teto da Constituição formal (fundamentalidade formal) ou que, por seu conteúdo e importância, são admitidas e equiparadas, pela própria Constituição, aos direitos que esta formalmente reconhece, embora dela não façam parte (fundamentalidade material).[1]

Da literatura doutrinária do Professor José Afonso da Silva é válido as suas palavras quando entende que direitos fundamentais são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.[2]

Lançando mão da doutrina internacional do Professor espanhol Antonio-Enrique Pérez Luño, um dos grandes a encarar o embate de refletir, analisar, desenvolver, fundamentar e sintetizar um conceito para Direitos Humanos e Direitos Fundamentais demonstra como sendo:

(...) Um conjunto de faculdades e instituições que, e cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade  humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.[3]

Os direitos fundamentais guardam características próprias, são, portanto, positivados em um sistema jurídico como dito pelo Professor Ingo Sarlet:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integrados ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal.[4]

Assim, temos que uma das características essenciais é apositivação em uma carta constitucional.Mas nada obsta que direito de conteúdo relevante, mesmo não previsto expressamente na Constituição possa ser tido como direito fundamental, é o que prevê o §2º do artigo 5º da CF/88,oqualreza que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dostratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Portanto, é inevitávelreconhecer que existem direitos fundamentais implícitos, ou seja, fora do texto da Carta Magna. Mais à frente abordaremos a problemática de direitos fundamentais em sentido formal e material.

Para melhorar a compreensão acerca da definição de Direitos Fundamentais, complementamos na lição de Canotilho quando passa a discorrer sobre as funções dos mesmos que cumprem:

[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).[5]

Do exposto sobre Direitos Fundamentais, destacamos duas das suas funções precípuas, notadamente quando se faz presente na proteção do cidadão resguardando-o contra o arbítrio do poder estatal e na consagração da dignidade da pessoa humana.

Por fim, em que pesem as preferências por determinada designação variar no tempo e no espaço e na pluralidade de conceitos existentes entre doutrinadores, adotar-se-á neste trabalho a expressão Direitos Fundamentais como o conjunto de direitos e garantias que visam à proteção da dignidade da pessoa humana, impondo restrições ao arbítrio do poder estatal e estabelecendo condições mínimas aceitáveis para uma existência digna e também que vincula ao convívio harmonioso em sociedade, de modo que se permita o desenvolvimento das potencialidades do ser humano.

1.2 Definição Terminológica de Direitos Fundamentais

Com o passar do tempo e com a evolução das sociedades surgiram varias terminologias para designar o conjunto de direitos considerados naturais e inalienável do indivíduo, como afirma Canotilho como sendo os direitos naturais, direitos do homem, direitos individuais, direitos humanos fundamentais, direitos fundamentais do homem, liberdades públicas[6] dentre outros.

O professor José Afonso da Silva[7] nos ensina que não se pode mais aceitar com tanta passividade a ideia de que os Direitos Humanossejam confundidos com os direitos naturais, sendo estes provenientes da natureza das coisas, identificadas com o jusnaturalismo, como se tais direitos fossem resultados de uma revelação, não dando tanta relevância a sua construção histórica.

A expressão direito natural esta situada em momentos históricos anteriores as primeiras declarações do século XVIII que utilizavam-na para identificar os direitos essenciais à pessoa humana, enquanto que Direitos Humanos seriam direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem, são direitos positivos,históricos e culturais, que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada segmento histórico.

Com esta exposição, deixa-nos claro que os Direitos Humanos são produtos não da natureza, mas da civilização humana em dada época, enquanto direitos históricos, elessão mutáveis, isto é, passivos de transformação e ampliação. Tal lição coaduna como o objeto de estudo do presente trabalho, ao afirmarmos que o acesso àInternet, no nascedouro do século XXI, deve ser considerado ou que já se tornou, mesmo que materialmente,Direito Fundamental.

Fora citado que estamos em seara espinhosa quando tentamos definir Direitos Humanos e Direitos Fundamentais sem incorrer no risco de cairmos em tautologia-teratológica. Sentimento este é bem apontado pelo jusfilósofo Norberto Bobbio, quando discorre sobre as varias tentativas feitas para definir tais institutos e seus respectivos resultados. O douto professor finda por transparecer uma ideia de descrédito quanto à formulação de um conceito preciso sobre Direitos Humanos.

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Bobbio[8] afirmar que a ideia de que direitos humanos são direitos naturais, os que cabem ao homem e à mulher enquanto seres humanos é meramente tautológica, portanto, não servindo para traduzir seu verdadeiro significado e seu preciso conteúdo.

A definição terminológica assim como expor possíveis semelhanças e diferenciações entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos é premissa sinequa non para se prosseguir com clareza no presente trabalho.

A depender do ponto de vista do doutrinador, alguns entendem que as expressões Direitos Fundamentais e Direitos Humanos conservam certo teor de imbricação e sinonímia. Paulo Bonavides afirma que quem diz direitos humanos, diz direitos fundamentais, e quem diz estes diz aqueles.[9]

Já o professor Sarletreconhece e ressalta a similaridade existente entre as expressões, mas logo em seguida pormenoriza-as expondo bem as distinções:

[...] não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, ainda que representado por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estado). [...] Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).[10]

Tendo espeque nos ensinamentos do Professor Sarlet, percebemos que Direitos Humanos têm seus direcionamentos voltados para o ser humano universal independente da nação, i.e., há uma internacionalização desses direitos.

Quanto aos Direitos Fundamentais, concluiu o professor, que estes abarcam o reconhecimento de forma positivada pelo Estado, assegurando direitos natos ao ser humano que visa as Constituições determinarem direitos eminentemente de caráter interno para proteção de seus cidadãos e garantido direitos essenciais, tais como, à vida, à liberdade, ao trabalho, à saúde, à educação dentre outros, mormente nos ditames do TÍTULO II- Dos Direitos e Garantias Fundamentais - da nossa Carta Magna Brasileira de 1988.

Conforme nos auxilia o professor Willis Guerra Filho, quando condensa nas seguintes palavras a distinção entre as expressões “Direitos Fundamentais” e “Direitos Humanos”:

Uma primeira dessas distinções é aquela entre “direitos fundamentais” e “direitos humanos”. De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno.[11]

Completando a lição temos Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoca caráter supranacional.[12]

Com suporte na doutrina de Willis Guerra Filho e Ingo Sarlet percebemos clara distinção entre direitos humanos e diretos fundamentais, pois aqueles tutelam os indivíduos na seara internacional, enquanto estes protegem os seus no âmbito doméstico por meio da positivação na constituição.

Percebemos que, no recente processo de internacionalização dos Direitos Humanos, implica na cada vez maior relativização da prerrogativa, que outrora era quase absoluta, dos Estados em tratar dos seus assuntos internos.

A importância da proteção à pessoa humana faz com que até princípios de soberania nacional sejam superados em prol dos direitos humanos.[13] A história núpera faz registro de intervenções humanitárias da ONU quando há patentes violações aos Direitos Humanos, para citar as intervenções mais relevantes temos na Somália (1992), no Haiti (1994), na Bósnia(1996), em Kosovo(1999), na Líbia(2011) do ex-líder líbio Muammar Kadafi e, atualmente (outubro de 2012), vivemos a iminência das tropas da ONU intervirem em território sírio do presidente Bashar Al-Assad, que desde março do ano passadoestá em guerra civil, com registro de morte de mais de 13 mil pessoas, em sua maioria civis, segundo relato de observadores internacionais.[14]

 A nossa Constituição Federal de 1988 adotou, no artigo 5º, a distinção entre os Direitos Fundamentais, Direitos Humanos e Direitos do Homem, seguindo, portanto, o consignado na Carta das Nações Unidas que repetidamente, ao longo do seu texto, acentua o quão necessário se faz o respeito universal e eficaz aos direitos do homem, importante citar o referido dispositivo constitucional:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.[15] (grifei)

Vemos então, que o parágrafo 1º classifica como Direitos Fundamentais os previstos no próprio texto da Carta. Tendo no parágrafo 2º apenas o termo “direito”, por fazer alusão tanto aos Direitos Humanos quanto aos Fundamentais, por fim, no parágrafo 3º cuida de direitos reconhecidos na seara internacional, lançando mão do termo Direitos Humano.

Os Direitos Fundamentais compreendem ao reconhecimento de forma positivada pelo Estado, garantindo direitos inerentes ao ser humano que visa as Constituições determinarem direitos eminentemente de cunho interno para proteção de seus cidadãos e garantido o direito à vida, trabalho, saúde, educação e entre outros conforme a nossa Constituição Federal de 1988 preocupa com os direitos do cidadão.

Sabe-se que na ciência jurídica impera a pluralidade de pensamentos, sendo, talvez, sua mola-mestre. Em perspicaz construção jurídico-filosófica, Flávia Piovesan faz correlação entre os Direitos Humanos e o Direito Internacional, emergindo, portanto, um coerente conceito a qual denomina de Direito Constitucional Internacional, confiramos excerto da obra:

Por Direito Constitucional Internacional, subentende-se aquele ramo do direito na qual se verifica a fusão e a interação entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional. Esta interação assume um caráter especial quando estes dois campos do direito buscam resguardar um mesmo valor–o valor da primazia da pessoa humana – concorrendona mesma direção e sentido.[16]

Portanto os Direitos Humanos estão para a proteção universal do ser humano como direito à vida e à liberdade. Enquanto que, os Direitos Fundamentais estão voltados para o direito interno positivado na forma de Constituição e deve ser garantida pelo Estado meios de garantir os Direitos Fundamentais de todos os cidadãos.

1.3.Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais

Para fins didáticos, tomar-se-á a periodização tradicional da histórica,[17] mesmo ciente que não há um padrão classificatório unânime, podendo haver tantas divisões quantos pontos de vista culturais, etnográficos e ideológicosexistirem.

Percorreremos o caminho histórico dos Direitos Humanos iniciando na antiguidade clássica ocidental com os gregos e romanos. Na Idade Média,visitaremos o pensamento de Santo Tomás de Aquino, na Inglaterra em 1215, estaremos com o legado do Rei João Sem Terra e sua Carta Magna. Trilharemos, na Idade Moderna em 1628,o PetitionofRights. In finedeste tópico, na contemporânea, já se descortinando o instituto dos direitos fundamentais, galgaremos a trilha deixada pelas Revoluções Francesa, Americana e Inglesa, ressaltando suas importâncias para o reconhecimento de direitos inerentes a pessoa humana hodiernamente, sendo que, cada uma contribuiu a sua maneira.

Ensina-nos o professor Norberto Bobbio:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.[18]

Portanto, a evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a própria construção e evolução da vida em sociedade, muitas vezes dada por ressignificação de conceitos, valores, costumes e normas sociais e jurídicas e também pela luta contra viciados sistemas de poder e opressão.

1.3.1Direitos Humanos na Antiguidade Clássica

Muito embora haja corrente doutrinária que defenda que a história dos Direitos Humanos começou com a (de)limitação do poder do Estado pela lei, a nosso ver, trata-se de uma visão errônea. Também não prosperao posicionamento que desconsidera a luta pelos Direitos Humanos desde a antiguidade, pois como veremos neste tópico, há registros de reivindicações de direitos que mais tarde seriam consagrados como Direitos Fundamentais.

Tais registroslongínquosdão mostrada existência de lutas pelos Direitos Humanos de liberdade do próprio corpo e do pensamentoque, com certeza, tais inquietações sociais trilharam longo caminho na evolução da humanidade para posteriormente galgar o patamar de Direitos Fundamentais no século XXI.

Apontamos na Grécia antiga os primeiros resquícios da ideia de um direito natural atemporal superior ao direito positivado, dada pela simples diferenciação entre a lei particular, que é aquela em que cada povo da a si mesmo e a lei comum, que considera a possibilidade de distinção entre o que é justo e o que é injusto tendo como referência a própria essência humana. Bem se representa esta ideia na peça de teatro Antígona, de Sófocles, quando a personagem Antígona invoca leis imutáveis e universais para descumprir uma lei local que impedia o enterro de seu irmão, Polinices, que a seu ver era abusiva e desproporcional.[19]

Outro legado incomensurável para o ocidente deixado pelos gregos foi a ideia de democracia (direta), a participação de todos os homens livres[20] da polis nas decisões acerca da administração e política externa da mesma.

Esta democracia participativa na condução da administração da polis possibilitou, de certa forma, a limitação do poder nas funções do governo e na superioridade da lei.[21]

No império romano, o ius gentium e o surgimento do cristianismo, lançaram as bases para o reconhecimento de condições natas e irrenunciáveis de todos os homens e mulheres, vemos claramente o gérmen dos Direitos Humanos incutido nesses dois institutos, melhor definição faz Jorge Miranda quando afirma que

É com o cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem e sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados a imagem e semelhança de Deus, todos os homens e mulheres são chamados à salvação através de Jesus, que, por eles, verteu o Seu sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social pode destruir. [22]

Reconhecemos na antiguidade diversas contribuições no sentido de reconhecimento de direitos relativos à pessoa humana. Destacamos que neste período, tinha-se como lugar-comum práticas como a escravidão, distinção por sexo ou classe social, o que não diminui com seus méritos, pois como dito, citados direitos não surgem como uma revelação, mas paulatinamente acompanham o próprio caminhar da civilização humana.

1.3.2Direitos Humanos no Período Medieval

Apesar de não ser muito comum mencionar na Idade Médiadireitos que podemos considerar pertencentes aos que chamamos hoje de Direitos Humanos, temos significativos institutos, filósofos e pensadores que contribuirão a seu modo e no seu tempo para que fosse construído o cabedal de direitos e garantias fundamentais de hoje.

Temos na sociedade da Idade Média a descentralização política, ou seja, a existência de vários centros de poder autônomos chamados de burgos, havendo intensa disputa entre poder temporal e poder eclesiástico. Também notamos a influência do cristianismo e a organização da sociedade em feudos, decorrente da dificuldade de praticar a atividade comercial.

Faça-se justiça ao mencionar o pensamento de São Thomas de Aquino (1225-1274), cujo mérito está ligado ao fato dele ter feito menção a real função do direito, no tocante ao que se refere à justeza na distribuição dos bens terrestres e no papel da jurisprudência enquanto disciplina autônoma, seguindo os critérios da razão natural. Do florescer intelectual do pensador medieval sobressai a doutrina da coexistência harmônica dos poderes temporal e eclesiástico, porém, para o autor, findava com a supremacia da autoridade espiritual.

No final da Idade Média, no século XIII, aparece a grande figura de Santo Tomás de Aquino, que, tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos, condenou as violências e discriminações, dizendo que o ser humano tem direitos naturais que devem ser sempre respeitados, chegando a afirmar o direito de rebelião dos que forem submetidos a condições indignas.[23]

O legado deixado por São Tomás de Aquino é de valioso quilate, pois ressalta os fundamentos dos Direitos Humanos consubstanciados na igualdade e na dignidade do ser humano por ter sido gerado a imagem e semelhança de Deus. Assim,o santo classifica em quatro as categorias das leis: lex aeternum, lex divinum, lex naturali e lex humanum, esta última, fruto da vontade do soberano, entretanto devendo ser subordinada à razão e a vontade de Deus.

Outro instituto relevante que merece registro é a Magna Carta do Rei João Sem Terra da Inglaterra de 1215, mesmo tendo conteúdo predominantemente estamental, ou seja, não trazia modificações relevantes na sociedade nem igualdade material para os súditos do rei. Apenas assegurava para uns poucos (nobres e burguesia) direitos frente aos poderes do monarca, que até então eram ilimitados.

Esta garantia, inédita, sinalizou para o surgimento dos Direitos Fundamentais e também é considerada a origem do dueprocess.[24]

Tamanho é o significado da referida Carta, que dois grandes jurisconsultos contemporâneos fazem alusão ao instituto medievo. Vejamos nas palavras do português Jorge Miranda:

As duas linhas de força mais próximas – não únicas, nem isoladas – dirigidas à formação e ao triunfo generalizado do conceito moderno de direitos fundamentais são, porém, a tradição inglesa de limitação do poder (da Magna Charta ao ActoofSettlement) e a concepção jusracionalistaprojectada nas Revoluções americana e francesa.[25]

E Canotilho acerca do tema, assim dispõe analisando a referida Magna Carta:

Mas a Magna Charta, embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, fornecia já aberturas para a transformação dos direitos corporativos em direitos do homem. O seu vigor irradiante no sentido da individualização dos privilégios estamentais detecta-se na interpretação que passou a ser dada ao célebre art. 39º, onde se preceituava que “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos, nem mandaremos proceder contra ele, senão em julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”. Embora este preceito começasse por aproveitar apenas a certos estratos sociais os cidadãos optimo jure acabou por ter uma dimensão mais geral quando o conceito de homem livre se tornou extensivo a todos os ingleses.[26]

Não menos importantes, pois seguiram a esteira da Magna ChartaLibertatum, necessário se faz registrar outros estatutos anglo-saxões assecuratórios de direitos como a PetitionofRights (1628), o Habeas Corpus AmendmentAct (1679) e o Bill ofRights(1688). Entretanto, tais cartas não possuíam o alcance moderno das Declarações de Direitos Fundamentais, porém, foram essenciais para a formação destas, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América em 1776 e da Revolução Francesa, em 1789. Temos na arguta explicação do professor Ingo Sarlet[27] a delimitação clara do ainda “não-nascimento” dos Direitos Fundamentais nos institutos ingleses, pois, há época, tivemos a fundamentalização, mas não uma constitucionalização dos direitos e liberdades individuais fundamentais.[28] Portanto, estamos falando de fundamentalização, visto que, não havia vinculação nem subordinação do parlamento inglês, carecendo, desta forma, de supremacia.

Portanto, consideram-se a Magna Carta de 1215 e seus congêneres, como os primeiros passos de uma longa caminhada histórica que levaria à positivação dos Direitos Humanos e o surgimento dos Direitos Fundamentais.

1.3.3Direitos humanos na Idade Moderna

Fatores preponderantes da Idade Média como a descentralização política, a influência do magistério da Igreja Católica e o estilo de vida feudal, foram paulatinamente deixando de existir, dando ensejo para a criação de uma nova sociedade, a moderna.

Essas mudanças, principalmente de cunhocomportamental,sãodecorrentes de vários fatores tais como o aumento do comércio que criou uma nova classe, a burguesia, que não tinha voz ativa na sociedade feudal; o surgimento do Estado Moderno, ocorrendo a centralização do poder político, ou seja, o direito passa a ser o mesmo para todos dentro do reino, sem as inúmeras fontes de comando que caracterizavam a sociedade medieval; uma mudança de mentalidade, os fenômenos passam a ser explicados cientificamente, por meiodaciência e da razão e não somente atrelada à visão religiosa.

Talvez o que marcou mais na idade moderna foi a força da religião com fonte dominadora do pensamento medieval, por isso destacamos a Reforma Protestante que contestou a coerência da Igreja Católica, principalmente no tocante às indulgências, dando importância a interpretação pessoal das Sagradas Escrituras. Citamoso Edito de Nantes[29] onde o Rei Enrique IV da França proclamou a liberdade religiosa, num claro reconhecimento do direito que cada pessoa tem de participar, de acreditar em uma religião, ou também de não acreditar ou não participar de nenhuma.

Ainda que tenha existido significativo avanço neste período, não podemos falar ainda em direitos considerados universais, ou seja, comuns a toda e qualquer pessoa apenas por ser humano, pois os direitos eram meras concessões reais podendo ser revogadas, isto é, não constituíam um limite eficaz e permanente na atuação do poder político.

1.3.4 Direitos humanos na Idade Contemporânea

É a positivação das declarações assecuratórias de direitos do final do século XVIII, notadamente na Declaração de Virgínia de 1776[30] e a Declaração Francesa de 1789, que expõem ao mundo um novo sentido que vem a ser revolucionária no tocante a condição humana.

Dando azo ao constitucionalista Gomes Canotilho,[31] quando afirma que a história dos Direitos Fundamentais pode ser separada entre o período anterior e o posterior às declarações americana e francesa de direitos, faremos aqui destaque sobre elas.

1.3.4.1Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e Declaração de Independência dos Estados Unidos da América

Foi na América do Norte, na colônia da Virgínia, uma das mais populosas e mais prospera colônia originária norte-americana, onde podemos considerar a primeira Declaração de Direitos, que de início promulgava que todos os seres humanos são, pela sua própria essência, igualmente livres e independentes e titulares de alguns direitos natos, ou seja, direitos à vida, à liberdade de locomoção, à propriedade, à segurança, dentre outros.

Comparato afirma que a Declaração da Virginia expressa com nitidez os fundamentos democráticos, reconhecimento de direitos natos de toda a pessoa humana, os quais não podem ser alienados ou suprimidos por uma decisão política,[32] este era o cerne do artigo primeiro da Declaração.[33]

Portanto, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, feita em 04/07/1776,marca o inicio da transição dos direitos de liberdade legais ingleses, ou seja, apenas fundamentalizados, para os direitos fundamentais constitucionais, trazendo a reboque os direitos já reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século XVII como a liberdade, a propriedade privada e os direitos individuais, hauridos da Declaração da Virginia.

Há de se pensar que a Constituição norte-americana promulgada em 1787 de forma natural incorporasse os direitos positivados na Declaração de 1776, porém, isso não ocorreu. Porque para os constituintes originários, a preocupação dizia precipuamente com a autonomia e o equilíbrio dos três poderes, de modo que nenhum viesse a tiranizar o outro e assim comprometer o pacto federativo.

Assim compreendemos que, embora a Constituição dos Estados Unidos da América tenha sido promulgada em 1787, somente em 1791, recebeu artigos que expressavam explicitamente direitos individuais, quando foram adicionadas as dez emendas constitucionais chamada de Bill ofRightsouDeclaração de Direitos, (que foram baseadas nos velhos writs ingleses da Carta Magna do Rei João Sem Terra, PetitionofRights e The DeclarationofRights) que tratavam de alguns direitos individuais fundamentais para a liberdade.

Fato este aludido por Ingo Wolfgang Sarlet quando afirma que:

[...] pela primeira vez os direitos naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda que este status constitucional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido definitivamente consagrado somente a partir da incorporação de uma declaração de direitos à Constituição em 1791, mais exatamente, a partir do momento em que foi afirmada na prática da Suprema Corte a sua supremacia normativa.[34]

Fazemos o reconhecimento de que, vultoso foi a contribuição norte-americana para o direito constitucional, que ainda hoje serve de fonte inspiradora, servindo de modelo para muitas outras constituições de países americanas.

1.3.4.2A Revolução Francesa

Por sua vez, temos que, a Revolução Francesa, pilar terceiro do início da constitucionalização dos direitos fundamentais, mesmo com os desmandos advindos da “Era do Terror” desempenhou papel importante, quando há a derrocada definitiva do regime absolutista francês, ou seja, houve mudança do eixo gravitacional do poder, que concentrava-se nas mãos do príncipe agora passa para as mãos do povo, mudava assim, o conceito de vontade singular do monarca para o de vontade geral do povo.

A Revolução Francesa teve origem no pensamento filosófico dos Iluministas[35] que, dentre seus principais propósitos, destacavam a invocação da razão para assim, enfraquecer a influência e autoridade da igreja bem como os fundamentos do regime monárquico.

No final de agosto do ano de 1789 no meio a convulsões sociais, em reunião extraordinária, a Assembleia Nacional Constituinte francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Com seus 17 artigos, passou a representar o mais notável progresso quanto à afirmação dos valores fundamentais da pessoa humana, servindo de paradigma para a maioria das constituições ocidentais desde então.

Para Ferreira Filho,[36] o mote propulsor e os objetivos da Declaração foram "(...) proteger os Direitos do Homem contra os atos do Governo[37] e é expressa a menção ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo,[38] tendo por objetivo imediato o caráter pedagógico: instruir os indivíduos de seus direitos fundamentais”.[39]

Sarlet sintetiza as duas declarações (francesa e americana) nestas palavras:

Tantoa declaração francesa quanto as americanas tinham como característica comum sua profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens, e não de uma casta ou estamento.[40]

Portanto, a declaração foi um documento revolucionário que nasceu para (im)por limites na esfera governamental em relação aos cidadãos, indivíduos portadores de direitos e obrigações, ultrapassando assim, os ideais inicialmente almejados pelos iluministas. Os seus princípios reverberam até hoje nos mais diversos regimes políticos, pois não se dirigiam unicamente aos franceses, sendo aplicáveis a qualquer ordenamento jurídico e político.

1.3.5 Direitos fundamentaisdo Pós-Segunda Guerra até hoje

O Direito, por ser uma ciência social, passou por diversas transformações de acordo com os acontecimentos que marcaram a sociedade, fato constatado com o cabo da segunda grande guerra mundial, quando o mundo ficou chocado com a perda de milhões de vidas de forma brutal e inumana.

Tendo o genocídio dos judeus como pano de fundo, que talvez tenha sido a etnia senão a mais perseguida (não olvidemos das outras minorias igualmente perseguidas como a dos ciganos, dos negros, dos homossexuais, etc.), mas seguramente a que detinha maior influência política e econômica, assim, houve comoçãoque se fez ouvir em todo o planeta pela proteção dos direitos fundamentais.

Tal mobilização internacional veio a culminar com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Anotao ministro relator Gilmar Ferreira em rara passagem no RE 201.819 citando este momento histórico com as palavras de Jane Reis Gonçalves Pereira:

[...] a retomada da cultura dos direitos humanos ocorrida no pós-guerra – como reação aos traumas do holocausto – representava um contexto favorável ao estabelecimento da discussão sobre os destinatários daqueles direitos. Em meados do século XX, os direitos do homem voltavam a ostentar o prestígio que desde as revoluções liberais não lhes era conferido. No plano nacional, isso se revelava pelos amplos catálogos de direitos fundamentais contidos nas cartas políticas editadas a partir do pós-guerra. No plano internacional, a Declaração Universal de 1948 dava início ao processo de generalização da tutela internacional dos direitos humanos.[41]

Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH) é um dos,[42]quiçá, o documento marco na história dos direitos humanos.

Portanto, [a Declaração] cumpriu um papel extraordinário na história da humanidade. De certa forma compilou as esperanças de todos os povos oprimidos, fornecendo linguagem autorizada à semântica de suas reivindicações. Proporcionou base legislativa às lutas políticas pela liberdade e inspirou a maioria das Constituições nacionais na positivação dos direitos da cidadania.

No Brasil, foi na Constituição cidadã de 1988 que aflorou o momento a qual vive o constitucionalismo atual, chamado de neoconstucionalismo. Esta nomenclatura “tem sido utilizado por parte da doutrina para designar o estado do constitucionalismo contemporâneo”.[43]

Filha liberta de um período autoritário, a Constituição de 1988 mais do que nuncaprocurou inserir os direitos fundamentais na ordem constitucional. Insertos em patamar de escol, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, característica do neoconstitucionalismo que faz "a incorporação explícita de valores e opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade humana e dos direitos humanos”.[44]

A própria expressão Direitos e Garantias Fundamentaisadotada pela nossa Constituição fora uma inovação, o que, evidentemente, ressalta seu statusjurídico diferenciado. A amplitude do catálogo de direitos fundamentais, de igual forma, é outra característica que sobressai, abarcando direitos fundamentais de diversas gerações.

Muito embora a Constituição Federal de 1988 também tenha valorizado os princípios democráticos e da solidariedade como afirma Vladimir Brega Filho:

Por fim, a Constituição de 1988, novamente inspirada por ventos democráticos, ampliou os direitos fundamentais, e seguindo a tendência mundial, além dos direitos individuais e sociais, reconheceu os direitos de solidariedade (direitos fundamentais de terceira geração) [...].[45]

Alémde, no seu §1°, artigo 5°, determinar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, vemos no mundo fático que isso não ocorre plenamente e, diante da não autoaplicabilidade das normas constitucionais concernentes aos direitos fundamentais, vislumbramos alguns fatores que podem enfraquecer e/ou ameaçar sua aplicabilidade, dentre os quais destacamos duas: os interesses políticos, quando os estados se omitem ante o capital das grandes empresas e a globalização econômica que internacionalizao mercado, em que todas asfronteiras (barreirasespaciais e lógicas) ao processo de produção são removidas a esmo, malfadando a proteção do meio ambiente e a valorização do individuo como pessoa.

Todavia há esperanças, como aponta Bonavides[46] lembrando-nos que ocorreu (ocorre e ocorrerão?)mudanças na hermenêutica jurídica, pois estamos saindo de uma leitura positivista da norma, ou seja, sem qualquer interpretação, como ensinava a escola exegética, para o chamado pós-positivismo, que lança mão da interpretação, realizando uma analise profunda da norma, objetivando produzir seus efeitos na realidade daqueles a quem ela se destina.

“Reputamos a esta nova visão Hermenêutica substancial importância, constituindo uma verdadeira revolução jurídica[...]”.[47] Repousamos nesta revolução jurídica nossas esperanças para que haja maior efetivação dos direitos fundamentais no século XXI, como visto na doutrina que defende a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que no tópico2.4 faremos exame.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, José Nicodemos Vitoriano. O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23867. Acesso em: 23 dez. 2024.

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