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O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental

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Agenda 04/03/2013 às 19:55

2 NOMECLATURA E PROCESSO DE AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais podem ser estudados e concebidos das mais diferentes formas, talvez por isto não haja consenso na doutrina quanto à nomenclatura escorreita para melhor expressar o processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais. Neste capítulo analisaremos como a doutrina predominante lida com as múltiplas maneiras de exprimiros Direitos Fundamentais assim como, esboçaremosuma breve evolução histórica.

2.1Gerações, dimensões ou categorias de Direitos Fundamentais?

Enquanto doutrinadores do porte do professor Paulo Bonavides, mesmo fazendo esclarecimentos,[48] preferem adotar a nomenclatura de gerações de direitos fundamentais,[49] outros, não menos importantes, optam falar de famílias[50] ou dimensões[51]/[52] para indicar os vários escalonamentos que os direitos humanos foram recebendo, à medida que novoshorizontes e novas conquistas foram surgindo. Há também quem prefira utilizar a expressão categorias de direitos fundamentais como o faz o professor José Afonso da Silva:

Eles [direitos fundamentais] apareceram, no cenário constitucional, com as revoluções americana e francesa do século XVIII, ampliaram-se com o correr dos tempos, a ponto de parte da doutrina falar em gerações de direitos: primeira, segunda, terceira gerações – expressões que eito, porque o termo geração contem a ideia de sucessão e de substituição e não é isso que corre com os diretos fundamentais. Outros falam em dimensões dos direitos fundamentais, e, aí, vem os de primeira, segunda, terceira dimensões. Também não me parece ser uma terminologia adequada, porque o termo dimensão contém a ideia de extensão, de tamanho, e isso não se presta para qualificar os direitos fundamentais. É verdade que, figurativamente, dimensão também significa valor, importância. Porém, entre os direitos fundamentais, não se ode dizer que uns tem mais valor ou mais importância que outros, até por que há um princípio da solidariedade que envolve os direitos fundamentais. Seria admissível falar-se em dimensão dos direitos fundamentais com referencia a seus conteúdos: direitos de dimensão individual, direito de dimensão social, etc. [...] Por isso é que, em lugar de falar em geração ou em dimensão, tenho usado a expressão categoria de direitos fundamentais.[53] (grifei)

George Marmelstein e Cançado Trindade lançam mão de seus raros arcabouços doutrinários para fazer críticas à nomenclatura gerações de direitos fundamentais. O primeiro, em artigo publicado na rede mundial de computadores cita:

Conforme se demonstrará, apesar da fama que a teoria das gerações dos direitos fundamentais alcançou, ela não se sustenta diante de uma análise mais crítica, nem é útil do ponto de vista dogmático. Possui, contudo, um inegável valor didático, já que facilita o estudo dos direitos fundamentais, e simbólico, pois induz à ideia de historicidade desses direitos. Além disso, o modelo baseado nas gerações fornece o alicerce para a construção de uma nova teoria das dimensões dos direitos fundamentais, esta sim importante e útil.[54]

Destacamos que Marmelsteinao criticar ressalta o caráter inequívoco e valioso da didática ao empregar gerações de direitos fundamentais, característica esta indispensável no presente trabalho.

Enquanto Cançado Trindade faz apontamentos no sentido de criticar o termo geração de direitos fundamentais quando este confere uma ideia de sucessão ou substituição da geração anterior pela posterior, confiramos:

A fantasia nefasta das chamadas ‘gerações de direitos’, histórica e juridicamente infundada, na medida em que alimentou uma visão fragmentada ou atomizada dos direitos humanos, já se encontra devidamente desmistificada. O fenômeno de hoje testemunhamos não é o de sucessão, mas antes, de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos. As razões histórico-ideológicas da compartimentalização já há muito desapareceram: hoje podemos ver com clareza que os avanços nas liberdades públicas em tantos países nos últimos anos devem necessariamente fazer-se acompanhar não de retrocessos – como vem ocorrendo em numerosos países – mas de avanços paralelos no domínio econômico-social. [55](grifei)

Em outro trabalho, Marmelstein em pensamento arguto destaca que, empregar tanto a expressão geração quanto dimensão são inadequadas. Pois aquela “pode dar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro”[56] e esta “continua-se incorrendo no erro de querer classificar determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dimensão determinada, sem atentar para o aspecto da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos”.[57]

Assim, o autor formula nova proposta de classificar os direitos fundamentais, tendo-os em múltiplas dimensões, ou seja, que seja dado ênfase aos aspectos indivisíveis e interdependentes, com o fito de não valorizar uma dimensão em detrimento de outra, confiramos em suas palavras:

O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão), na dimensão democrática (quarta dimensão) e assim sucessivamente. Não há qualquer hierarquia entre as dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais.[58]

Para completar a cognição desta nova forma de enxergar os direitos fundamentais tidos por Marmelstein em múltiplas dimensões, faz-se necessário citar um exemplo prático de como se daria esta “simultaneidade” ou “indivisibilidade” das dimensões dos direitos fundamentais, senão vejamos:

[...] a título de exemplo, o direito à propriedade: na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), a propriedade tem seu sentido tradicional, de natureza essencialmente privada, tal como protegida pelo Código Civil; já na sua acepção social (segunda dimensão), esse mesmo direito passa a ter uma conotação menos individualista, de modo que a noção de propriedade fica associada à ideia de função social (art. 5º, inc. XXIII, da CF/88); por fim, com a terceira dimensão, a propriedade não apenas deverá cumprir uma função social, mas também uma função ambiental.[59]

Empolgante é, após lição de Marmelstein, vislumbrar os direitos fundamentais sob nova perspectiva.

Interessante se faz registrara origem da expressão “Gerações de Direitos Fundamentais” sendo primeiramente cunhada pelo jurista tcheco, naturalizado francês, KarelVasak, na aula inaugural de 1979 dos Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo.[60]Fato que se toma peculiar, pois segundo Marmelstein,[61]Vasak “sem muito tempo para preparar uma exposição” improvisou em discurso a expressãogeração de direitos fundamentais tendo por base “a bandeira francesa, cujas cores simbolizam a liberdade, a igualdade e a fraternidade” e “[...] sem maiores pretensões, desenvolveu a referida teoria, buscando metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos fundamentais”.

À margem de qualquer embaraço doutrinário referente à quantidade de gerações, ou, como preferem alguns doutrinadores, dimensões dos direitos fundamentais, e sempre movendo-se pelo fito da didática deste estudo, nós elencamos, baseado principalmente nos escritos de Paulo Bonavides,[62] cinco gerações de direitos, que representam os avanços sociais. Deste modo, passamos a discorrer de forma objetiva.

2.1.1Primeira Geração (direitos individuais ou negativos)

Foram os primeiros a serem conquistados pela humanidade e se relacionam à luta pelas liberdades públicas, se revestem de garantias asseguradas diante do Estado. Caracterizam-se pelo conteúdo proibitivo dado ao Estado para que este não lance mão de abuso de poder, em outras palavras, o Estado não pode desrespeitar o que estiver positivado na lei. Trata-se de firmar ao Estado obrigações de não-fazer.

 Corrobora conosco o pensamento de Alexandre de Moraes sobre a primeira geração de direitos fundamentais:

[...] essas idéias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo.[63](Grifei)

Não distante da doutrina de Moraes, Paulo Bonavides pontua uma das características dos direitos fundamentais de primeira geração:

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o individuo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. [64]

Tais direitos vislumbram também, a igualdade dos homens perante a lei, portanto, são tidos como direitos individuais, sendo consubstanciado nos direitos à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.

Para Bonavides, “os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade”,[65] sendo que tais direitos traduzem-se “[n]os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, [...] àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.”

Isto posto, a partir das revoluções oitocentistas, os direitos fundamentais de primeira geração, também chamados de direitos civis e políticos, passaram a permear todas as Constituições das sociedades civis democráticas, não obstante seu caráter de status negativus, que  representa  uma  atividade  negativa  por  parte  da  autoridade estatal, de não violação da esfera individual.

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Cenário este, perdurou até o início do século XX, posto que, a partir deste momento foram ingressados novos direitos fundamentais.

2.1.2Segunda Geração (direitos sociaisou direitos positivos)

Do mesmo modo que o século XIX foi marcado pelo advento dos direitos da primeira geração (direitos civis e políticos), o século XX foi caracterizado por uma nova ordem social. Esta nova ordem urge por uma renovação na estruturação dos direitos fundamentais não mais cristalizada no individualismo puro do modelo anterior, mas norteado pelos direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública, etc.).

Conforme exposição de Sarlet:

A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um ‘direito de participar do bem-estar social.[66]

Insta destacar que os direitos de segunda geração, tornam tão essenciais quanto os de primeira geração, tendo por seu turno sua universalidade e por sua eficácia. Conforme conceitua Bonavides que os direitos fundamentais de segunda geração “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social [...].”[67]

O Estado social é, de fato, um modelo que aflorou em vários regimes, cujas principais propostas podem ser exemplificadas em três institutos históricos. O primeiro a ser citado é a declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador, na Revolução Russa de 1917.

Alexandre de Moraes, ao analisar a Lei Fundamental Soviética oriundo da Revolução Russa de 1917, faz ressalvas das limitações dos direitos fundamentais assegurados, pois a pretexto de concretizar avanços em tema de direitos sociais, culminaram por aniquilar os direitos de liberdade, cuja conquista levou séculos para efetivar-se, confiramos:

Apesar desses direitos, a citada Lei Fundamental Soviética, em determinadas normas, avança em sentido oposto à evolução dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, ao privar, em seu art. 23, os indivíduos e os grupos particulares dos direitos de que poderiam usar em detrimento dos interesses da revolução socialista, ou ainda, ao centralizar a informação (art.14) e a obrigatoriedade do trabalho (art. 14), com o princípio quem não trabalha não come (art. 18).[68]

Os outros dois foram a Constituição Mexicana de 1917, fruto da Revolução Mexicana, e a Constituição de Weimar de 1919. Daí porque comumente se tem entendido que a fase do Constitucionalismo Social tem seu início marcado pelas Constituições Mexicana e de Weimar.

Desta feita, temos que os direitos da segunda geração estão ligados intrinsecamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como assistência social, a saúde, a educação, ao trabalho, a cultura. Pressuposto a isto passam estes direitos a exercer uma liberdade social, formulando uma ligação das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.

2.1.3Terceira Geração (direitos difusos e coletivos)

Podemos facilmente definir esta geração como direitos transindividuais, i.e., direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. Vão além do indivíduo individualmente considerado. São também conhecidos como direitos metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo tido de forma isolada).

Neste escopo jurídico, emerge um novo direito do homem junto com os historicamente atingidos direitos de liberdade e igualdade. Diante disto, Bonavides descreve:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo [...].[69]

Portanto, os considerados direitos de terceira geração têm sua gênese na revolução tecnocientífica (terceira revolução industrial), na revolução dos meios de comunicação e de transportes, que tornaram a humanidade conectada em valores compartilhados. Desde então, a humanidade passou a perceber que, na sociedade de massa, há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às vezes, absolutamente indeterminados.[70]

2.1.4Quarta Geração (direito a democracia e a informação)

Na vertente da doutrina do Professor Paulo Bonavides[71] a qual defende que os direitos fundamentais de quarta geração são fruto da globalização política na esfera da normatividade jurídica, que corresponde a sua institucionalização em nível internacional, como o  direito à democracia e o direito à informação.

Segundo o mesmo autor, na quarta geração há três aspectos preponderantes. Primeiro temos a democracia participativa, em seguida o pluralismo e por fim o direito à informação.[72]Este último vem a coadunar com o tema deste trabalho, pois faz estreita relação com as novas tecnologias de comunicação e informação, notadamente o acesso àInternetque viabilizam “o real acesso dos cidadãos e cidadãs a informações produzidas pelos poderes públicos”.[73]

Pertinente neste momento fazer menção a lei 12.527/2011, a chamada Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012, citada lei é direcionada para órgãos públicos federais, estaduais e municipais (ministérios, secretarias, prefeituras, empresas públicas, autarquias etc.)  para que estes órgãos desenvolvam instrumentos que possibilitem ou facilitem o acesso a informações relacionadas as suas atividades a qualquer pessoa.

Vemos nesta lei a materialização do direito fundamental de quarta geração, na perspectiva do acesso à informação governamental, vaticinado por Bonavides.

Abordaremos mais adiante a materialidade do acesso à Internet como Direito Fundamental, mas desde já reconhecemos seu papel essencial na efetivação do direito de acesso à informação, pois disponibiliza meios para que qualquer cidadão possa fazer solicitação de informação a órgãos públicos, como verificado no sítio virtual http://www.acessoainformacao.gov.br/sistema, naferramenta e-Sic.[74] Este recurso édisponibilizado pelo governo federal para fazer cumprir o parágrafo segundo do artigo oitavo da lei 12.527/2011.[75]/[76]

Em suma, pretendendo ser a democracia direito fundamental de quarta geração,      não pode ser outra se não a direta, materialmente viável graças às novas tecnologias da informação que, hodiernamente segue com tendência de popularização, este é o entender de Bonavides nas seguintes palavras:

A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta.Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito do gênero humano, projetado e concretizado no último grau de sua evolução conceitual.[77] (grifado)

Ao se falar em quarta geração, não podemos deixar de lado o mestre italiano Norberto Bobbio que também vislumbra uma quarta geração, porém de essência distinta que o traçado por Bonavides. Para Bobbio, este novíssimo catálogo surge de novas exigências “referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.[78]

Portanto, Bobbio ressalta no bojo dos direitos fundamentais de quarta geração as pesquisas genéticas, vertendo, assim, sua preocupação com as pesquisas biológicas o que podem ser ameaçadoras ante a falta de regulamentação neste setor.

2.1.5Quinta Geração (direito à paz)

Em que pese doutrinadores de escolenquadrarem os direitos fundamentais de quinta geração como sendo os que envolvem a cibernética e a informática, considerando que o presente tópico segue a corrente de Paulo Bonavides, que vê na quinta geração o espaço para o direito à paz,[79]deixamos de discorrer sobre tal geração com referido viés da informática para fazer maior debruço em item apartado que insere tal geração de direitos humanos no bojo do acesso à Internet.

Registrado pensamento pioneiro do constitucionalista Paulo Bonavides, data vênia, anotarmos também críticas à elevação do direito à paz à quinta geração de direitos fundamentais, pois desperta críticas e esvaziamento quanto a sua sustentabilidade, sendo reconhecido até mesmo por Bonavides que, segundo o autor, a doutrina não está dando o devido valor ao referido direito.

Citamos o mestre: “Tocante à doutrina, o contributo acerca do direito à paz tem sido deveras escasso, consideravelmente aquém da importância que se lhe deve conceder”.[80]

Portanto, não se tem uma definição clara e absoluta de quantas e quais são as gerações, as dimensões ou as famílias dos direitos fundamentais, o que vemos são direitos com viés histórico e cultural tendo seu rol aumentando a cada momento de forma com que, com a própria sociedade evolui, descobre novas tecnologias, novos conhecimentos, também surgem deste processo novos direitos considerados essenciais a pessoa humana.

2.2Fundamento Jurídico-Filosófico dos Direitos Fundamentais

Cabido a esta altura do trabalho e pelo breve histórico já traçado, expor quais os fundamentos dos direitos fundamentais, isto é, quais os princípios jurídicos basilares que justificam de forma lógica a existência dos direitos fundamentais.

Podemos, de início, apontar dois princípios basilares que servem de arrimo lógico à ideia de direitos fundamentais, quais sejam, a Dignidade da Pessoa Humanae o Estado de Democrático de Direito. Passamos a expor.

2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana

A nossa Constituição reconhece a existência e a eminência da Dignidade da Pessoa Humana e a trata como princípio aberto, transformando-a em valor supremo da ordem jurídica quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito.

Necessário se faz ressaltar que a dignidade humana não se trata de um princípio constitucional fundamental. Assim é o entendimento do Professor José Afonso da Silva que, a partir da promulgação da Carta de 1988, a doutrina passou a tentar encaixar tudo nesse conceito, sem atentar para o fato de que ele éumconceito que se refere apenas à estruturação do ordenamento jurídico.

Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.[81]

A dignidade humana trata-se de um princípio aberto, em uma ligeira síntese, podemos dizer que diz respeito a todos os seres humanos tão-somente pelo simples fato de serem humanos. Embora se tenha algumas críticas a respeito, a doutrina majoritária concorda que os direitos fundamentais advêm da dignidade humana.

Corroboram neste entendimento a doutrina brasileira mais abalizada nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet,[82] Paulo Gustavo Gonet Branco,[83] Paulo Bonavides[84] e Dirley da Cunha Júnior.[85]

Indene de dúvida é a posição de destaque do supraprincípio da dignidade da pessoa humana na concretude dos direitos fundamentais cabendo o destaque do professor George Marmelstein quando afirma que “O julgamento [do Tribunal de Nuremberg] representou a vitória da dignidade da pessoa humana enquanto valor suprapositivo.”[86]

Assim, a dignidade da pessoal humana seria um superprincípio a derramar-se sobre todo o ordenamento jurídico, portanto, um tronco comum do qual partiria todos os direitos fundamentais.

2.2.2Estado Democrático de Direito

O artigo 1º, caput da Constituição Federal prevê que “A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]” pode ser explicado, em poucas palavras, como o Estado em que os poderes dos governantes são limitados, com antagonismo ao chamado Estado Absoluto (em que o poder do soberano era e absoluto e ilimitado).

Nessa esteira, o Professor José Afonso da Silva[87] observa que o conceito clássico de Estado de Direito abarca três aspectos.

Primeiro temos a sujeição dos governantes e dos cidadãos ao império da lei, em seguida temos separação de poderes e por fim a garantia dos direitos fundamentais.

É notório que atualmente fala-se com maior frequência a expressão “submissão à constituição”, em detrimento da “submissão à lei”, com isso se ganha relevância o conceito de Estado Constitucional de Direito.

Podemos até acrescentar o termo democrático, não sendo de todo modo descabido, como vemos na lição do ministro Cezar Peluso:

Ao contrário, a experiência político-institucional brasileira dos últimos 23 anos confirma os nexos evidentes entre Constituição, direitos fundamentais e democracia. Sem Constituição, não há o reconhecimento de direitos fundamentais. Sem direitos fundamentais reconhecidos, protegidos e vivenciados, não há democracia. Sem democracia, não existem condições mínimas para solução pacífica de conflitos, nem espaço para a convivência ética.[88] (grifei)

Dessa forma, um Estado, para ser considerado Democrático de Direito, é imprescindível, a priori, que todo poder emane do povo, bem como, a proteção e garantia dos direitos fundamentais seja uma questão primordial, como meio de proteção e respeito aos cidadãos.

2.3Direitos fundamentais em Sentido Formal e em SentidoMaterial

Julgamos essencial destacar ligeira análise de determinados elementos do conceito de Direito Fundamental. Trata-se da classificaçãoem sentido formal e material.

Por ora este destaque tem por mira apresentar duas características criadas pela doutrina que nos auxiliará na interpretação do art.5º, §2º da Constituição de 1988, que dispõe sobre a abertura do catálogo a direitos não positivados expressamente no seu texto, que será abordado no tópico seguinte.

Aponta Jorge Miranda que os direitos fundamentais em sentido formal seriam aquelas posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto consagradas na Constituição.[89]

Assim, temos que a formalidade advém do simples fato de alguns direitos terem sidosalçados pelo poder constituinte originário ao patamar de direito fundamental e terem, por conseguinte,sidos consubstanciados na lei maior, passando esses direitos a assumir status jurídico diferenciado aos demais, valendo-se de um regime jurídico próprio.

Esta primeira categoria está relacionada ao direito constitucional positivo e ocupa lugar de escolno ordenamento jurídico. São normas constitucionais submetidas aos limites formais e materiais do poder constituinte reformador cristalizado no art. 60 da Constituição, que impõe tramite diferenciado (dificultado) de reforma desses direitos. Os direitos fundamentais formalmente considerados estão sujeitos ainda aos limites materiais de reforma do art. 60, §4º, CF/88 que são as cláusulas pétreas, instrumento mordeproteçãoface à possibilidade de extinção ou mesmo alterações que diminuam a eficácia do seu conteúdo pelo poder reformador.

Jane Reis Pereira sintetiza ainda as duas categorias de direito fundamental, no sentido formal e material, nas seguintes palavras:

Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vista material, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido material está ligada à essencialidade do direito para implementação da dignidade humana. Essa noção é relevante pois, no plano constitucional, presta-se  como   critério   para   identificar   direitos fundamentais fora do catálogo.[90]

Corroborando com Jane Pereira, colhemos na doutrina de Sarlet que um direito é considerado formalmente fundamentalquando recebe certa qualificação por ordem expressa do legislador-constituinte, por sua vez, o caráter de direito materialmente fundamental depende, de tal garantia ser essencial o bastante para assim ser substancialmente considerada e reconhecida como fundamental.

Adistinção entre direitos fundamentais no sentido formal e material não tem sido objeto de muitos estudos e grandes divergências doutrinárias, ao menos no âmbito da literatura luso-brasileira. De modo geral, os direitos fundamentais em sentido formal podem na esteira de K. Hesse, ser definidos como aquelas posições jurídicas da pessoa – na sua dimensão individual, coletiva ou social – que, por decisão expressa do Legislador-Constituinte foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais [...]. Direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo por seu conteúdo e por sua importância podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente) fundamentais.[91]

Portanto, Sarlet bebendo da fonte de Konrad Hesse, define direitos fundamentais como posições jurídicas que, de fato, podem ser consideradas seja nos aspectos formal e material ou somente no aspecto material, parte integrante da Constituição, em função do valor relevante e essencial a elas inerente, reconhecido ou não pelo legislador-constituinte.

Do exposto concluímos que, prima faciepara constatar os direitos fundamentais em sentido formal, basta lançar mão da leitura do texto constitucional. Quanto ao sentido material,devemos subir até a doutrina do Professor Sarlet para elucidar melhor os direitos fundamentais em sentido material, pois aconceituação meramente formal, no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na Constituição, revela sua insuficiência [...],[92] por isso, é preciso fixar, ao menos de forma discreta, qual critério qualifica um direito, não expressamente constante no catálogo da Carta Magna, em fundamental.

Assim temos que, a fundamentalidade material é exigida dos direitos que não integram o catálogo expresso. Para eles, é essenciala verificação em caso concreto da Dignidade da Pessoa Humana, que é fonte do conteúdo comum dos direitos fundamentais e critériolegitimador do reconhecimento de tais direitos.

Confiramos nos dizeres de Gilmar Mendes que a Dignidade Humana é o fio condutor dos direitos fundamentais.

Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discenir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade da pessoa humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntimade cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidadede todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em que “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana.[93]

Desta feita, o direito ao acesso à Internet, emerge como um direito materialmente fundamental, sobretudo em razão de sua substância e relevância, que é crescente no contexto da sociedade em rede.

2.4 Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

A missão precípua dos direitos fundamentais é a limitação do poder estatal em face dos indivíduos, assim, tais direitos essenciais representam uma forma de prevenir a atuação repressora do Estado, tendo como fito a proteção da sociedade contra os abusos do poder político, sendo vistos como um instituto específico das relações mantidas entre o indivíduo e o Estado, a fim de salvaguardar a liberdade individual e social.

Assim temos que, a essência prima dos direitos fundamentais gira em torno deste paradigma, da função defensiva contra atos do poder público.

Entretanto, com o caminhar do estado liberal para o democrático de direito, a sociedade passa a ter uma participação cada vez mais ativa no exercício do poder, antes limitado apenas na figura do Estado. Nessa esteira, passa a liberdade individual a ser ameaçada não só pela atuação estatal, mas também pelos entes privados detentores de uma parcela cada vez maior deste poder.

Não difícil colher fatos que demonstram a clara violação dos direitos humanos praticados por particulares, assim o faz Jane Reis Gonçalves quando cita:

É possível cogitar de uma série de hipóteses envolvendo potenciais lesões a direitos fundamentais na esfera privada, cabendo questionar: i) "se ou até que ponto as liberdades (religiosas, de residência, de associação, por exemplo) ou bens pessoais (integridade física e moral, intimidade, imagem) podem ser limitadas por contrato, com acordo ou consentimento do titular", ii) se uma empresa pode celebrar contratos de trabalho com cláusulas pelas quais os trabalhadores renunciem a exercer atividade partidária ou a sindicalizar-se; iii) se um partido político pode impedir que participem das convenções destinadas a escolher seus candidatos nas eleições, indivíduos da raça negra; iv) se é legítimo que um clube social recuse o ingresso de novo sócio sem declinar a motivação, ou proíba o acesso de pessoas de determinada raça ou sexo; [...].[94]

Com o findar da 2ª guerra mundial, a visão tradicional da aplicabilidade dos direitos fundamentais começou a ser posta em xeque, passando, desta forma, a ser ventilada a possibilidade da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Citemos os Estados Unidos da América e a Alemanha como nascedouro da chamada “Eficácia Horizontal dos direitos fundamentais” ou “Drittwirkung” expressão utilizada pela doutrina alemã.

A doutrina norte americana do "State Action Doctrine", eivada de forte sentimento liberal, negava a eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares, muito embora a Suprema Corte norte-americana, em alguns casos pontuais, a partir da década de 1940, passou a amenizar a teoria da "State Action" adotando a chamada "Public Function Theory", segundo a qual quando particulares agirem no exercício de atividades de natureza tipicamente estatal,[95] estarão sujeitos às limitações impostas pelos direitos fundamentais.[96]

Porém, as doutrinas americanas da "State Action" e da "Public Function Theory" não respondiam plenamente aos anseios de proteção da sociedade moderna, em que a opressão já não mais advém unicamente da figura estatal, mas também de outros atores oriundos da própria sociedade, normalmente detentores de poder (seja econômico ou político), como as instituições privadas financeiras, empresariais, recreativas, associativas dentre outras.

Deste modo, surgiu na Alemanha nos meados da década de 1950, com Günter Dürig, a tese da eficácia horizontal mediata ou indireta dos direitos fundamentais (Mittelbare Drittwirkung), que se tornou a concepção dominante no Direito Alemão, inclusive adotada pela Corte Constitucional daquele país.

Para os adeptos da Teoria da Eficácia Indireta, cabe precipuamente, ao legislador ordinário, a incumbência de fazer a ponte de ligação entre a aplicação dos direitos fundamentais e as relações entre particulares, estabelecendo um fio condutor de consonância com os valores constitucionais.

Assim, seria ônus do legislador proteger os direitos fundamentais nas relações privadas compatibilizando-os com o principio da autonomia da vontade. Desta forma, dentre as várias soluções possíveis no conflito entre direitos fundamentais e autonomia privada, incube a lei a tarefa de determinar o grau de cessão recíproca entre os direitos em colisão.

Emblemático e necessário citar o famoso caso Lüth,[97] que diz respeito a tentativa de boicote a um filme dirigido por um cineasta de vertente nazista (Veit Harlan) pelo Clube de Imprensa de Hamburgo, presidido por Eric Lüth. A Corte Constitucional alemã em sua decisão que decretou a ilegalidade do ato do presidente do clube de imprensa, confirmando e irradiou a Teoria da Eficácia direta dos direitos fundamentais (Unmittelbare Drittwirkung) do Direito alemão para o universo do direito ocidental.

Neste caso, a Corte Federal Constitucional alemã, em 1958, reconheceu que os direitos fundamentais não possuem apenas a função de constituírem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas, também, compõem-se em decisões valorativas de natureza objetiva da Constituição, produzindo eficácia em relação a todo o ordenamento jurídico,[98] fornecendo diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos.[99]

Do ponto de vista pragmático, esta tese (da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais no âmbito privado) parece ser a que melhor se adéqua aos anseios da sociedade moderna, conferindo, primeiramente, aos direitos fundamentais, ampla dimensão, abarcando não só as relações Estado-particulares, mas também as relações privadas, e em um segundo momento, ao poder Judiciário, marcado pela imparcialidade, a função de zelar pela observância dos direitos fundamentais nestas espécies de relações.

Portanto, verificamos que, a Teoria da Eficácia Imediata confere maior relevância ao princípio da máxima efetividade dos diretos fundamentais, característica que se torna dominante hodiernamente no ordenamento jurídico pátrio, enquanto que a Teoria da Eficácia Mediata sustenta a maior relevância da autonomia individual e da segurança jurídica. Muito embora ambas, se baseiam em princípios acolhidos pelo texto constitucional, porém, às dão tratamento distintos.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, José Nicodemos Vitoriano. O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23867. Acesso em: 23 dez. 2024.

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