6. Competência para a concessão do afastamento
A Lei 11.340/06 deixou de mencionar a qual justiça compete o julgamento da medida de afastamento da empregada. Tal lacuna causa grande discussão entre a doutrina, pois alguns dizem ser de competência da justiça comum a decisão de afastamento e, outros, garantem que tal decisão somente poderá emanar da justiça especializada.
Aqueles que garantem ser de competência da justiça do trabalho, a decisão do afastamento, o fazem com fulcro no artigo 114, inciso I e IX da Constituição Federal/88, pois esta menciona ser da justiça especializada a competência para apreciação e julgamento das ações oriundas da relação de trabalho e quaisquer outras controvérsias dela decorrentes.
Filiando-se a este entendimento:
Ora, não é preciso aprofundar-se no conceito de “relação de trabalho” para deduzir que a hipótese prevista no art. 9°, § 2°, II, da Lei 11.340/2006 é oriunda do contrato de trabalho. Assim, a suspensão do contrato de trabalho (ou interrupção, como entendem alguns) fundamenta-se, logicamente, na existência de uma relação de emprego. E como não poderia deixar de ser, as causas oriundas da relação de trabalho (que engloba a relação de emprego) submetem-se à competência da justiça do trabalho, conforme previsão constitucional. Conforme exposto nas linhas anteriores, a natureza da competência da justiça do trabalho é material e, pois, absoluta. Assim, não pode ser alterada pela vontade das partes, tendo em vista que está ligada ao interesse público, caracterizando-se como norma cogente (VIEIRA, 2009).
Para Cunha e Pinto, o entendimento é o mesmo já expressado:
[...] o que se discute aqui, é a manutenção de vínculo trabalhista. Trata-se, pois, de matéria que, sem qualquer espécie de dúvida, acha-se na Competência da Justiça do Trabalha. Sobretudo após o advento da EC 45/2004, que deu nova redação ao artigo 114 da Constituição, atribuindo à justiça especializada competência para processar e julgar não somente onde se discute vínculo empregatício, mas também toda e qualquer ação onde se vislumbre uma relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício.
Nesta linha de estudo, adota-se o entendimento de que o mais adequado é, após a investigação e constatação da violência doméstica pelo juízo criminal, caberá à trabalhadora apresentar à justiça do trabalho a decisão proferida na justiça comum, que comprovando a situação de risco, poderá conceder o afastamento do trabalho por até seis meses, sem prejuízo ao contrato de trabalho.
Um tanto quanto incoerente, parece, que após o juiz criminal detectar a situação de risco, deve permanecer inerte e repassar esta informação a trabalhadora que por sua vez, deverá apresenta-la ao juiz laboral, para que este faça a sua análise dos fatos. Ou seja, o juiz comum vislumbra a situação e não faz nada, pois não é sua a competências, deixa tudo como está e acaba por escutar, dias depois, que ocorreu a morte de alguém que, já sabia, estava em situação perigosa devido à violência familiar sofrida.
Portanto, este entendimento de pertencer à justiça do trabalho a competência para processar e julgar a decisão do afastamento me parece equivocada, uma, em virtude da demora que todo este tramite teria, e outra, pois o que se trata neste afastamento não é o contrato de trabalho em si, e sim a preservação da integridade física da trabalhadora.
Para Salvino (2007), o afastamento da trabalhadora em vista da violência doméstica, não tem origem na relação do trabalho, sendo que o empregador não contribuiu para este problema, momento em que competente para admitir o afastamento é a justiça comum, que já estará apreciando eventual crime cometido.
Porto (2007, p. 104), quando analisa esta situação, assim dispõe:
[...] acredita-se, entretanto, somente competir ao juízo criminal reconhecer que uma trabalhadora se enquadra na situação descrita na referida Lei, Visto tratar-se de um litígio totalmente estranho à relação de emprego: a identificação do caso de violência doméstica. Portanto, evidenciada esta situação, caberia ao juiz criminal comunicar o empregador de sua decisão, garantindo o vínculo empregatício. Caso o empresário não cumpra, e promova a rescisão do contrato de trabalho, aí sim surgiria a lide trabalhista, pois a empregada, após ter um direito reconhecido, sofreu sua violação pelo empregador.
Aqui, adota-se o entendimento de que o motivo que ensejou o afastamento da trabalhadora de seu locar de trabalho é estranho ao vínculo empregatício, visto que a situação é completamente estranha à relação de laboral, independendo da vontade da empregada e do empregador.
Traz-se, ainda, o entendimento de Strieder (2012, texto digital), pois comungo de suas ponderações que são de relevância para este estudo:
[...] considera-se que caberá ao juiz criminal o benefício contido no inciso II, do § 2°, do artigo 9° da Lei Maria da Penha. Tendo em vista que, se compete a justiça comum investigar e determinar a situação de iminência, também será prerrogativa o reconhecimento da necessidade de distanciamento do local onde a vítima exerce sua atividade laboral. Tal decisão deverá ser comunicada ao empregador que, indiscutivelmente, terá o ônus de cumpri-la, permitindo que a trabalhadora se ausente, e que para isso, não reste prejuízo na relação de emprego. O pedido de manutenção do vínculo trabalhista, tanto poderá ser requerido na fase investigatória policial, mediante o expediente apartado dirigido ao Juiz, com pedido da ofendida para a sua concessão, ou mesmo após oferecimento da denúncia, através de pedido verbal da ofendida que será tomado a termo, ou através de requerimento do Ministério Público ou Defensoria Pública.
Isto posto, por entender que a demora, em levar os documentos comprobatórios da necessidade de afastamento do ambiente laboral, para a justiça do trabalho só prejudicaria a vítima, que já está vendo as demais decisões emanarem da justiça comum e, por filiar-me a corrente de que a medida nada tem a ver com a relação de trabalho e sim, somente visa proteger a integridade física e psicológica da mulher, é que vejo como mais acertada a doutrina que entende, ser da justiça comum, a competência para apreciar e julgar a medida protetiva de afastamento prevista no artigo 9°, § 2°, II, da Lei 11.340/2006.
7. Conclusão
Após muita luta Maria da Penha Maia Fernandes conseguiu a criação de uma lei que protegesse exclusivamente mulher vítimas de violência familiar e doméstica, sendo que se excluiu assim, da legislação comum este tipo de violência, criando instrumento próprio para a proteção destas vítimas.
O diploma visa, além da proteção a integridade física e psíquica da mulher violentada, a garantia ao direito à vida, cidadania, segurança, trabalho e outros, que tornam mais fácil o convívio da mulher agredida e ameaçada em seu ambiente familiar, no ambiente social.
Uma das medidas mais sábias trazidas pela Lei 11.340/2006, é a prevista no artigo 9°, § 2°, inciso II, que dispões sobre o afastamento da mulher vítima de violência doméstica de seu ambiente laboral, pelo prazo máximo de até seis meses, mantendo-se o vínculo empregatício.
Tal norma, com certeza, veio para auxiliar as mulheres que não conseguem continuar no trabalho em vista das ameaças que sofrem, porém, a medida foi omissa quanto a vários pontos, não dispondo sobre os reflexos que serão causados no direito do trabalho e, sobre a competência para processar e julgar o afastamento (pontos de maior discussão doutrinária).
Apesar das discussões, penso que no que tange aos reflexos no contrato de trabalho, o dispositivo alhures é claro, pois não está determinando como sendo do empregador o ônus de arcar com o período em que a vítima for afastada, restando cristalino assim, que a medida protetiva em questão trata de suspensão do contrato de trabalho, restando na inexecução recíproca das cláusulas pactuadas, pelo prazo fixado pelo magistrado, que não poderá exceder seis meses.
Também, pelo que já foi mencionado, não há que se falar em benefício assistencial pago pelo INSS, visto que tal medida afronta preceitos constitucionais e fere o principio da preexistência de fonte de custei em relação ao benefício.
No tangente a estabilidade, a disposição não resta dúvidas, sendo que à trabalhadora terá mantido o seu vínculo empregatício enquanto vigorar a medida de caráter protetiva. Em que pese a ausência ao trabalho, é vedada a dispensa por justa causa, visto que a mesma caracteriza-se por vontade alheia à sua, porém, a garantia se encerra com o retorno da ofendida ao posto de trabalho, não perdurando em período posterior ao afastamento.
A respeito da competência, que me parece ser o ponto de maior divergência na doutrina, presume-se que a solução mais coerente é a manutenção da mesma na justiça comum, vez que confirmada a situação de violência, caberá ao juiz comum a determinação do afastamento. Digo isto, pois a decisão de afastamento nada tem a ver com a relação de trabalho, independendo da vontade de empregador e empregado.
Todavia, no caso de haver o descumprimento da medida por parte do empregador, a competência para processar e julgar esta relação será da justiça laboral, sendo possibilitado a empregada ajuizar reclamatória trabalhista pleiteando a reintegração no emprego.
Ante todo o exposto, mesmo existindo diversas lacunas, a medida é válida e deve ser cumprida, visto que visa tão somente à proteção da vida e integridade física de uma empregada que está sendo vítima de violência no seio de sua família.
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