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Reflexos da inseminação artificial homóloga post mortem no âmbito do direito sucessório

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Agenda 17/03/2013 às 08:05

4. PATERNIDADE, FILIAÇÃO E DIREITOS SUCESSÓRIOS DO CONCEBIDO POST MORTEM

4.1. A paternidade presumida em caso de Inseminação Artificial Homóloga post mortem

Contemporaneamente o conceito de paternidade que se coaduna com os princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança e também da paternidade responsável, tem característica multifacetada, podendo ser analisado na perspectiva biológica, jurídica e socioafetiva. Segundo Krell (2009), sob a influência do Código Civil de 1916 na ausência de mecanismos científicos e diante da possibilidade de uma mulher poder se relacionar sexualmente com mais de um homem, o instituto da paternidade tornava-se incerto, por isso, surgiu o sistema de filiações matrimoniais que considera uma série de presunções conferindo segurança a determinação da paternidade.  A Constituição Federal de 1988 inspirou significativa mudança no direito de família, em decorrência do princípio da igualdade entre os filhos. Da mesma forma, tendo em vista o surgimento das técnicas de reprodução medicamente assistida, o art. 1.597 do Código Civil de 2002, passou a considerar a existência de outras modalidades de filiação (decorrente de inseminação artificial), além da concepção natural e da adoção. No entendimento dos professores Nery Junior e Nery (2002, p. 543):

Dúvidas quanto ao tempo da concepção já não são capazes de ocultar a verdade da filiação biológica, diante de todos os métodos cientificamente reconhecidos como hábeis a comprovar o momento da concepção e o vínculo da filiação.

           Desta feita, o exame de DNA revolucionou o procedimento de determinação da paternidade biológica, tornando superada a contagem de prazo que era feita no Código anterior para fins de reconhecimento da filiação. Para Gonçalves (2007), o instrumento hábil para a declaração judicial da condição de filho consiste na ação de investigação de paternidade, que segundo a súmula número 149 do Supremo Tribunal Federal - STF traz como característica a imprescritibilidade, podendo ser manejada a qualquer tempo, pelo filho, ou seu representante legal, se incapaz, contra o genitor ou na hipótese dele já haver falecido, em face de seus herdeiros ou legatários. A referida ação poderá ser cumulada com as ações de alimentos, petição de herança e de anulação de registro civil. Como demonstramos, no que tange à inseminação artificial homóloga, não restam dúvidas quanto a filiação uma vez que o material fecundante é proveniente do marido doador e o art. 1.597, inc. III do Código Civil garante a filiação da criança gerada artificialmente, independente da época do seu nascimento, que em sendo assim, pode dar-se após a morte de seu pai. O reconhecimento da filiação ocorrerá tanto para aqueles que estão legalmente casados, bem como, para os que vivem em união estável. O art. 1.597 do Código Civil se adéqua aos avanços científicos ocorridos na área da reprodução assistida, sendo aplicado para determinar a presunção da paternidade nas situações em que o filho foi originado por meio de fecundação homóloga, inclusive póstuma. Por outro lado, para alguns pesquisadores, dentre os quais podemos citar Gabriella Rigo, não há o que se falar em presunção, uma vez que a paternidade neste caso além de ser jurídica é biológica. Na fecundação homóloga post mortem no que toca à paternidade, não se vislumbram questões polêmicas uma vez que ela é biologicamente inegável. Na esfera do direito sucessório, objeto de análise mais aprofundada no item 4.3.5 deste capítulo. 

4.2. Direito à filiação

O Direito Sucessório existe em decorrência da filiação. O instituto da filiação está previsto nos artigos 1.596 a 1.606 do Código Civil. Segundo Gonçalves (2007, p. 102): “filiação é a relação de parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àqueles que a geraram ou a receberam como se a tivesse gerado”. O estado de filiação é, pois, a qualificação jurídica dessa mencionada relação de parentesco, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Em resumo, o ordenamento jurídico brasileiro enaltecendo o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do melhor interesse da criança e com base na doutrina da proteção integral, concede o direito ao reconhecimento da filiação, garantindo a possibilidade do nascido conhecer sua origem, bem como, tê-la declarada. Considerando os artigos 227 § 6º da Constituição Federal e art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Liberati (2008, p. 25), nos ensina que:

[...] o reconhecimento da filiação é direito personalíssimo (só pode ser exercido pelo filho); se menor, será representado ou assistido (art. 142); é indisponível (não pode ser objeto de renúncia ou de transação); é imprescritível (a ação judicial poderá ser proposta a qualquer tempo), podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.

Isto posto, temos que o direito ao reconhecimento da filiação deve ser exercido sem qualquer limitação. Por ser imprescritível, o filho tem direito a ter reconhecida sua filiação mediante ação de investigação de paternidade que pode ser interposta a qualquer tempo.

4.3. O Direito das Sucessões

A palavra sucessão deriva do latim succedere, e corresponde segundo entendimento de Monteiro (2006), a substituição de uma pessoa por outra, de maneira não transitória, no todo ou em parte e à qualquer título, dos direitos que competiam à primeira. A atual Carta Magna contempla em seu art. 5º, inciso XXX, o direito à herança que se encontra disciplinado no Código Civil de 2002, no livro V – Do Direito das Sucessões. Para Venosa (2009, p. 1):

Quando se fala, na ciência jurídica, em direito de sucessões, está-se tratando de um campo específico do direito civil: a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte. É o direito hereditário, que se distingue do sentido lato da palavra sucessão, que se aplica também à sucessão entre vivos.  

Logo, direito sucessório é o ramo ao qual, em decorrência da morte do autor da herança, cabe a responsabilidade pela transferência do patrimônio ativo e passivo, bem assim dos direitos e obrigações do de cujus, a seus sucessores. Esta transferência de caráter total ou parcial se dará por lei ou por testamento. Neste mesmo sentido afirma Rodrigues (2007, p. 3): 

Assim sendo, o direito das sucessões se apresenta como conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores. A definição da palavra patrimônio, em vez de referir-se à transmissão de bens ou valores, por que a sucessão hereditária envolve a passagem, para o sucessor, tanto do ativo como do passivo do defunto.

O direito das sucessões regula, desta feita, a projeção das situações jurídicas existentes, no instante da morte da pessoa, a seus sucessores. O pensamento clássico, historicamente, considera que o patrimônio transfere-se dentro da própria família, disto decorre o destaque que ganhou a vocação hereditária na lei: a denominada sucessão legítima. Por ela, o legislador fixa uma ordem de sucessores na hipótese do morto não ter deixado testamento, ou quando este carecer de validade. Na realidade, em nosso país o testamento é usado com pouca frequência,  provavelmente porque a ordem de chamamento hereditário estabelecida na lei, atende na maioria dos casos, a preferência que seria feita pelo testador em função de seus vínculos familiares.   

4.3.1. Momento da abertura da sucessão

De acordo com Leite (2010), o princípio basilar que fundamenta o direito das sucessões é conhecido como droit de saisine ou simplesmente princípio da saisine, de origem germânica que chegou até nós através do Direito francês, o qual estabelece que  o próprio de cujus  transmite automaticamente e imediatamente, aos seus sucessores a herança.

O momento da abertura da sucessão ocorre, portanto, quando da morte do autor da herança, instante em que com base no princípio da saisine, a herança será transmitida incontinenti para os herdeiros legítimos e testamentários, conforme estipula o art. 1.784 do Código Civil. Referente ao momento da transmissão da herança, Veloso (2001) citado por Gonçalves (2008, p. 17) esclarece que:

[...] a morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tornam-se donos da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, ou que a herança lhes foi transmitida. Mas precisam aceitar a herança, bem como podem repudiá-la, até porque ninguém é herdeiro contra a sua vontade.

            Assim, quando da morte do autor da herança, todos os herdeiros receberão automaticamente a herança, por força do princípio da saisine, competindo a eles aceitá-la ou renunciá-la. A aceitação da herança é definitiva conforme art. 1.804 do Código Civil. Quanto à renúncia, com base no mesmo artigo em seu parágrafo único, entende-se que quando processada, o renunciante nunca chegou a herdar. Caso venha a ocorrer a prática de atos compatíveis com a aceitação, estaremos diante de uma aceitação tácita. Segundo Monteiro (2003) a transmissão não é imediata quanto aos legatários de bens fungíveis, só ocorrendo quando verificada a solvência do espólio. No caso de bens infungíveis a transmissão se dá desde a sucessão. 

4.3.2. Espécies de sucessão

A sucessão, segundo Gonçalves (2008) classifica-se conforme o art. 1.786 do Código Civil em: legítima (proveniente de lei) e testamentária (decorrente do ato de última vontade, do testamento). Vale ressaltar que a sucessão pode ser ao mesmo tempo legítima e testamentária (mista), quando o testamento não englobar todos os bens do falecido. A sucessão legítima ou ab intestato, acorre quando por ocasião da morte do autor da herança não verificar a existência de testamento válido. Nesse caso a herança é transmitida aos herdeiros legais, especificados em ordem pelo art. 1.829 do Código Civil, conforme assevera Monteiro (2003, p. 9): “Se não há testamento, se o falecido não deixar qualquer ato de última vontade, a sucessão é legítima ou ab intestato, deferido todo o patrimônio do de cujus às pessoas expressamente indicadas na lei, de acordo com a ordem de vocação hereditária”. A relação de herdeiros mencionada no art. 1.829 é preferencial. Assim, uma categoria só será chamada quando faltarem herdeiros da classe precedente. Por exemplo, herdam os ascendentes em concorrência com o conjugue apenas quando não existirem descendentes. Já a sucessão testamentária é aquela em que a destinação dos bens pertencentes ao morto se dá por ato de última vontade, revestido da solenidade exigida pela lei e expressa através do testamento ou codicilo. Para Madaleno (2011, p. 2):

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O testamento é um ato pessoal, unilateral, espontâneo e revogável, sendo disposição de derradeira vontade com que a pessoa determina o destino de seu patrimônio ou de parte dele para depois de sua morte, devendo o testamento atender as exigências formais para não ser posteriormente invalidado, sem chance alguma de ser repetido, porque só tem validade e pertinência depois do óbito do testador.

O autor da herança faz uso do testamento para indicar no plano patrimonial da destinação futura dos seus bens, bem assim, consigna suas vontades e o que gostaria de ter dito em vida. No que toca às características, Rodrigues (2002, p. 145) sintetiza que o testamento é um:

Negócio jurídico unilateral, pois se aperfeiçoa com a exclusiva manifestação de vontade do testador. Personalíssimo porque sua feitura reclama a presença do testador, afastada a interferência de procurador. Solene, porque a lei estabelece forma rígida para sua feitura, sob pena de invalidação. Gratuito porque o testador não visa, em troca de sua liberalidade feita causa mortis, a nenhuma vantagem corespectiva. E revogável porque pela ilimitada prerrogativa de revogar o ato de última vontade, assegura o legislador, a quem testa a mais ampla liberdade; assim, a mera existência de um testamento ulterior válido, se for incompatível com o anterior, revoga o mais antigo, uma vez que o direito de dispor de seus bens só se exauri com o falecimento da pessoa (grifo nosso).

Como vimos, a manifestação da vontade do testador pode ser, a qualquer tempo, revogada por outro ato solene (novo testamento).   

No que diz respeito à sucessão testamentária, a parcela do patrimônio que poderá ser transmitida para quem o testador quiser, corresponderá a 50% do patrimônio, caso tenha herdeiros necessários e não seja casado em regime de comunhão total de bens.

Havendo testamento e existindo herdeiros necessários, também haverá sucessão legítima. Estaremos, portanto, diante da denominada sucessão mista. Da mesma forma, quando todos os bens do de cujus não forem contemplados no testamento, a parte não mencionada será deferida ao herdeiro legítimo na ordem de vocação hereditária (sucessão legítima), conforme dispõe o art. 1.788 e 1.966 do Código Civil.

Uma possibilidade bastante peculiar de sucessão testamentária está prevista no inciso I do art. 1.799 do Código Civil e refere-se à prole eventual. Abordaremos a questão de forma mais detalhada em subtítulo exclusivo, em razão da sua importância para a compreensão de alguns posicionamentos doutrinários que serão abordados adiante. 

Por fim, esclarece Gonçalves (2008) que quanto aos efeitos, a sucessão pode ainda ser classificada em: a título universal ou a título singular. Na primeira, o herdeiro não é destinatário de um bem determinado, mas de uma quota-parte da totalidade da herança, assumindo a responsabilidade relativamente ao passivo. Na sucessão a título singular o testador deixa ao beneficiário, chamado de legatário, um bem certo e determinado, ou seja, um legado. O legatário não se responsabiliza pelas dívidas (passivos) da herança. Logo, enquanto a sucessão legítima será sempre a título universal, a sucessão testamentária poderá ser a título universal ou singular.  

4.3.3. Tipos de sucessores

Sucessor é o indivíduo que substitui o autor da herança, se sub-rogando nos direitos dele, recebendo do de cujus parte de seu patrimônio, compreendendo bens e também obrigações.  Conforme Gonçalves (2008), os sucessores são classificados em legatários, herdeiros legítimos, necessários ou testamentários.

O sucessor legatário é aquele que herda a título singular. De acordo com Pereira (2006, p. 3) “legatário é aquele a quem o testador deixa uma coisa ou quantia, certa, determinada, individuada, a título de legado”.

O herdeiro legítimo herda a título universal e está determinado por lei. No caso, o art. 1.829 do Código Civil estipula uma ordem de preferência e ao mesmo tempo de concorrência com o cônjuge.  Atinente aos herdeiros necessários, Gonçalves (2008), lembra que podem também ser chamados de legitimário ou reservatário, e encontram-se previstos no art. 1.845 do Código Civil. Eles não podem ser privados da herança, salvo nos casos de indignidade e deserdação. Como herdeiros necessários têm-se os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, este último foi trazido à classe dos herdeiros necessários com o advento do Código Civil de 2002. Em relação ao herdeiro testamentário, Gonçalves (2008), ressalta que também pode ser chamado de instituído, herdando a título universal, sendo contemplado pelo testador em ato de última vontade com uma quota-parte do acervo, sem individualização de bens.

4.3.4.  O Instituto da Prole eventual

O art. 1.798 do Código Civil tratando sobre a vocação hereditária, determina que: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. A legislação, portanto traz certa proteção ao nascituro, uma vez que por sua simples concepção, já possui legitimidade para receber herança, ficando esta possibilidade na dependência do seu nascimento com vida, ou seja, a ocorrência de pelo menos um processo respiratório (GONÇALVES, 2008). O atual Código Civil previu a possibilidade de concessão da capacidade sucessória por parte daqueles que ainda não foram concebidos, quando dispôs sobre a prole eventual. Conforme determina o art. 1799, inciso I do Código Civil de 2002, serão considerados herdeiros testamentário “os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”.Em síntese, a prole eventual consiste na deixa testamentária a ser conferida aos filhos das pessoas indicadas pelo testador, ainda não concebidos no momento do testamento. Contudo, só terão direito à herança, ou seja, ao patrimônio que lhes foram reservados, caso a concepção ocorra em até dois anos contados da abertura da sucessão (DINIZ, 2008). A prole eventual prevista desde o Código Civil de 1916, foi mantida no atual regulamentada nos art. 1.799, inciso I e art. 1.800, caput e § 1º a § 4º. Na vigência do Código Civil de 1916, o instituto da prole eventual era atribuído, apenas aos filhos biológicos, não beneficiando o filho adotivo, salvo se o testador de forma expressa manifestasse esta intenção. No entanto, com o advento da atual Constituição Federal que contempla o princípio da igualdade entre os filhos previsto em seu art. 227 § 6º, não mais se concebe qualquer distinção entre os filhos. Desta forma, o Código Civil de 2002 ao dispor sobre a prole eventual, ressaltou que a deixa testamentária será destinada aos filhos das pessoas por ele indicadas, não importando se forem biológicos ou adotivos, gozando os mesmos direitos ao recebimento de herança por meio do testamento. Venosa (2009, p. 199) fazendo referência à prole eventual reconhece que: “A matéria ganha maior importância agora, com as técnicas de reprodução assistida”. Com o advento da popularização das técnicas de inseminação artificial, de certo, o instituto da prole eventual foi afetado, uma vez que a geração não depende agora apenas dos meios naturais para acontecer.

4.3.5. Capacidade sucessória: considerações doutrinárias

A capacidade sucessória, segundo Gonçalves (2008), consiste na legitimidade para suceder. Aqueles dotados de capacidade estarão aptos para receber a herança deixada pelo falecido. Assim sendo, o indivíduo que não esteja impedido legalmente de receber a herança, e tenha preenchido os requisitos exigidos por lei, gozará de legitimidade sucessória e fará jus a herança ou legado, salvo se recusá-los, conforme assevera Gonçalves (2008, p. 50): “No direito sucessório vigora o princípio de que todas as pessoas têm legitimação para suceder, exceto aquelas afastadas pela lei.” Conforme dispõe o art. 1.798 do Código Civil, terão capacidade sucessória todos aqueles que estejam vivos ou ao menos concebidos quando da morte do autor da herança. A regra anunciada pelo código admite uma exceção, em que o individuo mesmo não tendo sido concebido, terá legitimidade para suceder, hipótese fundada na prole eventual, que tratamos anteriormente, disciplinada no art. 1.799, inciso I do Código Civil. Conforme constatamos, neste caso, o autor da herança por meio de testamento contempla o filho da pessoa por ele apontada, devendo o futuro herdeiro ser concebido no prazo máximo de dois anos, caso contrário perderá a legitimidade para receber herança.

Como vimos, o Código Civil trata em seu art. 1.597, inciso III, da paternidade presumida nos casos de filhos nascidos por inseminação artificial homóloga, inclusive post mortem. Todavia, Nader (2008), lembra que não houve manifestação expressa no sentido de atribuir ao concebido post mortem, legitimidade para suceder na herança deixada pelo de cujus, situação capaz de gerar embates jurídicos, agravados pela ausência de consenso doutrinário. Na visão de Rigo (2009), o Código Civil de 2002 apenas solucionou a questão quanto ao status de filho do indivíduo gerado por meio de inseminação artificial homóloga, inclusive post mortem, todavia, no âmbito do direito sucessório a qualidade de herdeiro necessário é questão doutrinariamente polêmica.A corrente doutrinária mais numerosa defende a negação da capacidade sucessória do concebido post mortem. Integram esse grupo renomados especialistas como Maria Helena Diniz, José de Oliveira Ascensão e Sílvio Venosa. Seu posicionamento se funda no dispositivo legal do art. 1798 do Código Civil, o qual determina que: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Deste modo, na hipótese de inseminação artificial homóloga póstuma, tendo o filho sido concebido após a abertura da sucessão, estaria afastado do recebimento da herança deixada por seu pai, muito embora seja considerado filho do pré-morto, conforme garante o art. 1.597, inciso III do Código Civil. Esse pensamento prima pela proteção dos herdeiros que já se encontravam nascidos ou concebidos quando da morte do autor da herança, evitando assim insegurança jurídica, vez que eles teriam que esperar indefinidamente pelo nascimento de criança, ou crianças, oriundas de inseminação, o que causaria revisões sempre possíveis de seus quinhões hereditários.  A partilha seria algo, portanto, provisório e frágil. Defende Diniz (2003, p. 44) que:

[...] a capacidade para adquirir herança, inclusive por via testamentária, pressupõe existência de herdeiro, ou legatário, à época da morte do testador. [...] Ao tempo do falecimento do autor da herança o herdeiro deve estar vivo, ou pelo menos concebido, para ocupar o lugar que lhe compete. Pessoa ainda não concebida (nondum conceptus) ao tempo da abertura da sucessão não pode herdar, salvo a hipótese do artigo 1.799, I, do Código Civil.

A respeitada professora, ao discorrer acerca da capacidade sucessória, se mostra totalmente fiel ao princípio da saisine, base de todo o direito sucessório brasileiro. O princípio da dignidade da pessoa humana acabaria, desta forma, sendo vencido pela Segurança Jurídica. No mesmo sentido, Ascensão (1999) citado por Machado (2008, p.107) afirma que:    

[...] toda a estrutura da sucessão está arquitetada tendo em vista um desenlace da situação a curto prazo. Se se admitisse a relevância sucessória destas situações, nunca seria praticamente possível a fixação dos herdeiros e o esclarecimento das situações sucessórias. E a partilha que porventura se fizesse estaria indefinitivamente sujeita a ser alterada.

Venosa (2004) corrobora com esse entendimento, afirmando que não se deve atribuir a qualidade de herdeiro para a criança que através de inseminação artificial foi concebida após a abertura da sucessão, em razão da incompatibilidade com a previsão legal do art. 1798 do Código Civil, sendo apenas possível na hipótese de prole eventual.Se de um lado Venosa (2004, p. 96) nega a capacidade sucessória ao  concebido postumamente, por outro, com relação ao reconhecimento da filiação diz que:  

[...] o reconhecimento da filiação gera efeitos patrimoniais. Os filhos reconhecidos equiparam-se em tudo aos demais, no atual estágio do nosso ordenamento, gozando de direito hereditário, podendo pedir alimentos, pleitear herança e propor ação de nulidade de partilha.

Na convicção de Diniz (2003), a prática da fertilização artificial após a morte do doador do material fecundante, deve ser proibida, visto que a criança oriunda desta procriação artificial não poderá herdar, tendo em vista que quando da morte do autor da herança, ainda não estava concebida.

Assim como Diniz (2003), Gonçalves (2008) é um dos adeptos da corrente que nega a capacidade sucessória do concebido post mortem, e seu fundamento encontra também respaldo no conteúdo do artigo 1.798 do Código Civil.Veementemente contrários a esse grupo de doutrinadores que mencionamos, estão nomes como Maria Berenice Dias, Silmara Chinelato, Juliane Fernandes Queiroz e Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho. Segundo Chinelato (2007) negar a capacidade sucessória do concebido por inseminação artificial póstuma, consiste em retroagir ao sistema jurídico anterior, em que vigorava a discriminação entre os filhos. Contudo, prevalece no atual sistema o princípio da igualdade entre os filhos e tendo a filiação reconhecimento por força do art. 1597, inciso III do Código Civil de 2002, da mesma forma deverá ser atribuído o direito sucessório aos concebidos postumamente. Na concepção de Albuquerque Filho (2006, p.190): “[...] vedar reconhecimento e direito sucessório a quem foi concebido mediante fecundação artificial post mortem pune, em última análise, o afeto, a intenção de ter um filho com a pessoa amada. Pune-se o desejo de realizar um sonho”.Queiroz (2001) utiliza como elemento de autorização a prole eventual, situação em que o genitor através de testamento resguardaria os direitos sucessórios de seu futuro filho, o qual só iria ser concebido após a sua morte dentro de um prazo máximo de dois anos. Assim, a aplicação desse instituto ao passo que protegeria a criança fruto desta modalidade de inseminação artificial, também evitaria uma insegurança jurídica para os herdeiros nascidos ou já concebidos quando da morte do autor da herança, pois se dentro do prazo de dois anos não fosse concebida a criança, os demais herdeiros não teriam que esperar indefinidamente pela divisão da herança. Portanto, Queiroz (2001, p. 80) conclui que “[...] se o testador pode atribuir a sua herança à prole eventual de terceiros, também o pode, sem qualquer restrição à sua própria prole”. Ocorreria então o emprego de analogia para assegurar direito sucessório resultante das técnicas de inseminação artificial.  Contudo, para alguns operadores do direito, entre eles Vargas (2008), este entendimento é inaceitável, visto que o Código Civil estaria dando tratamento diferenciado aos filhos, pois aqueles naturais, adotivos ou havidos por inseminação enquanto o doador estava vivo, teriam direitos à sucessão legítima, enquanto que os concebidos por meio de inseminação post mortem somente teriam direito à herança através da sucessão testamentária, com base na previsão de prole eventual. Essa situação ensejaria um tratamento discriminatório, proibido pelo ordenamento jurídico brasileiro e nos remeteria a outras questões: haveria justiça em privar de direitos sucessórios filho concebido sem previsão testamentária?Que razões levariam uma pessoa a depositar em um banco de sêmen seu material fecundante se não o desejo de ser pai?Leite (2010) reconhece o direito sucessório apenas na hipótese da concepção ter ocorrido in vitro, enquanto o genitor estava vivo, ainda que a implantação no útero da receptora se dê após sua morte. Faz, portanto, uma distinção entre o embrião (desenvolvimento do óvulo já fecundado) e o sêmen criopreservado. Corrobora com esse entendimento Chinelato (2007), salientando que o embrião disporá de capacidade sucessória, pois o Código Civil (art. 1.798) não distingue o locus da concepção e nem obriga que seja implantado. Requer tão somente a concepção.Na opinião de Hironaka (2003), a inseminação homóloga post mortem só deve ser permitida se houver autorização do doador, que expressamente mencione o uso de seu material fecundante após a morte, produzindo efeitos tanto na esfera do direito de família como no campo do direito sucessório. Contudo, ainda que realizada esta técnica de procriação artificial, sem permissão do doador do material fecundante, não há o que se cogitar em direito sucessório, por se tratar de um ato anulável em razão da ocorrência do vício de vontade.Mesmo entre aqueles que reconhecem o direito sucessório do filho concebido mediante fecundação artificial póstuma, existe certa tendência a estabelecer o prazo de dois anos para que ocorra a concepção, fazendo analogia ao prazo fixado em hipótese de prole eventual (CC 1.800 § 4º). Com relação a isso, Dias (2011, p. 124) alerta que:

A tentativa de emprestar segurança aos demais sucessores não deve prevalecer sobre o direito hereditário do filho que veio a nascer, ainda que depois de alguns anos. Basta lembrar que não há limite para o reconhecimento da filiação por meio de investigação de paternidade, e somente o direito de pleitear a herança prescreve no prazo de 10 anos (CC 205).

Decerto que o ordenamento jurídico brasileiro não vem acompanhando na mesma proporção os avanços científicos alcançados nas áreas médicas. Especificamente no âmbito da inseminação artificial homóloga. Essa situação de descompasso, comprometeria a solução de casos que envolvam os direitos das crianças advindas por meio dessa técnica de reprodução humana assistida.

Para Dias (2011, p. 125):

Mesmo que tenha o autor da herança autorizado por escrito a fecundação depois de sua morte, questiona-se se o filho dispõe de direito sucessório, uma vez que não existia quando da abertura da sucessão. Claro que estas novidades alimentam acaloradas discussões e o surgimento de posições díspares, até porque a fecundação pode correr anos após o falecimento de quem em vida manifestou o desejo de ter filhos.    

O melhor caminho a se percorrer seria a elaboração de uma legislação específica que regulamente as técnicas de reprodução assistida, principalmente no tocante à inseminação artificial homóloga post mortem, prevendo inclusive, a incidência das questões sucessórias.

4.3.6. Ação de Petição de herança

A ação de petição de herança (artigos 1.824 a 1.828 do Código Civil de 2002) é ordinária e declaratória. Através dela o herdeiro legítimo ou testamentário que por alguma circunstância não foi habilitado no inventário ou contemplado na partilha, poderá ter reconhecido os seus direitos sucessórios e a partir de então, ser-lhe devolvida a herança a que faz jus. Retroagirá o direito até a data da abertura da sucessão, sendo-lhes restituídos todos os frutos e rendimentos (GONÇALVES, 2008). Temos em seu polo passivo os herdeiros que estão na posse da herança, ou mesmo o herdeiro aparente, ou seja, aquele que de boa ou má-fé não sendo herdeiro, possui a herança como se fosse.No que tange à natureza jurídica da ação de petição de herança, existem diversos posicionamentos doutrinários, que divergem entre si. Segundo Nader (2008), doutrinadores como Colin e Capitant partem do fundamento de que a mencionada ação é de natureza pessoal, pois tem como objetivo principal o título de herdeiro, conseguido através do reconhecimento do direito sucessório. Para outros doutrinadores como Carlos Roberto Gonçalves, a petição de herança é considerada uma ação real, visto que a herança é bem imóvel. Defendem, portanto, que a petição de herança não se trata de uma ação de estado, cujo objetivo é apenas o reconhecimento da qualidade de herdeiro, mas vai além, pois com a declaração de herdeiro busca-se reaver a herança que é cabível para quem de direito. Para a terceira corrente, defendida por outros estudiosos, entre eles Luiz da Cunha Gonçalves, a petição de herança é uma ação mista, pois a princípio busca a declaração de herdeiro, onde tem caráter pessoal e logo após, almeja a restituição da herança, passando a apresentar caráter real. A ação de petição de herança, não recebeu por parte do legislador do Código Civil de 2002, designação de tempo mínimo exigido para que se dê o seu ingresso, porém o entendimento pacífico jurisprudencial disposto na súmula 149 do Supremo Tribunal Federal - STF determina que a ação de petição de herança está sujeita a prescrição. Quanto ao tempo desta prescrição, aplicar-se-ia o contido no art. 205 do Código Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. De outra forma, na ação de investigação de paternidade, é assegurado ao filho a qualquer tempo o reconhecimento do seu status familiae, conforme determina o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que é direito indisponível, personalíssimo e principalmente imprescritível.

Desta feita, conforme esclarece Gonçalves (2007) a contagem do prazo prescricional para a ação de petição de herança se inicia do momento em que houve o reconhecimento da paternidade, visto que o prazo prescricional surge quando da existência do direito à ação.Para Vargas (2008), em face da existência de um herdeiro concebido através de inseminação artificial homóloga póstuma, a solução encontrada reside no manejo da ação de petição de herança, ao amparo dos princípios da igualdade entre os filhos e da dignidade da pessoa humana. Inicialmente, devem ser realizados os mesmos procedimentos empregados no caso filhos concebidos quando o genitor estava vivo, ou seja, ação de investigação de paternidade post mortem. Sendo declarado o seu status de filho, passará o indivíduo a gozar dos mesmos direitos daqueles filhos nascidos ou concebidos enquanto o pai vivia. Em seguida, para o reconhecimento dos direitos sucessórios, bastaria apenas que os novos herdeiros ingressassem com ação de petição de herança, cumulada com a nulidade de partilha. Neste sentido, o Enunciado n.º 267 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, determina que: “A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança”.Em resumo, a solução encontrada para atribuir a qualidade de herdeiro ao filho concebido após a morte de seu pai, por meio inseminação artificial, reside na propositura tempestiva da ação de petição de herança (em até dez anos após ter declarada sua condição de filho).  Logo, decorrido o prazo de dez anos e não sendo ingressada a devida ação, o direito sucessório não mais poderá ser atribuído ao concebido post mortem. Quanto ao Direito de filiação, este poderá ser suscitado a qualquer tempo por ser imprescritível à luz da súmula 149 do STF e do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente.  

Sobre o autor
Daniel Verissimo de Lima Júnior

Bacharel em Direito pela Faculdade dos Guararapes (Rede Laureate Internacional Universities). Graduado em Administração, com pós-graduação MBA em Gestão Empresarial. Atualmente desenvolve pesquisa relacionada à temas afetos ao Biodireito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Daniel Verissimo. Reflexos da inseminação artificial homóloga post mortem no âmbito do direito sucessório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3546, 17 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23960. Acesso em: 23 dez. 2024.

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