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Processo e procedimento: as distinções necessárias no contexto de um Estado Democrático de Direito

Agenda 08/04/2013 às 07:22

A parte tem direito ao procedimento adequado a tutela do direito material discutido, consentâneo com seus direitos fundamentais e com os princípios constitucionais de justiça. Não podem ser instituídos procedimentos que restringem as alegações do réu, pois violam direitos fundamentais, como o contraditório, assim como dificultam o alcance do direito material.

Resumo: O processo é um procedimento que legitima a atividade jurisdicional. O procedimento para ser legítimo deve estar consentâneo com os direitos materiais fundamentais. E dentro desse contexto, a diferença entre processo e procedimento ganha sentido e relevância.


Introdução.

É uma falha lógica a mera suposição de que o procedimento apenas é um resquício dos tempos em que não havia diferenciação entre o direito material e o processual. Na realidade ocorreu uma evolução do instituto do procedimento, a partir da teoria da autonomia, da natureza pública do direito processual e da jurisdição constitucional, objeto do presente estudo.


Processo e Procedimento.

Em um momento histórico anterior a autonomia do direito processual, no qual não havia distinção entre o direito processual e o material, o processo era compreendido como sinônimo de procedimento, sendo ambos entendidos como uma seqüência de atos destinados a um fim específico, um rito judicial destinado à correta aplicação do direito material.

Dentro de um contexto histórico e social marcado especialmente pelo advento do Estado Democrático de Direito efetivou-se a publicização da ciência jurídica, passando a jurisdição a ser compreendida como um mecanismo utilizado pelo Estado para a realização de seus escopos.

O processo passa a ser entendido como mecanismo de legitimação do Poder Estatal, um instrumento para a obtenção de uma tutela justa. Através dele busca-se a prestação de uma solução jurisdicional com maior rapidez, aceitação, satisfação e confiança da sociedade.

Dentro desse contexto, o processo é dissociado do direito material, tornando-se autônomo em relação a esse, alçando natureza pública, uma vez que o Estado é quem determina a forma de atuação do ordenamento jurídico.

A partir desse novo panorama o processo foi diferenciado do procedimento. O processo passou a ser identificado a partir de seu escopo jurídico e o procedimento como um encadeamento de atos que formam um rito judicial. 

Procedimento vem do latim procedere que significa ir por diante, andar a frente, prosseguir. De sua origem visualiza-se seu significado, o modo de agir processual, a sucessão ordenada de atos à disposição para que se consubstancie a tutela jurídica. Procedimento configura-se na exteriorização e materialização do processo, podendo assumir diversos modos de ser.

Processo que também tem sua origem no latim procedere tem sentido diverso, relacionando-se com a relação jurídica instrumental que se instaura e se desenvolve entre autor, juiz e réu, visando à solução para o conflito de interesses.

O processo pode ser entendido como instituto complexo, no qual o procedimento é uma de suas vertentes, aliado a relação existente entre seus sujeitos, com o objetivo de obter uma tutela justa. O procedimento seria a sistematização do processo.

Conforme nos esclarece o processualista Cândido Rangel Dinamarco em seu livro Fundamentos do Processo Civil Moderno, o Código de Processo Civil vigente em nosso ordenamento jurídico emprega corretamente os termos processo e procedimento, evidenciando a diferenciação existente entre esses conceitos. Quando o legislador quis referir-se a seqüência de atos coordenados em direção à tutela jurisdicional efetiva, denominou procedimento, como exemplos temos o emprego da denominação procedimento comum, procedimento ordinário, procedimento sumário e procedimentos especiais.

Diferentemente, o nosso Código utiliza corretamente o vocábulo processo ao denominar o processo civil, o processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar.        

Outra diferença visualizada dentro de nosso ordenamento jurídico quanto ao processo e procedimento está dentro da esfera da competência legislativa, uma vez que as normas de procedimento tem competência concorrente, permitindo-se aos Estados e ao Distrito Federal legislarem normas especiais frente às normas de caráter geral editadas pela União (artigo 24, inciso XI, e parágrafos, da Constituição Federal). No que concerne à competência legislativa sobre o direito processual a União tem competência privativa (artigo 22, inciso I da Constituição Federal).

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A diferenciação entre processo e procedimento também pode ser verificada na atuação da Administração Pública. A finalidade legal do ato é alcançada pelos órgãos da Administração através da seqüência de atos previamente definidos pela lei, utilizando-se o processo administrativo de um procedimento anteriormente estabelecido pela legislação e de conhecimento das partes.    

É necessário destacar, contudo, que conforme nos adverte Luiz Guilherme Marinoni em seu Curso de Teoria Geral do Processo é uma falha lógica a mera suposição de que o procedimento apenas é um resquício dos tempos em que não havia diferenciação entre o direito material e o processual. Na realidade ocorreu uma evolução do instituto do procedimento, a partir da teoria da autonomia, da natureza pública do direito processual e da jurisdição constitucional.

O procedimento tem como escopo fins específicos relacionados à jurisdição e aos direitos postos em conflito. È necessário que o procedimento seja refletido desde sua forma em abstrato, quando criado pelo legislador, para possibilitar tutelar o direito material; até sua aplicação no caso concreto, quando o juiz, utilizando-se das regras atinentes ao procedimento, viabiliza a efetividade do direito.

A parte tem direito ao procedimento adequado a tutela do direito material discutido, consentâneo com seus direitos fundamentais e com os princípios constitucionais de justiça. Nesse sentido, não podem ser instituídos procedimentos que restringem as alegações do réu, pois violam direitos fundamentais, como o direito ao contraditório, assim como dificultam o alcance do direito material. Tais restrições devem sempre alinhar-se ao direito fundamental das partes a efetiva participação das mesmas no processo.

Imprescindível ainda, por outro lado, que o processo evidencie os valores sociais e políticos vivenciados em um determinado momento histórico. Assim, diante da sociedade contemporânea, com seu pluralismo de direitos e de situações fáticas, o processo ganhou importância frente à defesa dos direitos, inclusive sendo permitida pelo legislador, ao juiz e às partes da ação, a possibilidade de ampla utilização do procedimento, conforme o caso apresentado, exemplos temos nos arts. 461 – obrigação de fazer e não fazer –e 273 – antecipação de tutela – do Código de Processo Civil. Através desses institutos permite-se ao juiz, analisando o caso concreto, definir os procedimentos que melhor se coadunam visando à solução do conflito.

No contexto de um Estado Constitucional, o procedimento ganhou relevância junto à função jurisdicional Estatal. Dentro desse contexto, há uma parte da doutrina que entende que a legitimidade da decisão decorre da observância do procedimento, ou seja, para que a decisão seja considerada legítima ela precisa seguir as premissas estabelecidas, o procedimento, com especial participação das partes, possibilitando-se as mesmas demonstrarem suas razões e contra-argumentar os fundamentos postos pela outra parte, auxiliando na produção do resultado. Contudo, para que seja possível essa participação é necessária à publicidade dos atos processuais e a fundamentação das decisões.

Para permitir a efetividade da tutela jurisdicional é imprescindível que o procedimento seja idôneo a sua obtenção, surgindo à necessidade de muitas vezes estabelecer procedimentos diferenciados, segundo o caso concreto em análise.

Nesse contexto, o direito de acesso à justiça também deve ser entendido frente ao direito a técnica processual idônea a tutela do direito material. Como exemplo prático desse fenômeno, temos os procedimentos praticados nos Juizados Especiais, que instituíram um amplo acesso ao Poder Judiciário, através de um procedimento caracterizado pela oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2 da lei n. 9.099/95). Facilita-se a participação das partes no processo através do custo reduzido e da celeridade na obtenção do resultado prático.

Assim, o processo diferencia-se do procedimento, mas a ele se inter-relaciona. O processo necessita de um procedimento legítimo, que respeite os direitos tutelados, assim como o contraditório e a ampla defesa, para atingir seu escopo, qual seja, uma tutela jurisdicional efetiva, consentânea com os valores sociais e políticos defendidos pela sociedade.

O processo é um procedimento que legitima a atividade jurisdicional. O procedimento para ser legítimo deve estar consentâneo com os direitos materiais fundamentais. E dentro desse contexto, a diferença entre processo e procedimento ganha sentido e relevância.


Conclusões.

O processo diferencia-se do procedimento, mas a ele se inter-relaciona.

O processo pode ser entendido como instituto complexo, no qual o procedimento é uma de suas vertentes, aliado a relação existente entre seus sujeitos, com o objetivo de obter uma tutela justa. O procedimento seria a sistematização do processo.

No contexto de um Estado Constitucional, o procedimento ganhou relevância junto à função jurisdicional Estatal, sendo imprescindível que o procedimento seja idôneo a sua obtenção, surgindo à necessidade de muitas vezes estabelecer procedimentos diferenciados, segundo o caso concreto em análise.


Referências.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

______. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009.

SILVA, Ovídio A. Baptista da [1929/2009]. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993.


Abstract: The process is a procedure that legitimizes the judicial activity. The procedure to be rightful must be consistent with the fundamental rights materials. And within this context, the difference between process and procedure gains meaning and relevance.

Keywords: process; procedure.

Sobre a autora
Kellen Cristina de Andrade Ávila

Procuradora Federal. Ex-Procuradora do Estado do Pará. Ex-Defensora Pública do Estado do Pará. Atualmente atuando na Procuradoria Federal do INCRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Kellen Cristina Andrade. Processo e procedimento: as distinções necessárias no contexto de um Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3568, 8 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24106. Acesso em: 17 nov. 2024.

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