2. A ORIGEM DA BIOÉTICA E SEUS PRINCÍPIOS
Nota-se, do até aqui exposto, que os termos Moral, Ética e Direito, buscam suas raízes em um passado bastante remoto, não encontrando, apesar disso, unicidade de sentido quanto aos seus significados. Optou-se por significações usuais dentro das outras que estudam a Bioética. Da mesma forma, e pela mesma razão, conceituou-se Deontologia, sendo os termos em questão indispensáveis ao conteúdo que ora se passa a estudar.
2.1 A Origem
Nos anos 60, nos Estados Unidos, questionou-se, pela primeira vez, a problemática da ética para com aqueles que não podiam expressar suas vontades de forma autônoma, sem influências de enfermidade, mais precisamente os pacientes: de diálise, em estado comatoso, portadores de Síndrome de Down, e outros que encontravam-se em estado de iminente morte. A preocupação não era voltada para a cura da enfermidade em si, mas sim, do abuso no tratamento clínico e experimentos nesses pacientes. Tais fatos contribuíram, decisivamente, tendo-se presente o senso ético, para o despertar de uma discussão voltada para os direitos dos pacientes, vindo, no ano de 1970, surgir a Carta dos Direitos do Enfermo, aprovada e reconhecida por todas as entidades relacionadas com a saúde, ocasionando um novo marco nas relações entre os profissionais da saúde e os doentes. A discussão girava em torno do conhecimento médico e de sua utilização no frágil ser humano, que, por seu estado moribundo, encontrava-se freqüentemente angustiado.
O termo Bioética foi utilizado, pela primeira vez, nos Estados Unidos, pelo médico oncologista e professor da Universidade de Wisconsin, Van Rensselder Potter, em um artigo no qual aparece a palavra bioética: Bioethics: the Science of Survival, vindo no ano seguinte (1971) a ser consagrada na obra intitulada Bioethics: Bridge to the future.
O termo Bioética, para Potter, vinha ao encontro de como deveria ser a ciência na sobrevivência de diferentes ameaças à vida, chegando a essa conclusão a partir de suas pesquisas sobre o Câncer. "Esta doença não é apenas uma enfermidade física, mas uma manifestação das ameaças do ambiente. Daí a necessidade de uma ciência da sobrevivência" (Junges, 1999, p. 16). O que de certa forma, comungava com a proposta apresentada na Carta dos Direitos do Enfermo.
Decisões políticas, muitas vezes, ignoram o conhecimento biológico global, colocando em perigo o futuro da humanidade e, certamente, o futuro dos recursos biológicos a seu serviço. Exige-se uma educação biológica e ética do gênero humano para compreender a relação do ser humano com o Kosmos. Precisamos, segundo Potter, de uma ciência da sobrevivência do ser humano, da promoção da qualidade da vida. A Bioética responde a esta necessidade. (Junges, 1999, p. 18)
Seis meses mais tarde, Andre Hellegers funda o Joseph and Rose institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, sendo que, com Hellegers, o termo ganha um sentido mais próximo do utilizado atualmente, ou seja, como ética das ciências da vida, considerada particularmente ao nível do humano.
A questão relacionada do conhecimento médico e sua utilização, frente ao paciente, estava sacramentada, passando-se a discussão voltada para valores humanos como a chave hermenêutica do progresso das ciências, da qualidade da vida e das ciências ambientais.
Dessa forma, o termo Bioética passou a ser utilizado para todos os pontos referência que adviessem da vida. Não bastava apenas a descoberta, mas sim como utilizá-la a serviço, da forma mais ética, do homem.
Na América Latina destacam-se algumas instituições que promovem a discussão, a pesquisa e a formação em Bioética, quais sejam: Programa Regional de Bioética da organização Panamericana de Salud em convênio com a Universidade do Chile e o Ministério da Saúde do Chile; Escuela Latinoamericana de Bioética da Fundación Dr. José Maria Mainetti (Argentina) que organizou, em 1994, na cidade de Buenos Aires, o II Congresso Mundial de Bioética, promovido pela Associação Internacional de Bioética; Federación Latinoamericana de Instituiciones de Bioética (FELAIBE) de Bogotá (Colômbia).
No Brasil possuímos as seguintes instituições: Sociedade Brasileira de Bioética (São Paulo); Núcleo de Estudos voltados para a Bioética (Brasília); Núcleo de Estudos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética das Faculdades Integradas São Camilo (São Paulo).
Além das instituições citadas, percebe-se um número crescente de obras que são publicadas regularmente sobre a Bioética, tanto no Brasil como fora dele, demonstrando a importância de tal tema junto às comunidades científicas de grande parte do globo.
Aprofundando o estudo voltado para a Bioética, passa-se a descrever o seu significado etimológico: bio significa vida; ética o mesmo que ethos, que quer dizer modo de ser.
Na forma contemporânea, pode-se afirmar ainda que Bioética é o Ato Correto de Lidar com a Vida, ou que deveria ser o correto, podendo, ainda, ter o entendimento das relações do homem com a vida, sob o enfoque das escolhas boas e más, do ponto de vista ético, conforme descrito anteriormente: a reflexão ética do "bem" e "mal", do "justo" e do "injusto". Para Mário López (1997), bioética é o estudo sistemático da conduta humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados da saúde, à medida que tal conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais. Conceito que assemelha-se com o proposto na Encyclopedia of bioethics, (Reich, 1995) sendo o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. De forma sucinta, portanto, pode-se conceituar a bioética como ética aplicada à vida.
Apresenta, a Bioética, três características próprias, quais sejam: nasce em um ambiente científico, como uma necessidade sentida pelos próprios profissionais da saúde, em seu sentido mais amplo, de proteger a vida humana e seu ambiente; Possui caráter interdisciplinar, pois congrega profissionais da área médica, teólogos, sociólogos, juristas, antropólogos, psicólogos, eticistas, filósofos, etc; E, por último, é um ramo do conhecimento humano, que se apóia mais na razão e no bom juízo moral de seus investigadores, do que em alguma corrente filosófica ou autoridade religiosa. Daí, os seus princípios, objeto do próximo estudo, serem de caráter autônomo e universal.
2.2 Os Princípios
Descritas as características, passamos ao estudo dos princípios da Bioética.
Conforme exposto anteriormente, a bioética teve a sua gênese na preocupação da utilização dos conhecimentos médicos na vida dos pacientes, com início nos anos 70, e, mais precisamente no ano de 1974, o Congresso americano criou a National Commission for the protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, com o objetivo de realizar uma pesquisa voltada para a identificação dos princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação em seres humanos, nas ciências do comportamento e na biomedicina. Frise-se que a finalidade destes princípios é para colaborar com os cientistas, sujeitos de experimentação, avaliadores e cidadãos interessados em compreender os conceitos éticos inerentes à pesquisa nos seres humanos. Tal trabalho levou quatro anos para chegar a sua conclusão e apresentar os seguintes princípios norteadores: beneficência, autonomia, justiça.
2.2.1 Princípio da Beneficência
Sua característica é apontada pela obrigação do bem-estar dos outros, sendo extremamente necessário levar em conta os desejos, necessidades e os direitos de outrem. Leva em conta a instância ética da profissão médica e a estrutura da deontologia profissional: "O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional" (Código Brasileiro de Ética Medica, artigo 2º). Assim, devem ser atendidos os interesses do paciente e devem ser evitados danos, pois qualquer tentativa, de se fazer um bem à alguém, envolverá o risco em prejudicá-lo, pois, a ética, de qualquer atividade da área de saúde está estreitamente ligada à determinação do bem do enfermo. Apóia-se, tal determinação, no fato de que o fim primado de toda profissão é de estar a serviço da vida do ser humano.
Esta intencionalidade beneficente não recebeu, durante séculos, nenhuma objeção. A relação médico-doente pautava-se no paternalismo médico e na infantilização do enfermo, porque o diagnóstico e, principalmente, a terapêutica eram de exclusiva competência do médico. A intencionalidade beneficente do paternalismo médico visa ao bem do paciente. Com base em que parâmetros definir o bem do paciente? Quem decide entre as indicações do médico e as preferencias do enfermo? É necessário responder a estas perguntas para que o princípio da beneficência continue a regular a ação do médico. (Junges, 1999, p. 46)
Dessa forma, emerge uma dúvida que deve ser altamente discutida sempre quando tratar-se do princípio por ora em discussão. Com a potencialidade dos inventos e descobertas técnico-científicas, surge o questionamento entre o bem concebido pelo médico e o bem humano, no caso o do paciente. Nesse caso tona-se duvidoso se tais avanços e recursos representam um bem para o paciente ou para a missão médica. Nesse caso, para aplicar o princípio da Beneficência, é necessário distinguir o significado do bem do paciente para evitar o "paternalismo", como autonomismo. Sendo que, "a autonomia não é uma alternativa para a beneficência. Devem ser complementares" (Junges, 1999, p. 47). Se por um lado a autonomia está a serviço da beneficência, para que essa não seja desrespeitada, a beneficência está a serviço da autonomia, com a finalidade de chegar a um consentimento informado e competente. A beneficência não serve tão-somente para impedir danos e promover benefícios, mas sim para equilibrar os possíveis danos com os possíveis bens de uma ação.
Percebe-se, então, que a beneficência possui duas faces: a) prover benefícios e b)equilibrar benefícios e danos.
A beneficência, na prática, deve seguir o seguinte roteiro:
O enfermo corre risco significativo de sofrer dano ou prejuízo;
A ação do profissional é requerida para impedir esse dano;
Essa ação provavelmente o impedirá;
Ela não trará risco significativo para o próprio profissional;
O benefício do enfermo excede em valor o possível dano para o profissional.
Como pode ser observado nessa condição, a beneficência a ser atingida é aquela em relação ao paciente, sendo que, em determinados casos, para ser atingida, fere-se ou causa-se dano a outrem, ocasião que deve ser utilizado o princípio da eqüidade, visto que muitas vezes a beneficência deriva da própria reciprocidade.
No mesmo enquadramento do princípio da beneficência, existe uma sub-divisão, a do princípio já exposto e o princípio da não-maleficência, que retrata parte do juramento hipocrático, o de não fazer o mal. Enquanto que o princípio da beneficência busca infligir o mal ou dano a outrem, o princípio da não-maleficência exprime que devemos impedir o mal ou dano aos outros, remover o mal ou dano, e fazer ou promover o bem.
Insta que é imprescindível não se assemelhar a maleficência com malevolência, pois:
A maleficência deve ser distinguida da malevolência (má vontade), porque esta descreve mais uma atitude interna ou vício moral e aquela o resultado da ação moral. A malevolência diz respeito à intencionalidade da ação e a maleficência refere-se ao resultado da ação. A maleficência, em geral, está associada a dano, ofensa, afronta. Pode significar dano psicológico ou dano à reputação, mas em geral, compreende o dano físico. (Junges, 1999, p. 50)
Pode-se, ainda, afirmar que o dever da não-maleficência inclui não só o dever de sanar o mal atual, bem como os futuros males. Embora que, em certas situações, seja impossível evitar males futuros, não evitando, dessa forma, o bem na sua totalidade.
Por influência, principalmente cristã, a ética médica, busca justificar seus efeitos negativos, ancorados em três princípios: Duplo Efeito, Totalidade e Mal Menor:
Princípio do Duplo Efeito - É aplicado quando a ação tem duas conseqüências, sendo uma positiva e a outra negativa. Dessa forma o efeito negativo é visto como indireto e não intencional. Ex.: Devido a moléstia que o atordoa, terei que amputar sua perna (efeito negativo), mas em compensação você continuará vivo (efeito positivo). "O sujeito moral somente pode admitir um efeito mau de seu ato, se esse efeito é indireto e compensado por uma razão proporcionada" (Knauer, 1965, p. 357). Na aplicação desse princípio, visa-se quatro condições; a ação em si deve ser boa; o fim deve ser honesto; o efeito negativo, alcançar o positivo; e deve haver proporcionalidade entre o efeito bom e o mau da ação.
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Princípio da Totalidade - quando existe um conflito entre o bem da totalidade e o bem da parte, é necessário preferir o primeiro, sendo que esse princípio aplica-se somente à totalidade pessoal (pessoas), e não à totalidade social. Caso contrário, a pessoa seria sacrificada em favor da sociedade, sendo que tais ações foram comuns na antiguidade. Ex.: Extermina-se todos os portadores do vírus HIV, ou seja mata-se as pessoas portadoras e livra-se a sociedade da contaminação.
Princípio do Mal Menor - é o caso em que todos os atos a serem realizados serão negativos. Qualquer que seja a direção, a conseqüência será negativa, danosa. A Intenção é moralmente positiva ao escolher o mal menor, sendo que o agente não se torna culpado, pois a ação é permitida e, as vezes, obrigatória. Ex.: a decisão que envolva a mãe e filho na hora do parto, apenas um poderá sobreviver.
2.2.2 Princípio da Autonomia
Segundo Kant, as pessoas nunca devem ser tratadas como meios para fins de outras pessoas, pois deve o homem ter Direito às suas autonomias. O médico deve respeitar a vontade do paciente, visando as suas crenças e valores morais, porém deve ficar claro que a autonomia é limitada quando entra em conflito com o direito que envolva outras pessoas, inclusive o próprio médico. O que deve pontuar são os valores morais.
Há bem pouco tempo atrás, o ato médico não era questionado, sendo que esse era visto como paternalista e, o paciente como uma criança, sendo que no juramento hipocrático e nos códigos clássicos de medicina, tal afirmação é confirmada. Esse paternalismo foi, durante séculos, a tradição médica, impulsionada pelo dever com o bem estar do paciente, postura que até mesmo mistificou uma determinada superioridade moral de tal profissão médica, em volto de uma "aura", acompanhada pela do sacerdote e do juiz. "Nesta superioridade moral está a sua grandeza, mas também a sua fraqueza e a causa de suas deformações"(Junges, 1999, p. 41).
O paternalismo médico começa a ser questionado quando apareceram abusos e manipulações que feriam esta tradição, a valorização do pensamento de que o ser humano é sujeito e não objeto, ocasionando que o paciente não aceita mais ser entregue a um médico, como uma criança a sua nova babá, ou seja, inicia um processo, gradativo, que começa a exigir uma participação ativa no prognóstico e diagnóstico, sendo que em determinadas ações é exigido o consentimento informado, - autonomia – conforme prevê a Carta de Direito dos Enfermos. Passa-se ao seguinte entendimento, que o enfermo, enquanto sujeito e esse com sua dignidade, tem o direito de decidir autonomamente sobre a aceitação, ou não, do que se quer fazer com ele e do tratamento indicado.
Na verdade, o que se busca é que seja desmistificada a figura do paternalismo médico, não de forma a isentá-lo de sua responsabilidade, mas sim da autonomia, ou poder de livre escolha do enfermo.
Ser autônomo e escolher autonomamente não são a mesma coisa do que ser respeitado como agente autônomo. Ser respeitado significa ter reconhecido seu direito de autogovernar. É afirmar que o sujeito está autorizado a determinar-se autonomamente, livre de limitações e interferências. O princípio da autonomia expressa esse respeito. (Junges, 1999, p. 41)
O enfermo, diante das informações, tem a possibilidade de exercer a sua autonomia, e de ver essa respeitada. É importante, frise-se, que essa autonomia seja voluntária.
A questão que deve ser observada detalhadamente é a competência para o exercício do princípio da autonomia, pois existem casos em que é impossível a manifestação do enfermo, presentes determinadas circunstâncias que acercam essa decisão. Observa-se, nesse caso, as condições físicas e psicológicas do enfermo, para verificar se ele não está agindo de forma ansiosa e não voluntária. Da competência, para emitir juízos autônomos, depende todo o contexto, que qualificam como competente ou não, para a autonomia da decisão.
São três as condições que determinam a competência: capacidade para tomar decisões, baseada em motivos racionais; capacidade de chegar a resultados razoáveis através de decisões; e capacidade de tomar decisões.
O princípio da autonomia não cobre determinados casos, como por exemplo os relacionados com: crianças, suicidas potenciais, dependentes de drogas, excepcionais e demais casos que por seu estado físico ou psíquico, estejam impedidos de exercer voluntariamente a sua autonomia.
Deve estar o enfermo acima de qualquer interesse, visto que ele é sujeito e não objeto de alguma instituição que trata a saúde, ou de pesquisa científica, como visto anteriormente.
Seguindo essa linha de raciocínio, três indicações devem ser observadas:
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Em primeiro lugar, o melhor interesse do enfermo acontece quando a medicina realiza os seus objetivos constitutivos, ou seja: os de prevenir, curar, ter o cuidado de reabilitar uma função e de aliviar a dor. Quando se assumem tratamentos que não respondem a nenhum desses objetivos, pode-se estar seguro de que não se está buscando o interesse do paciente.
Em segundo lugar, deve-se perguntar qual a escolha que o enfermo faria se estivesse consciente. A sua biografia pode fornecer elementos para orientar a escolha. Perguntar-se-ia, ainda, se são conhecidos os valores, projetos e esperanças do enfermo, se eles são algo decisivo para tomar uma decisão. Se não existe esse conhecimento, pode-se recorrer ao princípio de referência do que decidiria, em circunstâncias análogas, uma pessoa racional.
Caberia, por último, indagar sobre quem é o sujeito mais competente para decidir pelo outro quando este está incapacitado. Quanto a decisão ser tomada em conjunto entre a equipe médica e os familiares, esta não parece uma boa solução. O ideal seria ser em conjunto, uma vez que a equipe médica tem a competência que vem do conhecimento da situação do doente e da confiança dos familiares, e por outro lado, a família também tem uma posição privilegiada, porque conhece o doente mais de perto. Contudo, devido ao envolvimento afetivo, os familiares podem ser incapazes de enfrentar situações-limite nas quais é necessário tomar uma decisão difícil. Por isso, a importância da equipe médica.
2.2.3 Princípio da Justiça
Busca o último princípio a ser estudado, apóia-se no contexto de que os juristas, os cientistas e os filósofos devem dar a sua contribuição para a busca da justiça, da vida, da liberdade, para que possam, eticamente, formar nossa consciência e das pessoas que participam do debate, que, por ora, se forma. Nesse último contexto, decorre a necessidade de integrar junto aos outros dois princípios, também o da Justiça, que visa o direito fundamental de igualdade e a necessária eqüidade na distribuição dos recursos.
As novas possibilidades de "intervento" médico referem-se a casos-limite, em que se torna difícil reconhecer a pessoa e onde a presença da dignidade humana é sutil. O que significa, nestes casos, igual respeito e consideração? Trata-se de situações nas quais as determinações pessoais são mais tênues, porque as potencialidades do sujeito ainda não se expressam no nível pessoal (embrião em estágios precoces); ou, porque, em vez de tratar o enfermo como pessoa, o reduzirá a uma vida vegetativa (estados comatoso); ou, porque a vida biológica que o "intervento" médico pode garantir não contém a promessa de comportar uma vida pessoa (patologias neonatais). (Junges, 1999, p.51)
O princípio da justiça visa evitar a discriminação frente a seleção, do paciente em igual estado e, ansiosamente, busca a solução para o seu mal. Entretanto necessária é uma reflexão no sentido de saber-se quem é o outro. É, portanto, necessário entender-se que o aspecto biológico não define o ser humano, mas é suporte de realização da pessoa humana e o lugar de verificação do respeito e consideração.
A questão de igualdade, de respeito e de consideração proclama mais a questão social. O princípio da Justiça visa exterminar a diferença que muitos pobres sofrem frente ao atendimento, ou melhor dizendo, sobre a discriminação no atendimento à saúde. O estado tem o dever de amparar a todos, e esse acesso não pode ser predeterminado, e sim preestabelecido no sentido de quem necessita, independente do respeito e consideração social que exista em torno desse enfermo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma em seu artigo 25:
Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que assegure para si e sua família, a saúde e o bem-estar e, em especial, a alimentação, a habitação, a assistência sanitária e os serviços sociais necessários.
O segundo princípio, o da Justiça, é referente a eqüidade na distribuição de recursos. Mas qual o critério que deve ser adotado para essa distribuição?
Imagina-se, inicialmente, tratar-se de um problema político, como realmente de fato o é, mas a medicina não pode se exonerar dessa questão: "trata-se da justiça distributiva que aponta para as obrigações da sociedade considerada como um todo em relação aos indivíduos que a compõem" (Junges, 1999, p. 56). Dessa forma é correto afirmar que a sociedade deve atender às exigências razoáveis de cada cidadão, os quais variaram segundo tempos e lugares, tratando-se, hoje, da justiça relacionada com o direito à assistência sanitária.
Deve-se, pela eqüidade, verificar que todos tenham igualdade no acesso, sabendo-se que, porém, é indiscutível que os resultados poderão ser desiguais, e que sempre poderão haver desigualdade, sendo que elas são aceitas e justas, desde que tragam vantagens e benefícios para todos, a começar pelos mais desfavorecidos. Trata-se nesse caso do princípio da compensação, pois as imerecidas desigualdades requerem compensação social, que visará tratar igualmente a todas as pessoas e proporcionar uma autêntica igualdade de oportunidades.
Pela oportunidade, ainda, cabe dizer que o princípio de Justiça visa que todos tenham as mesmas condições de acesso a tratamentos e demais terapias pertinentes, assumindo uma perspectiva deontológica de igualdade e de imparcialidade.
Os princípios clássicos da Bioética, Beneficência, Autonomia e Justiça, são de naturezas diferentes dentro da própria ética, sendo que o princípio da autonomia provém da filosofia moral de Kant; o princípio da beneficência ao utilitarismo de Mill e o princípio de Justiça do contratualismo de Rawls.
Finalizando, pode-se afirmar que a Bioética é a Ética da vida, conforme ensina Correia (1996).
Ainda, segundo Junges:
Bioética – de vida e ética – é um neologismo que significa ética da vida. Este primeiro sentido já indica um conteúdo de enorme abrangência: o que é vida lhe compete. Decorre daí a dificuldade de se dar à bioética uma definição sumária e adequada, uma vez que as definições tendem sempre a fixar fronteiras e a bioética não tem fronteiras, não se definindo, por isso, como as demais disciplinas. (1999, p. 40)
De qualquer forma, a bioética, segundo a maioria dos autores, não tem, ainda, a sua definição e características definidas, mas, indiscutivelmente, assinala para a interdisciplinariedade, indicando uma grande perspectiva para a investigação, consolidando, enfim, a intersubjetividade.