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Eutanásia.

Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais

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01/10/2001 às 00:00
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Resumo: Visa-se, pela presente monografia, realizar um estudo sobre a Eutanásia, tendo como base a Ética e o primado constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, onde buscar-se-á subsídios para sua conversão em Direito Positivo. Diante dos avanços médico-científicos, presenciados cotidianamente com as descobertas tecno-cientifícas, quanto às formas de criar, manter e prolongar a vida, os quais colidem com culturas vigentes, questiona-se, ao mesmo tempo, a necessidade de tais progressos e seus efeitos juntos aos Direitos Fundamentais de cada indivíduo. Com essas constantes descobertas, nota-se que a sociedade se depara com situações com as quais não sabe como se portar, necessitando de uma ampla discussão nas áreas da Sociologia, Biologia, Medicina, Psicologia, Teologia, Direito e outras, com o intuito de buscar soluções para impasses tais como o do tema proposto, ou seja, a Eutanásia. Enseja-se então, um estudo da Bioética, buscando-se uma reflexão na utilização de tais procedimentos, que envolvem o bem mais supremo do ser humano, a Vida. Nota-se, pelo prisma da Dignidade da Pessoa Humana, que tais descobertas, ao invés de proporcionar qualidade de vida e bem-estar, vem, muitas vezes, direcionando-se apenas para a quantidade de vida, desferindo golpes fatais em princípios Éticos e Constitucionais, que à deriva passam, sem serem observados. Busca-se atingir o objetivo do presente trabalho, através da pesquisa bibliográfica em livros, textos e periódicos, assim como na legislação pátria.

Sumário: Introdução; 1. Ética, moral, deontologia e direito: uma Sintetização de conceitos. 1.1. Ética. 1.2. Moral. 1.3. Direito. 1.4. Deontologia. 2. A origem da bioética e seus princípios. 2.1. A origem, 2.2. Os princípios. 3. As diferenças entre Bioética e Biodireito, 3.1. Bioética, 3.2. Biodireito. 4. Dignidade humana: significado e alcance, 4.1. Dignidade de pessoa humana. 5. A origem e a classificação da eutanásia., 5.1. Origem, 5.2. Classificação. 6. Eutanásia, distanásia e ortonásia: distinções necessárias, 6.1. Distanásia, 6.2. Ortonásia. 7. Posturas religiosas frente a eutanásia, 7.1. Budismo, 7.2. Cristianismo, 7.2.1. Outras religiões cristãs, 7.3. Islamismo, 7.4. Judaísmo. 8. Análise das argumentações contra e a favor da eutanásia, 8.1. Os que se opõem à prática da eutanásia, 8.2. Os que se põem favoráveis à prática da eutanásia. 9. A eutanásia em alguns países, 9.1. No Brasil, 9.2. Na Austrália, 9.3. Na Holanda. 9.4. No Uruguai, 9.5. Na Colômbia, 9.6. Nos Estados Unidos. 1.0. Considerações finais. Anexos. Referências bibliográficas


INTRODUÇÃO

Nota-se, diante das descobertas ocorridas nas últimas décadas, que determinadas situações, pela sua novidade, não encontram previsão legal ou afrontam, pelo menos, de forma aparente, a legislação atual ou, ainda, simplesmente, dadas leituras descontextualizadas; não são percebidas suas possibilidades de normas válidas e possível eficácia, possibilitando-se assim, questionar-se quais as posturas a serem adotadas nesses casos.

A Eutanásia, distante de ser um acontecimento próprio da nossa sociedade, apenas ganha novo espaço frente a problemas ocasionados pelas ações provindas do conhecimento do Homem, que na euforia das descobertas fantásticas, ocorridas no século XX, desprendeu-se de alguns aspectos fundamentais para a evolução de uma sociedade mais humanizada.

Surgiu, em função desses fatos, a Bioética, que busca, em suas origens, aspectos fundamentais para a prática desses novos conhecimentos, os quais se encontram em constantes atritos com regras e com princípios, assim como com religiões e com outras culturas.

Tais descobertas devem ter, pelo menos em princípio, o objetivo de melhorar a qualidade de vida, não podendo ser esses conhecimentos utilizados contra o próprio Homem, quer violentando seu corpo, quer violentando sua dignidade.

A Eutanásia volta à tona nas discussões ocorridas em todas as esferas da sociedade. Volta-se a questionar princípios tais como Ética e Moral, sendo que, para os profissionais de várias áreas, surge novo instituto chamado de Deontologia. A Bioética oportuniza-se pela conjunção desses novos pensamentos, ocasionando uma nova postura a ser tomada nas ações que envolvem a vida humana.

Nota-se, hoje que a Eutanásia deixa de ser vista apenas como a simples possibilidade de ocasionar a morte a alguém, que está sofrendo em função de determinada moléstia. Estudiosos do mundo todo a reclassificam e a apresentam a esse novo cenário mundial, que, por sua vez, possui pouca ou nenhuma legislação com referência a tal tema, inclusive no Brasil.

Encontra-se, na Eutanásia, logicamente, posições conflitantes quanto à sua prática.

Alegam os contrários a tal prática, princípios religiosos, entendendo que, sendo a vida um dom divino, não tem o Homem o direito de subtraí-la de alguém, e, além do mais, dizem que o Homem foi feito a imagem e semelhança de Deus, portanto qualquer ato contra a vida humana, é um ato contrário a Deus. Entendem, alguns ainda, que quanto maior for o sofrimento, maior será o benefício à alma humana.

Aparecem, também, aqueles que apontam para a questão da sucessão de bens e direitos, entendendo que tal prática pode ser levada a termo apenas em beneficio do profissional que a possibilita e ou dos herdeiros, desprezando-se por completo a vontade e as crenças do enfermo.

Entendem os favoráveis à Eutanásia que sua utilização não visa exterminar pessoas, mas, sim, amenizar sofrimentos inevitáveis e dolorosos. Acreditam que a vida, por ser sagrada e também por ser o maior bem que o Homem pode possuir, deve ser mantida, durante todo o seu transcurso, com a maior Dignidade possível, até o seu término, com a morte, que também faz parte da vida e, por conseqüência, também deve ser digna.

Para estas, então, não basta viver com dignidade, se ao final da vida essa não lhe é proporcionada.

Assim sendo, verifica-se quais os motivos que impedem a positivação da prática de Eutanásia, ou o porquê da não positivação. Em análise oposta surgem os motivos que possibilitam a discussão para a criação de lei específica sobre o tema, que deve oportunizar à Eutanásia uma prática não passível de sanções.

Cumpre lembrar ainda, que, em nosso Código Penal, tal prática é prevista como ilícito penal, com previsões de sanções.

Com tudo isso, na desesperada busca do conhecimento que cerca o mundo misterioso da Vida e da Morte - as ciências - de um modo geral, envolvem-se na difícil tarefa de delinear o transcurso da Vida Humana, que diante das descobertas ocasionadas pelo Homem, proporcionam um acirrado debate sobre a manutenção artificial da vida e o direito de morrer com Dignidade, buscando-se, dessa forma, uma resolução ao impasse em torno do tema, satisfazendo as dúvidas frente a positivação de medidas concernentes a Eutanásia.


1. ÉTICA, MORAL, DEONTOLOGIA E DIREITO: UMA SINTETIZAÇÃO DE CONCEITOS

Inicialmente, para um melhor aproveitamento, passa-se a ver conceitos fundamentais para o entendimento do tema proposto.

1.1 Ética

Provêm os primeiros estudos envolvendo a ética, dos filósofos gregos, cerca de 500 e 300 a.C. período em que surgiram muitas idéias, definições e teorias que nos acompanham até os dias de hoje. Entre os vários pensadores desta época, podemos afirmar que Sócrates, Platão e Aristóteles, foram os responsáveis pela grande e incrível análise e reflexão sobre o agir do homem.

Privilegia, entretanto, este estudo, os dois últimos, ou seja: Platão e Aristóteles, que poderão ser mais bem compreendidos através de algumas das idéias que descrevem os problemas éticos formulados naquela época:

A reflexão grega neste campo surgiu como uma pesquisa sobre a natureza do bem moral, na busca de um princípio absoluto da conduta. Ela procede do contexto religioso, onde podemos encontrar o cordão umbilical de muitas idéias éticas, tais como as duas formulações mais conhecidas: "nada em excesso" e "conhece-te a ti mesmo". O contexto em que tais idéias nasceram está ligado ao santuário de Delfos e do deus Apolo. (Valls, 1998, p. 24)

Platão (427-347 a.C.) era discípulo de Sócrates e, em sua corrente de pensamento, apresenta-se acreditando na vida após a morte, valorizando, desta forma, o ascetismo, que repudia, definitivamente, todo e qualquer ato ou fato que seja pertinente ao prazer do corpo (matéria). Acreditando na vida pós morte, é defensor da imortalidade da alma, conforme sugeriu no diálogo Fédon, em que é coerente com uma preexistência da alma, sendo que a felicidade só é encontrada após a morte.

Pela visão de Platão, os homens deveriam durante a vida contemplar idéias, e, principalmente, a idéia mais importante de todas, que era a do Bem. Como o astrônomo contempla os astros, o filósofo contempla, através da arte da dialética, as idéias mais altas, entre elas as do Ser e do Bem: "O Ser é imutável, e também o Bem. A partir deste Bem superior, o homem deve procurar descobrir uma escala de bens, que o ajudem a chegar ao absoluto".(Valls, 1998, p. 26)

Seguindo essa linha de pensamento, Platão descreve que sábio não é o cientista teórico, mas sim o homem virtuoso, ou o que busca a vida virtuosa, e a virtude é uma purificação, sendo que através dela o homem descobre como desprender-se do corpo e com tudo que está ligado a esse terreno. A prática da virtude é a coisa mais preciosa que existe para o homem, sendo essa a harmonia tanto social, como individual.

O homem que é virtuoso, para Platão, é o que está assimilando Deus. Naturalmente, que a plebe da época não concordava com esses valores, pois via a hierarquia de bens, descrita pelo filósofo, contraposta a sua, porém para Platão, o sábio era aquele que busca assemelhar-se ao Deus, tanto quanto lhe é possível assemelhar-se a Deus.

Platão organiza um quadro onde descreve as diferentes virtudes, que são:

Justiça (dike) a virtude gera, que ordena e harmoniza, e assim nos assemelha ao invisível, divino, imortal e sábio; Prudência ou Sabedoria (frônesis ou sofía) é a virtude própria da alma racional, a racionalidade como o divino no homem: orientar-se para bens divinos. Esta virtude, que para Platão equivale à vida filosófica como uma música mais elevada, é aquela que põe ordem, também, nos nossos pensamentos; Fortaleza ou Valor (andréia) é a que faz com que as paixões mais nobres predominem, e que o prazer se subordine ao dever; Temperança (sofrosine) é a virtude de serenidade, equivalente ao autodomínio, à harmonia individual.

Dessa forma, indubitavelmente, o que caracteriza as idéias de Platão, é a do Sumo Bem, ou seja a Vida Divina, caracterizadora da ética platônica, a equivalência da contemplação filosófica e virtude, e da virtude como ordem e harmonia universal. É extremamente mínima a diferença entre a virtude intelectual da virtude moral, assemelhando-se à prática teórica.

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Aristóteles (384-322 a.C.), que era discípulo de Platão, foi um grande pensador especulativo e profundo psicólogo, levando mais a sério que Platão, a observação empírica, ou seja, do conhecimento prático, o que de certa forma era oposto ao seu mestre Platão, que apoiava-se mais na teoria.

Aristóteles parte da relação existente entre o Ser e o Bem, incidindo, na questão da variedade do Ser, pois para cada Ser deve haver um Bem, em conformidade à essência e natureza do seu próprio Ser. Dessa forma, quanto mais complexo for o Ser mais complexo será o Bem, apontando para a conclusão de que, segundo Aristóteles, a ética é finalista, ou seja, quais os fins que devem ser almejados para que o homem alcance a felicidade.

Para Aristóteles, o Bem ou a Felicidade do Homem consiste na consagração de vários bens (amizade, saúde e até mesmo alguns bens materiais), pois, segundo Aristóteles, o homem é um ser complexo, e sem um determinado conjunto de bens, não há como perdurar a felicidade, "mas é claro que há uma certa escala de bens, pois os bens são de várias classes, e uns melhores de que outros" (Valls, 1998, p. 30).

Aristóteles acredita que a composição da felicidade não se baseia unicamente em um Bem, pois, caso contrário, teríamos de escolher qual o melhor Bem; se seria a Virtude, a Força, o Poder, a Riqueza, a Beleza, a Saúde ou os Prazeres Sensíveis, e Aristóteles parte do princípio de que o homem tem o seu ser no viver, no sentir e na razão. Dessa forma, o homem não pode unicamente viver, mas sim viver racionalmente, ou seja viver de acordo com a razão.

A razão, para não se deixar ela mesma desordenar, precisa da virtude, da vida virtuosa. Qual seria, então, a virtude mais alta, ainda que não a única necessária? O bem próprio do homem é a vida teórica ou teorética, dedicada ao estudo e à contemplação, a vida da inteligência. (Valls, 1998, p. 30)

O pensamento, para Aristóteles, é o elemento divino do homem, e, automaticamente, o Bem mais precioso. Assim, o prazer não é um bem absoluto, mas também não é um mal, pois ele acompanha as diferentes atividades, mesmo as intelectuais ou espirituais, mas, decisivamente, para Aristóteles, a felicidade é conquistada pela virtude, e as virtudes são analisadas longa e detalhadamente, não admitindo jamais a composição do homem sem a conjunção corpo/espírito, sendo que, como corpo, está sujeito a paixões e a alma, aos bons hábitos. Aristóteles, como se vê, valoriza a vontade humana, a deliberação e o esforço em busca de bons hábitos, enquanto que o homem necessita converter suas melhores disposições naturais, em hábitos de acordo com a razão, ou seja, virtudes intelectuais.

A tradução, segundo Aristóteles, de virtude, segue o pensamento de que é um hábito adquirido, voluntário, deliberado, que consiste no justo meio em relação a nós, tal como o determinaria o bom juízo de um varão prudente e sensato, julgado conforme a reta razão e a experiência.

Abrindo-se um "parênteses" no texto, entende-se ser necessário conhecer o significado etimológico do termo ética, conforme segue.

A palavra Ética deriva do grego, sendo o seu significado entendido da seguinte forma, ethos igual a ética, dessa forma, ethos igual a modo de ser.

Portanto, a Ética não se aplica como forma de agir, essa fica a cargo da Moral, que é determinante na forma do agir. A Ética é a designação filosófica sobre a Moral, isto é, sobre as regras e os códigos morais que norteiam a conduta humana. Dessa forma cabe atribuirmos a Ética como a ciência da conduta humana.

A Ética pode ser entendida como reflexão dos costumes e ações humanas, sendo importante analisar-se sob o prisma da sociedade em que se situa o estudo, devendo sempre ser respeitado o costume, o direito e qualquer outro modo indicativo referente a tal grupo ou camada social.

Por ser parte da filosofia, a ética tem como objetivo a ação humana, fixando-se não no que o homem é de fato, mas sim no que ele deve ser e fazer de sua vida.

Baseados nos ensinamentos dos filósofos supra-mencionados, é necessário, para que exista ética, que o agente esteja consciente, ou seja, que tenha capacidade para discernir o Bem e o Mal e toda a sua repercussão. A consciência moral, portanto, possui capacidade de discernir entre um e outro e de avaliar, julgando o valor das condutas, e de agir conforme os padrões morais.

Os valores podem ser entendidos como padrões sociais ou princípios aceitos e mantidos por pessoa e pela própria sociedade, dentre outros.

1.2 Moral

Quanto as suas raízes etimológicas, tem-se que: mos igual a moral, (mos igual a mores), por sua vez mores é igual a costume.

Pode-se afirmar que enquanto a Ética é a teoria, é a ciência que estuda a própria Moral, e a moral é espécie conectada com o empírico.

Da necessidade de conviver-se em sociedade, surge a Moral, sendo essa a reunião de regras que são determinantes para o relacionamento dos indivíduos. Embora que sejam freqüentemente usados como sinônimos, a Ética e a Moral, não o são. Assim, quando se indaga o que é correto, aborda-se a Ética; a seguir, quando há a ação, questiona-se a Moral, uma vez que é referente ao ato em si.

A ética aborda o que deve ser ou, pelo menos como deveria ser, já, a Moral, é referente ao tocante do que é vivido, do ato em ação e suas consequências. A Ética estuda, aconselha e até ordena, mas a Moral é coexistente, sendo ambas relacionadas a valores e a decisões que levam a ações com todas a sua abrangência para nós e os outros.

Os dois vocábulos direcionam-se a qualidades humanas, ou pelo modo de ser, ou pelo caráter de cada um, em que se apoia o fato ponderante aos costumes ou as normas adquiridas, ocasionando o comportamento moral do homem. Pode-se afirmar que a Ética analisa as regras e os princípios morais que são destinados a orientar a ação humana.

O desrespeito a alguma das regras morais pode provocar uma tácita ou manifesta, uma atitude de desaprovação. Apesar de haver um mecanismo individual uma reação instintiva contra regras e obediências a qualquer autoridade, até hoje nenhum grupo ou comunidade pode existir sem normas constrangedoras da moral. (Costa, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

A conduta ética materializa-se na oportunidade do agente agir conscientemente, ou seja no discernir entre o bem e o mal. Cabe aceitar que o agir eticamente é ter conduta de acordo com o bem, porém, definir objetivamente o bem, é estudo progressivo, uma vez que tal conceito é extremamente evolutivo, sendo que o que hoje pode ser o bem, amanhã não o é ao passo que a moral, que possui a capacidade de discernir entre um e outro e de avaliar julgando o valor das condutas e de agir conforme os padrões morais, torna-se responsável pelas ações e emoções, ordinariamente por suas conseqüências. Os valores podem ser entendidos como padrões ou princípios aceitos em determinado tempo, porém nunca de forma determinante e imutável. Assim, em cada período, a percepção individual é mutável, ocasionando diferentes pesos e, consequentemente a moral variará, dependendo do modo de existência de cada pessoa, de suas convicções filosóficas, experiências vividas ou até de crenças religiosas. Em suma, cada pessoa, cada sociedade, cada classe social, tem seus valores que devem ser considerados em qualquer situação, nas mais diversas situações.

Atualmente, segundo Carlin (1997), são dois os significados conferidos ao vocábulo ética, sendo que, em sentido amplo, relaciona-se com a ciência do direito e a doutrina moral, e, em sentido restrito, refere-se aos atos humanos e às normas que constituem determinado sistema de conduta moral, integrando-se, pois, única e especialmente, com a doutrina moral.

A ética não possui caráter legal, traduzindo-se, enfim, no respeito a regras de conduta não sancionadas por outras normas. "Não é direito, não é deontologia e não é moral" (Carlin, 1997, p. 33)

1.3 Direito

No campo do Direito, abre-se a discussão, que é abordada na área da Filosofia, entre o Direito e a Moral, ocasionando uma discussão acerca do assunto.

A palavra Direito provém do latim directu, que suplantou a expressão Jus, do latim clássico, devido a sua expressividade. Em Roma havia o Jus e o Faz, sendo Jus o conjunto de normas formuladas pelo homem, destinadas à sociedade, e Faz o conjunto de normas de origem divina, religiosa, que regeriam as relações entre os homens e as divindades.

Dessa forma, o Direito passa a ser descrito como a ciência das regras obrigatórias que presidem as relações dos homens em sociedade.

Para Kant, o ser é colocado como inatingível pelo pensamento humano, vindo a influenciar de forma explícita o pensamento jurídico de sua época, já que aquele permanece prisioneiro de suas próprias formas subjetivas de pensar, enquanto que o dever ser impõe-se à vontade humana. Os filósofos do Direito, após Kant, passam a se posicionar, reduzindo o Direito a um mero dever ser, sem relação com o ser.

Kant ainda revela três pontos de sua investigação filosófica, através de três questionamentos. Que posso conhecer? Que devo fazer? O que é permitido fazer?

O paralelo entre Moral e Direito norteia toda a obra jurídica de Kant, tendo a liberdade como ponto de partida e pano de fundo. Kant observa que o verdadeiro critério diferenciador entre Moral e Direito é a razão pela qual a legislação é obedecida. Afirma, ainda, que a vontade jurídica é heterônima, posto que condicionada por fatores externos de exigência da mesma, enquanto que a vontade Moral é autônoma, já que o móbil desta é o dever pelo dever.

Para Limongi França, o direito pode ser entendido sobre quatro aspectos:

  • Como o Justo;

  • Como Regra de direito;

  • Como Poder de direito;

  • Como Sanção de direito.

Os jurisconsultos romanos já ensinavam que jus est a justitia appellatum, isto é, o direito provém da justiça. Pode-se, a partir de tal premissa, afirmar que o direito não tem e não pode ter outro objetivo senão a realização da justiça, que segundo Sidou, "justiça é a virtude de atribuir a cada um o que é seu" (1991, p. 318).

Como Regra de Direito é a ordem social obrigatória estabelecida para regular a questão do meu e do seu (Direito Objetivo), sendo que, Como Poder de direito, é o conjunto de faculdades que as pessoas têm, conferido pela Regra de direito (Direito Subjetivo); e, como Sanção de direito, onde se discute o fato de existir ou não direito sem sanção, isto é, sem a força do poder público ou dos grupos sociais que torna obrigatório.

Já, para Miguel Reale, existem apenas três perspectivas para compreensão da palavra direito: elemento Valor, como instituição primordial; elemento Norma, como medida de concentração da conduta social; elemento Fato, como condição da conduta.

Quanto ao significado de termo "ciência", vale-se, para os fins deste trabalho, aquele que diz ser a busca permanente e constante pela verdade, e que pelo fato dela não ser unívoca, não há como designar um tipo específico de conhecimento, não existindo um critério único que determine sua extensão, natureza ou caracteres, devido ao fato de vários critérios terem fundamentos filosóficos, e que, de certa forma, extravazam a prática científica.

Unindo-se os paradigmas de Direito e Ciência, pode-se concluir que:

O direito como Ciência, valoriza, qualifica, atribui consequentemente a um comportamento. Não tem função de critérios filosóficos, religiosos ou subjetivos, mas em função da utilidade social. Para o direito, a conduta é o momento de uma relação entre pessoas, e não o momento da relação entre pessoas e divindade e entre pessoas e sua consciência, ou seja, o direito não se limita apenas na verificação simples dos atos ou dos acontecimentos, muito pelo contrário, eles são analisados pelas consequências que produzem.(Oliveira, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

É cabível afirmar que o direito como ciência está preocupado com a ordem social e a segurança da sociedade, sendo dessa forma a sociedade e a vontade do homem que atuam na interpretação dessas necessidades e transformam as regras, que essas necessidades impõem, naquilo que chamamos de Direito Positivo.

1.4 Deontologia

O termo Deontologia foi utilizado, pela primeira vez, pelo filósofo inglês, Jeremy Bentham, no ano de 1834. Deontologia provém de dois vocábulos gregos, conforme segue: deontas, o que é obrigatório, aquilo que é necessário fazer (são os deveres de uma profissão), logos, é o conhecimento transmitido mediante provas, é o discurso prático sobre uma matéria (logos: ciência ou estudo).

Segundo Carlin, Deontologia é a ordenação da conduta do profissional, é a ciência dos deveres a que são submetidos os componentes de uma determinada profissão. Na definição de Jean Paul Buffelan, "deontologia designa o conjunto de regras e princípios que ordenam a conduta de um profissional" (Carlin, 1997, p. 32).

Privilegiando-se, aqui, a Deontologia Jurídica, torna-se primordial uma análise sobre dois diferentes ângulos (Carlin, 1997) que envolvem a postura das pessoas envolvidas no caso:

  • Do ângulo interno, trata-se das pessoas que estão no mesmo patamar – que exerçam a mesma profissão, ex. advogados – dessa forma os deveres do profissional concernem à Ordem e aos colegas.

  • Do ângulo externo, visa a repercussões a respeito de pessoas estranhas à profissão e, cujo destino, assegure o bom funcionamento de um serviço de interesse geral, dando ao público garantias.

Cumpre salientar que descobertas científicas e com as constantes descobertas e mudanças de posturas sociais e culturais, causas e conseqüências de mutações de valores e de direitos, tornam-se extremamente comuns que determinadas verdades caíam em desuso e outras sobrevenham, possibilitando uma nova via para a Justiça. Esta atuando sem medo e legitimada pela opinião pública, age como contra-poder, sob o benefício de uma ética diferente, e o homem, como agente provedor dessa mudança na sociedade, impõe seus novos valores, produzindo justificação fática para o direito e o comportamento social, com todos os seus componentes e fenômenos.

Partindo do pressuposto de que a vida social não é exclusivamente conflitiva, é claro, também, a existência de pelo menos três modos possíveis de dirimir controvérsias, quais sejam, segundo Carlin a conciliação, o recurso à força e a constituição de função judicial.

A atividade jurisdicional impõe uma deontologia indispensável e internamente ligada à noção do juiz, pois se é grande a responsabilidade ética de quem elabora a lei, não é menor a daqueles que têm de apreciá-las. A lei, em sua generalidade, difere do ato jurisdicional, que se aplica ao caso concreto e pressupõe a realização da Justiça que, com certos caracteres, torna-se imutável. (1997, p. 41)

Assim sendo, cabe concluir que a Deontologia versa sobre os aspectos éticos relacionados às atitudes vindas das ações éticas nas relações profissionais, tanto entre os mesmos de uma determinada categoria profissional, com destes em relação a cada pessoa sujeita a seus serviços.

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Sobre o autor
Milton Schmitt Coelho

bacharel em Direito em Santa Cruz do Sul (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia.: Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2412. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. Hugo Thamir Rodrigues.

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