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A proteção aos direitos humanos no direito brasileiro

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Agenda 28/07/2013 às 15:49

5.    A Constituição Federal de 1988

Iniciado o processo de redemocratização, depois de 21 anos de regime ditatorial, foi convocada pela Emenda Constitucional n. 26, em 27 de novembro de 1985, a Assembléia Nacional Constituinte, a qual desembocou na promulgação da Constituição brasileira de 1988, propiciando um significativo avanço no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, pois pela primeira vez, na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a devida relevância.  [19]

A sedes materiae é o Título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, regulamentando os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, assim como as respectivas garantias.[20] Não obstante, a Constituição de 1988 refere-se aos direitos fundamentais em diversas partes de seu texto, não se caracterizando pela sistematicidade, exempli gratia, os direitos fundados nas relações econômicas foram insertos nos artigos 170 a 192.

Em seu artigo 5º, traz um extenso rol de direitos, preponderando as chamadas liberdades individuais, direitos do cidadão contra o Estado. Ao lado destes, prescreve também direitos coletivos e deveres individuais coletivos. O art. 6º define os direitos sociais a serem concretizados por todos os órgãos estatais. O art. 7º eleva os direitos dos trabalhadores a nível constitucional, o que traz relevantes conseqüências dogmáticas, como a incidência do dever estatal de tutela, sendo que a omissão ou não cumprimento deste dever pelo Estado dá azo a ações constitucionais. [21]

Consoante observa Ingo Sarlet, sobre a Constituição de 1988:

“A marca do pluralismo se aplica ao título dos direitos fundamentais, do que dá conta a reunião de dispositivos reconhecendo uma grande gama de direitos sociais, ao lado dos clássicos, e de diversos novos direitos de liberdade, direitos políticos, etc. Saliente-se, ainda no que diz com este aspecto, a circunstância de que o Constituinte – a exemplo do que ocorreu com a Constituição Portuguesa – não aderiu nem se restringiu a apenas uma teoria sobre direitos fundamentais, o que teve profundos reflexos na formação do catálogo constitucional destes”. [22]

Mais adiante, afirma o autor:

“A amplitude do catálogo dos direitos fundamentais, aumentando, de forma sem precedentes, o elenco dos direitos protegidos, é outra característica preponderantemente positiva digna de referência. Apenas para exemplificar, o art. 5º possui 78 incisos, sendo que o art. 7º consagra, em seus 34 incisos, um amplo rol de direitos sociais dos trabalhadores. (...) Neste contexto, cumpre salientar que o catálogo dos direitos fundamentais (Título II da CF) contempla direitos fundamentais das diversas dimensões, demonstrando, além disso, estar em sintonia com a Declaração Universal de 1948, bem assim com os principais pactos internacionais sobre Direitos Humanos, o que também deflui do conteúdo das disposições integrantes do Título I (dos Princípios Fundamentais)”.[23]

O constituinte de 1988, ademais, previu uma inovação, ao dispor, no art. 5º, § 2º que “Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”. Assim, houve uma ampliação do bloco de constitucionalidade[24], cuja intenção foi proteger, in continenti, os direitos humanos, ou seja, além dos que estão escritos no texto constitucional, incluindo-se os direitos decorrentes dos tratados, pactos, cartas, convênios, protocolos, entre outros.

5.1         As cláusulas pétreas

Uma das normas mais importantes da Constituição de 1988, dentro da temática dos direitos fundamentais, é a que implantou o sistema das cláusulas pétreas, fixadas no art. 60, § 4º, da Lei Maior.

Impõe-se uma restrição material ao Poder Constituinte Reformador, como uma manifestação, nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, da chamada “eficácia protetiva” dos direitos fundamentais, pois não se permitem alterações na Constituição que desvirtuem o conteúdo desses direitos. Nas palavras do referido autor:

“A existência de limites materiais justifica-se, portanto, em face da necessidade de preservar as decisões fundamentais do Constituinte, evitando que uma reforma ampla e ilimitada possa desembocar na destruição da ordem constitucional, de tal sorte que por detrás da previsão destes limites materiais se encontra a tensão dialética e dinâmica que caracteriza a relação entre a necessidade de preservação da Constituição e os reclamos no sentido de sua alteração”. [25]

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Ademais, logo adiante observa:

“Com efeito, se a imutabilidade da Constituição acarreta o risco de uma ruptura da ordem constitucional, em virtude do inevitável aprofundamento do descompasso em relação à realidade social, econômica, política e cultural, a garantia de certos conteúdos essenciais protege a Constituição contra os casuísmos da política e o absolutismo das maiorias (mesmo qualificadas) parlamentares. Os limites à reforma constitucional, de modo especial, os de cunho material, traçam, neste sentido, a distinção entre o desenvolvimento constitucional e a ruptura da ordem constitucional por métodos ilegais (neste caso, inconstitucionais), não tendo, porém, o condão de impedir (mas evitar) a frustração da vontade da Constituição, nem o de proibir o recurso à revolução, podendo, em todo caso, retirar a esta máscara da legalidade”. [26]

No mesmo sentido, para Gilmar Mendes, as cláusulas pétreas traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade, pois a Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, à medida que impede a efetivação do término do Estado de Direito democrático sob a forma de legalidade. [27]

Estando resguardadas contra as reformas constitucionais, para alguns autores, são normas “super-fundamentais”. [28] Não obstante, o legislador constituinte atribuiu o mesmo valor jurídico a todos os direitos fundamentais, preconizando a fundamentalidade formal, ou melhor, preceituando a inexistência de hierarquia entre os direitos estabelecidos na Constituição, quaisquer que sejam.

Cumpre esclarecer, entretanto, a imprecisão terminológica do legislador, ao prever no art. 60, § 4º, IV que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”. Ora, é equivocado apegar-se à literalidade do dispositivo, deixando à margem da proteção outros direitos e garantias que não sejam os individuais. Portanto, a doutrina é uníssona em afirmar que o inciso IV vai além das liberdades públicas clássicas de primeira geração. Desse modo, como explica Uadi Lammêgo Bulos:

“(...) o inciso IV cumpre ser concebido como elemento protetor dos direitos e garantias fundamentais. O qualificativo “individuais”, se tomado na sua acepção literal, gramatical ou filológica, gera problemas muito complexos, dentre os quais a própria possibilidade de supressão de garantias intocáveis, sob o argumento de se estar empreendendo correções constitucionais. Acabaríamos esbarrando na tese da dupla revisão, inadmissível, do ponto de vista jurídico.

(...)

Sendo assim, além das liberdades públicas tradicionais, os direitos sociais, econômicos, coletivos, difusos e individuais homogêneos não poderão ser objeto de emendas tendentes a aboli-los, quiçá, modificá-los, adaptando-lhes a esta ou àquela contingência. Ou se faz uma nova Constituição, ou se cumpre a que já foi promulgada, desde 5 de outubro de 1988, com os seus óbices, imperfeições, atecnias, vícios, virtudes, inovações, avanços e minúcias”. [29]

De modo bastante genérico, essas vedações materiais – equivalentes às cláusulas pétreas – já estavam presentes naquelas velhas constituições do século passado. Com a Segunda Grande Guerra Mundial elas proliferaram, em decorrência das mudanças de regime, a exemplo da Alemanha, onde a ordem jurídica se consolidou através da subversão dos processos de reforma constitucional. [30]

As cláusulas pétreas, portanto, são universais. Há muito tempo vêm consolidadas nos mais diversos ordenamentos constitucionais, a exemplo das Cartas albanesa de 1925 (art. 141), francesa de 1946 (art. 95), italiana de 1947 (art. 139), grega de 1951 (art. 108) e portuguesa de 1976 (art. 290)[31], e constituem instrumento indispensável à proteção dos direitos e garantias fundamentais e do Estado Democrático de Direito.

5.2         As garantias fundamentais

As garantias fundamentais correspondem às disposições que objetivam prevenir ou corrigir violações aos direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico.

Observam-se, no corpo da Constituição, normas que enunciam direitos e normas que prescrevem os instrumentos para assegurá-los. Não raras vezes, encontram-se ambas inseridas em um mesmo dispositivo. Aliás, a Constituição de 1988 não separa com exatidão os direitos das garantias fundamentais, elencando-os, indistintamente, em seu Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais).

Nesta matéria, a doutrina consagra a lição de Rui Barbosa, segundo o qual é possível distinguir as disposições constitucionais meramente declaratórias, que positivam os direitos e a estes reconhecem existência legal, das de natureza assecuratórias, que protegem os direitos e limitam o poder. [32]

No atinente às garantias fundamentais, Uadi Lammêgo Bulos apresenta a seguinte classificação:

“1ª) garantias fundamentais gerais: vêm convertidas naquelas normas constitucionais que proíbem os abusos de poder e todas as espécies de violação aos direitos que elas asseguram e procuram tornar efetivos. Consignam técnicas de limitação das arbitrariedades do Poder Público, contra toda e qualquer forma de discriminação à pessoa humana. Esboçam-se através de princípios insculpidos pelo constituinte, eg., princípio da legalidade (art. 5º, II), princípio da liberdade (art. 5º, IV, VI, IX, XIII, XIV, XV, XVI, XVII etc.), princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), princípio do juiz e do promotor natural (art. XXXVII e LIII), princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV), princípio do contraditório (art. 5º, LV), princípio da publicidade dos atos processuais (arts. 5º, LX e 93, IX) etc.

2ª) garantias fundamentais específicas – são as garantias propriamente ditas, porquanto são estas que instrumentalizam, verdadeiramente, os direitos, fazendo valer o conteúdo e a materialidade das garantias fundamentais gerais. Através das garantias fundamentais específicas os titulares dos direitos encontram a forma, o procedimento, a técnica, o meio de exigir a proteção, incondicional, de suas prerrogativas. Veja-se o exemplo do habeas corpus, do mandado de segurança, do mandado de segurança coletivo, do mandado de injunção, do habeas data, da ação popular, da ação civil pública – lídimos instrumentos de tutela constitucional, concedidos pela constituição aos particulares e, em alguns casos, a uma pluralidade de indivíduos, a fim de terem, ao seu dispor, institutos de natureza processual. Estes, vertidos em normas constitucionais, encarregam-se de manter o respeito e a exigibilidade dos direitos fundamentais do homem. Numa palavra logram o caráter instrumental, propiciando a obtenção de vantagens e benefícios que defluem dos direitos que visam tutelar”.[33]

Paulo Bonavides, de outra forma, elucida as chamadas garantias institucionais, definidas como “a proteção que a Constituição confere a algumas instituições, cuja importância reconhece fundamental para a sociedade, bem como a certos direitos fundamentais providos de um componente institucional que os caracteriza”.[34] Como exemplos de garantias institucionais, vide as normas que protegem a propriedade (art. 5º, XXII), a herança (art. 5º, XXX) e o Tribunal do Júri (art. 5º, XXXXVIII).

Destarte, feitos os devidos esclarecimentos, restringimo-nos a ilustrar a importante diferenciação entre direitos e garantias fundamentais, sendo estas últimas um meio de proteção àqueles, porquanto uma análise mais apurada das diversas espécies de garantias escapa à finalidade do presente trabalho.


6.    Conclusão:  

Observa-se que desde a primeira constituição brasileira, outorgada em 1824, já havia uma nítida preocupação com a inviolabilidade dos direitos fundamentais. Esta Carta, em que pese não ter sido democraticamente promulgada, proclamou os direitos civis e políticos nos 35 incisos de seu artigo 179.

Sem embargo de sua importância como início do amparo a tais direitos no ordenamento jurídico pátrio, somente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, é que pode se falar em efetiva proteção aos direitos fundamentais no Brasil.

Como se vê, a Constituição Federal de 1988, além de arrolar direitos individuais, também elenca vasto rol de direitos coletivos, sociais, direitos de nacionalidade e direitos políticos, os quais podem ser encontrados também fora de seu corpo, define as garantias aptas à proteção de tais direitos e torna-os intangíveis, vedando alterações que reduzam a esfera do cidadão.


REFERÊNCIAS:

AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BONAVIDES, Paulo. Os direitos humanos e a democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e (Org).  Direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2003.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

HERKENHOFF, João Batista.  Gênese dos direitos humanos. Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/dhbrasil>. Acesso em: 7 maio de 2007.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

Sobre a autora
Marcela Baudel de Castro

Procuradora Federal. Pós-graduada em Ciências Penais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Marcela Baudel. A proteção aos direitos humanos no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3679, 28 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24138. Acesso em: 24 nov. 2024.

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