2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Este capítulo traz ao leitor um estudo acerca do Princípio da Isonomia da Administração Pública, também conhecido como Princípio da Impessoalidade ou da Igualdade, trata-se daquele que visa garantir a lisura e imparcialidade nos atos públicos, sem proteção, favoritismo ou perseguições. Inicialmente, traça-se a evolução do Princípio da Isonomia, o posicionando em um contexto histórico. No tópico seguinte, fechando o capítulo, o princípio em tela é abordado em conformidade com a Constituição Federal brasileira de 1988.
2.1 Evolução histórica do Princípio da Isonomia
O ideal democrático, cuja base é a igualdade, teve seu nascedouro na Grécia Antiga. Entretanto, urge ressaltar que em sua capital Atenas, escravos, estrangeiros e mulheres não podiam exercer a sua cidadania plena.
Para os gregos antigos o que importava para o exercício da democracia por meio da vida política e social era a supremacia do público sobre o privado já que o ser humano só existia de fora plena se fizesse parte de uma comunidade política. (D’OLIVEIRA, 2012).
As primeiras noções do ideal de justiça nasceram de Aristóteles, filósofo grego que foi aluno de Platão e Sócrates. Segundo D’Oliveira (2012, p. 6):
Para ele o homem justo é aquele que tem seus atos pautados dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei ao passo que, o injusto seria aquele que descumprisse os mandamentos legais agindo fora de seus limites ou contra eles. Vale ressaltar, no entanto, a máxima aristotélica que dispõe que a igualdade e os ideais de justiça somente serão alcançados em sua plenitude se tratarmos os individuais iguais, igualmente, na medida da desigualdade de cada um.
Em lapidar texto, o grande Ruy Barbosa (apud BULOS, 2009 p. 17) se inspirando na lição Aristotélica sustentou que:
A regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional e desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se todos se equivalessem.
Já Heródoto, fazia menção a dois outros conceitos associados à isonomia: a isotimia e isegoria. O primeiro conceito deriva do grego (ísos + thymós) e significa: “Igualdade de acesso aos cargos públicos, que pressupõe a implantação do sistema de mérito e, portanto, do concurso, para seleção dos que se candidatam àqueles cargos.” (SIDOU, 1998). Já o segundo conceito estabelece que todos os cidadãos têm igual direito de manifestar sua opinião política. Diante de qualquer divergência é necessário que a questão seja debatida. A palavra de todos tinha igual peso.
Na Roma Antiga imperava a desigualdade entre patrícios e plebeus, que começou a ser modificada com o surgimento da Lei das XII Tábuas. Entretanto, a pedra angular da isonomia deu-se com a chamada Revolução Francesa de 1789 que trouxe ao cenário mundial, os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade.
Dos precisos dizeres de Maria de Lurdes Manzini Covre (1993, p. 17) com a Revolução Francesa:
Estabelecem-se Cartas Constitucionais, que se opõem ao processo de normas difusas e indiscriminadas da sociedade feudal e ás normas arbitrárias do regime monárquico ditatorial, anunciando uma relação jurídica centralizada, o chamado Estado de Direito. Este surge para estabelecer direitos iguais a todos os homens, ainda que perante a lei, a acenar com o fim da desigualdade a que homens sempre foram relegados. Assim, diante da lei, todos os homens passaram a ser considerados iguais, pela primeira vez na história da humanidade. Esse fato foi proclamado principalmente pelas constituições francesas e norte americanas, e reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948.
Somente com a Constituição de 1934 o Brasil especificou nos ditames de seu artigo 113, I o conceito de isonomia ao propugnar que “todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosa ou idéias políticas”.
Consoante D’Oliveira (2012, p. 9), este atraso:
Deve-se a colonização escravocrata brasileira baseada no tratamento de seres humanos como mercadorias e não como indivíduos. Mesmo na Constituição de 1891, posterior a abolição da escravatura nada fora mencionado acerca da igualdade entre seres humanos já que não havia acontecido ainda uma mudança do pensamento social.
Assim, diante do que se pode ver neste tópico, o princípio da isonomia veio para garantir que a administração pública atuaria de forma a não discriminar, beneficiar ou prejudicar determinados cidadãos, devendo agir com igualdade a todos.
2.2 O Princípio da Isonomia e a Constituição Federal de 1988
Agasalha o caput do art. 37 da CF/88 os chamados princípios explícitos ou expressos, princípios estes ditos constitucionais do Direito Administrativo, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses os doutrinadores de escol extraem mais dois outros princípios: o da isonomia (art. 2°, IV c/c art. 5°) e o da economicidade (art. 70).
Na maioria das vezes, os questionamentos acerca da isonomia[6] são resolvidos tendo como pano de fundo a máxima aristotélica que enuncia o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade.
Entretanto, a maior dificuldade estaria, sem dúvida nenhuma, em estabelecer o real alcance deste importante princípio constitucional. Ou seja, quem são as pessoas consideradas iguais para cada caso concreto e quem são os desiguais perante o ordenamento jurídico pátrio. Eis a questão!
Neste momento importa sublinhar uma questão nodal ao correto entendimento Do princípio da isonomia: a lei - fonte primária do Direito - discriminará as situações específicas, obviamente, tendo como base os ditames da Lei Troncolar de 1988.
Diante de tal afirmação mister se faz concluir que, o princípio da isonomia sob a ótica constitucional, deve ser direcionado principalmente ao legislador, pois é ele que deve observar os princípios constitucionais quando da elaboração das leis, não olvidando, também, os aplicadores da norma.
Em outros dizeres, como quer a Profa. Carmen Lúcia Rocha (2006, p. 392):
Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito, é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.
A Constituição Federal de 1988 ressalta a curial importância do Princípio da Isonomia em inúmeros aspectos, em especial, nos art. 3º, IV; 5º, caput, I, VIII, XLII, e 7º, XXX, XXXI e XXXIV. Todos eles baseiam-se na igualdade de todos perante a norma legal.
Por sua vez, analisando o princípio da isonomia a luz do manto constitucional constata-se, claramente, que ele deve ser dirigido principalmente ao legislador, pois é o legislador que deve observar os princípios constitucionais quando da elaboração das leis, cabendo ao executor apenas a aplicação da lei. Tanto o legislador quanto o aplicador da lei devem franquear o princípio da igualdade a todos os indivíduos. Em arremate ao que foi dito, citemos este importante entendimento jurisprudencial:
O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é — enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica — suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio — cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei — que opera numa fase de generalidade puramente abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-90, Plenário, DJ de 19-4-91).
Ressalte que a norma constitucional trata da igualdade formal, ou seja, a isonomia perante o nosso ordenamento jurídico. Esta igualdade faz parte de vários aspectos, dentre eles, a igualdade que impõe para a investidura em cargo ou emprego público, a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, excepcionando as nomeações para cargos comissionados, tanto é que a frustração do certame configurará ato de improbidade administrativa, consoante art. 11, V, da Lei N° 8.492/92, a saber:
Seção III
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
[...]
V - frustrar a licitude de concurso público;
Conclui-se, portanto, que a isonomia ou igualdade é assegurada pela Constituição Federal, devendo dar tratamento a todos modo equânime, condição de equilíbrio para que haja a tão almejada paz social. Não deve haver, portanto, normas ou atos administrativos que restrinjam o direito à igualdade, sob pena de frontal inconstitucionalidade.
3 CONCURSO PÚBLICO
O concurso público é abordado neste capítulo com o intuito de trazer o conhecimento necessário ao leitor desta monografia. Inicia-se o mesmo com a evolução histórica do concurso público demonstrando os marcos importantes que cercam o assunto. Dando continuidade, tem-se o conceito jurídico de concurso público, e o posicionamento das constituições brasileiras do decorrer da história acerca do assunto. Uma abordagem sobre as regras de acessibilidade ao ingresso na Administração Pública brasileira fecha este capítulo.
3.1 Evolução histórica do Concurso Público
Consoante esclarece Arnold Joseph Toynbee (1987, p. 484), historiador britânico, o concurso público tem suas origens nas antigas dinastias chinesas, ao comentar a ilustração referente à pintura da dinastia Ch’in, intitulada Concurso para o Serviço Público na China:
Concurso para o funcionalismo público da China no século XVII, supervisionado pelo Imperador. A proficiência nos clássicos de Confúcio tinha tornado-se uma prova para entrar no funcionalismo público da China, no último século a.C., mas o sistema caiu em desuso no século IV d.C. Seu restabelecimento em 622 d.C. significou apenas uma volta à tradição antiga, mas também representou uma vitória do confucionismo sobre seu novo rival, o budismo.
Segundo Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro Queiroz (2007, p. 3-6),
Várias foram às formas utilizadas pelo Estado para a escolha dos seus agentes, ultimando o concurso como o procedimento que, no século XXI, firma-se como o predominante para a avaliação dos melhores candidatos disponíveis para integrar as fileiras do Estado. Antes da sua estabilização nesse espaço, o sorteio, a sucessão hereditária, o arrendamento, a compra e venda e a nomeação absoluta e relativa possuíam maior espaço, sendo analisados pela doutrina, atenta aos seus aspectos conceituais e especificidades históricas.
O sorteio como processo de inspiração divina, teve seu uso restrito, pois foi mais acolhido para o preenchimento de cargos de natureza política do que para os cargos efetivos. Foi muito utilizado na Antiguidade clássica e, em especial, pelos gregos de Esparta e de Atenas, onde ficou famoso pelas circunstâncias em que decidiu a sorte de cargos de importância capital no mundo grecolatino. Apresentava-se sob duas espécies: o sorteio simples, que se aplicava indistintamente às pessoas que antes passavam por um processo seletivo, e o sorteio condicionado, aplicado a pessoas que reuniam determinadas condições, apreciáveis dentre os que poderiam ser escolhidos para o preenchimento dos cargos públicos.
O sistema de compra e venda foi adotado na Idade Média a partir de Carlos VII de França, chegando-se a criar órgão público destinado à realização dessas transações tendo os cargos públicos por objeto. Da França, o modelo irradiou-se para a Alemanha, Espanha e Itália . Nessa estrutura, concebia-se o Estado como dono do cargo e, nessa qualidade, o Poder Público o vendia ao particular interessado em ser empregado da Administração.
O modelo transformou o cargo público em objeto de valor econômico e foi usado como fonte de receita. Apresentava inúmeros inconvenientes, dentre os quais se destaca o fato de assegurar os postos públicos aos mais ricos e não aos mais capazes, o que comprometia a eficiência dos serviços. A isso se acresce os problemas da transmissão hereditária que também viabilizava a má prestação dos serviços, pois o herdeiro varão nem sempre era detentor da mesma capacidade e comprometimento do antecessor que comprara o cargo. A delegação das atividades a terceiros, sem qualquer controle público, afastava o mínimo de segurança no tocante à realização eficiente das funções.
Na Idade Média, não só a sucessão hereditária afigurou-se como mecanismo de ingresso no serviço público, mas também o arrendamento foi usado pelo Estado como mecanismo para ceder os cargos públicos a terceiros.
No caso do arrendamento, os particulares não adquiriam o cargo como no sistema de compra e venda, nem o tinham definitivamente incorporado em seu patrimônio por força de sucessão hereditária.
Nesse outro sistema, alugava-se o cargo por prazo determinado, mediante uma contrapartida pecuniária. Também, aqui, identifica-se que o cargo público converte-se em mercadoria, com todos os inconvenientes inerentes a esse modelo.
No tocante à designação por uma autoridade governamental de alguém para ocupar um cargo público sem interferência de outro poder, a doutrina qualificou o ato como nomeação absoluta. Os riscos de arbítrio, clientelismo e favoritismos indevidos afiguravam-se manifestos na espécie.
No caso de a nomeação depender do cumprimento de determinadas exigências legais, com sujeição ao crivo de outra autoridade ou poder, tem-se a denominada nomeação condicionada, ainda hoje presente na realidade administrativa. Assim ocorre, por exemplo, com a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ou com a designação dos dirigentes das agências reguladoras, ambos atos de competência do Presidente da República, após crivo do Congresso Nacional. (CARVALHO, 2010).
3.2 Concurso Público: conceito jurídico
Ensina a Profa. Fernanda Marinela Santos (2010, p. 38-39) que:
O concurso público é procedimento administrativo posto a serviço da Administração pública com vistas a escolher seus servidores em caráter futuro, ao mesmo tempo em que se orienta pelos princípios da impessoalidade, isonomia e da moralidade administrativa, assegurando, outrossim, a ampla acessibilidade as cargos públicos no Brasil.
Trata-se, segundo a mesma autora,
De uma escolha meritória, que pode ser de provas e de provas e títulos conforme a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. Assim, deve o administrador levar em consideração o princípio da razoabilidade quanto às exigências do certame, evitando com isso os abusos e as condutas ilegítimas. (SANTOS, 2010, p. 617).
Para Reinaldo Moreira Bruno (2006, p. 79), representa “uma regra moralizadora e assecuratória da isonomia e da impessoalidade no recrutamento de pessoal para a Administração Pública”.
Marçal Justen Filho (2006, p. 597-598), sensível a importância do concurso público, assinala:
O concurso público objetiva assegurar que a seleção dos titulares de cargos de provimento efetivo oriente-se pelo princípio da impessoalidade. A escolha refletirá as virtudes e capacidades individuais revelados na avaliação objetiva, segundo critérios predeterminados de virtuosidade física e (ou) acidade intelectual.
Por sua vez, Fabrício Motta (2004) ao discorrer sobre os princípios atinentes aos concursos públicos, ressalta que dentre este grupo, destacam-se o princípio democrático, fulcrado na premissa de que todos têm direito de concorrer aos cargos públicos; o princípio da eficiência, que impõe à Administração o dever de selecionar, de forma objetiva e transparente, aqueles que possuem maiores atributos (méritos, qualificações e aptidões) para adequarem ao oferecimento de um serviço eficiente, e o princípio da isonomia, que consiste na igualdade de tratamento dos candidatos e na vedação de privilégios e discriminações injustificadas na contratação.
Note-se que na maioria dos conceitos sobre concurso público coloca - se a isonomia como pedra angular. A quebra deste importante princípio contamina o certame permitindo que a própria Administração Pública (de ofício) ou o Poder Judiciário (somente provocado, segundo o Princípio da Inércia), torne nulo todo o procedimento.
Vem a propósito, este posicionamento do STJ:
[...] O ingresso no serviço público depende de aprovação em concurso público de provas e títulos. Princípio democrático, voltado para concretizara igualdade de todos perante a lei. Supera o nepotismo, negativa evidente da isonomia. Além disso, urge prestigiar a classificação dos aprovados. (REsp 42350/PE, STJ – Sexta Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgamento: 01.03.1994, DJ: 28,03.1994).
Dentre os meios de seleção empregados pelo Estado até a atualidade, o concurso público ganha importante destaque e relevância, visto que busca oportunizar, de forma igualitária, o direito de acesso dos cidadãos que preencham os requisitos estabelecidos em lei, aos cargos públicos oferecidos pela Administração. (FORNAZZA, 2008).
Entretanto, o próprio texto constitucional tratou de estabelecer exceções a esta regra, como é o caso dos cargos eletivos, que são preenchidos por eleição; os cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração; as contratações por tempo determinado para satisfazer necessidades temporárias de excepcional interesse público; cargos onde a escolha é feita pelo Chefe do Executivo, após sabatina do Poder Legislativo (ato complexo)[7], como por exemplo os Ministros do STF e STJ, além daqueles nomeados através da regra do quinto constitucional. Por fim, acrescente a este rol os ex-combatentes que tenham da Segunda Guerra Mundial e os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, consoante a EC n° 51, regulamentada pela Lei nº 11.350/06.
3.3 O concurso público e as constituições brasileiras
A Constituição Imperial do Brasil de 1824 assegurava, nos ditames de seu artigo 179, XIV, que qualquer cidadão poderia ser admitido pela Administração para preencher um cargo público, estabelecendo que a única distinção se daria pelos talentos de cada um.
A Constituição de 1934, conhecida como a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, defendia em seu texto a total isenção quando da escolha de funcionários públicos. A sua importância deveu-se ao fato de ter guindado o concurso público ao patamar de princípio constitucional, inclusive, agregando a esta carreira a chamada estabilidade.
As Constituições de 1937 e 1946 mantiveram a obrigação da realização de concurso público para o provimento de cargos efetivos. Já a Constituição de 67/69 consolidou o atual formato ao admitir no concurso público de provas ou provas e títulos, vedando, (artigo 95, §1º) a seleção de candidatos com base unicamente no critério dos títulos.
Por fim, o atual ordenamento jurídico capitaneado pela Lei Troncolar de 1988 (Constituição Cidadã), consagrando o regime democrático estabeleceu, como ação moralizadora, que a investidura nos cargos públicos esteja condicionada à aprovação em concurso público, consoante a dicção do art. 37, II. “verbis”:
Art 37.
[...]
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Nesse contexto, conforme pode-se perceber o ingresso para a administração pública sempre esteve elencado nas constituições brasileiras, o destacando como único meio de entrar para o serviço público, salvo os cargos considerados como comissionados.
3.4 Regras de acessibilidade ao ingresso na Administração Pública Brasileira
A acessibilidade nada mais consiste que o conjunto de normas e princípios jurídicos que disciplinam o ingresso no serviço público. Esse conjunto de normas que define requisitos e parâmetros para o acesso ao serviço público deve ser respeitado rigorosamente pelos administradores. São regras cogentes que geram um direito público subjetivo aos candidatos a essas vagas, sendo vedada qualquer possibilidade de discriminação abusiva, o que gera flagrante desrespeito ao princípio da isonomia.
O caráter universal do acesso ao serviço público foi tratado por Adilson Abreu Dallari (1992, p. 28) da seguinte forma:
Em resumo, todo brasileiro tem constitucionalmente assegurado o direito de, por qualquer forma, participar da administração pública, direta ou indiretamente, mesmo quando ela se apresenta com uma roupagem de pessoa jurídica de direito privado. Para que se tenha uma idéia da importância do tema, basta dizer que ele figura no texto da Declaração Geral dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948, com o seguinte enunciado: ‘cada indivíduo tem o direito ao ingresso, sob condições iguais, no serviço de seu país’.
Entretanto, como não há cargos e empregos públicos suficientes para todas as pessoas, como então solucionar o impasse, e escolher quem exercerá o cargo ou o emprego, sabendo-se que no preenchimento destes postos de trabalho, a Administração Pública deve observar os princípios da isonomia e da impessoalidade?
A questão mereceu o aplauso de vários doutrinadores, inclusive Edmir Netto Araújo (2007, p. 279) que, com propriedade, advoga:
A doutrina e os ordenamentos jurídicos têm apontado a solução: escolha mediante a realização de algum certame (competição) que aponte os mais capazes ou habilitados a manter a relação jurídica desejada pelo Estado, com o Estado; no caso do contrato, é a licitação, no caso do provimento de cargos públicos, é o concurso público.
Embora exista uma corrente de juristas que critica a seleção de candidatos por meio de concurso público, sob a alegativa de, verdadeiramente, não se afigura a melhor alternativa de avaliação, pois o êxito dos selecionados nem sempre possibilita que os melhores profissionais sejam recrutados, diante de distorções apresentas pelo sistema de prova utilizado, que avalia parcialmente o mérito da pessoa admitida.
Apesar das críticas, data máxima vênia, advogamos a favor deste importante mecanismo, por acreditar que, além de não existir critério totalmente perfeito para seleção de pessoas que tenham interesse em ingressar nas repartições públicas, ainda não inventaram procedimento melhor.
Inclusive visando consolidar o direito de quem se submete a estes certames através do Projeto de lei n° 986/2007[8], 15 de autoria do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), o qual institui o “Estatuto dos Concursandos” e estabelece os procedimentos para os candidatos a uma vaga na área federal. Este importante projeto, se aprovado, representará um marco histórico no que diz respeito às regras de acessibilidade.
Parece inegável que o concurso público constitui-se condicio sine qua non (condição imprescindível) para o preenchimento de cargos públicos efetivos, sendo este de provas ou de provas e títulos.
Assim, a investidura em cargo e emprego público depende de aprovação em concurso público, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, da CF).
Vêm apropositados os ensinamentos de Petrônio Braz (2012, p. 617) destacando o seguinte:
Deve ser observado que embora todos os nacionais sejam iguais perante a lei (art. 5°, da CF), para a participação em concurso público são impostas condições específicas ou requisitos indispensáveis à investidura em cargos públicos, relacionados com a idade, habilitação profissional, saúde, idoneidade moral e direitos políticos.
Com muita propriedade o STF tem considerado inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, consoante a Súmula. nº 685. Nesse passo recorremos mais uma vez a pena arguta de Marinella (2001, p. 617):
Trata-se de uma escolha meritória, que pode se de provas e de provas e títulos conforme a natureza do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. Assim, deve o administrador levar em consideração o princípio da razoabilidade quanto às exigências do certame, evitando com isso os abusos e as condutas ilegítimas.
Por fim, urge ressaltar que os requisitos de acesso, definidos em norma editalícia[9], podem ser divididos em objetivos e subjetivos, sendo os primeiros os relacionados com as funções do cargo ou emprego público e os segundos dizem respeito à pessoa do candidato a vaga.
Certo é que nenhum requisito subjetivo pode discriminar o candidato em razão de suas condições estritamente pessoais, como, cor, raça, credo religioso, peso, sexo e idade, entre outros. Contudo, algumas exceções no que diz respeito a questões de idade e gênero são admitidas quando decorrentes da limitação imposta pela natureza ou necessidade da função a ser exercida.[10]