Resumo: O trabalho monográfico em tela tem por desiderato analisar a evolução do Princípio da Isonomia quando aplicado aos procedimentos voltados aos concursos públicos. O assunto, embora não seja inédito, é bastante interessante, principalmente aos futuros pretendentes a ocuparem uma vaga no serviço público. De início procederemos a uma análise dos princípios aplicáveis a Administração Pública, tendo como foco o Princípio da Isonomia, ressaltando pontos importantes como o histórico, origem, conceito e a sua evolução. Em seguida, foi objeto de estudo o instituto jurídico do concurso público, analisando a sua origem e as peculiaridades do sistema de ingresso na administração pública brasileira. Por fim, será analisada a aplicação do Princípio da Isonomia nos concursos públicos. Na pesquisa bibliográfica, foram utilizados livros, revistas, bem como, artigos jurídicos que estão disponíveis na internet. Já no que diz respeito à pesquisa documental, utilizou-se a legislação pátria, jurisprudências e acórdãos aplicáveis ao assunto. A escolha desta temática justifica-se pela nossa experiência prática angariada em sala de aula preparando, há 12 anos, cidadãos e cidadãs para ocuparem uma vaga nos quadros efetivos da Administração Pública, de todos os níveis e em todos os poderes. Todos os anos, vários concursos públicos são deflagrados objetivando o preenchimento destas vagas, que trarão dentre outras vantagens, a tão sonhada estabilidade no serviço público. Este trabalho visa investigar as decisões estabelecidas pela jurisprudência, bem como pelos editais regulatórios dos certames referentes aos concursos públicos que retratam a evolução do importante Princípio da Isonomia.
Palavras-chave: Princípio da Isonomia. Concurso Público. Cargos públicos efetivos.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1 A PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1.1 Distinção entre Princípios, Normas e Valores. 1.2 Abordagem dos princípios constitucionais explícitos aplicáveis a Administração Pública. 2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 2.1 Evolução histórica do princípio da Isonomia. 2.2 O princípio da Isonomia e a Constituição Federal de 1988. 2.2.1 Princípio da Legalidade. 2.2.2 Princípio da Impessoalidade. 2.2.3 Princípio da Moralidade. 2.2.4 Princípio da Publicidade. 2.2.5 Princípio da Eficiência. 3 CONCURSO PÚBLICO. 3.1 Evolução histórica do concurso público. 3.2 Concurso Público: Conceito jurídico. 3.3 O concurso público e as constituições brasileiras. 3.4 Regras de acessibilidade ao ingresso na Administração Pública brasileira. 4 DAS LIMITAÇÕES IMPOSTAS AO ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS EFETIVOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A LUZ DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.- ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. 4.1 Breves considerações iniciais. 4.1 Da idade. 4.2 Do sexo. 4.3 Da altura. 4.4 Do peso. 4.5 Do exame psicotécnico. 4.6 Do portador de deficiência ou de necessidades especiais. 4.7 Dos dentes.4.8 Da investigação social. 4.9 Tatuagem. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A Carta Ápice de 1988 – que teve como modelo as Constituições portuguesas de 1976 e espanhola de 1978 - consagra o princípio da isonomia, como alicerce do chamado Estado Democrático de Direito, ao estabelecer como um dos seus objetivos primordiais, a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos no que concerne a origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Infere-se do enunciado de seu artigo 3º, inc. IV c/c o art. 5º, inc. I e XLI, que para a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria é necessário à criação de mecanismos que assegurem a dignidade da pessoa humana na promoção do seu bem estar.
Todavia, têm se observado em determinados editais de concursos públicos limitações que impedem o candidato de assumir o seu cargo mesmo que obtenha êxito nas etapas do certame. Essas exigências estariam amparadas pelo ordenamento jurídico ou, ao contrário, representariam alguma forma de discriminação? Até que ponto fatores como idade, sexo, altura, peso, religião, psicotécnico, dentre outros possibilitariam impedir a nomeação e a posse no cargo público. A presente monografia, portanto, terá como foco as diversas limitações estabelecidas pela administração pública quando do acesso aos cargos públicos efetivos e sua análise a luz do Princípio da Isonomia.
1 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Neste capítulo estuda-se sobre os princípios constitucionais que envolvem a administração pública, trazendo metas, limites e procedimentos a serem seguidos pelos gestores públicos. Inicia-se o capítulo distinguindo princípios e normas para que o leitor tenha o conhecimento necessário sobre o assunto tratado. Em seguida, aborda-se os princípios constitucionais aplicáveis a Administração Pública, destacando um a um em suas especificidades.
1.1 Distinção entre Princípios e Normas
De proêmio insta deixar registrado que em um Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal é o alicerce de todo o seu ordenamento jurídico, sendo, portanto, supedâneo para os atos jurídicos praticados não só pelos nossos administradores públicos (que pelo Princípio da Legalidade só poderão fazer aquilo que a lei autorizar ou permitir), como os administrados em geral. É no arcabouço constitucional que encontraremos uma grande quantidade de princípios e normas que servirão de bússola a futuras condutas administrativas efetivadas não só pelo Poder Executivo[1] como pelos demais Poderes.
Nesse passo, mister trazer à tona a diferenciação entre os vocábulos “princípio” e “norma”, já que alguns doutrinadores advogam que o primeiro seria uma espécie do segundo. Inicialmente, ressaltemos que a palavra princípio encontra suas origens do latim principium, que significa começo, origem de qualquer coisa.
Luís Diez Picazo, citado pelo grande jurista Paulo Bonavides (2002, p. 228-229), ressalta que os princípios servem não só como “critério de inspiração às leis ou normas concretas desse Direito Positivo”, como de normas adquiridas “mediante um processo de generalização e decantação dessas leis”.
Lúcidas as palavras da advogada Leila Eliana Hoffmann Ritt (2006, p. 5) acerca do tema:
Com efeito, os princípios são considerados o elemento central da ordem jurídica, por representarem aqueles valores supremos eleitos pela comunidade que a adota, sendo, hoje, a sua característica mais marcante a normatividade, pois são vistos pela teoria constitucional contemporânea, como uma espécie do gênero norma jurídica, ao lado das regras jurídicas.
Por sua vez, Reale (1980, p. 299), define os princípios como “verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis”.
Inclusive os princípios são fontes indiretas aplicáveis quando da omissão legal, consoante o que dispõe os ditames do art. 4° da Lei Substantiva Civil Brasileira. São juízos abstratos de valor que norteiam o processo interpretativo. Portanto, a violação de um princípio torna-se muito mais grave do que a violação de uma determinada norma. Daí a importância do respeito aos princípios quando do desempenho da função administrativa.
Para Robert Alexy (2008, p. 63)
Princípios são normas que ordenam algo que, relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas, seja realizada em medida tão alta quanto possível. Princípios são, segundo isso, mandamentos de otimização, assim caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas.
Manoel Antônio Teixeira Filho (1994, p. 29), por sua vez, leciona que os “princípios representam formulações genéricas, de caráter normativo, com a função de não apenas tornar logicamente compreensível a ordem jurídica, mas também de servir de fundamento para a interpretação ou para a própria criação de normas legais”.
E arrebata o Mestre Francisco Cláudio de Almeida Santos (1998, p. 37):
Os princípios constituem os fundamentos de todas as ciências e esse truísmo não poderia deixar de ser reconhecido na ciência jurídica. São eles os alicerces e as pilastras, nos quais se assenta todo o ordenamento jurídico. Daí a importância de seus enunciados e de suas interpretações corretas, pelo menos daqueles que de forma ostensiva e absoluta orientam a conduta dos agentes nas relações jurídicas e na geração, interpretação e aplicação dos atos e da normatividade pertinente.
Já as normas, que encontram o seu nascedouro nos princípios, segundo Humberto Ávila (2009, p. 30), “não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto de interpretação; e as normas, no seu resultado.”.
Por sua vez, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2011, p. 1), Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, afirma o seguinte:
As normas podem ser divididas em normas-regras e normas-princípios. A norma-princípio não precisa estar escrita para que seja vigente. Basta o seu reconhecimento. Insta salientar que os princípios jamais serão contraditórios, mas sim contrapostos, isto é, diante de um conflito entre princípios, com base no princípio da proporcionalidade, aquele que for sobrelevado, não estará inutilizando a incidência do outro princípio, uma vez que este poderá incidir em outros casos concretos. Assim o princípio com peso maior não prevalecerá neste caso específico, contudo, permanece válido e vigente a fim de que possa incidir nos demais casos. Já a norma-regra será encontrada em qualquer dispositivo legal ou constitucional. Quando duas normas-regra forem contraditórias, somente uma deve ser levada em consideração, pois a aplicabilidade de uma das regras importa na revogação da outra. Em suma as normas podem ser princípios ou regras. Em outras palavras, norma é o gênero, da qual podem ser extraídas espécies normativas, quais sejam, regras ou princípios. A regras não precisam nem podem ser objeto de ponderação porque ou elas existem ou não existem. Já os princípios precisam e devem ser ponderados e isso não implica em exclusão de um deles do ordenamento jurídico, uma vez que, especificamente naquele caso concreto, um teve peso maior e acabou prevalecendo.
Conclui-se, ipso facto, que as normas são de grande importância em nosso ordenamento jurídico pátrio, possuindo, entretanto, os princípios, um plus em relação àquelas, pois servem de arcabouço quando da elaboração das leis, em todos os seus níveis, filtrando condutas de cunho inconstitucional, além de exercer uma função supletiva, quando diante de uma eventual lacuna do ordenamento jurídico. Vejamos as palavras de Mônia Hennig Leal (2003, p. 72-73):
Pela sua origem os princípios não têm o status jurídico, sendo considerados meras normas programáticas, de caráter eminentemente político e, por isso, não vinculatório, representando uma dimensão ético-valorativa de postulado de justiça que derivam de uma fonte superior, de ordem metafísica, e que têm, num primeiro momento, fundamento na vontade divina e, posteriormente na própria natureza humana. Esta é a concepção dos princípios pela fase jusnaturalista. Conforme a segunda fase – juspositivista – os princípios passam a ser incorporados aos Códigos, servindo como fonte normativa subsidiária, haja vista que desempenham uma função supletiva dentro do ordenamento jurídico, de modo a impedir a ocorrência de um ´vazio normativo', servindo como recurso/solução para eventuais lacunas, pois são o resultado de uma generalização das próprias leis de Direito Positivo.
Hodiernamente, vivemos a fase pós-positivista onde os princípios passaram a ser, no ordenamento jurídico, verdadeiros padrões vinculantes de comportamento. Inclusive, os princípios constitucionais possuem uma curial importância devido a sua posição no sistema de fontes.
Ruy Samuel Espíndola (2002, p. 70-71) ressalta que os princípios são fundamentos de regras, ou seja, “são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, portanto, a função normogenética fundante”.
Mas, como proceder no caso de conflito entre princípios? Novamente, Espíndola (2002, p. 248) nos esclarece respondendo que
O conflito entre princípios se resolve na dimensão do peso e não da validade, ou melhor, princípios colidentes não se excluem de maneira antinômica, perdendo um deles a existência jurídica, a validade e ou a vigência; apenas se afastam diante da hipótese colocada ao juízo decisório. Assim, pelo procedimento da ponderação de princípios em conflito afasta-se, no caso, o princípio cujo peso foi sobrepujado pelo outro, que recebeu aplicação, ou, ainda, pela metódica da harmonização ou concordância prática aplicam-se ambos os colidentes, até o limite das possibilidades que o peso década um comporta.
Diante de um choque de princípios, caberá ao interprete ponderá-los na medida certa, de acordo com cada caso apresentado. Portanto, os princípios, de acordo com Márcio Fernandes Elias Rosa (2007, p. 19), “constituem a pedra de toque de todo o sistema normativo; a partir deles constituem-se as normas; correspondem, assim, a juízos abstratos e que dependem, para aplicação, da correspondente adequação com a norma escrita”.
Passos avante, analisaremos os chamados princípios explícitos ou expressos da Administração Pública encartados no “caput” do art. 37 da Constituição Federal de 1988.
1.2 Abordagem dos princípios constitucionais aplicáveis a Administração Pública
Estabelece o caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, a chamada relação dos princípios explícitos aplicáveis a toda Administração Pública: “A Administração Pública Direta e Indireta de quaisquer Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Este rol elenca, segundo a boa doutrina administrativista, os princípios fundamentais concernentes a Administração Pública, muito embora, existam, também, os chamados princípios implícitos. Segundo Almir Morgado (2008, p. 30), estes princípios “são dotados da mesma força vinculante e imperativa dos princípios explícitos, decorrendo logicamente destes e do próprio sistema constitucional, como ocorre com a lealdade e boa-fé, razoabilidade, proibição de excesso, boa gestão, economicidade, motivação etc.”.
1.2.1 Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade[2] é o suporte de todo Estado Democrático de Direito, ou seja, em todo o Estado onde vigora o império da lei (fonte primária do Direito Administrativo). Impende dizer que este princípio traduz a ideia de que o administrador público, ao contrário do particular, só poderá realizar aquilo que a lei o autorizar ou permitir. Por sua vez, no direito Privado, o administrado (particular) poderá fazer tudo que a lei não proibir. Este trilha o caminho da licitude. Aquele o da legalidade administrativa.
Sobre este importante aspecto, as lúcidas palavras do Advogado e Prof. Cearense Ernane Teixeira Matias (2007, p. 39):
Tem-se, portanto, que á autoridade pública não lhe é dada o poder de criar situações, ainda que porventura ensaiadas, mas sem o condão da juridicidade, para afastar o titular de um direito subjetivo de seu lídimo exercício. Ela está adstrita ao princípio da legalidade. Só poderá fazer aquilo que a lei permitir, sem se arvorar do princípio da licitude, cujo campo de atuação só ao particular compete. Enfim, a autoridade só poderá agir na estrita seara da legalidade. Pois, o lícito é o que a lei não proíbe; porém, para a autoridade isso só não basta, é preciso que a lei lhe autorize a praticar. Aí sim poderá agir. Fora disso é abuso de poder, de autoridade.
Vários são os dispositivos constitucionais que reconhecem o valor deste importante princípio. Primeiramente, o art. 5°, II a Constituição Federal de 1988 que estabelece que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por sua vez, os ditames insculpidos no art. 84, inciso IV ressaltam que o ato administrativo é inteiramente subordinado à lei. Passos avante, o art. 150. I estabelece que “não há tributo sem lei anterior que o defina”.
A jurisprudência pátria, segundo Fernanda Marinela Santos (2001, p. 31)
Reconhece o princípio da legalidade em seu sentido amplo, condicionando-o não somente à aplicação da lei mas também das regras constitucionais, permitindo-se o controle da legalidade de um ato e sua revisão em face de qualquer espécie normativa,inclusive para realizar aplicação de princípios e regras constitucionais.
Vejamos este Acórdão do Pretório Excelso acerca do Princípio da Legalidade: “O ato municipal, retificando o ato de aposentação do impetrante, ora recorrente, reduziu seus proventos aos limites legais, cumprindo, assim, o princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, da CF)”. (RE 185.255, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 1º- 4 - 97, DJ de 19-9-97).
Já o grande mestre Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 91), em lição lapidar, arremata a importância deste princípio:
Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é tradução jurídica do propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral. Abstrata e por isso impessoal, a lei, editada, pois pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral.
Entretanto, o mesmo mestre adverte que “é possível apontar três restrições excepcionais ao princípio da legalidade. Elas representam uma transitória constrição a esse princípio e são expressamente mencionadas na Constituição Federal: as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio”. (MELLO, 2003, p. 105).
1.2.2 Princípio da Impessoalidade
O princípio da impessoalidade visa impedir que um determinado agente público aja com simpatia ou antipatia, vingança, ou favorecimento. Por esse Princípio da Impessoalidade, não pode o agente público ter por finalidade, na realização de um determinado ato administrativo, motivos ou razões pessoais, portanto, contrários ao interesse público. Quando não existe a impessoalidade o agente público acaba praticando o chamado desvio de finalidade, que é uma espécie de abuso de poder ou autoridade. Santos (2001, p. 32) ensina:
O princípio da impessoalidade também pode ser analisado sob dois aspectos diferentes: primeiro, quanto ao dever de atendimento ao interesse público, tendo o administradora obrigação de agir de forma impessoal, abstrata genérica, protegendo sempre a coletividade; segundo, que a atividade administrativa exercida por um agente público seja imputada ao órgão ou entidade e não ao próprio agente, o que será visto oportunamente, pois a vontade do agente se confunde com a da pessoa jurídica, formando uma única vontade,o que se conclui na chamada teoria da imputação.
Passos avante, Santos (2001, p. 34) arremata:
Atualmente, o exercício do princípio da impessoalidade, atrelado a outros princípios como a moralidade, a eficiência e a isonomia, respalda também as proibições para a prática do nepotismo na Administração Pública, com o objetivo de afastar esse tipo de improbidade do sistema e as facilidades adquiridas em razão do parentesco.
Sobre esta prática nefasta do nepotismo, a mais alta corte de nosso país, editou a Súmula Vinculante Nº 13 que trata especificamente sobre o tema da seguinte forma:
A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a CF.
Devemos ressaltar que por decisão do próprio STF, os agentes políticos ficaram de fora desta vedação. Um determinado prefeito não praticará nepotismo ao nomear seu irmão[3] para algum cargo no chamado primeiro escalão, como o de secretário, por exemplo.
Ainda sobre o nepotismo colacionamos as seguintes decisões do STF que trata, especificamente, do chamado nepotismo cruzado:
[...] configurada a prática de nepotismo cruzado, tendo em vista que a assessora nomeada pelo impetrante para exercer cargo em comissão no TRT 17ª Região, sediado em Vitória/ES, é nora do magistrado que nomeou a esposa do impetrante para cargo em comissão no TRT 1ª Região, sediado no Rio de Janeiro/RJ. A nomeação para o cargo de assessor do impetrante é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores entre membros do Judiciário, o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade”. (MS 24.020 Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-3-2012, Segunda Turma, DJE de 13-6-2012.)
Agir com impessoalidade é agir tendo como base as regras da boa moral, honestidade e boa fé! Duas consequências lógicas deste princípio são justamente a licitação pública e o concurso público de provas ou provas e títulos.
Por sua vez, Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 33) adverte que “a impessoalidade administrativa é rompida, ultrajando-se a principiologia jurídico-administrativa, quando o motivo que conduz a uma prática pela entidade pública não é uma razão jurídica baseada no interesse público, mas sim no interesse particular de seu autor”.
Portanto, forçoso concluir que o princípio da impessoalidade possui um forte liame com o Princípio da Igualdade ou isonomia que exige que todas as pessoas sejam tratadas igualmente pela Administração Pública, muito embora, veremos que a máxima aristotélica deva ser observada. Ou seja, a impessoalidade se traduz na busca do tratamento isonômico a ser dado a todos os administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica.
1.2.3 Princípio da Moralidade
O princípio da moralidade[4] exige dos agentes públicos uma conduta ética, até porque, a moralidade está atrelada ao conceito do “bom administrador público”. Porém, nunca olvidemos que não se trata da moral comum, mas sim de uma moral jurídica. A moral denominada comum é imposta ao ser humano para sua conduta no âmbito externo; Já a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as normas da instituição onde exerce o seu ofício.
O Supremo Tribunal Federal - STF assim se manifestou:
Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. (ADI 3.026, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 8-6-2006, Plenário, DJ de 29-9-2006.)
O próprio Código de Ética do servidor público Federal (Decreto n° 1.171/94) impõem, entre outros aspectos, que o servidor deve decidir não somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas, e principalmente, entre o honesto e o desonesto. Inclusive ressalta que é dever do servidor público ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum.
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 (art. 5°, LXXIII) estabelece instrumentos jurídicos para sancionar esta conduta imoral. A ação popular poderá ser proposta por qualquer cidadão (detentor de seus direitos políticos) visando anular o ato lesivo à moralidade administrativa.
Nos termos do art. 85, V, da CF/88, atentar contra a probidade da administração é hipótese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da República.
Odete Medauar (1998, p. 138) cita um exemplo bem cristalino de ofensa ao princípio da moralidade: “em momento de crise financeira, numa época de redução de mordomias, num período de agravamento de problemas sociais, configura imoralidade efetuar gastos com a aquisição de automóveis de luxo para servir autoridades, mesmo que tal aquisição revista-se de legalidade”. Portanto, este importante princípio se relaciona com a ideia de honestidade, ética, boa-fé e lealdade. São verdadeiros pilares da conduta de qualquer gestor público. É de bom alvitre lembrar que nem tudo que é legal é honesto, conforme já propalavam os romanos.
Em arremate ao que foi dito e a título de ilustração, citamos dois exemplos de decisões sobre o princípio em questão, consoante o STF:
Diretor-geral de Tribunal Regional Eleitoral. Exercício da advocacia. Incompatibilidade. Nulidade dos atos praticados. Violação aos princípios da moralidade e do devido processo legal (fair trial). Acórdão recorrido cassado. Retorno dos autos para novo julgamento. (RE 464.963, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-2-06, DJ de 30-6-06)
Bacharel em Direito que exerce o cargo de assessor de desembargador: incompatibilidade para o exercício da advocacia. Lei 4.215, de 1963, artigos 83 e 84. Lei 8.906/94, art. 28, IV. Inocorrência de ofensa ao art. 5º, XIII, que deve ser interpretado em consonância com o art. 22, XVI, da Constituição Federal, e com o princípio da moralidade administrativa imposto à Administração Pública (CF, art. 37, caput). (RE 199.088, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1º-10-96, DJ de 16-4-99)
Assim, ao gestor público, não lhe basta cumprir os estritos termos da lei, é necessário que seus atos sejam verdadeiramente adequados à moralidade administrativa e aos padrões éticos de conduta que orientem sua realização.
1.2.4 Princípio da Publicidade
Sendo o Administrador Público um gestor de valores e bens pertencentes ao povo, devem por via de consequência, prestarem contas sobre a utilização destes recursos. É através desta transparência que o cidadão poderá exercer o seu poder de controle previsto na CF/88. A princípio negar publicidade a atos oficiais configura ato de improbidade consoante o que dispõe o art. 11, IV, da Lei nº. 8.429/92.
Merecem registro as palavras da Profa. Marinella (2001, p. 42):
Essa disposição faz sentido quando se tem como regra o fato de o administrador exercer função pública, portanto munus público, daí por que todas as suas obras, serviço prestados e atividades desenvolvidas não representam nada mais do que sua obrigação, o seu dever de ser um bom administrador.
Segundo Ernane Teixeira Matias (2007, p. 49-50):
O sentido nuclear e nobre desse preceito é o de oferecer a todos, indistintamente, o conhecimento de que o ato foi praticado, e, por isso, passa a ter a força de obrigar as pessoas interessadas e a ele de alguma forma, vinculadas, a se certificarem, pois que é a partir de sua publicação que os prazos começarão a fluir para os mais variados fins, inclusive o de deduzir defesa e interpor recursos, e, até mesmo, de ajuizar as ações que tiver por sua causa.
A publicidade, inclusive, é condição necessária à eficácia dos chamados atos administrativos. A pena arguta de Edmir Netto de Araújo (2007, p. 58-59) ressalta a distinção entre a publicidade geral e a publicidade restrita da seguinte forma, especificando a primeira da seguinte forma:
A publicidade geral, produtora de efeitos, é a publicação, no órgão oficial (e não na imprensa particular, embora esta não esteja proibida e até mesmo exigida em certos casos), dos atos de efeitos gerais e externos, não se impedindo, todavia, (ao contrário, é até mais comum) a publicação de atos de efeitos internos e mesmo de efeitos individuais. Acresce-se, ainda que a própria lei exige muitas hipóteses, em razão só interesse público,publicidade mais extensa ainda, em órgãos de comunicação de grande alcance e circulação, como ocorre nas licitações e concursos públicos.
Passos avante, o autor ressalta a denominada publicidade restrita:
Já a publicidade restrita, que pode constituir-se do conhecimento pessoal dos interessados diretos, por notificação, citação ou intimação, ou ainda por 'afixação' em local próprio da repartição, ou mesmo por franquear-se a presença do público ou dos interessados no local onde o ato é ou será praticado, sem esquecer o registro dos atos em livros próprios ou arquivos das unidades administrativas tem duas conotações: primeiro, que os atos da Administração são públicos, como dissemos, salvo exceções legais, no sentido do administrado, demonstrando legítimo interesse, deles tomar conhecimento a qualquer tempo as seu pedido, quando a publicidade geral não é exigida (atos de efeitos internos ou de caráter individual, p. ex.); segundo, que é assegurado o direito, garantido pela Constituição ( art. 5°, XXXIV, b, da CF), de obtenção de certidão de atos, contratos e documentos, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (por isso deve ser demonstrado o legítimo interesse. (ARAÚJO, 2007, p. 60).
A regra geral é que todos os atos administrativos sejam publicados, excetuando os atos imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, além da necessidade de defesa da intimidade das pessoas ou interesse social (art. 5º, XXXIII e LX da CF/88).
A título de exemplo citamos este acórdão do STF que feriu este princípio:
Constitucional. Administrativo. Concurso público. Prova física. Alteração no edital. Princípios da razoabilidade e da publicidade. Alterações no edital do concurso para agente penitenciário, na parte que disciplinou o exercício abdominal, para sanar erro material, mediante uma errata publicada dias antes da realização da prova física no Diário Oficial do Estado. Desnecessária a sua veiculação em jornais de grande circulação. A divulgação no Diário Oficial é suficiente per se para dar publicidade a um ato administrativo. A Administração pode, a qualquer tempo, corrigir seus atos e, no presente caso, garantiu aos candidatos prazo razoável para o conhecimento prévio do exercício a ser realizado. (RE 390.939, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-8-05, DJ de 9-9-05).
Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. (MS 21.729, Rel. p/ o ac. Min. Néri da Silveira, julgamento em 5-10-95, DJ de 19-10-01).
O próprio Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei n° 8.112/90 e demais alterações posteriores), consoante a dicção do art.150, estabelece que a comissão processante exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurando o sigilo necessário á elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração.
Por fim, não se pode confundir publicidade oficial com a chamada propaganda pessoal do gestor, conduta que fere o princípio da impessoalidade (e não o da publicidade como muitos pensam).
É bastante que se leia o que dispõe o § 1° do art. 37 da Constituição Federal de 1988;
A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidor público.
Sobre este aspecto, mais uma vez recorremos à sábia lição de Marinella (2001, p. 42):
Para controlar essas condutas dos administradores públicos há um Projeto de Lei (PL 1.467/03) em tramitação no Senado Federal que também proíbe a promoção pessoal quando se utiliza quaisquer meios publicitários, inclusive a afixação de cartazes produzidos com recursos públicos, contendo agradecimento nominal a autoridades pela realização de obras ou serviços públicos, ainda que por iniciativa de outra pessoa.
A ideia é pertinente tendo em vista este aspecto ser comumente observado quando da utilização, por parte do gestor, da propaganda oficial. Na verdade, só observamos uma fiscalização maior quando do processo eletivo para o preenchimento de cargos políticos.
1.2.5 Princípio da Eficiência
Este princípio foi inserido no rol dos princípios contidos no art. 37 da CF/88 pela Emenda Constitucional n° 19/98.[5] A eficiência, para Ernane Teixeira Matias (2007), enquanto primado do direito administrado, corresponde à plena satisfação dos interesses dos administrados, que exigem resultados positivos e imediatos. Não é suficiente que o agente público haja dentro da lei, com impessoalidade e ética, dando inclusive, transparência aos seus atos. É necessário que haja com presteza, perfeição e rendimento funcional.
Almir Morgado (2008, p. 1) lembra que com:
a inserção do princípio no texto constitucional, pretendeu o legislador conferir direitos aos usuários dos diversos serviços prestados pela Administração ou por seus delegados e estabelecer obrigações efetivas aos seus prestadores. O princípio alcança também os serviços puramente administrativos, obrigando a administração a recorrer à moderna tecnologia e aos métodos de gerenciamento, buscando alternativas menos onerosas e que representem maior rendimento e produtividade.
Por sua vez, Alexandre de Moraes (1999, p. 294), define o Princípio da Eficiência como:
Aquele que impõe à Administração Pública e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social [...].
Inúmeros são os reflexos deste princípio, tais como a figura do contrato de gestão, a avaliação de desempenho para a conquista da estabilidade no serviço público, criação das agências reguladoras, entre outros.
No que diz respeito aos servidores públicos, o princípio da eficiência trouxe consequências consideráveis, nas palavras de Santos (2001, p. 43):
Quanto aos servidores, a eficiência aparece como requisito indispensável para a aquisição perda da garantia de estabilidade, conforme regras do art. 41 da Constituição Federal. Hoje, um servidor público, para adquirir a estabilidade, precisa ser aprovado em concurso público, nomeado em cargo de provimento efetivo, cumprir os três anos de efetivo exercício ser aprovado em avaliação especial de desempenho que representa um instrumento para se exigir mais dos servidores e com isso haver uma administração mais eficiente.
Diante do exposto, pode-se dizer que o principio da eficiência atribui ao gestor publico que os atos realizados pela administração pública deverão ser realizados com agilidade, perfeição e economia, com resultado satisfatório dos serviços prestados à sociedade.