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Motivos para rebater a redução da maioridade penal

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Agenda 22/04/2013 às 08:14

É certo que existem infrações graves praticadas por adolescentes, mas tratá-los de maneira igual aos adultos significa ignorar a peculiar condição de pessoas em desenvolvimento que ostentam.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O debate sobre a redução da maioridade penal comumente vem à tona quando algum menor de 18 anos de idade é autor ou partícipe de algum delito bárbaro. É comum observarmos que a grande maioria dos defensores da diminuição da idade penal defende seus pontos de vista movidos pelo calor dos acontecimentos e pela comoção social. Passada a motivação inicial, a ideia cai no esquecimento.

Nesse turbilhão de emoções são difundidas ideias equivocadas sobre a legislação menorista brasileira, como a de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei que permite a impunidade e a de que os adolescentes cometem delitos em quantidade e gravidade semelhantes aos cometidos pelos adultos.

É certo que existem infrações graves praticadas por adolescentes, mas tratá-los de maneira igual aos adultos significa ignorar a peculiar condição de pessoas em desenvolvimento que ostentam. A redução da maioridade penal significa punir aqueles que são as verdadeiras vítimas da violência pública e do descaso do Estado, da sociedade e da própria entidade familiar.

Isso acontece geralmente pelo fato de as crianças e os adolescentes do Brasil não receberem as condições necessárias que lhes proporcionem bem-estar social. Em inúmeros casos, acabam sendo vítimas da deficiência e até mesmo da falta de um ensino público de qualidade, da ausência de oportunidades de capacitação profissional, bem como da dificuldade de acesso à cultura, ao lazer, ao esporte etc.

É imprescindível desmistificar que a inimputabilidade penal gozada pelos menores de idade serve como estímulo para o aumento da criminalidade e reflete-se também em impunidade. Reduzir a maioridade penal significa colocar milhares de jovens em estabelecimentos prisionais que, além de não darem condições mínimas para que um deliquente seja ressocializado, agravam o problema da violência. Isso ocorre pelo fato de que aqueles que lá ingressam, na maioria dos casos, saem ainda mais perigosos e difíceis de serem recuperados.

A fixação da maioridade penal em 18 anos decorreu de critérios de política criminal, sendo esse patamar compatível com os demais aplicados na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento do mundo, conforme se vê no anexo ao final desse trabalho. Esse anexo aponta que o Brasil segue a tendência mundial quando o assunto é a idade penal mínima, estando em sintonia com as recomendações fixadas em tratados internacionais relativos aos direitos da criança e do adolescente. Além disso, a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos foi elevada pela Constituição Federal de 1988 à condição de cláusula pétrea, não sendo suscetível de modificação por Emenda Constitucional.

A obra em epígrafe tem como principais objetivos identificar as causas da criminalidade juvenil; apontar possíveis soluções para esse problema; identificar quais os motivos que levam a redução da maioridade penal a ser rechaçada de nosso ordenamento jurídico e enfatizar que o ECA, além de ser um instrumento normativo capaz de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes, possui a capacidade de reprimir a violência juvenil, desde que aplicado da maneira correta.

Por sinal, vale frisar que o ECA tem a virtude de não se enquadrar no rol de “leis de satisfação simbólica” ou “Leis de ocasião”, como é o caso da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº. 8.072/90). Isso decorre do fato de o Estatuto ter sido fruto de movimentos sociais em prol da criação de uma lei e de uma política criminal que tratassem crianças e adolescentes diferentemente dos adultos. Os objetivos desse movimento eram assegurar garantias e direitos mais amplos e estabelecer a previsão de punições adequadas para aqueles que infringiram a lei penal.

Por outro lado, a Lei de Crimes Hediondos ganhou destaque e repercussão nacional a partir da exploração emocional de um caso específico: o assassinato da atriz da TV Globo Daniella Perez.

A respeito do recrudescimento do tratamento dado a quem pratica o crime de homicídio qualificado, a partir do fato mencionado acima, declarou Nilo Batista:

Eu compreendo completamente tudo o que uma mãe sinta pelo brutal assassinato de sua filha, uma menina talentosa, bonita. E compreendo perfeitamente até que ela quisesse pena de morte. O que não compreendo é fazer política criminal com os sentimentos de interessados[1].

Refletindo sobre o fato de a Lei de Crimes Hediondos ser louvada pela mídia e pela opinião pública enquanto que o Estatuto da Criança e do Adolescente é criticado, afirmou, com certa ironia, Maurício Neves de Jesus:

Ambas integram a sensação de insegurança da sociedade como extremos: enquanto a primeira pune o criminoso e defende os cidadãos de bem, a segunda promove a impunidade e advoga por direitos humanos para bandidos[2].

Em resumo, esse trabalho tem o objeto de atestar que a redução da idade penal no Brasil representa um imenso retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente. Esses compromissos, por sinal, foram assumidos pelo Estado brasileiro através da ratificação da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança e de outros tratados internacionais.

Quanto à divisão do trabalho, no primeiro capítulo é feito um resgate histórico tanto da legislação internacional quanto da legislação brasileira, sendo focado especialmente os marcos iniciais da imputabilidade penal no nosso país. Além disso, nesse capítulo serão analisadas as três principais doutrinas norteadoras do Direito da Criança e do Adolescente.

No segundo capítulo será abordado o fenômeno da transição da adolescência para a idade adulta, sendo elencadas as diferenças entre inimputabilidade e impunidade. Também serão traçadas as principais características das medidas socioeducativas previstas no ECA, visando demonstrar que elas  possuem a capacidade de ressocializar o adolescente em conflito com a lei, bem como de inibir a proliferação da delinquência juvenil. Encerrando esse capítulo, será mencionado alguns fatores que impedem a aplicação correta do ECA e que contribuem para o descrédito dessa lei perante a sociedade.

No terceiro e último capítulo será feita uma abordagem mais aprofundada das razões que impedem a redução da maioridade penal. Será traçado o perfil predominante do adolescente infrator brasileiro, destacando-se também a fixação da idade penal mínima em 18 anos como critério de política criminal e a utilização do menor de idade como instrumento das organizações criminosas comandadas por adultos. Por fim, serão rebatidos os principais argumentos pró-redução e enfatizado a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal.


CAPÍTULO I

BASES LEGAIS E DOUTRINÁRIAS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1.1  O Direito da Criança e do Adolescente no âmbito internacional

Neste tópico será feito um breve resgate histórico dos principais documentos internacionais que deram origem aos princípios fundamentais do paradigma garantista vigente no atual Direito da Criança e do Adolescente.

1.1.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos

Foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, tendo o Brasil sido um dos países aderentes. Surgiu após a segunda guerra mundial, na ocasião em que a Organização das Nações Unidas (ONU) viu-se forçada a promover a criação de um tratado internacional que conseguisse firmar a paz, a justiça, o respeito aos direitos dos homens, a dignidade e a garantia da vida humana.

Vários direitos e garantias foram abarcados nesse instrumento legal, dentre eles o direito à vida, à liberdade, à nacionalidade, à propriedade, ao trabalho, à segurança social, ao repouso, ao lazer, à convivência comunitária e familiar, à saúde, à alimentação, à educação e à moradia.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos influenciou praticamente todas as constituições posteriores à sua proclamação, inclusive as questões relacionadas ao Direito da Criança e do Adolescente.

1.1.2 Declaração dos Direitos da Criança

A Declaração dos Direitos da Criança foi firmada em 26 de setembro de 1924 pela antiga Liga das Nações, hoje ONU, sendo adotada e proclamada décadas mais tarde, mais precisamente em 20 de novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O Brasil foi um dos países signatários.

Wilson Donizeti Liberati leciona que a presente Declaração:

[...] firmou o pressuposto da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento da criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, necessitando de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento[3].

O problema visualizado nesse documento internacional é o fato de que suas disposições tinham conteúdo meramente programático, não impondo quaisquer obrigações aos países signatários. Limitava-se a sugerir medidas, algumas delas de caráter eminentemente moral, para que os Estados-Membros as adotassem ou não.

1.1.3        Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

Esse documento também privilegiou a proteção dos direitos da criança e do adolescente. Foi proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, passando a ter força normativa interna.

Surgiu a partir da crescente mobilização popular em defesa dos direitos civis e políticos, especialmente nos Estados Unidos da América (EUA). Reafirmou os direitos e garantias contidos na Carta das Nações Unidas de 1945 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assegurando o reconhecimento à dignidade da pessoa humana.

Consagrou a proteção à família, por meio da união conjugal, como núcleo natural e fundamental da sociedade. Além disso, dispôs que toda criança tem direito a uma nacionalidade, a um nome, a um registro e a outras medidas de proteção que sua condição de menor de idade requer por parte do Estado, da sociedade e de sua família.

1.1.4        Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica

O tratado internacional em comento foi firmado pelos países do continente americano em 22 de novembro de 1969, sendo ratificado pelo Brasil em 6 de novembro de 1992. Os países americanos que o assinaram reafirmaram a intenção de consolidar no continente a garantia das instituições democráticas e um regime de liberdade pessoal e de justiça social fundado nos direitos humanos fundamentais.

No que se refere ao Direito da Criança e do Adolescente, o art. 19 ratifica o compromisso dos Estados signatários de proteger os menores de idade, afirmando que toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

1.1.5        Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça Juvenil Regras Mínimas de Beijing

As Regras Mínimas de Beijing surgiram após vários anos de trabalhos do comitê permanente das Nações Unidas responsável por estudar a questão da prevenção de práticas delituosas bem como o tratamento dos jovens infratores, vindo essas regras a serem aprovadas em setembro de 1985. No Brasil, esse documento não traduz força normativa, mas serviu de base para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em matéria de política criminal, pois aglutinou princípios modernos que privilegiam o respeito aos direitos fundamentais e à proteção social da criança e do adolescente.

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De acordo com Wilson Donizeti Liberati,

Esse documento enuncia os princípios para a proteção aos direitos fundamentais de todo homem, inclusive do jovem infrator. Essas regras representam, pois, a consideração das condições mínimas para o tratamento dos jovens infratores em qualquer parte do mundo. Como signatários, os Estados devem respeitá-las e integrá-las em suas leis internas[4].

As Regras Mínimas de Beijing propôs novos meios de se tratar o jovem infrator, em particular meios que substituem a medida privativa de liberdade por outra a ser cumprida em meio aberto. Após esse tratado, medidas privativas de liberdade passaram a ser a exceção, devendo ser utilizadas apenas em casos extremos, enquanto que utilização de medidas em meio aberto e com fins pedagógicos passou a ser a regra.

Esse documento jurídico internacional determina que os jovens sejam submetidos a um sistema chamado de “Responsabilidade Penal”, que trabalha no sentido de que não se deve inseri-los precocemente no sistema privativo de liberdade, por causa da sua imaturidade emocional, mental e intelectual.

Por oportuno, destaca-se que essas regras determinam que, caso seja necessária, a aplicação de medida que prive o menor de sua liberdade, deverá ele cumpri-la, por tempo breve, em estabelecimento distinto daquele destinado aos adultos, havendo ainda a separação entre jovens de sexo, idade e personalidade diferentes. Essas ações inclusive foram reguladas posteriormente por meio das Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade, de 14 de dezembro de 1990.

1.1.6        Diretrizes das Nações Unidas Para a Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad

Foram idealizadas durante a realização do 8? Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, tendo como objetivo estabelecer critérios e estratégias para prevenir a delinquência juvenil e para promover o bem-estar da sociedade. O texto final, denominado de Diretrizes de Riad, se tornou conhecido em 14 de dezembro de 1990.

Esse documento, apesar de também não ter força interna no Brasil, contribuiu muito para se firmar que é no seio familiar que a recuperação e a reintegração social do infrator ocorrem mais eficazmente, devendo ser adotadas medidas que visem à proteção e à valorização da família dos jovens, sobretudo dos menos favorecidos.

Em suma, as Diretrizes de Riad destacam o papel da comunidade no enfrentamento do problema da criminalidade juvenil, sendo necessário colocar em prática ações políticas progressivas para prevenir esse problema social.

1.1.7        Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos das Crianças

Foi aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, tendo se tornado norma cogente no Brasil após ser ratificada em 21 de setembro de 1990.

Essa Convenção foi fruto de 10 (dez) anos de trabalho de representantes de 43 (quarenta e três) Estados-Membros da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e foi proclamada coincidentemente no mesmo dia em que se celebravam os 30 (trinta) anos da Declaração dos Direitos da Criança de 1959.

O texto normativo internacional em epígrafe, além de resumir toda a legislação garantista de proteção à infância e à juventude, inovou no sentido de completar as normas até então vigentes. Trouxe também consigo força coercitiva de seus preceitos, impondo a cada Estado signatário a adoção de uma posição definida e a criação de mecanismos de controle, com o fito de efetivar o cumprimento de suas disposições. Essa Convenção também determinou a prestação de contas das atividades realizadas pelos países signatários perante a comunidade internacional.

A partir de então, a criança e o adolescente passaram a ser ouvidos e as suas opiniões devidamente consideradas, elevando-os ao patamar de sujeitos de direitos.

A busca do bem-estar do menor passou a ser o maior objetivo do direito juvenil, tendo os países pactuantes se comprometido a dispor de oportunidades e serviços de modos variados para permitir que os jovens se desenvolvam física, mental, moral, espiritual e socialmente, em liberdade e com dignidade.

1.2              O Direito Penal Juvenil Brasileiro

No presente ponto será observado o contexto histórico do direito penal juvenil brasileiro, visando compreender como nosso ordenamento jurídico se desenvolveu e como o Brasil tratou de suas crianças e de seus adolescentes, especialmente no que se refere à maioridade penal e à forma de tratamento dos infratores.

Na época em que o Brasil foi descoberto, vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas, instrumento legal que continha normas de direito canônico e de direito costumeiro e que foi instituído por Dom Afonso V. Ocorre, porém, que o Brasil passou a ser efetivamente povoado pelos portugueses somente a partir de 1521, mesmo ano em que entraram em vigor as ordenações Manuelinas, instituída por Dom Manuel, “O Venturoso”, fato esse que impediu a aplicação concreta das Ordenações Afonsinas neste solo.

Após cerca de 80 anos de vigência, as Ordenações Manuelinas foram substituídas pelo Código de Dom Sebastião e esse posteriormente pelas Ordenações Filipinas, que foram criadas por Dom Filipe II, em 1603. Esse último conjunto de normas vigorou por mais de dois séculos, especificamente até o advento do Código Penal do Império, de 1830.

Esta legislação ficou marcada por sua excessiva severidade e pela confusão que fazia entre pecado, crime e vício. Muitas condutas até então não passivas de punição passaram a ser punidas pelo Estado brasileiro. Havia a aplicação de penas rigorosas, tais como a pena de morte (executada de diversas maneiras), o açoite, o corte de membros, as galés, o degredo e a multa. Além disso, registra-se que não havia um rol taxativo de sanções, ficando todas essas ao alvitre do juiz, inexistindo, portanto, o princípio da legalidade.

Nas ordenações Filipinas já havia punições diferentes para menores e adultos que cometiam delitos. A maioridade penal era atingida aos 25 anos de idade, porém, contraditoriamente, o juiz poderia aplicar a pena máxima aqueles com mais de 20 anos de idade.

Entre os 17 e os 20 anos de idade a aplicação de sanção ficaria ao arbítrio do magistrado, que poderia aplicar a pena máxima ou reduzida de acordo com o tipo de delito, com as circunstâncias em que o mesmo foi cometido e também de acordo com as condições pessoais do infrator.

A Constituição Federal de 1824, influenciada pelo pensamento liberal iluminista, previu a criação de um Código Criminal “fundado nas sólidas bases da justiça e equidade” (art. 179, inciso XVIII), declarando expressamente o extermínio dos suplícios e das penas infamantes. O art. 179, inciso XIX ainda aboliu as penas de açoite, tortura, marca de ferro quente e todas as demais de natureza cruel; proibiu o confisco de bens e a declaração de infâmia sobre os parentes do acusado; determinou que as penas não passassem da pessoa do réu para outrem e que elas deveriam ser cumpridas em locais limpos e arejados (art. 179, incisos XX e XXI). Consagraram-se também diversos princípios ainda hoje vigentes, como o da irretroatividade da lei penal e o da igualdade de todos perante a lei[5].

Destaca-se que a pena de morte no período colonial era dividida em várias categorias, podendo haver a morte simples, referente à perda da vida; a morte civil, ocasião em que os direitos da cidadania eram eliminados; a morte cruel, que se dava de modo lento, impondo sofrimento ao apenado, e a morte atroz, categoria em que além da perda da vida, ocorria o confisco de bens, a queima do cadáver, o seu esquartejamento e a proscrição de sua memória[6].

O Código Penal do Império, promulgado em 16 de novembro de 1830, que além de inaugurar no Brasil o denominado período da etapa penal indiferenciada e de substituir as penas corporais pela pena de prisão, reconheceu a menoridade como um fator atenuante da pena.

Os maiores de 14 anos tinham responsabilidade penal plena e até os 21 anos as penas eram atenuadas ou substituídas por outras mais brandas. Já os menores de 14 anos, desde que houvessem agido com discernimento no cometimento do crime, eram recolhidos às casas de correção, pelo tempo que parecesse necessário do ponto de vista do julgador, desde que não fosse ultrapassado o limite de 17 anos de idade. Entretanto, como não foram construídas as referidas casas de correção, os menores acabaram sendo destinados às mesmas prisões onde eram recolhidos os adultos.

Por sinal, durante o período colonial, as ações assistenciais voltadas para o menor de idade carente eram patrocinadas pelas ordens religiosas e por instituições particulares. De início, a Igreja Católica atendia órfãos e abandonados e posteriormente crianças tidas como pervertidas. O atendimento era baseado no fornecimento de abrigo, comida e educação, preparando os desamparados para os serviços domésticos. A Roda dos Expostos, criada pela Santa Casa de Misericórdia foi certamente a instituição mais emblemática desse sistema assistencial.

Maurício Neves de Jesus resume a chocante forma e o longo período de funcionamento da Roda dos Expostos:

Crianças enjeitadas eram depositadas em um cilindro oco que girava em torno de seu próprio eixo, com abertura em uma das faces que ficava voltada para a rua, enquanto a outra dava para o interior da Santa Casa. Após deixar a criança na abertura da face externa, a mãe ou a pessoa a quem houvesse sido delegada a missão tocava uma sineta. Ao sinal, uma religiosa girava a roda para o interior da casa de recolhimento [...] as Rodas eram custeadas por doações de particulares, nem sempre suficientes. Muitas crianças não resistiam à falta de recursos [...] não é de se estranhar que a mortalidade infantil, sobretudo nos primeiros meses de vida, fosse ali excessiva [...] após a declaração da independência, 1822, surgiram outras instituições de assistência privada, mas as Rodas dos Expostos continuaram existindo e chegaram até o Brasil República. Em São Paulo, a Santa Casa de Misericórdia manteve o cilindro instalado no muro dos fundos de 1825 até 1950. Foram 125 anos recolhendo crianças sem que se soubesse a identidade dos pais[7].

Tobias Barreto deixou bem claro sua insatisfação com a adoção da teoria do discernimento, que foi adotada pelo Código Penal do Império, que dispunha que o menor de 14 anos poderia ficar privado de sua liberdade até os 17 anos se ele tivesse consciência da ilicitude do seu ato. Segundo o autor:

[...] antes correr o risco de ver passar impune por força da lei, quando cometa algum crime, o ginasiasta de treze anos, que já faz seus versinhos e sustenta o seu namorico, do que se expor ao perigo de ver juízes estúpidos e malvados condenarem uma criança de dez anos, que tenha porventura feito uma arte, segundo uma frase de família, e isso tão-somente para dar pasto a uma vingança[8].

Em 1890 foi editado o Código Penal Republicano. Nesse momento histórico o menor de 9 anos de idade era tido como totalmente inimputável, enquanto que em relação ao menor entre 9 e 14 anos cabia ao juiz analisar seu grau de discernimento no momento em que cometeu alguma infração para eventualmente aplicar a sanção mais adequada a seu ver.

Percebe-se que os Códigos Penais de 1830 e de 1890 foram os dois principais textos legais da denominada etapa penal indiferenciada, tendo como base a pesquisa do discernimento como critério de fixação de sanções. O critério do discernimento ou biopsicológico vem sendo inclusive paulatinamente eliminado dos ordenamentos jurídicos democráticos, haja vista seu caráter discricionário e arbitrário. O critério do discernimento como forma de fixação da imputabilidade penal sempre causou problemas ao aplicador da lei, uma vez que a verificação da aptidão sempre foi subjetiva[9].

A respeito da mudança de paradigma do Direito Penal Juvenil, ocorrido com a decadência da etapa do direito penal indiferenciado e com o surgimento da etapa tutelar do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, em meados de 1920, escreveu Karina Batista Sposato:

O despertar da consciência social sobre a necessidade de salvaguardar a integridade física de crianças e adolescentes gerou severas críticas à permissiva promiscuidade entre crianças, adolescentes e adultos em estabelecimentos prisionais, repercutindo num marco fundamental para as práticas sociopenais de tratamento da infância-adolescência no mundo todo[10].

Com o advento da Lei n? 4.242/21, o Brasil abandonou o sistema biopsicológico, adotando-se um critério objetivo de imputabilidade penal - o sistema biológico - fixando-a em 14 anos de idade, excluindo também qualquer responsabilização ao menor de 14 anos autor de crime ou contravenção.

Em 1927 foi instituído o Código de Menores, também denominado Código Mello Mattos, que ganhou destaque pelo fato de ter disposto sobre normas relativas à assistência aos menores, especialmente os abandonados e os delinqüentes.

Marília Montenegro Pessoa de Mello ensina que o Código Mello Mattos previa três diferentes limites de idade, onde os adolescentes de cada faixa etária recebiam tratamento diferenciado uns dos outros. Vejamos:

Até os 14 anos o menor era irresponsável não podendo, desta forma, receber nenhuma medida de caráter penal. Entre os 14 e os 16 anos o menor ainda era irresponsável, mas organizava-se um processo para apurar o fato em conseqüência do qual se poderia impor medidas de assistência que por vezes acarretaria o cerceamento da liberdade. Já entre os 16 e os 18 anos o menor poderia ser considerado responsável, sofrendo então as penas previstas no Código Penal, com a redução de um terço na duração da pena privativa de liberdade cabível aos adultos, ficando tais menores separados dos delinqüentes de maior idade[11].

O Estado, materializado na figura do juiz, sob o discurso de estar protegendo os interesses das crianças e dos adolescentes e de ter como objetivo a diminuição dos problemas sociais enfrentados por esses e por suas famílias, adotou medidas discriminatórias, desumanas e até violentas para com os mesmos. O juiz determinava a colocação de menores de idade em hospitais, asilos, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, sem se importar com a peculiar condição de pessoas em desenvolvimento que os mesmos ostentavam. Esse fato contribuiu muito para acentuar o problema da exclusão social. Se por um lado o menor devia ser protegido pela sociedade como um todo, estranhamente ele devia ser contido para não causar danos à própria ordem social[12].

Para Emílio Garcia Mendez:

Na realidade, as piores atrocidades da infância se cometeram muito mais em nome do amor e da compaixão do que da própria repressão. No amor não há limites, na justiça sim. Por isso, nada contra o amor quando ele mesmo se apresenta como um complemento da justiça. Porém, tudo contra o amor quando se apresenta como um substituto, cínico ou ingênuo, da justiça[13].

Durante a vigência da doutrina da situação irregular, analisada mais adiante, o biotipo, a vestimenta, a cor da pele davam margem a internações sumárias e arbitrárias, fundamentadas na situação de perigo ou na “situação irregular”. Esse fato deixa evidente que o juiz tinha amplo e irrestrito poder para decidir qual a “medida mais adequada” para cada caso concreto. Sérgio Salomão Shecaira acrescenta que “[...] ficava evidente um direito penal do autor, em substituição a um direito penal do fato, que não era aplicado nem mesmo para os adultos acusados dos mesmos delitos”[14].

O Código Penal de 1940 não trouxe mudanças significativas ao Código Mello Mattos, pois apenas se limitou a afirmar no seu artigo 27 que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Passou a existir uma presunção absoluta de inimputabilidade penal aos menores de 18 anos de idade.

Nelson Hungria se manifestou da seguinte maneira a respeito desse fato:

Este preceito resulta menos de um postulado de psicologia científica do que um critério de política criminal. Ao invés de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma condenação penal, que arruinará, talvez irremediavelmente, sua existência inteira, é preferível, sem dúvida, tentar corrigi-lo por métodos pedagógicos, prevenindo a sua recaída no malefício. O delinqüente juvenil é, na grande maioria dos casos, um corolário do menor socialmente abandonado, e a sociedade, perdoando-o e procurando, no mesmo passo, reabilitá-lo para a vida, resgata o que é, em elevada proporção, sua própria culpa[15].

Os debates sobre a reformulação do Direito da Criança e do Adolescente, voltados para a instituição de normas mais democráticas, cresceu na década de 1950, mas perderam força após o golpe militar de 1964. Nesse ano, foi instituída por meio da Lei n? 4.513/64 a Política Nacional do Bem-Estar do Menor, sendo criado um modelo de gestão centralizada e vertical, baseado em padrões uniformes de atenção, conteúdo, método e gestão[16].

O órgão nacional gestor desta política foi a FUNABEM (Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor), enquanto que os órgãos estaduais eram as FEBEMs (Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor).

A FUNABEM baseou-se na construção de centros especializados destinados a recepção, triagem, observação e permanência de menores considerados em situação irregular. Ela, além de servir como meio de controle juvenil, serviu como instrumento político e de propaganda da ditadura militar.

Houve a institucionalização de jovens num sistema prisional cujo tratamento dispensado pelo Estado brasileiro era semelhante ao destinado aos adultos que eram apontados como autores de crimes e contravenções penais. Na prática, a FUNABEM aumentou os problemas da falta de amparo às crianças e adolescentes excluídos e da criminalidade juvenil. Foram comuns as práticas de castigos cruéis e a ocorrência de motins, sendo a referida fundação associada à imagem de “escola do crime”.

Em 1979 entrou em vigor o novo Código de Menores. Essa legislação foi alvo de muitas críticas porque não mudou a essência das leis anteriores, embasadas na doutrina da situação irregular. Esse código ratificou uma visão consolidada e ultrapassada, que ignorava direitos e garantias aos menores, tratando-os ainda como objeto e não como sujeitos de direitos, especificamente quando se encontravam em “situação irregular”.

A respeito da denominada “situação irregular”, afirmou João Batista Costa Saraiva que:

O Código de Menores incluía praticamente 70% da população infanto-juvenil brasileira nesta condição, permitindo que mais tarde se afirmasse que quem estava em situação irregular era o Estado brasileiro [17].

No ano de 1984 houve a reforma da Parte Geral do Código Penal Brasileiro. A Exposição de Motivos da Lei n? 7.209/84 justificou a manutenção da inimputabilidade penal do menor de 18 anos, apoiando-se em critérios de política criminal.

Deveras pedagógica é a referida Exposição de Motivos de 1984 ao tratar da inimputabilidade penal aos menores de 18 anos. Vejamos:

Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de política criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, isto é, naturalmente anti-social na medida em que não é socializado e instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária[18].

Prosseguindo a trajetória do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, chega-se até a promulgação da Constituição Federal em 1988 (CF/88), tendo a inimputabilidade penal do menor de 18 anos sido elevada ao status de garantia fundamental, passando a ser considerada, como veremos mais adiante, uma cláusula pétrea.

A entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei nº. 8.069/90, ocasionou profundas mudanças no tratamento dispensado à criança e ao adolescente, sobretudo no que se refere à prática de ato infracional. Esse texto legal consolidou a doutrina da proteção integral instituída no Brasil pela CF/88, fazendo com que o menor de idade fosse alçado à condição de sujeito de direitos e obrigações e não apenas mero objeto processual.

O ECA surgiu num momento de grande mobilização da sociedade civil e da comunidade jurídica, logo após a promulgação de uma nova ordem constitucional que pôs fim a um longo período ditatorial. Passou-se a abominar o tratamento discriminatório que era dado ao menor de idade tido como em “situação irregular” em relação àquele que estava numa situação classificada como “regular”. Essa mudança permitiu analisar e compreender as questões relativas às crianças e aos adolescentes sob a ótica dos direitos humanos, sendo-lhes assegurados todos os direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988.

Como destaca João Batista da Costa Saraiva, o ECA se estrutura a partir de três grandes sistemas de garantia, harmônicos entre si, quais sejam:

1-Sistema Primário: referente às Políticas Públicas de Atendimento, de caráter universal a toda população infanto-juvenil brasileira;

2-Sistema Secundário: trata das Medidas de Proteção dirigidas às crianças e aos adolescentes, não autores de atos infracionais, em situação de risco pessoal ou social. De natureza preventiva, esse sistema tem como foco a situação de crianças e adolescentes enquanto vítimas, enquanto violados em seus direitos fundamentais;

3-Sistema Terceário: trata das medidas socioeducativas, aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei, que foram autores de atos infracionais, ocasião essa em que passaram à condição de vitimizadores [19].

Esse tríplice sistema, segundo o autor, funciona de maneira harmônica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapa do sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, será deflagrado, acionando o denominado de "Sistema de Justiça", constituído pela Polícia, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelo Poder Judiciário e pelos órgãos executores das medidas socioeducativas.

1.3    O Direito da Criança e do Adolescente e a doutrina brasileira

Antes de se adentrar efetivamente no estudo sobre os motivos que repelem a redução da idade penal, faz-se necessário analisar as principais características das doutrinas que nortearam e norteiam a interpretação e a aplicação do direito voltado à criança e ao adolescente. Realizando esse passo, pode-se entender como esse ramo jurídico se desenvolveu até chegar aos dias atuais, em que vigora a doutrina da proteção integral. Vejamos:

1.3.1        Doutrina do direito penal do menor ou do direito penal indiferenciado

Essa doutrina vigorou até a segunda década do século XX. O conteúdo das normas sobre crianças e adolescentes infratores era eminentemente retribucionista. Nessa fase não havia qualquer diferença de tratamento etário entre menores de idade e adultos, a não ser para os menores de 09 anos de idade, considerados absolutamente incapazes. Os demais tinham o direito de ter suas penas reduzidas em um terço, porém deveriam cumprir suas sanções juntamente com os adultos.

De acordo com essa corrente, a criança e o adolescente só interessavam ao Direito quando praticavam um ato de delinqüência, ou seja, quando praticavam uma conduta tipificada como crime ou contravenção penal.

1.3.2        Doutrina da situação irregular ou do direito de caráter tutelar

Foi adotada no Brasil através da Lei de Assistência Social de Menores Delinqüentes e Abandonados, editada em 1923; pelo Código Mello Mattos, de 1927, e pelo Código de Menores de 1979, mas está superada atualmente.

Essa doutrina surgiu em decorrência de profunda indignação social, decorrente da situação de promiscuidade dos alojamentos de maiores e de menores de idade nas mesmas instituições prisionais e por causa da ausência de legislação específica aos jovens. Dispunha que o menor de idade passava a ser objeto de direito no momento em que se encontrava em estado de “patologia social” ou “situação irregular”, ou seja, quando não estava dentro dos padrões sociais adequados à época.

A denominada situação irregular surgia a partir da conduta do próprio menor, da sua família e até mesmo da sociedade, como nos casos de infração, maus-tratos e abandono.

Na verdade não havia uma distinção clara e objetiva sobre quais as situações abrangidas pelo conceito de patologia social. Órfãos, abandonados e infratores eram tratados da mesma forma.

Diante desse quadro, surgiram conceitos e associações equivocados e que infelizmente ainda são detectados na sociedade, dentre eles a confusão da figura do infrator com a do abandonado e a da vítima de abandono e maus-tratos com a de delinquentes. Partia-se do pressuposto de que todos estariam nas mesmas condições, ou seja, estariam em “situação irregular”, construindo o que Karyna Batista Sposato denomina de “trinômio periculosidade-menoridade-pobreza”[20].

Era comum a utilização de termos vagos e ambíguos, ou seja, figuras jurídicas de tipo aberto e de difícil compreensão, tais como “menores em situação de risco”. Vigorava, portanto, o paradigma da ambiguidade.

Também era estabelecida uma distinção entre crianças e adolescentes “bem-nascidos” e aqueles menos favorecidos. Assim as eventuais questões envolvendo aqueles geralmente estavam sujeitas às regras do Direito de Família, enquanto que as questões judiciais relativas a participação desses últimos eram regidas pelos Juizados de Menores, onde os juízes tinham poderes ilimitados e que, em regra, eram utilizados arbitrariamente.

Conclui-se que não era o menor que estava em situação irregular, mas sim o Estado, a sociedade e a entidade familiar. Aquele era vítima de todo um sistema que convergia para a adoção de medidas que desrespeitavam seus direitos fundamentais, tratando-o apenas como simples objeto e não como sujeito de direito.

1.3.3        Doutrina da proteção integral ou do direito penal juvenil

O embrião dessa doutrina surgiu durante a elaboração da Declaração de Genebra de 1924. Entretanto, foi só em 1989, com o advento da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, que foi posto verdadeiramente em prática um modelo de responsabilização penal juvenil em consonância com o que dispõe os direitos humanos, tendo a ideologia da proteção integral ganhado força a partir desse marco.

O Brasil, no entanto, antecipou-se à Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança e já na Constituição Federal de 1988 consagrou a doutrina da proteção integral no seu art. 227, regulamentando-o mais a fundo através da Lei nº. 8.069/90, denominado de Estatuto da Criança e do Adolescente, que por sinal passou a ser considerada uma das mais modernas e eficazes legislações sobre menores de idade do mundo.

Essa é a doutrina que vigora atualmente. Ela parte do pressuposto de que todos os direitos da criança e do adolescente devem ser respeitados, assegurados e efetivados, passando o menor de idade a ser tido como sujeito de direito.

O rol de direitos abarcados na legislação menorista é mais amplo do que a prevista ao adulto, haja vista que o legislador entendeu que o menor de idade ostenta uma peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, graças à sua imaturidade física e intelectual.

De acordo com Wilson Donizeti Liberati:

A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento sugere, primeiramente, que a criança e o adolescente não conhecem inteiramente, os seus direitos, não têm condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes, principalmente as crianças, de suprir, por si mesmas, as suas necessidades[21].

Para essa doutrina, direitos como saúde, alimentação, educação, profissionalização, liberdade e lazer, devem ser garantidos, principalmente pelos Estados signatários da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança - dentre eles o Brasil - até os 18 anos de idade.

Como afirmou João Batista Costa Saraiva:

Na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, o que se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram em situação irregular [22].

A doutrina da proteção integral rompe com a ideia de que os órgãos jurisdicionais representam um modelo de justiça especialmente voltado para as crianças e adolescentes pobres. Todos passaram, ao menos teoricamente, a receber o mesmo tratamento jurídico.

Observa-se que as correntes que antecederam a doutrina da proteção integral estavam eivadas de conteúdo manifestamente discriminatório, onde, por exemplo, a “criança” era o filho “bem nascido”, e o “menor” o infrator.[23]

Vale destacar que em relação à imposição de medidas socioeducativas, a doutrina da proteção integral visa à aplicação de ações que possuam finalidades pedagógicas e não retributivas, pois um dos principais objetivos da lei é evitar que crianças e adolescentes voltem a cometer infrações.

Por fim, enfatiza-se que o menor de idade passou a ser tratado de maneira diferente em relação ao adulto, porém da mesma maneira que qualquer outra criança ou adolescente, rica ou pobre, negra ou branca.

Sobre o autor
José Valério da Silva Júnior

advogado, bacharel em Direito pela Faculdade ASCES (Caruaru-PE), pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, ex-estagiário do Banco do Nordeste do Brasil e do Ministério Público de Pernambuco e desde 2012 é membro do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Caruaru-PE (COMDICA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, José Valério. Motivos para rebater a redução da maioridade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24233. Acesso em: 5 nov. 2024.

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