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Tratado ACTA:

novo padrão da propriedade intelectual

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Agenda 14/08/2013 às 08:30

O Direito da Propriedade Intelectual está em crise. Os sinais são visíveis em todos os continentes e, apesar dos esforços no combate à pirataria e a contrafação, não há resultados práticos. Todas as partes envolvidas estão insatisfeitas.O Acordo Comercial Anti-contrafação (ACTA) é um novo padrão da propriedade intelectual e precisa ser adotado mesmo pelos países que não participaram de sua formulação.

Sumário:1. Introdução. 1.1 Evolução do acordo ADPICS/TRIPs ao ACTA. 1.1.1 TRIPs e sua tentativa de evolução para TRIPs-plus. 1.1.2 Negociações. 2. O que é o ACTA. 2.1 Negociações do ACTA. 2.2 Vazamento. 2.3 Características. 2.4 Estrutura do acordo. 2.5 Planos de atuação. 2.6 Reforço da tutela do direito de Propriedade Intelectual. 3. Implicações jurídico-económicas. 4. Conclusões.

Resumo

Diante do comportamento da sociedade perante aos direitos intelectuais e mais precisamente sobre os direitos de autor e propriedade industrial, fez-se presente a reacçãoreação dos representantes daqueles que tem arcado com o suposto prejuízo.

Foram escolhidos estes dois ramos da propriedade intelectual não pelo motivo de outros estarem imunes ao que se passa, mas sim por serem os mais evidentes e que mais se adequaram ao pensamento que será exposto no presente artigo. Também foram eleitos pois o raciocínio que será desenvolvido poderá ser amoldado a um e por outro ser contraposto, o que reforçará o facto de que não há possibilidade, ao menos em um breve espaço de tempo, de apontar uma solução ou uma forma de minimizar os dissabores dos envolvidos.

O direito da propriedade intelectual contemporâneo está diante de um complexo problema  e seus interessados têm a difícil missão de renová-lo, para que volte a servir os interesses dos envolvidos, como bem que emana da sociedade e retorna a esta perfazendo sua função social.

Foi elaborado, para ser tratado em espécie, um acordo internacional que ilustra recente reacçãoreação às questões que se apresentam nomeadamente relativas à contratação e ao uso de informações protegidas pelo direito de autor sem o devido consentimento para tal.

Surge na sequência de outro tratado, o TRIPS, que já imprimia o sentimento dos envolvidos e vem, caso entre em vigor, endurecer a legislação em vigor e propor uma inovação em termos de tratado: cooperação internacional com o compartilhamento de informações entre Estados diferentes.

Ao cabo do presente trabalho serão colocadas, em conclusão, impressões oriundas da reflexão sobre  opiniões colectadas em diferentes sessões que trataram do assunto em especifico em cursos promovidos pela APDI[1], e em outras conferencias que, embora não o tivessem como tema principal, trouxeram esclarecimentos e conexões que propõem algumas constatações e reflexões.

Este texto foi realizado, em específico,  a partir da conferência de mesmo nome proferida no curso de verão, módulo de Sociedade da Informação e Direito do Autor, proferido pelo Sr. Prof. Doutor Miguel Moura e também complementado pela conferência com o mesmo tema no curso de pós graduados em Propriedade Intelectual, módulo de direito de autor proferida pelo Sr. Prof. Doutor Manuel Oehem Mendes, ambos promovidos pela Associação Portuguesa de Propriedade Intelectual nos anos de 2011 e 2012 respectivamente. Complementado pela investigação feita junto aos livros da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em sítios electrónicos referenciados.

Palavras-chaves: ACTA, OMPI, OMC, Propriedade Intelectual, Direito do Autor, Direito Industrial, Acordo internacional.


1. Introdução

Desde que o mundo é mundo - assim que a sociedade passou a tratá-lo pela óptica do direito - conflitos aparecem emanados das relações sociais, estes que uma vez solucionados apenas abrem caminhos para novos, trazem a matéria prima para os legisladores buscarem em seu trabalho uma solução que apazigúe os ânimos da maioria dos envolvidos e por muitas vezes, para tal, têm que trilhar caminhos tortuosos e longos.

O direito da propriedade intelectual está a atravessar, em diversos países, turbulência pesada em seu caminho e um dos grandes responsáveis, senão o maior, é a possibilidade - recente em termos de legislação e direito - que a tecnologia disponibilizou, de forma massificada com a troca de propriedade intelectual protegida.

A propriedade imaterial por muitos anos foi controlada através de seu suporte físico, local onde a obra se materializa, e até então tinha proteção pela lei e esta era satisfatória, pois seu controle era muito mais fácil. Com o advento do suporte eletrônico isto não mais foi possível.

Toda emanação de espírito, criação ou expressão de uma ideia ou sentimento que possa ser depositado em suporte eletrônico é susceptível de cópia de forma fácil, muitas vezes sem deixar evidências de que foi feita, e tem diferencial muito grande: não degrada o original obtendo uma cópia idêntica e a um custo muito próximo de zero.

Este é um dos pontos que funda a diferença: se é possível a duplicação ou o acesso a um bem imaterial sem a sua degradação, sem diminuição de seu valor ou ainda sem custos onde será que estará o prejuízo de quem teve seu bem utilizado sem o pagamento dos dividendos por este uso? Pode-se falar em uma frustração na expectativa de ganho, em uma expectativa de se retirar dividendos, mas nunca prejuízo ou tampouco furto, pois não se encaixa no elemento do tipo. Este é um dos grandes paradigmas que desafiam os juristas na atualidade.

Da mesma forma não se exclui o direito trazido pelos franceses, em sua revolução, onde se consagrou a propriedade. E também o direito de auferir seus frutos, quaisquer estes que sejam e pelo valor que seus proprietários determinarem, pois este é um principio consagrado na maioria das cartas constitucionais e diplomas civis dos Estados que hoje enfrentam esta questão.

Em resposta ao problema proposto, inicialmente de forma secreta, reuniram-se representantes de alguns Estados[2] - Austrália, Canadá, União Europeia (um representante Espanhol e um representante da comissão europeia), Japão, Coréia, México, Marrocos, Nova Zelândia, Singapura, Suíça e Estados Unidos da América -  estes últimos quais escolhidos por um critério que não foi divulgado e talvez sem a legitimidade para tanto. Reunidos, tais países elaboraram texto para um tratado que pretende trazer harmonia legislativa entre os signatários e a implementação de uma padrão mínimo nas leis relativas a propriedade intelectual e seu processamento junto as cortes nacionais.

Devido à falta de informação do público em geral e com o vazamento na comunicação social da primeira versão exposta pelo sitio wikileaks, o texto até então produzido traduziu-se em um temor geral desdobrando-se em diversas hipóteses, rapidamente difundidas entre a população, tais quais a possibilidade de fiscalização em fronteira de dispositivos de reprodução de ficheiros eletrônicos e sua apreensão sem ordem judicial prévia e por elementos que não dos órgãos  judiciários.

Foram suscitadas diversas possibilidades, algumas extremamente coercitivas que não se refletiram no texto final disponibilizado em quinze de outubro de 2011. 

O Japão foi o local escolhido para a assinatura do acordo[3] no dia primeiro de outubro de 2011 e passou a ser seu depositário. Estavam presentes na cerimónia de assinatura os Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, Marrocos, Nova Zelândia, Singapura e Korea do Sul os quais, além do anfitrião, tornaram-se  signatários do acordo[4].

A sigla ACTA é o acrónimo para Anti-Counterfeiting Trade Agreement[5], na língua de Camões lê-se, em tradução livre, como Acordo Comercial Anti-contrafação, que designa um tratado comercial internacional que  tem sua gestão por um comité criado especificamente para este fim, neste tratado. Seu objectivo é estabelecer parâmetros mínimos de tratamento das questões ligadas ao direito da propriedade intelectual, procedimentos e colaboração entre signatários para coibir a contrafação.

Este texto vem na sequência de um acordo discutido e tratado na Organização Mundial do Comercio (OMC), que atualmente conta com 155 membros, à data de maio de 2012[6], chamado acordo TRIPS[7] qual tratou da mesma questão e por este motivo o ACTA também levou a alcunha de TRIPS-plus, visto que reforçava o que já estava acordado.

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Uma diferença a ser notada entre os dois tratados foi no âmbito em que se deram seus processamentos.  Enquanto o TRIPs foi tratado em um texto que congregava diversos países que mantinham relações comerciais e na sequência dos tratados GATT e GATS, o ACTA foi negociado em discussões criadas para este fim fora do âmbito da OMC. Os integrantes têm ingresso garantido tanto na fase atual que aguarda ratificação para entrada em vigor quanto em fase posterior, sendo mantida a obrigatoriedade de que pertença a OMC, e que também seja signatário do primeiro tratado, TRIPs além da aprovação do comité que decidirá sobre a entrada de novo membro.

Diante deste quadro tornam-se necessárias algumas reflexões, de partida o seu tratamento fora da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, entidade que tradicionalmente congrega este tipo de discussão com legitimidade sustentada por representantes dos Estados escolhidos de forma a representar a opinião daquela sociedade e não de parcela dela.[8]

Para compreender o porquê do distanciamento de tal entidade, será necessário percorrer o caminho de sua formação assim como da própria OMC, com as negociações do GATS, do TRIPs e a tentativa de evolução deste tratado dentro da OMC. Façamos uma digressão histórica por alguns acontecimentos para então compreender.

1.1 Evolução do acordo ADPICS/TRIPs ao ACTA

O primeiro acordo internacional a tratar do tema em questão foi o GATT, de 1947, mas este não o fazia por completo e somente mais tarde, verificando-se a necessidade de legislação internacional mais robusta além da intenção de derrubar barreiras alfandegárias, esse acordo evoluiu. Tratava-se então de um acordo e não um tratado internacional permitindo que os signatários implementassem restrições comerciais nas fronteiras o que provocou muitos problemas na sua efetivação como, por exemplo, se verifica na secção 337 da lei comercial americana.[9]

Evoluiu por discussões que se iniciaram em 20 de Setembro de 1986 e resultaram na declaração de Punta Del Leste. Tratavam, inicialmente, de subsídios agrícolas, barreiras alfandegárias, restrição a investimentos estrangeiros e então com o início do processo da abertura de serviços como bancários e de seguros (GATS), somou-se a novo acordo o qual se ocupou em estabelecer parâmetros para combate de violação de direitos de "copyright" relacionando as questões de direito da propriedade intelectual e o comércio, conhecido pela sigla TRIPs.

O GATS integra o acordo de Marraquexe como anexo, nominado como 1B e desta forma faz compromisso a todos os membros da OMC que não podem deixar de cumprir o que nele está determinado Esse documento é composto de seis partes e vinte e nove artigos que também inclui oito anexos.[10] Encontram-se nesse documento os serviços eu não foram contemplados originalmente no acordo do GATT.

Depois de muito discutidas, em especial a exceção da alínea B do GATT de 1947 – a qual trata das medidas relativas aplicadas na fronteira que visam salvaguardar direitos de propriedade industrial - foram estabelecidas medidas efetivando o que constava anteriormente no acordo GATT de forma sistematizada. , e que se desdobrou emO resultado foi uma aplicação diferente do que existia até então no sentido de evitar utilização abusiva, que efetivamente criava obstáculos comerciais apoiados no pretexto de proteger a propriedade industrial.   Obs. este parágrafo está confuso

O acordo TRIPs, firmado antes da Organização Mundial do Comercio e que mais tarde passou a fazer parte no anexo C, é resultado da verificação de que as disposições anteriores que vigoravam no GATT[11] de 1947, se mostravam vagas e permitiam uso diverso do espírito para o qual foi criado e, então, para clarificar questões relativas à propriedade intelectual que até aquele momento não eram tratadas de forma específica, à exceção das disposições sobre quotas de exibição cinematográficas[12], deixando todas as outras questões por serem tratadas pela regra da via exceção geral, a qual fundamentava as medidas restritivas de comercio.[13]

Sua principal contribuição foi ter lançado os princípios para elaboração de um pacto multilateral trazendo um conjunto de medidas mínimas, de harmonização relativas ao comércio internacional[14] e, para a propriedade intelectual, trazer disposições sobre a contrafação como encontram-se anotadas no art. 61[15] do TRIPs. Nesse momento não foram tratados dos serviços, pois o foram anteriormente no acordo GATS.

Surge então, com o TRIPs, a normativa no sentido da aplicação efetiva de sanções, conforme se encontra na parte terceira do texto. Esta estabelece que existe a necessidade de respeito das medidas contra a contrafação e respeito à proteção dos direitos de autores.

Diante dos desafios que se colocavam até então, em relação ao comercio e àaà resolução de seus problemas, foi criada a Organização Mundial do Comercio[16] no acordo de Marraquexe[17] que encerrou as negociações do chamado "ciclo" do Uruguai em 1993[18] criando fórum para que os membros das nações signatárias dirimissem suas questões comerciais (produtos e serviços) e também as relacionadas à propriedade intelectual. Obs. Essa data 1993 é criação da OMC ou do encerramento do ciclo Uruguai? Se for criação da OMC o texto deve ser: ...foi criada a OMC, em 1993, no acordo de Marraquexe,  ...... Porém, se 1993 se refere ao Uruguai, o texto deve ser: ... que encerrou em 1993 as negociações do ....

Mas, já neste ponto, salta-nos uma dúvida: Qual é a relação entre a Propriedade Intelectual e o Comércio?

A OMC é fruto da junção do GATT, GATS[19] e do TRIPs onde são tratadas as questões ligadas ao comércio, agricultura, impostos, barreiras e propriedade intelectual. Esta composição permitiu que os acordos bilaterais até então em vigor, fossem dotados de uma efetividade através das sanções impostas no campo comercial, mais sensível, e campo melhor para adequar outras questões até então tinham pouca ou nenhuma efetividade tal como a propriedade intelectual.

Para solucionar os pontos conflitantes entre os membros, a secção quarta trata das soluções de litígio sujeitando-os a um mecanismo criado para este propósito e, então, retirando a força do dispositivo do GATT que permitia a retaliação comercial justificada na propriedade intelectual, passando a tratar a matéria de uma forma mais equitativa através de uma organização como a OMC. Uma vez que não se envolvam questões de propriedade em tribunal poderá o estado membro iniciar um processo onde serão criados painéis compostos por peritos que irão analisar o caso em concreto. Este painel não terá a capacidade de decidir formalmente, sua atribuição é elaborar um relatório sobre a questão que sintetiza seu parecer sobre a questão. Uma vez finalizado este processo o relatório é submetido a um órgão temático que prolatará decisão, sobre a questão em tela e com força executiva.

Atualmente o TRIPs é muito conhecido por instituir fórum que é opção na negociação de questões de propriedade intelectual, pois conta com a força da OMC. Os países interessados em criar padrões ou estabelecer regras e preceitos com abrangência supranacional sobre esta matéria entenderam que este é o melhor local devido a possibilidade de efetivar as sanções. Estas, quando são executadas, causam impacto no comércio entre as nações, e dessa forma vêm de encontro aos anseios da proteção da propriedade intelectual. Desta forma justifica-se o local escolhido. Apesar de ter sido criado um fórum específico para tratar estas questões, a OMPI, órgão das Nações Unidas, resta claro que a escolha feita sobretudo pelos países mais desenvolvidos é de utilizar este espaço especializado, pois as decisões da OMPI não refletem os anseios contemplados pelos negociadores.

Portanto, conclui-se que a OMC é local mais adequado para se discutir e implementar questões relativas à propriedade intelectual e comércio, pois somente ligando estas áreas haverá uma efectividadeefetividade dos textos e de eventuais decisões de disputas. A propriedade industrial representa, através de patentes, um significativo montante no comércio internacional e sendo assim não há fórum mais adequado para regulá-lo. Por sua vez, o direito do autor encontra aqui efectivaefetiva proteção diante da possível retaliação por parte dos membros ofendidos através de sanções comerciais.

1.1.1 TRIPs e sua tentativa de evolução para TRIPs plus

O TRIPs trás um conjunto de princípio onde todos os membros da OMC estão vinculados. Estas regras gerais obrigam os membros a agirem no sentido de dar cumprimento ao ordenamento que estabelece. Encontra-se logo no artigo primeiro o comando para que os membros dêemdeem cumprimento às obrigações ali dispostas. Da mesma forma, instrui para que não se afastem das especificidades nacionais, o que em última análise demonstra que há uma grande margem de discricionaridadediscricionariedade e flexibilidade para a actuaçãoatuação no caso prático.

Nota-se, ainda no início, a ausência de descrição de prioridades da forma como deverão ser tratados os casos nas situações em que se confrontam seus preceitos e a lei local na comparação do ilícito de propriedade intelectual com outro de igual gravidade. Da mesma forma, não traz solução de quais meios ou formas podem ser adotados na execução do acordo nestas situações.

Desta forma, em síntese, não há obrigação do signatário em aplicar sanções que são trazidos no texto, mas conduz para manter meios harmonizados de aplicação sempre que possível. Por exemplo, podemos encontrar na incidência do art. 61, que estabelece a obrigação penal em relação a mercadorias contrafeitas no tocante a idiomas, in casu, direitos conexos.

Na sequência do acordo encontram-se os aspectos fundamentais reguladores da matéria de direito industrial, do direito do autor e seus direitos conexos, incluída a parte terceira que trata das discordância das negociações de Punta Del Leste em relação à contrafação. Concluindo, como se percebe, não bastam leis que intensifiquem os diversos direitos que já estão consagrados, mas deve-se procurar a efetividade do que já se tem, e é isto que o ato terceiro[20] do TRIPs propõe, sendo o ACTA o desenvolvimento desta parte.

A tentativa de negociar um novo acordo, o TRIPs-plus, passa por questão nos quais se depararam os países em desenvolvimento: quais seriam as influências efetivas que teriam em negociações deste novo acordo? Esta questão pode ser respondida no sentido que haverá uma promessa de receber compensações em outras matérias, condições mais favoráveis nos processo contra os países mais desenvolvidos, como melhores taxas de impostos, condições e quotas melhores de exportação dentre outros. Antes do acordo, em função de condições locais, algumas indústrias de certos países seriam simplesmente extintas, e aderindo ao pacto, cedendo a estas exigências, há a possibilidade de solucionar questões no mesmo nível dentro da OMC.

De outra feita, há de se assegurar o cumprimento das obrigações assumidas dentro dos mecanismos de solução de litígios por suas decisões o que até então não se verificava por parte dos países em desenvolvimento. Esta atitude provocou certo descontentamento entre os países desenvolvidos que, a seu turno, dão cumprimento as obrigações assumidas.

Decorrido certo tempo verificou-se insatisfação de ambos os lados e, na virada do século, poucos anos depois da elaboração do TRIPs, verificaram-se duas consequências: a) da parte dos países desenvolvidos uma frustração, pois as facilidades no acesso aos recursos que supostamente iriam ter não aconteceu. A industria dos países desenvolvidos encontraram então outras formas para obter o produto importado dos países em desenvolvimento, ultrapassando as barreiras impostas pela OMC e impuseram bloqueios alfandegários da disciplina TRIPs que também são encontradas no GATT; b) de outro lado, os países em desenvolvimento foram obrigados a implementar os conjuntos de obrigações alterando substancialmente suas leis e quando não fizeram espontaneamente tiveram de o fazer por pressões oriundas de sanções das decisões do mecanismo de solução de litígios, como no caso da Índia.

Os países desenvolvidos se sentem frustrados, pois mesmos transpostos os princípios do TRIPs para os ordenamentos jurídicos dos países em desenvolvimento signatários estes não deram efetividade no sentido de proteger os direitos de propriedade intelectual e portanto há uma percepção de uma lacuna quando se trata da proteção efetiva.

Da mesma forma a falta de efetividade das decisões tomadas pelos mecanismos de solução de conflito irritaram os países desenvolvidos porque depois de despendidos recursos  para busca de uma decisão esta, quando encontrada, não é efectivada.

Então, com os dois lados insatisfeitos, há prosseguimento das negociações para afinar os termos do tratado ou então para a evolução para um novo tratado, digamos mais efetivo, mas a constatação dos negociadores diante da experiência é de que não há um equilíbrio e portanto não houve sucesso nas negociações.

Para completar o cenário verifica-se que os procedimentos adoptados para a revisão do tratado TRIPs são demasiado rígidos o que certamente é um obstáculo à sua revisão. Um dos exemplos foi a tentativa de emenda ao TRIPs, favorável aos países em desenvolvimento, que não recolheu os necessários dois terços de ratificação necessários para sua entrada em vigor.

Depois que foi implementado e de contar com uma quantidade substancial de processos que versam sobre litígios e disputa no campo da propriedade intelectual é natural notar um movimento de crescimento, desenvolvimento, amadurecimento do TRIPs no sentido de uma nova edição ou TRIPs-plus. Mas justamente pelo o amadurecimento nas negociações dos membros o fato se torna uma empresa que não encontra bom porto.

Apesar da dificuldade política para cumprir os requisitos de alteração, por outro lado, os lobistas de grandes indústrias têm se mobilizado desde 1994 em campanhas para reforçar as formas de proteção intelectual existentes e criar outras novas. Dentre elas: a de criação de lei anti evasão para proteger os sistemas de "Digital Rigths Management"[21], no tratado da OMPI; de restrição ainda maior no sistema de licenças compulsórias de patentes o que culminou em acordos bilaterais de comércio com os EUA; em 2001 a diretiva da UE que trata de direitos autorais, que transpõe o tratado da OMPI[22]; o uso do art. 27.º - da não discriminação - que é utilizada para justificar uma extensão do sistema de patentes e; a campanha para a criação de um tratado de Radiodifusão da OMPI que daria a emissora e possivelmente também aos "webcasters" direitos exclusivos sobre a cópia das obras que fossem distribuídas.

Conclui-se que mesmo não tendo evoluído para um novo acordo TRIPs, ou TRIPs-plus, há de se verificar evolução em virtude do desenvolvimento fundamentado pelos casos submetidos ao mecanismo de resolução de conflitos, bem como o crescente interesse dos países industrializados em se envolverem nos debates e o equilíbrio comercial gerado desde a implementação do TRIPs. Estes aspectos também se relacionam com a mudança de indústria para países em desenvolvimento, o que gera questões ligadas principalmente à propriedade industrial e aos direitos associados a essas produções. Estes direitos podem, de certa forma, compensar a diminuição de empregos causados pelo deslocamento das plantas industrias.

Os países desenvolvidos querem ser detentores de patentes e por elas receber, o que é mais vantajoso do que produzir. De certa forma, encontrou-se um equilíbrio onde os países desenvolvidos se recuperaram da queda em virtude da evasão industrial na produção de patentes, e os países em desenvolvimento compensaram sua tímida produção de patentes com o aumento do parque fabril.

Em resumo para os países que são os maiores titulares de propriedade intelectual estas proteções são mais uma vantagem. E portanto resta inviabilizada a agenda TRIPs-plus, o que, mais uma vez, justifica um novo campo de negociações, o ACTA.

1.1.2 Negociações

Na ressaca do onze de setembro, é iniciada a rodada Doha, um novo ciclo de negócios que inicialmente visa diminuir barreiras comerciais por todo o mundo fundamentado no livre comércio para os países em desenvolvimento. As conversações focam-se na separação de dois grupos sendo o primeiro a concentração dos países desenvolvidos e o segundo os países em desenvolvimento representados pelo G20. O impasse restou sobre os subsídios agrícolas e as negociações subsequentes aconteceram em Cancún, Genebra, Paris, Hong Kong e Potsdam. Não foram concluídas as negociações e para efeitos práticos restam apenas a declaração de intenções.[23]

Das negociações ocorridas em Doha[24], em especial no sector dos medicamentos, houve uma flexibilização por parte dos países industrializados no sentido de permitir a compra de medicamentos genéricos fabricados em outros países, o que até então não acontecia por razões de saúde pública.

A questão que realmente importava residia no interesse das indústrias farmacêuticas dos países desenvolvidos, os quais detinham patentes dos medicamentos, de um lado, e as necessidades de saúde pública dos países em desenvolvimento, de outro lado, onde estes fármacos estavam a ser fabricados infringindo, tecnicamente, patentes que ainda estavam em vigor e portanto em desconformidade com a propriedade industrial.

Foi superada a questão   implementando-se licenças obrigatórias vez que já não seria possível manter a situação nos moldes em que se encontravam. Um caso paradigma foi o da África do Sul onde há uma grave epidemia de SIDA e também não há remédio ou dinheiro suficiente para combater esse problema de saúde pública. Nesse sentido, esse  país foi precursor no empenho de mudanças para que fosse reconhecida a necessidade das licenças obrigatórias e o acesso aos medicamentos em condições economicamente possíveis. Nesta altura o país africano não possuía uma indústria farmacêutica suficientemente desenvolvida e portanto havia a necessidade de estabelecer comércio como outros países em condição de fornecer, como o Brasil e a Índia.

Desta situação verificou-se resultado que excedeu a declaração de Doha, pois foi reconhecida a necessidade de flexibilizar a proteção da propriedade intelectual em relação às exigências que foram impostas, como a saúde pública, considerada portanto um bem maior que a propriedade industrial, no caso a patente médica.

O surgimento da ameaça do ANTRAX, logo depois do onze de setembro em um novo atentado em uma carta e também outras ocorrências de origem acidental fez com que os países desenvolvidos percebessem que é arriscado manter a produção de remédios concentrados em um número reduzido de indústrias farmacêuticas. Verificaram, os países industrializados, que a licença obrigatória não seria uma saída tão ruim e que poderá trazer resultados benéficos para todos.

Mesmo aceitando a licença obrigatória os países desenvolvidos não conseguiram avançar com a negociação no sentido de se aprovar um TRIPs-plus visto que para tanto deveriam ser superadas barreiras formais no que toca sua aprovação, dentre elas a que exige dois terços de ratificações e um dos membros que o aprove. Até a presente data somente um quarto dos membros ratificou, o que demonstra que não será possível sua discussão e subsequente aprovação dentro da OMC.

Dentre os opositores a um TRIPs-plus há grandes países como o Brasil, a Índia e somente mais tarde se apresenta a China na discussão, o que inviabiliza outras negociações envolvendo comércio e propriedade industrial,

Diversos países empurraram a culpa do fracasso das negociações para longe de si[25], como os Estados Unidos e alguns membros da União Europeia que culparam a Índia pelo fracasso.[26] A Índia por sua vez declarou que sua posição fora apoiada por mais de 100 países e estava a contrapor a posição americana que sacrificaria os países em desenvolvimento por vantagens comerciais.[27] Um dos membros fundadores do G20, o Brasil, rompeu com a posição sustentada pela Índia.[28] Por outro lado o comissário europeu do Comércio, Peter Mandelson sustenta que a China e a Índia não devem ser culpadas pelo fracasso das negociações.[29] O programa de cinco anos de subsídios agrícolas implementados pelos Estados Unidos, aprovado pelo Congresso americano, foi um dos factores preponderantes para o colapso das negociações, segundo o comissário europeu do Comércio que afirmou ser "um dos projetos agrícolas mais reacionários da história dos EUA".[30]

A possibilidade de ser legado para a OMPI, eventualmente, não se confirmará pois provavelmente encontrará os mesmos obstáculos, ou então caso os países desenvolvidos ainda tenham interesse em implementar uma agenda TRIPs-plus, deverão encontrar outra sede para discussões e posteriores acordos internacionais como o ACTA.

Sobre o autor
Paulo Vestim Grande

Advogado, Especialista em Propriedade Intelectual e Bioética, Mestre em Direito na Sociedade da Informação e Doutorando pela Universidade Clássica de Lisboa ; Membro da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP; Membro da Associação Portuguesa de Direito Intelectual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRANDE, Paulo Vestim. Tratado ACTA:: novo padrão da propriedade intelectual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3696, 14 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24242. Acesso em: 22 nov. 2024.

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