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A prova para a concessão da justiça gratuita

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Agenda 15/05/2013 às 16:22

2. JUSTIÇA GRATUITA

2.1. Conceito, distinções e amplitude

A justiça gratuita, no contexto desta monografia, insere-se no conceito da gratuidade processual, ou seja, grosso modo, da isenção pela parte do pagamento prévio e, de forma definitiva, após o interregno de cinco anos do deslinde da ação judicial (se nesse meio tempo não sobrevier condições de pagar[42]), das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios devidos em razão da sucumbência.

A gratuidade processual tem suas principais previsões legais na Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950.

O Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, em seu artigo 19, caput, ao prescrever sobre a obrigatoriedade ao pagamento de custas nos processos em geral, ressalvou a existência do instituto da justiça gratuita:

Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.[43]

Sobre esse artigo, Antônio Cláudio da Costa Machado, escreve:

Os beneficiários da assistência judiciária gratuita (Lei n. 1.060/50) estão isentos do pagamento de taxas, emolumentos, custas, despesas de publicação, indenizações, honorários de advogado e perito, despesas com a realização de exame de código genético – DNA e depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório (art. 3º). Eis a ressalva estabelecida na parte inicial do texto focalizado. A regra é a imposição do ônus da antecipação do pagamento das despesas do ato à parte que requer a sua prática ou que tem de praticá-lo por imposição legal ou judicial (v. arts. 24, 33, 208, 212 e 419).[44]

Nelson Nery Júnior define a gratuidade processual como o benefício que “(...) libera a parte que dele dispõe de prover as despesas dos atos que realizam e requerem no processo (CPC 19), bem como de responder pelas custas e honorários advocatícios.”[45]

No conceito do jurista Hélio Márcio Campo:

A assistência judiciária pode ser definida como o benefício concedido ao litigante que não dispõe de recursos financeiros suficientes para fazer frente às custas judiciais, isentando o Estado, total ou parcialmente, seja em forma definitiva ou provisória, o hipossuficiente do recolhimento antecipado das taxas e demais despesas processuais. (...) ficando ainda suspensa a exigibilidade do ônus da sucumbência, quando tenha perdido a demanda o favorecido, até que cesse o seu estado de necessitado e enquanto a prescrição não se operar (arts. 11, § 2º, 12 e 23 da Lei da Assistência Judiciária Gratuita).[46]

Já Lívio Goellner Goron, enfatizando a característica de meio de acesso à Justiça, lembra que:

A gratuidade de Justiça remete à noção de um mínimo existencial. Trata-se da compreensão de que o indivíduo não pode ser privado de condições adequadas de existência para ombrear como o custeio de um processo; e de que tampouco pode ele – o litigante – encontrar nessa exigência uma indevida barreira levantada contra seu direito de acesso à Justiça.[47]

Outrossim, delimitado o conceito de justiça gratuita, importante diferenciá-lo[48] de assistência judiciária (ou assistência jurídica integral e gratuita) e de assistência jurídica.

A assistência jurídica é o mais amplo dos institutos, pois engloba, além dos dois primeiros “a prestação de serviços jurídicos extrajudiciais (como, por exemplo, a distribuição, por órgão do Estado, de cartilha contendo os direitos básicos do consumidor) – trata-se, como se vê, de direito bem abrangente”.[49]

Já a assistência judiciária ou assistência jurídica integral diz respeito ao serviço custeado pelo governo, nas esferas federal, estadual e municipal, de suporte jurídico àqueles que gozem da gratuidade processual.

Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira doutrinam que “assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público (ex.: defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou não com o Poder Público, como, por exemplo, os núcleos de prática jurídica das faculdades de direito)”.[50]

Assim, como a justiça gratuita significa a mera isenção das custas processuais, é possível que a parte possua advogado particular (que terá direito ao recebimento dos honorários de sucumbência ou, até mesmo, contratuais) e sejam concedidos os benefícios da Lei de assistência judiciária (Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950).

Isso ocorre, porque a referida Lei legisla tanto os interesses daquele necessitado que procura o judiciário representado por um advogado particular, quanto daquele que se socorre do Poder Público para que seja patrocinado por advogado público, seja por meio de convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seja pela própria Defensoria Pública (da União ou dos Estados).  

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 205.029-6-SP, em trecho se seu inteiro teor, delimitou a diferença entre a mera postulação da gratuidade processual e o patrocínio da demanda pelos serviços públicos de advogado gratuito:

(...) A Constituição Federal, art. 5º, LXXIV, garante, mediante, a prova de insuficiência de recursos, “assistência jurídica integral”, o que não quer dizer que a “assistência jurídica aos necessitados”, com norma infraconstitucional, haja sido revogada pela referida norma constitucional. Esta, a assistência jurídica aos necessitados, assegurada por norma infraconstitucional, é parte da “assistência jurídica integral”, que a Constituição assegura. Para obter aquela, basta a declaração, feita pelo próprio interessado, de que é pobre. A obtenção do benefício maior – “assistência jurídica integral” – é que demanda a prova da insuficiência de recursos. (...)[51]

Robson Flores Pinto afirma que:

(...) verifica-se que a Constituição de 1988 trouxe importante inovação acerca do tema em foco, ao substituir a “assistência judiciária” pela “assistência jurídica”, reforçada pelo acréscimo do “integral e gratuita”, de modo a significar uma superlativa ampliação do universo que pretende abarcar.[52]

Dessa forma, já adentrando no cerne da presente monografia, ou seja, a questão probatória do requerimento do benefício da gratuidade, é importante reafirmar a diferença entre os institutos da justiça gratuita (Lei nº 1.060/50) e da assistência jurídica integral e gratuita (que, aliás, engloba também a assistência jurídica, como mencionado), em razão da fundamental diferença probatória entre eles: a concessão do primeiro depende de mera declaração do postulante, enquanto que para o segundo, seguem-se as normas próprias advindas com a Carta Magna (prova de insuficiência de recursos) e dos órgãos do Estado designados para a efetivação desse direito fundamental.

Mais uma vez, Hélio Márcio Campo expõe que:

Para alcançar o beneplácito da assistência jurídica e, por conseqüência, a judiciária, há a necessidade, primeiramente, de o postulante fazer prova da insuficiência de recursos junto ao órgão administrativo incumbido de prestá-las, que é, no caso, a Defensoria Pública, tal como dessume do art. 134 da Constituição Federal. Obtida a assistência jurídica pelo interessado, mediante a comprovação da insuficiência de meios econômicos, se for o caso de propositura de uma ação ou apresentação de uma defesa, deverá ele postular, também, só que agora em juízo, assistência judiciária, cuja prova é despicienda, visto que já realizada junto à equipe da Defensoria Pública, de sorte que basta neste momento a simples afirmação, na própria petição inicial ou por ocasião de seu ingresso em juízo, de que não está em condições de suportar os custos do litígio.[53]

Repita-se, porém, que, como o próprio autor afirma a diante na mesma obra[54], o postulante pode estar representado por causídico particular e mesmo assim pleitear o direito à gratuidade. Esse advogado pode optar por exercer seus serviços profissionais pro bono, receber apenas em caso de êxito na demanda ou ainda parcelar seus honorários. Não há a obrigatoriedade de buscar o benefício por meio da assistência jurídica prestada pelo Estado.

Contudo, note-se que, segundo o entendimento que segue, a contratação de advogado particular, por si só, pode ser dado (de modo equivocado, com o devido respeito, pois, como citado, o advogado pode estar trabalhando de graça) como elemento de indeferimento da concessão da justiça gratuita:

(...) Vistos. 1. Indefiro, por ora, a gratuidade da justiça. Os embargantes não apresentaram a declaração do imposto de renda do ultimo exercício fiscal, além do que a contratação de advogado particular sugere que não fazem jus ao beneficio que pleiteia. 2. De outra parte, vale consignar que a lei 1060/50 foi recepcionada pela Constituição Federal. Em verdade, esta, por razões óbvias, ao ser editada recriou todo o ordenamento jurídico nacional, dando-lhe novo fundamento de validade. As normas editadas anteriormente ao ano de 1988, portanto, devem ser interpretadas conforme seus ditames. O art. 5º, LXXIV, afirma que o "Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos". Afirmou, então que a concessão da gratuidade depende da comprovação acerca da insuficiência de capacidade econômica. Não basta, então, interpretando a legislação infraconstitucional ao lume da Constituição, afirmar-se necessitado, indispensável a comprovação da necessidade real e concreta. 3. Apresente em 5 (cinco) dias, a Declaração de Imposto de Renda do ultimo exercício fiscal.[55]

Marcacini:

(...) a parte, embora tenha o direito à assistência judiciária, pode optar por ser defendida por advogado que aceite o encargo, gratuitamente, ou mesmo que seja contratado, pagando seus honorários a final, com o que receber mediante o processo, sem que isto implique a perda do direito à gratuidade processual, que poderá ser pedida e deverá ser-lhe concedida pelo juiz.[56]

Já quanto à amplitude do instituto, a melhor interpretação[57] parece ser a de Augusto Tavares Rosa Marcacini[58], Hélio Márcio Campo[59], Robson Flores Pinto[60] e Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira[61], de que a gratuidade envolveria “toda e qualquer despesa necessária ao pleno exercício dos direitos e das faculdades processuais, sejam tais despesas judiciais ou não”[62], pois somente dessa forma seriam garantidos os princípios constitucionais da isonomia, do direito de ação e do contraditório e ampla defesa.[63]

Theotonio Negrão, sobre o rol de isenções que traz o artigo 3º, da Lei nº 1.060/50, cita decisão do Superior Tribunal de Justiça que se harmoniza com o entendimento citado: “O rol do art. 3º da Lei 1.060/50 é meramente exemplificativo, pois deve ser interpretado de acordo com o art. 9º da mesma Lei e com o art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF.”[64]

Porém, importa lembrar que essa isenção não pode ser demasiada ampla que atinja toda e qualquer despesa que possa nascer de uma lide. Refere-se aqui às chamadas multas processuais, como a prevista no artigo 17, do Código de Processo Civil (litigância de má-fé) e aquela do artigo 601, do mesmo diploma (ato atentatório à dignidade da Justiça). Pois, de modo contrário, o Judiciário seria palco de lides temerárias respaldadas pela gratuidade processual que, como se sabe, não tem essa função.

Fredie Didier comenta sobre o assunto, lembrando, também, das multas coercitivas que o Código Ritual prevê para o cumprimento de suas tutelas jurisdicionais, como por exemplo, a prevista no seu artigo 461, § 5º:

A gratuidade judiciária não abrange, nem poderia abranger, as multas processuais. Se assim não fosse, estar-se-ia admitindo um acesso irresponsável e inconseqüente à justiça, consubstanciado no fato de o beneficiário poder, impunemente, abusar do direito de demandar, sem que nenhuma sanção lhe pudesse ser aplicada (nos casos de multa com caráter punitivo) ou sem que fosse possível impor-lhe medidas coercitivas para efetivação da tutela jurisdicional (nos casos de multa com caráter coercitivo). Deve-se lembrar que o escopo da norma é beneficiar a pessoa carente de recursos, jamais municiá-lo com um escudo legal para defendê-la da própria torpeza.[65]

O mesmo autor igualmente ensina que a gratuidade processual também abrangerá o depósito necessário à propositura da ação rescisória (artigo 488, II, do Código de Processo Civil), da mesma forma que, em geral, os demais depósitos previstos no Código de Rito e em leis extravagantes[66].

Porém, lembrando o autor a diferenciação pertinente entre depósito processual inerente a assegurar o exercício da ampla defesa e do contraditório e depósito processual ligado à garantia processual da parte contrária, cita a hipótese do artigo 475, III, do citado diploma, e defende que:

Não se trata essa caução de uma despesa processual, mas de medida exclusivamente acautelatória. Dispensar o beneficiário de efetivá-la seria impor ao executado um sério risco de não mais poder ter de volta a parcela do seu patrimônio que lhe fora retirada em razão de execução fundada em título que, ao fim, não mais prevaleceu. Principalmente, considerando que o beneficiário é, por definição, uma pessoa carente de recursos financeiros.

Por fim, imperioso notar que o âmbito dessa monografia restringe-se à discussão da justiça gratuita. Não serão tratados, em profundidade, os temas da assistência jurídica e da assistência jurídica integral ou assistência judiciária.

2.2. Escorço histórico

A preocupação de prever normas sobre a isenção ao pagamento das despesas geradas pela movimentação do órgão que provê a Justiça em um Estado, segundo a doutrina, remonta ao Código de Hamurabi (2067-2025 a.C.).[67]

Esse ancestral compilado de regras, segundo Robson Flores Pinto, já garantia um tratamento diferenciado a certas pessoas carentes de recursos financeiros e, com isso, delimitava um valor máximo para ser cobrado pelos defensores e pelos demais serviços legais postos à disposição delas.[68]

Mais a diante no tempo, em Atenas e em Roma, eram indicados advogados pelo Estado a fim de atuarem em prol dos necessitados, sendo o segundo povo influenciado pelos preceitos de igualdade fomentados pelo Cristianismo.[69]

Ato contínuo, Gláucia Lopes ensina que:

Com a Declaração de Direitos do Estado de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão (1789), o benefício perde o caráter caridoso e passa a ser direito do cidadão e dever do Estado.[70]

Mauro Cappelletti, em tarefa de delimitar as ‘soluções práticas para os problemas de acesso à Justiça’ e sua ordem de aparição, indica que a partir do interesse dos países ocidentais pelo acesso efetivo à Justiça (por volta de 1965)[71]: “Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira “onda” desse movimento novo – foi a assistência judiciária; (...)”[72]

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Sem dúvida, nasce dessa característica precursora a noção de importância que se deve depositar no sistema de concessão justa da justiça gratuita, ou seja, na identificação precisa de seus pretensos beneficiários e na modulação das formas probatórias da final outorga do benefício.

Por fim, sobre o benefício no Brasil, Lopes assevera que “(...) tradicionalmente, sempre garantiu a assistência judiciária. A partir da Constituição Federal de 1934, tratou expressamente do tema.”[73]

Hélio Márcio Campo, em detalhada lembrança histórica, assevera que:

No Brasil, já ao tempo das Ordenações Filipinas (iniciadas por Felipe I, de 1527 a 1598, como o nome de Felipe II, reinando também na Espanha, e, depois, com Felipe II, em Portugal, de 1578 a 1621) previa-se o benefício da assistência judiciária gratuita no Livro III, Título 84, § 10: “em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez Pater Noster pela del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que devia de pagar o agravo”.[74]

Nos dias atuais, como já se viu, a assistência judiciária é prevista na Carta Magna de 1988 (artigo 5º, inciso LXXIV) e, infraconstitucionalmente, como, aliás, objeto principal da presente monografia, na Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950.

Ao contínuo, cabe agora, mesmo que brevemente, apresentar o atual entendimento de quem poderiam ser os beneficiários da gratuidade processual.

2.3. Beneficiários

O conceito de beneficiário pode ser encontrado em dois principais diplomas: na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, e na lei específica sobre o tema da justiça gratuita, a Lei da assistência judiciária gratuita, Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950.

A Constituição Federal, pelo artigo citado, dispõe que: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.[75]

Desse preceito constitucional, nesse momento, importa analisar a questão da insuficiência de recursos.

De maneira mais óbvia e próxima, poder-se-ia pensar que esse conceito apenas abrangeria a questão da insuficiência de recursos materiais, econômicos. Mas, é possível pensar também sobre, como mencionado como um dos obstáculos de acesso à Justiça, acima, uma interpretação mais social, ou seja, de que a insuficiência seja, ao mesmo tempo, de recursos culturais, educacionais e organizaconais.[76]

Ada Pellegrini Grinover ensina que:

Quando se fala em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos minus habentes. É este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único. (...) necessitados não são apenas os economicamente pobres, mas todos aqueles que necessitam de tutela jurídica: o réu revel no processo-crime, o pequeno litigante nos novos conflitos que surgem numa sociedade de massa, e outros mais que podem emergir em nossas rápidas transformações sociais.[77]

Daí a importância, como visto, de não apenas garantir a isenção de custas e despesas processuais, mas a do Estado assegurar também os meios necessários para que os necessitados (aqueles hipossuficientes economicamente, culturalmente e organizacionalmente) tenham um acesso à Justiça de qualidade, com auxílio de advogados públicos (Defensoria Pública, fundamentalmente) que os auxilie no ajuizamento de uma ação ou de qualquer outra solução jurídica ou não, como por exemplo, a mediação de conflitos ou a conciliação e demais alternativas, como visto, para a garantia de um satisfatório acesso à Justiça (ações coletivas, juizados especiais, Código de Defesa do Consumidor, etc.).

Isto é, o conceito de necessitado trazido pela Constituição Federal não traz apenas a situação de pobreza econômica, mas a de hipossuficiência cultural e, no mesmo dispositivo mencionado, como já estudado, assegura que esses necessitados terão acesso à assistência necessária para atingir o acesso à Justiça.

Já, na esfera infraconstitucional, de maneira literal, com base no artigo 2º, da Lei da justiça gratuita, o beneficiário da gratuidade processual será aquele, nacional ou estrangeiro residente no país, que necessitar se socorrer do Poder Judiciário, no nível estadual ou federal, nas esferas penal, civil, trabalhista, administrativa, eleitoral, militar e nos juizados especiais, em grau recursal, uma vez que não são exigidas custas em primeiro grau[78].

O verbo ‘necessitar’, nesse caso, tem conotação jurídico-legal de um estado econômico-social de necessidade financeira, uma vez que o parágrafo único do citado artigo completa-o trazendo o conceito de necessitado: “... todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”[79]

Cabe notar que, embora o mencionado artigo não seja expresso sobre a possibilidade da concessão do benefício para as pessoas jurídicas, grande parte da jurisprudência e da doutrina[80] converge para essa possibilidade. Vale citar os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ART. 4º DA LEI 1.060/50. PESSOA JURÍDICA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. COMPROVAÇÃO. INDEPENDENTE. FINALIDADE LUCRATIVA. SÚMULA 7/STJ.

1. Firmou-se a jurisprudência da Corte Especial do STJ no sentido de que a pessoa jurídica, seja qual for sua finalidade, deve demonstrar o preenchimento dos requisitos para se beneficiar da assistência judiciária gratuita.

2. Alterar a afirmação do tribunal de origem de ausência de comprovação de pobreza demanda revisão de fatos e provas.

3. Concreção do enunciado da Súmula n. 07/STJ.

4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.[81]

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. INDEFERIMENTO PELO COLENDO TRIBUNAL DE ORIGEM COM BASE NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES.

1. Conforme decidido no julgamento do REsp 1.064.269/RS (sessão da Quarta Turma de 19 de agosto de 2010, desta Relatoria), a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que "é plenamente cabível a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita às pessoas jurídicas, em observância ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (CF/88, art. 5º, XXXV), desde que comprovem insuficiência de recursos (CF/88, art. 5º, LXXIV). É que a elas não se estende a presunção juris tantum prevista no art. 4º da Lei 1.060/1950".

2. Recentemente, a c. Corte Especial, dirimindo divergência no âmbito deste Tribunal Superior, concluiu que o benefício da assistência judiciária gratuita somente pode ser concedido à pessoa jurídica, independentemente de ser ou não de fins lucrativos, se esta comprovar que não tem condições de arcar com as despesas do processo sem o comprometimento da manutenção de suas atividades.

3. Na hipótese, o Tribunal de origem, ao ratificar o indeferimento do pedido de assistência judiciária gratuita, asseverou que o ora recorrente não logrou demonstrar a impossibilidade de arcar com as despesas do processo.

4. Rever as conclusões do acórdão demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.[82]

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal:

Ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais, não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos, devendo comprovar, isto sim, o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo.” (Rcl 1.905-ED-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 15-8-2002, Plenário, DJ de 20-9-2002.) No mesmo sentido: AI 810.593-AgR-segundo, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-9-2011, Segunda Turma, DJE de 4-10-2011; AI 726.444-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8-9-2009, Segunda Turma, DJE de 16-10-2009; AI 646.251-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 7-8-2009; AI 716.294-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 31-3-2009, Segunda Turma, DJE de 30-4-2009.[83]

Assim, percebe-se que as pessoas jurídicas também podem ser beneficiadas pelo instituto da justiça gratuita.

Nesse sentido, vale citar o seguinte entendimento doutrinário:

As pessoas jurídicas de direito privado são entes coletivos constituídos voluntariamente por pessoas físicas, com o objetivo de obter determinados resultados na ordem econômica, cultural, esportiva, religiosa etc. e, como tais, são projeções dos próprios sujeitos que as compõem. Os sucessos ou fracassos ocorrentes na vida desses entes coletivos repercutem econômica, social ou moralmente na vida dos sócios ou associados. Por isso, fechar as portas da Justiça a elas significaria, em ultima ratio, fechá-las a seus próprios integrantes.[84]

Voltando a tratar sobre a concessão do benefício às pessoas físicas, o necessitado pode também ser nominado como hipossuficiente.

A hipossuficiência é a realidade de muitos brasileiros[85] que não possuem recursos financeiros suficientes para arcar com as custas e as despesas processuais e honorários de advogado sem que o montante despendido comprometa sua própria subsistência ou de sua família (conferir artigo 2º, parágrafo único, da Lei da assistência judiciária).

Marinoni assevera que grande parte dos brasileiros tem os encargos financeiros de um processo como uma espécie de barreira ao acesso ao judiciário, pois esses custos (contratação de advogado, despesas com a produção de provas e as custas do processo) não poderão, sem que admitam complicado sacrifício de suas economias, ser tirados de seu orçamento familiar.[86]

Ressalte-se que, embora o dispositivo (artigo 2º, da Lei da assistência judiciária gratuita) comporte diversas interpretações, deve-se crer que ele não traz o conceito do miserável, aquele que mal tem recursos para sobreviver, mas da pessoa que, caso precise arcar com as despesas de uma lide, sofrerá prejuízos no seu sustento ou no de sua família.

Nesse sentido, em feliz decisão, o Meritíssimo Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Santana da Comarca de São Paulo (SP), em incidente de impugnação à concessão dos benefícios da justiça gratuita autuado sob o nº 0833427-45.2006.8.26.0001, considerou que:

(...) o ordenamento jurídico não exige estado de miserabilidade ou de indigência, para que alguém receba os benefícios, nem mesmo que aliene imóvel próprio, em que resida, ou outros bens, para dispor de recursos (liquidez) e, assim, suportar as despesas, os gastos de um processo. (...)[87]

Na doutrina, Didier defende que uma pessoa que possua dois ou três imóveis, mas que não detenha patrimônio “disponível” para custear o processo judicial, não pode ser privada do direito à justiça gratuita, pois para delimitar a necessidade que a lei estatui não é necessário que o beneficiário esteja em “estado de penúria”, mas, tomando-se o caso concreto, deve-se considerar a medida que o custo do processo acarretará em seu orçamento e não “sua situação financeira em abstrato”.[88]

Da mesma forma, adverte Cândido Rangel Dinamarco que:

A incapacidade de custear a defesa judicial de direitos e interesses não é pura incapacidade econômica, como os dizeres da lei poderiam fazer pensar ao aludir à situação econômica do interessado (LAJ, art. 1º, par.). Aquele que tem bens, mas não dispõe de liquidez, é também merecedor dos benefícios da assistência judiciária; a Constituição Federal apoia esse entendimento, ao falar em insuficiência de recursos (art. 5º, inc. LXXIV), sendo sabido que recursos significa dinheiro. Mas não tem direito à gratuidade aquele que dispõe de recursos financeiros (rendimentos, poupança) ainda quando seu patrimônio ativo seja muito inferior ao valor das obrigações pelas quais responde (insolvência, desequilíbrio econômico) – do contrário, toda falência seria gratuita para o empresário sujeito a ela, pois o desequilíbrio econômico é requisito para que progrida. Melhor é falar em insuficiência financeira, no trato desse requisito da assistência judiciária.[89]

Nesse sentido, o exemplo de Hélio Márcio Campo é emblemático: “Imagine-se o proprietário de um edifício com três andares que não dispõe de recursos financeiros para custear uma ação de reparação de danos contra a seguradora que se nega a indenizar o prédio incendiado.”[90]

E continua:

Por sinal, se vai fazer uma incursão a respeito, até mesmo a existência de aplicações financeiras pode não ser, num dado momento, óbice ao benefício. Basta lembrar a tão discutida Medida Provisória do ex-Presidente Fernando Collor de Mello que, à guisa de empréstimo compulsório, confiscou os valores que se encontravam aplicados em cadernetas de poupança e outros investimentos em instituições bancárias. Ter-se-ia como se negar, nesta hipótese, a concessão do benefício da ajuda legal àquele que teve o seu dinheiro confiscado para recorrer ao judiciário? Certamente que não.[91]

Nos dias atuais, com a promulgação da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, seu artigo 185-A[92], operacionalizou o bloqueio judicial célere e eficaz, por meio eletrônico, de ativos financeiros (investimentos, depósitos em conta-corrente, etc.) mantidos em instituições financeiras, o famigerado (pelos devedores) Bacen-jud.

Dessa forma, é de se questionar se uma pessoa que, possuidora de vultosos investimentos financeiros e dinheiro vivo em conta-corrente, teve todos os seus ativos (sua liquidez) bloqueados judicialmente, não faria jus ao benefício da justiça gratuita.

Sobre essa discussão, a liquidez do requerente à justiça gratuita, o Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 7/STJ.

1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

2. Hipótese em que Tribunal de origem, ao analisar o contexto fático dos autos, concluiu que a remuneração líquida mensal da requerente autorizaria a concessão do benefício. A revisão desse julgado, na forma pretendida pela recorrente, implica reexame de fatos e provas contidos nos autos, inviável em  Recurso Especial, de acordo com a Súmula 7/STJ.

3. "A mera isenção no pagamento de Imposto de Renda não pode ser sobrelevada como prova única, passível de gerar presunção absoluta de hipossuficiência econômica das partes, devendo o magistrado motivar o indeferimento da 'justiça gratuita' à vista de elementos concretos dos autos, que revelem tanto a condição financeira satisfatória dos postulantes, como o impacto razoável das despesas do processo sobre a receita da parte"(REsp 1158335/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 22/2/2011, DJe 10/3/2011).

4. Agravo Regimental não provido.[93]

Mas, é na forma como a lei exige a comprovação desse estado de necessidade que reside o maior problema prático adstrito à normatização da gratuidade processual, como se verá a seguir.

2.4. Critério / Comprovação para sua concessão e outros aspectos procedimentais

Tanto na Constituição Federal do Brasil, quanto na Lei da assistência judiciária, há a previsão expressa dos requisitos a serem observados para a obtenção do benefício da justiça gratuita e, mais amplamente, na Carta Maior, da assistência jurídica integral e gratuita, como já se viu.

A Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, em seus artigos 2º e 4º, assim prescreve:

Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.[94]

Dessa forma, a legislação admite, para a concessão do benefício, que o postulante apenas declare a necessidade à gratuidade (essa declaração é comumente chamada na prática forense de “atestado de pobreza”), seja em petição/documento próprio, seja no próprio corpo da peça/petição[95], em momento inicial ou ulterior[96] ou, ainda, no momento da interposição de um recurso[97].

O pleito do benefício não suspenderá o processo[98], seja ele inicial ou ulterior, e seu indeferimento comportará agravo de instrumento[99].

Essa interpretação de que o pleito ao direito da justiça gratuita só depende da mera declaração do pretendente à beneficiário é reconhecida pela jurisprudência pátria.

Goron, lembrando que a Constituição Federal não prescreveu de forma diversa, mantendo como suficiente a mera declaração de pobreza, assevera:

Ao interpretar a cláusula de gratuidade o STJ vem prestigiando a presunção da necessidade decorrente da simples afirmação da parte, numa confirmação da compatibilidade da Lei 1.060/1950 com o texto constitucional.[100]

Como exemplo, o julgado a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO PELO JUIZ. POSSIBILIDADE. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. SÚMULA 7/STJ.

1. Afasta-se a ofensa ao art. 535, I e II, do CPC quando o decisório está claro e suficientemente fundamentado, decidindo integralmente a controvérsia, não se confundindo decisão desfavorável com omissão.

2. Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita, o STJ perfilha entendimento no sentido de que basta a simples declaração do autor afirmando a sua hipossuficiência para que seja deferido o benefício, ressalvado, entretanto, ao juiz rejeitar fundamentadamente o pleito, na forma do art. 5º da Lei n. 1.060/50.

3. É defeso aferir, neste momento, as condições de hipossuficiência dos postulantes, tendo em vista a necessidade de revisão do contexto fático-probatório dos autos, providência expressamente vedada pela Súmula 7/STJ.

4. Agravo regimental não provido.[101]

Note-se, assim, que o meio de prova admitido é a presunção relativa dada à afirmação do postulante de que “não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.

A presunção é relativa, como se detalhará a diante, pois admite prova em contrário.

Ato contínuo, importante não confundir os ditames sobre a gratuidade processual tratados na Lei citada e na Constituição Federativa do Brasil.

Nesse sentido, traçando um paralelo ao regramento da Constituição Federal, Hélio Márcio Campo ensina que:

Ao passo que para a Constituição Federal o pressuposto para a obtenção do benefício funda-se na insuficiência de recursos, para a Lei n. 1.060/50 o requisito é o prejuízo do sustento próprio ou da família, caso tivesse o necessitado de recolher as custas judiciais, tendo em vista a sua situação econômica. São, portanto, acepções que não se excluem, mas se complementam.[102]

Percebe-se, portanto, que a Lei não exige qualquer prova da condição de necessitado, seja por insuficiência de recursos, seja pela impossibilidade de arcar com as custas e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

A mera declaração de pobreza é elemento muito frágil para a concessão de tão importante direito processual. De modo que, embora a presunção seja uma espécie de prova, como se verá a diante, deve-se, no mínimo, ser acompanhada de um início de outra espécie de prova, como por exemplo, a documental ou a prestação de outras informações sobre a capacidade financeira do postulante. Essa e outras sugestões serão abordadas oportunamente em capítulo próprio.

Outrossim, como parâmetro desse capítulo e, de forma geral, de toda a tese defendida nesta monografia, cabe transcrever trecho de decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera da Comarca da Capital (SP), em que é demonstrada a atual situação, de acordo com a experiência profissional da magistrada, da análise da concessão do benefício da justiça gratuita:

(...) A concessão dos benefícios da Justiça Gratuita a qualquer parte, em processo judicial, não é sinônimo de que esse serviço judicial não terá custo. O serviço judicial sempre tem custo e, na hipótese de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, esse custo será suportado: a) por todos os contribuintes de impostos estaduais do Estado de São Paulo, pois o orçamento da Justiça Comum Estadual decorre de repasse de valores, formados por impostos, do Governo do Estado de São Paulo; b) por todos os demandantes que pagam a taxa judiciária, nas ações em trâmite da Justiça Comum Estadual, pois 30% desse tributo é repassado ao Poder Judiciário do Estado de São Paulo, para integrar o “Fundo Especial de Despesa”. Ora, a taxa judiciária é um tributo. Assim sendo, a isenção de seu pagamento deve observar, estritamente, o estabelecido na Constituição Federal e, como conseqüência, o juízo não deve ser um mero expectador do deferimento, ou não, do benefício da Justiça Gratuita. Portanto, o disposto no art. 4º, “caput”, da Lei n. 1.060/50 deve ser interpretado à luz do art. 5º, LXXIV, da CF, pois o benefício há de ser concedido às pessoas comprovadamente pobres. Todavia, está sendo requerido, em muitos casos, como verificado em primeiro grau, somente com o simples objetivo de se isentar o postulante do benefício do pagamento da taxa judiciária, das despesas processuais (para citação, realização de perícia etc.) e dos honorários advocatícios. Em outras palavras, muitos[103] têm buscado a concessão da gratuidade, não como uma forma de acesso à Justiça, mas para lograr uma “demanda sem risco”. Ora, nessa situação, o pedido de concessão do benefício caracterizaria violação ao disposto nos incisos I a IV do art. 14 do CPC, e seu deferimento representaria verdadeiro incentivo a “aventuras jurídicas”. Dessa forma, considerando, de um lado, já ultrapassada a postura paternalista do Poder Judiciário e diante da necessidade de se resgatar a responsabilidade dos demandantes, na utilização do serviço público judicial, e, de outro, a fim de que a pretensão não se caracterize um abuso do direito ou o desvirtuamento da Lei n. 1.060/50, bem como atento(a) ao fato de que o legislador não especificou a “forma como deveria ser dar” a declaração (A.I. n. 551.301-4/2-00, 7ª Câmara de Direito Privado do Eg. Tribunal de Justiça, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, j. em 30 de janeiro de 2008), o(a)(s) autor(a)(s) deve(m) subscrever declaração, sob as penas do crime de declaração ideologicamente falsa, com as seguintes informações: a) a(s) atividade(s) econômica(s) que exerce(m), o rendimento mensal e os bens que possui(em) em seu nome. Se trabalha(m), profissão, local de trabalho e qual a remuneração, com comprovante de rendimento, inclusive com a juntada da CTPS e declaração de rendimentos ou de isento(s) perante a Receita Federal; b) quantas pessoas residem no imóvel e quantas trabalham; c) se é(são) possuidor(es) de mais de 01 (um) imóvel. Em caso afirmativo, se recebe(m) rendimentos do segundo bem; d) se é(são) possuidor(es) de automóvel. Em caso afirmativo, qual a marca e o ano. Deve(m) informar também se possui(em) mais de 01 (um) veículo; e) se está(ão) isento(a)(s) de honorários advocatícios, aos quais se deve estender o benefício requerido (art. 3º, inc. V, da Lei 1.060/50). Caso desista(m) do requerimento dos benefícios da justiça gratuita, deverá(ão) providenciar o recolhimento da taxa judiciária, das despesas com citação (G.R.D., se por oficial; ou da guia de recolhimento das despesas com carta, se pelo correio), sob pena de indeferimento da exordial, sem prejuízo do recolhimento da guia previdenciária OAB.[104]

A decisão, com a devida vênia, por um lado equivocada (considerou que a Constituição Federal exige comprovação para a concessão do benefício da justiça gratuita, o que é uma premissa errônea, como já se viu), erige uma discussão de suma importância: se a atual configuração da Lei do benefício da gratuidade é adequada, especialmente no que concerne à maneira em que se é exigida a prova do preenchimento do seu único requisito (“... todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”), qual seja, a mera declaração de necessidade financeira, e na distribuição do ônus probatório (impugnação à justiça gratuita).

2.5. Presunção relativa da afirmação de que se trata o caput do artigo 4º, da Lei nº 1.060/50

Como se viu, a declaração de pobreza é considerada uma presunção relativa, ou seja, a hipossuficiência econômica do pretenso beneficiário será considerada verdadeira até que prove o contrário, seja ex officio ou por iniciativa da parte contrária – impugnação à justiça gratuita.

Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco aponta a função primordial da presunção relativa que traz a legislação em questão. Afirma que a prova em contrário é fundamental para fechar as portas à “litigância temerária e irresponsável, que o sistema de justiça onerosa visa a coibir”, pois implica em superar a presunção de necessidade financeira, desde que existam suficientes indícios da capacidade de suportar as custas e os honorários advocatícios.[105]

Nossa jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO RELATIVA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DEMONSTRADAS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.

1. De acordo com entendimento firmado nesta Corte, a declaração de pobreza, com o intuito de obter os benefícios da assistência judiciária gratuita, goza de presunção relativa, admitindo, portanto, prova em contrário.

2. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o magistrado pode ordenar a comprovação do estado de miserabilidade a fim de subsidiar o deferimento da assistência judiciária gratuita.

3. A pretensão de que seja avaliada por esta Corte a condição econômica do requerente exigiria reexame de provas, o que é vedado em sede de recurso especial, em face do óbice da Súmula 7/STJ.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.[106]

Assim, como já se adiantou, cabe à parte contrária ou ao próprio Juízo, apontarem os indícios de falsa necessidade financeira, seja pela impugnação à justiça gratuita[107] (artigo 7º, da Lei da assistência judiciária) ou pelo próprio magistrado, de ofício.

Campo ensina que:

Normalmente o juiz irá examinar a natureza da ação, o valor pecuniário discutido nela, a profissão do postulante e o lugar onde reside ou tem o seu domicílio; enfim, vários serão os dados que o próprio objeto da lide poderá revelar para o juiz conceder ou não o benefício postulado. (...) Concedendo ou não o benefício, o juiz têm de expor as razões de seu convencimento, mesmo que de forma concisa (art. 165 do Código de Processo Civil), a fim de possibilitar a qualquer um dos sujeitos da relação jurídica processual manejar o recurso apropriado, de modo a precisar os motivos pelos quais está a impugnar a decisão.[108]

Nesse entendimento, o seguinte julgado aponta de forma rigorosa e justa a importância da fundamentação e perquirição do Juízo de origem e pela, se houver recurso, precisa reanálise pelo Tribunal de segunda instância, das peculiaridades do caso a fim de determinar a concessão ou não do benefício:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS DO REQUERENTE. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. CONTRARIEDADE. PARTE ADVERSA E JUIZ, DE OFÍCIO, DECORRENTE DE FUNDADAS RAZÕES. CRITÉRIOS OBJETIVOS.

1. Trata-se de recurso especial cuja controvérsia orbita em torno da concessão do benefício da gratuidade de justiça.

2. O STJ, em sede de recurso especial, conforme delimitação de competência estabelecida pelo artigo 105, III, da Constituição Federal de 1988, destina-se a uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional federal, razão pela qual é defeso, em seu bojo, o exame de matéria constitucional, cuja competência é do STF.

3. Há violação dos artigos 2º e 4º da Lei n. 1.060/50, quando os critérios utilizados pelo magistrado para indeferir o benefício revestem-se de caráter subjetivo, ou seja, criados pelo próprio julgador, e pelos quais não se consegue inferir se o pagamento pelo jurisdicionado das despesas com o processo e dos honorários irá ou não prejudicar o seu sustento e o de sua família.

4. A constatação da condição de necessitado e a declaração da falta de condições para pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios erigem presunção relativa em favor do requerente, uma vez que esta pode ser contrariada tanto pela parte adversa quanto pelo juiz, de ofício, desde que este tenha razões fundadas.

5. Para o indeferimento da gratuidade de justiça, conforme disposto no artigo 5º da Lei n. 1.060/50, o magistrado, ao analisar o pedido, perquirirá sobre as reais condições econômico-financeiras do requerente, podendo solicitar que comprove nos autos que não pode arcar com as despesas processuais e com os honorários de sucumbência. Isso porque, a fundamentação para a desconstituição da presunção estabelecida pela lei de gratuidade de justiça exige perquirir, in concreto, a atual situação financeira do requerente.

6. No caso dos autos, os elementos utilizados pelas instâncias de origem para indeferir o pedido de justiça gratuita foram: a remuneração percebida e a contratação de advogado particular. Tais elementos não são suficientes para se concluir que os recorrentes detêm condições de arcar com as despesas processuais e honorários de sucumbência sem prejuízo dos próprios sustentos e os de suas respectivas famílias.

7. Recurso especial provido, para cassar o acórdão de origem por falta de fundamentação, a fim de que seja apreciado o pedido de gratuidade de justiça nos termos dos artigos 4º e 5º da Lei n. 1.060/50.[109]

Vale citar o trecho, a seguir, do inteiro teor de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que, claramente, se observa a detida análise e a presença de fundamentação do julgador na decisão sobre a não outorga, no caso, da gratuidade processual:

Por primeiro, fica confirmado o indeferimento do pedido de gratuidade. Os documentos trazidos com o inconformismo demonstram a capacidade financeira para suportar o pagamento das custas e despesas processuais. Ressalte-se que a agravante contratou advogado particular, recebeu o imóvel objeto da demanda por força do arrolamento dos bens deixados por (...), noticiou a aquisição de um veículo Fiat Palio Flex Fire Economy, no valor de R$ 27.000,00 e afirmou possuir condições de arcar com honorários periciais até o limite de R$ 5.000,00. Nesse contexto, infere-se que a agravante não se enquadra no conceito legal de necessitado, de que trata a Lei 1.060/50.[110]

Já no que se refere ao instituto da impugnação à justiça gratuita, por outro lado, a doutrina reconhece que “ao impugnante toca a carga de provar a inexistência dos requisitos que autorizam a concessão do benefício ou o desaparecimento do estado de necessitado do beneficiário.”[111]

Araken de Assis, Hélio Márcio Campo, Arthur Mendes Lobo[112] e Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira[113], por exemplo, apontam a grande complicação gerada por essa espécie de inversão do ônus da prova, uma vez que o ônus de provar que o beneficiário não faz jus ao benefício ou de que deixou de fazer é de complicação, por vezes, insuperável de ser transposta pelo impugnante. Este haveria de reunir, por exemplo, elementos que indicassem quanto aquele recebe e quais suas despesas no momento exato da impugnação[114].

Diante, aliás, dessa constatação, ao lado da presunção a que se trata a própria Lei da gratuidade, Campo afirma que:

Preferiu o legislador utilizar aqui também a pedra angular do procedimento probatório romano, que advém da máxima ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat, a qual chega a ser mais perigosa do que útil. (...) Normalmente é concedido o benefício da assistência judiciária, seja porque o juiz tem de atentar para a presunção legal, seja porque é difícil à parte contrária fazer prova de que o beneficiário não carece de recursos financeiros.[115]

Lívio Goellner Goron concorda com Hélio Márcio Campo e acrescenta que há hoje uma tendência, que se pode verificar nas decisões dos Tribunais, de universalizar a gratuidade processual. Reporta que se vê um processo de se relativizar e de se abrandar os requisitos de concessão do benefício, importando em um “deferimento automático” da justiça gratuita, “quase que assimilando o direito do inc. LXXIV à hipótese de gratuidade do inc. LXXVII do art. 5º da CF/1988”.[116]

Como se nota, o autor chega a comparar o deferimento indiscriminado da justiça gratuita com o direito dos cidadãos de manejarem gratuitamente o habeas corpus e o habeas datas.

Como se não bastasse, o mesmo autor, preocupado com a questão, adverte que as Cortes de Justiça pátrias carecem de uma melhor “administração do benefício da gratuidade”, pois pode se perceber que faltam instrumentos eficazes para a concessão do benefício (para a prova do estado de pobreza ou quanto a “atribuição do respectivo ônus probatório”), inclusive para as pessoas jurídicas. Diz ele que a faculdade do juiz presidir o deferimento da gratuidade não é critério suficiente de controle, pois “é colocada em termos puramente discricionários, (...) sem que lhe sejam traçadas orientações mais específicas”.[117]

Em conclusão, o autor aponta que os Tribunais brasileiros, ao não fixarem critérios coesos e reconhecidos para um eficaz controle judicial da concessão da gratuidade processual, permitem que certos pretensos beneficiários sejam agraciados com a justiça gratuita sem a ela fazerem jus ou, pior ainda, que sejam exigidas comprovações demasiadas severas que cheguem a impedir o acesso à Justiça de cidadãos que realmente estejam em estado de necessidade econômica, o que não se pode sobremaneira aceitar.[118]

Cita o autor, outrossim, o seguinte julgado como caso emblemático de seu posicionamento[119]:

AGRAVO REGIMENTAL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ.

I – Não viola a legislação federal condicionar a concessão de gratuidade de justiça ante a comprovação da miserabilidade jurídica, se as provas dos autos fazem presumir não se tratar de parte juridicamente pobre.

II – No âmbito especial não há campo para se revisar entendimento assentado em provas, conforme está sedimentado no enunciado 7 da Súmula desta Corte. Agravo regimental improvido.

Não é exagero, então, se admitir que a presunção relativa que admite a Lei é solução muito simplista para a concessão plena do benefício da justiça gratuita. Pois, imputar o ônus probatório da inexistência da necessidade financeira ao juiz ou à parte contrária é, sem dúvida, critério muito arriscado, dando margem à atual tendência de concessão automática da gratuidade, como apontou Goron.

Por derradeiro, o mesmo autor deixa claro, com mais especificidade, que a concessão do benefício sem parâmetros bem delineados gera, nas palavras de Arthur Mendes Lobo:

(...) evasão de receita pública, incremento do volume de demandas judiciais infundadas, desvalorização moral do serviço público jurisdicional, desvalorização do advogado da parte vitoriosa e disposição do bem público pelo juiz, consubstanciada pela isenção das custas.[120]

Ato contínuo, no capítulo 3, a diante, serão sumarizados os principais pontos de deficiência da estrutura vigente de concessão do benefício da justiça gratuita a que essa monografia credita e apontados os possíveis novos critérios que visem à melhoria do instituto. Inclusive, se discutirá possíveis meios de prova para a concessão do benefício e as principais atitudes do magistrado frente ao instituto em comento.

Antes, porém, importante discorrer sobre o vital lugar que merece a prova na concessão do benefício.

2.6. A importância da prova para a concessão do benefício

Como se viu, hoje, o benefício da justiça gratuita é concedido a quem meramente declara sua necessidade, servindo essa declaração como prova (presunção) de que o pretendente ao benefício (sujeito da prova[121]) detém o requisito de insuficiência de recursos financeiros para arcar com as custas, as despesas processuais e os honorários de advogado sem prejuízo de sustento próprio e de sua família (objeto da prova[122]).

Cabe então, mesmo que brevemente, discorrer sobre o instituto da prova, com o fim de se questionar se a presunção erigida pela Lei é meio suficiente para a comprovação do requisito de concessão da gratuidade processual.

A prova, segundo ensina Moacyr Amaral Santos, existe pela necessidade de que “A verdade sobre o fato precisa aparecer para que um direito possa realizar-se ou tornar-se efetivo.”[123]

O autor aponta, ao mesmo tempo, o conceito, a finalidade, a importância e a necessidade da prova, isto é, defende que a prova é um instituto responsável pela busca da verdade e tendo como função exatamente a elucidação de um fato, é necessária para trazer efetividade a um direito, fazer com que este se realize.

Dinamarco traz, igualmente, a delimitação da função da prova: “A atividade probatória que se realiza no processo visa a demonstrar que as alegações feitas são verdadeiras e, portanto, dignas de credibilidade no momento de julgar.”[124]

Ainda sobre a essencialidade da prova, Marinoni escreve que:

Se a regra jurídica pode ser decomposta em uma hipótese fática (onde o legislador prevê uma conduta) e em uma sanção a ela atrelada, não há dúvida de que o conhecimento dos fatos ocorridos na realidade é essencial para a aplicação do direito positivo, sob pena de ficar inviabilizada a concretização da norma abstrata.[125]

Assim é que o juiz se baseia na prova para proferir suas decisões no processo, não sendo diferente no caso da concessão da justiça gratuita.

O meio de prova aceito para a outorga do benefício é a presunção (forma da prova[126]). Existem diversos outros meios de prova, como a exibição de documentos, o arrolamento de testemunhas, a realização de exames e de vistorias, etc. (artigo 212, do Código Civil), sendo certo que não há lista completa que os enumere, mas o próprio artigo 332, do Código de Processo Civil, dispõe que: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”[127]

Sobre os meios de prova assevera Dinamarco que estes “(...) inserem-se (...) como técnicas de manipulação dos elementos externos, de modo a extrair deles as representações da realidade necessárias para julgar.”[128]

A presunção, segundo Sílvio de Salvo Venosa, “(...) é a conclusão que se extrai de fato conhecido para provar-se a existência de outro desconhecido.”[129]

No caso da presunção admitida pela Lei da assistência judiciária gratuita, como visto, há ainda que se notar que se trata de presunção relativa, ou seja, aquela que admite prova em contrário, cujo ônus de provar esse contrário recai sobre a parte adversária ou pela inquirição da parte pelo Juízo, desde que este indique algum elemento relativo à parte que o levou a questionar a necessidade do benefício, seja nos autos (por exemplo, o fato da parte declarar morar em imóvel de alto padrão) ou fora deles (por exemplo, o fato da parte ser conhecido rico fazendeiro na Comarca).[130]

A presunção relativa, diferente da presunção absoluta ou presunção legal de existência ou de veracidade (artigo 334, IV, do Código de Rito), é utilizada, por exemplo, no caso da presunção de paternidade levantada perante o suposto pai que se recusa a realizar exame de DNA.[131]

Nesse caso, pela relatividade da presunção, admitem-se provas em contrário, sendo certo que deverá haver um mínimo de comprovação sobre “(...) por meio de provas indiciárias, a existência de relacionamento íntimo entre a mãe e o suposto pai.”[132]

Refletindo-se sobre esse exemplo, sem dúvida uma hipótese muito mais complexa de comprovação do que a insuficiência de recursos, fica a dúvida se o meio de comprovação erigido pela Lei para a concessão do benefício da justiça gratuita (mera declaração de pobreza) seria bastante para a aferição da real necessidade de sua concessão ao pretenso beneficiário.

O próximo capítulo trará, em detalhes, esta discussão e apontará possíveis soluções para uma busca da verdade mais adequada à concessão do importante direito à justiça gratuita, uma vez que a atual configuração probatória deixa o pretenso beneficiário em situação muito confortável: com a presunção relativa a seu favor, não precisa, inicialmente, provar nada, o que, evidentemente, gera uma imensa insegurança jurídica e uma porta aberta para lides “sem risco” e temerárias.

Sobre essa perspectiva de isenção probatória, Moacyr Amaral Santos discorre o seguinte, verbis:

Fosse o autor exonerado da obrigação de provar, não corresse ele o risco da falta de prova, porque a presunção da justiça fosse a seu favor, o foro se acumularia de lides temerárias, das quais se desvencilhariam os réus, e, certamente, a estatística acusaria o inverso do que atualmente se verifica, proporção bem maior de causas perdidas pelos autores relativamente às vencidas pelos réus.[133]

Maximo Castro: “É natural que, no momento em que o autor não estivesse obrigado a provar o seu direito (...) a estatística se modificaria, porque qualquer pessoa se aventuraria nesse caso a promover demandas.”[134]

Essa a atual conjuntura da concessão do benefício da justiça gratuita combatida nesta monografia.

Sobre o autor
Piero de Manincor Capestrani

Advogado nas áreas de contencioso cível, trabalhista e família. Formado em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackezie em 2009, onde também completou especialização em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAPESTRANI, Piero Manincor. A prova para a concessão da justiça gratuita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3605, 15 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24336. Acesso em: 25 nov. 2024.

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