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Exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo: inconstitucionalidade principiológica

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Agenda 07/05/2013 às 14:52

6 BREVE ANÁLISE DE ALGUMAS QUESTÕES PROCESSUAIS

A maior celeuma causada pela inserção do “comum acordo” reside exatamente na dinâmica processual que a expressão impôs à conjuntura do julgamento do dissídio trabalhista. Não há um consenso doutrinário sobre sua natureza jurídica. Esse assentimento seria um pressuposto processual ou uma condição da ação?

A resposta a esse questionamento repercute diretamente na análise sobre a constitucionalidade da exigência. Logo, importante tecer sucintos comentários sobre esses institutos, no afã de aclarar as indagações. 

6.1 PRESSUPOSTO PROCESSUAL

Para a existência e validade de uma relação processual, é necessário que sejam observados alguns requisitos formais e materiais. Como bem afirma Fredie Didier Júnior, a simples afirmação de que certo elemento é um pressuposto processual não é suficiente para que se saiba muito a seu respeito. Em geral, apenas se pode concluir, de maneira acertada, que tal requisito trata-se de matéria pertinente ao processo, cuja análise será feita preliminarmente ao mérito[119].

No intuito de trazer mais clareza ao instituto, talvez na tentativa de dirimir o impasse, o autor parte do entendimento de que o processo deve ser visto como um todo, ou seja, analisado em seu conjunto. Isso porque defende ser o processo um procedimento de ato-complexo de formação sucessiva[120].

Em uma enxugada conceituação, pressupostos processuais são os requisitos necessários para a existência jurídica e a validade do processo. Importante destacar que a expressão pressuposto processual pode ser empregada em sentido amplo ou em sentido restrito. Na acepção lato sensu, denota os elementos de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia do processo a ser examinado.

Os pressupostos processuais em sentido estrito são os de constituição[121]. Assim, a ausência de qualquer um deles implica na inadmissibilidade do processo como um todo e não somente a existência de um ato-simples isolado dentro do contexto geral.

Para Ada Pellegrini, os pressupostos processuais são os requisitos para a constituição de uma relação processual válida. Os vícios a eles relacionados, assim, não maculariam a existência da relação, mas tão somente a sua regularidade perante o direito. Data vênia, a doutrinadora confunde os lato e stricto sensu, motivo pelo que sua afirmação não é de todo correta. Assim, a conclusão da autora em relação ao conceito atribuído ao instituto somente seria acertada acaso se resumisse ao pressuposto lato sensu, já que o pressuposto processual em si, tido como o stricto sensu, conspurca justamente a existência do ato.

Mais coerente e completo é o entendimento de Fredie Didier Júnior, para quem pressuposto é aquilo que precede ao ato e se coloca como elemento indispensável para a sua existência jurídica. Requisito, por outro lado, é tudo o quanto integra a estrutura do ato e diz respeito à sua validade. Assim, seria mais técnico falar-se em pressupostos de existência e em requisitos de validade, vez que os pressupostos, como acima definidos, tangem à existência (prévia) do ato e não sua validade (continuidade)[122].

Doutrinadores sintetizam os requisitos dos pressupostos processuais da forma seguinte: é necessário uma correta propositura da ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo[123].

A relação jurídica processual imprescinde de elementos subjetivos, quais sejam, juiz (órgão investido de jurisdição) e autor. Presentes estes pressupostos de existência subjetivos, está configurada a existência da relação jurídica (considere-se a existência da demanda como o pressuposto de existência objetivo). Porém, é possível que, apesar de existente a relação jurídica processual, falte a determinado ato processual um pressuposto de existência jurídica. Nessa situação, analisando-se o processo como um todo integrado por partes, tem-se que poderá faltar um pressuposto de existência a um ato dentro do procedimento, independente da existência da relação jurídica como um todo[124].

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Seguindo esse raciocínio, Fredie Didier destaca a necessidade de se examinar a validade do processo (como um todo ou fragmentado em atos). Assim, existente a relação jurídica, passa-se à análise da validade dos atos. Atenção: não se está discutindo aqui a validade da relação jurídica, posto que esta existe ou não existe, mas sim dos atos do processo[125].

Importante ressaltar que, no direito processual brasileiro, a expressão “pressupostos processuais” foi empregada para designar os elementos indispensáveis ao surgimento, validade e eficácia do processo. Os requisitos pertinentes à ação constituem elementos a serem encartados em outra categoria processual, aquela a que se designou de condições da ação[126].

6.2 CONDIÇÕES DA AÇÃO

O direito de ação é abstrato. Apesar disso, o legislador ordinário pode submeter o seu exercício a determinadas particularidades. São as chamadas condições da ação, ou seja, aquelas cujo preenchimento é necessário para que se possa, de fato, exigir o provimento judicial[127]

Decidindo pela regularidade do processo, o magistrado passará ao exame das condições da ação, verificando se elas estão presentes, de forma que o exercício do direito de ação esteja legitimado. Assim, ditas condições têm como momento de análise a prolação do inicial juízo de admissibilidade do procedimento[128].  

A doutrina aponta como condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam.

A possibilidade jurídica do pedido está relacionada à admissão do pleito no ordenamento jurídico. Deve ser entendida como a inexistência de previsão que torne inviável a pretensão do autor. Logo, não é correto afirmar que ela consiste na existência de previsão para a dita pretensão, pois é sabido que o legislador não tem o mágico poder de prever todas as eventuais situações em abstrato. Ademais, vige no direito o princípio segundo o qual “tudo aquilo o que não está juridicamente proibido é permitido”, pelo que não se pode afirmar que o pleito de determinada pessoa é juridicamente impossível apenas por não encontrar previsão que lhe seja compatível. No entendimento de Dinamarco, o pedido é juridicamente impossível quando se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e circunstâncias do caso concreto[129].

Já o interesse de agir é um interesse instrumental, secundário, subsidiário, de natureza processual. Envolve a necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão. Para se examinar a presença dessa condição, devem-se observar duas circunstâncias, quais sejam: utilidade/necessidade do provimento judicial, além da adequação da via eleita. Na aferição da dita necessidade (utilidade), parte-se da premissa de que a jurisdição apenas deve ser usada em última hipótese, ou seja, como a última alternativa para solucionar o litígio, por se perceber que os outros meios não lhe resolveriam, além de que o provimento há de ser útil aos interesses das partes. Daí se infere repousar essa condição da ação na obrigação que tem o Estado de intervir nos conflitos a fim de concretizar a justiça, pois ele é o detentor do poder de dizer o direito. A adequação, por sua vez, está ligada à evidência de que o provimento solicitado deve ter aptidão para solucionar o mal que se busca corrigir. Em síntese, engloba a relação existente entre a situação lamentada pelo autor ao vir a juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado[130].

Por último, a legitimidade ad causam é a pertinência subjetiva da ação[131]. Sabe-se que é constitucionalmente garantido o direito à provocação do judiciário. Entretanto, não é possível que qualquer pessoa possa levar a juízo qualquer pretensão relacionada a qualquer objeto litigioso. Isso geraria um verdadeiro caos, a ponto de, absurdamente, indivíduos pleitearem no judiciário pretensões que não estão a eles relacionadas. Logo, a priori, é titular do direito de ação a própria pessoa que se afirma titular do direito “lesado”. Nessa mesma ótica, o acionado deve ser o titular da obrigação correspondente[132].

6.3 CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

Mesmo que o processo tenha se iniciado regularmente, verificada a ausência dos pressupostos processuais, caso a irregularidade não seja sanada (se  possível) ou perdure, o magistrado não poderá proferir sentença de mérito, pelo que extinguirá o processo.

Da mesma forma, a ausência das condições da ação acima estudadas (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse de agir) implica na extinção do processo sem julgamento de mérito, inteligência do artigo 267, VI do CPC. Daí se infere que a presença das mesmas é essencial para uma sentença meritória. Em suma, a falta de qualquer dessas condições da ação importará em sua carência e, declarando o autor carecedor da ação, o juiz extinguirá o processo.

Das exposições acima, pode-se concluir que os pressupostos processuais não se confundem com as condições da ação. Ora, em apertada síntese, eles têm por objeto o processo ou algo que nele interfira. Já as condições da ação estão relacionadas à lide. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:

“Os pressupostos, portanto, são dados reclamados para a análise de viabilidade do exercício do direito de ação, sob o ponto de vista estritamente processual. Já as condições da ação importam o cotejo do direito de ação concretamente exercido com a viabilidade abstrata da pretensão de direito material. Os pressupostos, em suma, põem a ação em contato com o direito processual, e as condições de procedibilidade põem-na em relação com as regras do direito material”[133].

É cediço que, nos moldes do ordenamento jurídico vigente, a ausência dos pressupostos processuais e das condições da ação leva à extinção do processo sem a análise do mérito da lide[134]. Entretanto, a extinção de um processo sem julgamento meritório não representaria uma sutil forma de burlar a proibição do non liquet[135]? Mas o Estado não é o maior interessado em oferecer ao jurisdicionado a íntegra prestação judicial, pois com isso evita maiores conflitos sociais? Nessa linha de raciocínio, não deve o magistrado, a priori, extinguir um processo sem julgamento de mérito quando diante da ausência de um pressuposto ou condição sanável. Ademais, o comportamento em contrário não significaria deixar que o princípio da instrumentalidade das formas fosse malferido pelos rigores das exigências formalistas?

6.4 COMUM ACORDO: PRESSUPOSTO PROCESSUAL OU CONDIÇÃO DA AÇÃO?

Não há, na doutrina, um consenso a respeito da natureza jurídica do “comum acordo” necessário à propositura do dissídio coletivo econômico. O embate gira em torno de ser esse “consentimento” um pressuposto processual ou uma condição da ação. 

Para Edson Braz da Silva, subprocurador geral do trabalho, o “comum acordo” possui natureza de condição da ação e não de pressuposto processual. Ele embasa a sua afirmação no entendimento de que não deve ser exigida excessiva formalidade processual para a propositura do dissídio. Caso contrário, não estará sendo respeitada a sua maior finalidade, qual seja, a de restabelecer a paz social[136].

Pensando diferente, alude Andréa Presas Rocha que “o ‘comum acordo’ é pressuposto processual de constituição e desenvolvimento do processo [...], sem o qual não se estabelece a relação jurídica inerente ao dissídio”[137].

Respeitando as manifestações em contrário, a nova exigência trazida pela EC nº. 45/2004 trata-se, em verdade, de um pressuposto processual, já que é um requisito para a constituição e o regular desenvolvimento do processo. A necessidade de “comum acordo” para a instauração da instância está ligada ao exercício do direito de ação (em uma ótica processual) e não diretamente ao aspecto material da lide (leia-se: à abstrata viabilidade do direito material), pelo que tal assentimento não representa uma condição da ação.

Em outras palavras, não há elementos suficientes a indicar que seja o comum acordo uma condição da ação, pois estas se referem aos requisitos a que está vinculada a análise do direito material em litígio. Assim, mesmo que ausente a mútua concordância, não se pode falar em falta de interesse de agir da parte autora, já que ainda estará presente a necessidade/utilidade que caracterizam o interesse processual.

O próprio TST já entendeu ser o “comum acordo” um pressuposto processual, tendo expressamente afirmado que ele é um pressuposto para o desenvolvimento válido do dissídio, conforme pode ser conferido nas ementas abaixo transcritas:

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA. ‘COMUM ACORDO’ PARA A INSTAURAÇÃO DO DISSÍDIO COLETIVO. IMPERTINÊNCIA. A exigência do ‘comum acordo’ como pressuposto para o desenvolvimento válido do processo de dissídio coletivo, objeto do § 2º do art. 114 da Constituição da República, introduzida pela Emenda Constitucional 45/2004, visa estimular e prestigiar a negociação coletiva como forma de composição dos conflitos coletivos do trabalho. Tendo em vista que para o Dissídio Coletivo de natureza jurídica não se exige negociação prévia, aquele pressuposto processual somente tem lugar em sede de Dissídio Coletivo de natureza econômica. (...) (TST-DC-1746116-74.2006.5.00.0000, Rel. João Batista Brito Pereira, DJ 11/02/2007). (Grifos nossos).

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. Ressalvado o entendimento pessoal este Relator, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Carta Política do país estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso dos interessados para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Recurso ordinário provido. (TST RODC - 628/2006-000-12- 00.3. Data de Julgamento: 08/06/2009, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT 07/08/2009. (Grifos nossos).

Acrescente-se que, a priori, se não preenchido o pressuposto aqui analisado haverá o indeferimento da petição inicial depois de esgotado o prazo concedido pelo juiz para o suprimento da irregularidade, nos moldes do art. 248 do CPC. Percebe-se que a decisão extintiva do feito por indeferimento da inicial não apreciará o mérito, pelo que, consequentemente, não resolverá a lide, além de também não adentrar na análise das condições da ação, que poderá, inclusive, ser repetida após a correção do defeito.

Saliente-se que existe outro pressuposto processual para a instauração do dissídio coletivo econômico além do “comum acordo”, qual seja, a exigência da prévia negociação coletiva, conforme disposto no art. 114, § 2º da CF/88 e no art. 616, §§ 2º e 3º da CLT.

Independendo de qual se acredite ser a natureza jurídica da nova exigência, importante questionar a efetividade da alteração inserta no art. 114, §2º da CF.   

Sobre a autora
Paula Leal Lordelo

Advogada, formada em Direito pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Pós graduação em Direito Processual e Material do Trabalho pelo JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORDELO, Paula Leal. Exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo: inconstitucionalidade principiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3597, 7 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24378. Acesso em: 23 dez. 2024.

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