7 EXIGÊNCIA DO COMUM ACORDO PARA O AJUIZAMENTO DO DISSÍDIO COLETIVO ECONÔMICO
Já foi reiteradamente afirmado que a Emenda Constitucional nº. 45/2004 efetivou uma série de mudanças nos dissídios coletivos de natureza econômica. Como transcrito no item 4.3, a nova redação do § 2º do artigo 114 da CF foi acrescida da expressão “comum acordo”, o que limitou a possibilidade de ajuizamento desse tipo de instância.
Antes da reforma, para a instauração do dissídio aqui tratado bastava a comprovação da prévia tentativa frustrada de negociação coletiva. Por tal motivo, o novo pressuposto vem suscitando uma série de discussões, notadamente a respeito da constitucionalidade da exigência acrescida, o que é objeto de análise deste trabalho[138].
Para uma melhor compreensão da problemática, deve-se abandonar a mera interpretação gramatical e partir para uma análise do novo dispositivo à luz do contexto geral do sistema, ou seja, inserto na lógica do ordenamento jurídico, bem como do perfil do modelo sindical existente no Brasil.
7.1 MOTIVOS QUE LEVARAM À INSERÇÃO DA EXPRESSÃO
Como visto, a reforma do Judiciário, levada a feito pela EC nº. 45/2004, priorizou conferir maior celeridade na solução dos litígios, assegurando ao jurisdicionado a efetivação da garantia da razoável duração do processo, nos ditames do art. 5º, LXXVIII da CF. Entretanto, que motivos levaram o constituinte a inserir a exigência do comum acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo? Ademais, o que justifica a inserção no texto constitucional e não a mera exigência por meio de uma lei ordinária?
Renomados autores defendem que intencionou o legislador, com a inclusão da exigência do comum acordo, estimular as negociações coletivas entre as partes, para que estas não continuassem acomodadas com as soluções judiciais dos impasses, buscando compor seus conflitos de forma mais direta, sem a imperiosa intervenção do Estado-juiz. Nas palavras de Andréa Presas:
“Nos parece que o Legislador Reformador teve em mente a salutar valorização da composição dos conflitos coletivos diretamente pelas partes envolvidas, uma vez que a alteração do texto constitucional privilegia a negociação direta entre os interlocutores sociais, pondo de lado a intervenção estatal, antes aviada pelo poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho”[139].
O legislador constituinte objetivou acabar com a falta de disposição das partes à negociação coletiva, haja vista que estas quase sempre preferiram esperar por uma cômoda solução estatal para os conflitos, sem ter de empenhar-se na busca de soluções diretas. Saliente-se que a solução por via negocial é mais condizente com os interesses dos conflitantes, pois levada a feito por eles mesmos e não por um terceiro estranho à problemática, o qual, por mais conhecimento que tenha da situação, não está pessoalmente inserido no contexto.
Perpassando-se por uma análise histórica percebe-se que, no Brasil, o Estado sempre interveio incisivamente na seara privada, notadamente no âmbito das relações laborais. Essa intensa intervenção acaba por obstar a modernização e a flexibilização da legislação laboral, condizentes com as exigências do capitalismo, notadamente dos países que detém o poderio econômico. Citando Eduardo Gabriel Saad, afirma Luciana Cardoso:
“Em 1994, Saad manifestou sua opinião no sentido de que se deve abrir campo às negociações diretas entre patrões e empregados para discutir fórmulas que superem suas divergências. E só eles – e não os juízes – sabem ao certo até que ponto a empresa pode fazer concessões sem ameaçar sua sobrevivência. Só assim os empregados ficam em condições de evitar, em muitos casos, o mal maior representado pelo desemprego”[140].
Independentemente da conclusão a que se chegue sobre a constitucionalidade da nova exigência, não se pode olvidar que as alterações constitucionais resultaram de variados debates e opiniões de juristas competentes. Deve ser levado em consideração o cenário econômico em que está inserto o atual mercado de trabalho. O mundo capitalista, notadamente os fortes mercados internacionais, está ávido por uma maior flexibilidade das normas trabalhistas, pois as garantias aos trabalhadores chocam de frente com seus ferozes intentos expansionistas na incessante busca pelo lucro. Nesse contexto, é o dinheiro que dita tudo, pelo que nada pode obstar o seu acúmulo. Assim, os ditos países desenvolvidos constantemente pressionam o governo brasileiro, objetivando minar, paulatinamente, algumas conquistas e garantias que os trabalhadores adquiriram ao longo da evolução das relações laborais estabelecidas.
Ora, estaria simplesmente o Estado cansado de intervir nas relações privadas, saindo de cena após anos de intervenção? Imaturidade seria acreditar que mitigação tão drástica da ingerência estatal sobre o domínio econômico partiria voluntariamente do próprio Estado. Assim, a inserção da exigência do comum acordo, objetivando estimular a negociação direta entre as partes, foi, em última análise, decorrente das pressões por uma menor intervenção do Estado na seara laboral.
É cediço que, no Brasil, não pode haver mais de um sindicato representativo de uma categoria profissional dentro de uma mesma base territorial (não inferior à área de um município), o que é conhecido por “unicidade sindical”[141]. Consequentemente, não pôde ser adotada pelo governo brasileiro a Convenção nº. 87 da OIT, pois esta, ao possibilitar a existência de mais de um Sindicato para a mesma categoria dentro de uma única base territorial, garantiu a Pluralidade Sindical. É evidente que a dita Convenção, prezando por uma maior liberdade sindical, colide frontalmente com os ditames da CF/88, pelo que não pôde ser ratificada. Caso contrário, haveria desrespeito hierárquico ao texto constitucional.
Saliente-se, entretanto, que a OIT possui uma característica bastante peculiar: ela é a única organização multilateral que celebra tratados a respeito dos quais todos os Estados membros devem obrigações no âmbito internacional, ainda que não os tenha individualmente ratificado[142]. Em outras palavras, a Constituição da OIT estabelece verdadeiros deveres a serem cumpridos frente a seus órgãos de controle, tanto pelos Estados que ratificam as suas Convenções, como também por aqueles que, sendo membros da Organização, não o fazem. Assomado a isso, o 346º Informe do Comitê de Liberdade Sindical já expressamente recomendou que o Brasil adotasse as necessárias medidas para modificar a sua legislação interna, para que os trabalhadores possam criar organizações sindicais ao nível de empresa, se assim o desejarem.
Não restam dúvidas de que o desrespeito às Convenções ou mesmo às Recomendações da OIT é passível de retaliações econômicas por parte dos Estados que detém o poder econômico mundial (que, por coincidência, também controlam as decisões da Organização). Ademais, apesar de essas possibilidades de represálias não constarem expressamente das normas que regem a Organização, é certo que serão adotadas como forma de obrigar a adesão a seus ideais, ou seja, como maneira de fazer com que os países economicamente mais fracos comportem-se de maneira a não impedir o desenfreado domínio do capitalismo exacerbado.
Ora, toda essa pressão internacional por uma maior liberdade sindical, exercida, inclusive, por uma fortíssima organização como a OIT, visa, nitidamente, primar pela negociação direta entre as partes como meio de solução dos conflitos, afastando a constante intervenção do Estado através do judiciário. Assim, fez-se necessária uma adaptação da legislação nacional, que começou a se concretizar a partir da inserção da exigência do comum acordo[143]. Nesse contexto, no Fórum de um debate organizado pelo MTE, foi apontado que o marco normativo das leis trabalhistas atualmente em vigor deve ser revisto e adaptado às novas configurações do mundo do trabalho, privilegiando a adoção de mecanismos voluntários de composição de interesses[144].
Deixando de lado outros eventuais questionamentos a respeito da motivação da inserção da exigência do comum acordo, certo é que essa alteração não poderia ser feita de outra maneira a não ser por modificação no texto constitucional. Se a mudança fosse efetivada por lei ordinária, não vingaria por latente inconstitucionalidade, já que afrontaria diretamente o art. 5°, inciso XXXV da CF/88. Seguindo a lógica desse raciocínio, encontra-se a justificativa para a opção do legislador por proceder a uma emenda ao texto constitucional ao invés de elaborar lei ordinária que disciplinasse o instituto, o que seria bem mais fácil e descomplicado.
Importante destacar que de nada adianta incentivar as negociações coletivas, com uma menor intervenção estatal, se os sindicatos brasileiros ainda continuarem inexpressivos, fracos e desorganizados. Segundo Luciana Cardoso:
“(...) embora acredite que a negociação coletiva seja o ponto central da dinâmica do direito do trabalho, faz-se mister que primeiro haja o fortalecimento da estrutura sindical do país. A necessidade da intervenção estatal para a regulamentação das relações trabalhistas manifesta-se já a partir do caráter tutelar do direito do trabalho”[145].
É inconteste que a exigência do comum acordo sem a paralela reforma sindical (que ainda não veio) acabará por ameaçar a existência de muitos sindicatos brasileiros, que não possuem a força suficiente para levar os grandes empresários às mesas de negociação, exercendo a pressão suficiente para galgar melhores condições para os representados. Inteligente a conclusão de Raimundo Simão de Melo:
“Foi na busca deste objetivo que o legislador constituinte derivado implementou o pressuposto do ajuizamento do Dissídio Coletivo de comum acordo, para forçar as partes à negociação coletiva. Contudo, uma coisa é o desejável, no caso, a priorização do negociado; outra coisa é a realidade brasileira, de um modelo, na grande maioria dos casos, de sindicatos frágeis, que não têm poder negocial e de pressão contra o empresariado. E desta realidade não se pode fazer abstração. No dia-a-dia, raros não são os casos em que as empresas ou a categoria econômica não reconhecem o sindicato dos trabalhadores, não negociam uma solução para o conflito e também, por razões óbvias, não concordam com o ajuizamento do Dissídio Coletivo”[146].
Sabendo que a alteração do texto constitucional repercutirá negativamente perante os sindicatos mais fragilizados, já foram ajuizadas inúmeras ADI’s pleiteando a declaração da inconstitucionalidade da exigência do comum acordo. Afinal, a negociação coletiva nem sempre se mostra viável, pelo que, consequentemente, poderá haver grande dificuldade para a propositura do dissídio coletivo em conjunto.
7.2 SIGNIFICADO DO “COMUM ACORDO”: LEGITIMAÇÃO PARA O AJUIZAMENTO DO DISSÍDIO COLETIVO ECONÔMICO
O significado da expressão “comum acordo” repercute diretamente na legitimação e forma de propositura do dissídio coletivo de natureza econômica. Afinal, para que esteja cumprida a nova exigência deve ser protocolada petição inicial assinada conjuntamente pelas partes? Ou isso não seria necessário, bastando a concordância expressa ou tácita do suscitado?
Defendendo que a expressão comum acordo significa petição conjunta, diz Davi Furtado Meirelles:
“O poder normativo somente pode ser exercido pela Justiça do Trabalho se as partes assim desejarem. E a forma de ajuizamento poderá ser por petição em conjunto, ou por instauração de uma delas com declaração de concordância da outra parte (...). O fato de a parte contrária não apresentar contestação ao pedido de julgamento do dissídio coletivo, fazendo apenas a sua defesa contra os termos aludidos na peça inaugural, não nos parece ser suficiente para interpretar como concordância tácita ao exercício do poder normativo. Se a nova regra constitucional impõe a condição de concordância mútua, compete ao instrutor do feito verificar o preenchimento dessa condição”[147].
Entretanto, pensar em petição assinada em conjunto pelos oponentes não é uma alternativa muito viável, pois, no bojo discussões e embates, quando da tentativa das negociações, se as partes já não querem ceder reciprocamente, imagine expressamente concordar com que seja demandada em juízo. Aduz José de Luciano Castilho:
“Começamos por indagar o significado da expressão de comum acordo. Evidentemente não pode significar, necessariamente, petição conjunta. Logo, estou entendendo que o comum acordo não precisa ser prévio. Ele pode vir – de modo expresso ou tácito – na resposta do suscitado ao Dissídio ajuizado. Assim, ajuizado o Dissídio Coletivo pelo sindicato dos empregados, sem o acordo expresso da parte contrária, deve o juiz mandar citar o suscitado e apenas na hipótese de recusa formal ao Dissídio Coletivo, a inicial será indeferida”[148].
Assim, o concurso de vontades entre os sindicatos representativos não significa, necessariamente, ação coletiva de iniciativa conjunta entre as partes. Fundamental, entretanto, é que haja a concordância expressa ou tácita de ambas as categorias. Como bem defende Edson Braz da Silva:
“Desse modo, o suscitado deve externar a objeção ao dissídio coletivo unilateral na primeira oportunidade, ou seja, no início da audiência de conciliação e instrução, que é o primeiro ato processual do dissídio coletivo pós-citação. Se o suscitado participar da tentativa de conciliação promovida pelo Tribunal, sem antes deixar clara a discordância com o ajuizamento unilateral do dissídio coletivo, terá tacitamente suprido a exigência legal do comum acordo”[149].
Entende-se que a expressão “de comum acordo” não significa a necessidade de petição em conjunto, nem mesmo a prévia e expressa anuência do suscitado. Daí conclui-se, inclusive, que o preenchimento desse pressuposto pode ser aferido em momento posterior ao da propositura da demanda, quando da resposta do suscitado. A lei, porém, não possui palavras inúteis. Logo, não se pode ignorar a inserção da exigência e seguir os trâmites previstos para o dissídio coletivo econômico antes da EC nº. 45.
Ao inserir a exigência, o legislador objetivou limitar a atuação normativa dos tribunais laborais. Consequentemente, citado o suscitado e expressando este a falta de consenso na instauração, o dissídio coletivo deverá ser extinto sem exame do mérito por falta de pressuposto. Todavia, a simples apresentação de contestação faz suprir o requisito faltante, demonstrando tacitamente que o sindicato suscitado está apto a negociar. Destaquem-se as seguintes ementas:
DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. Art. 114, Parágrafo 2º, CF. COMUM ACORDO NÃO SIGNIFICA, NECESSARIAMENTE, PETIÇÃO CONJUNTA. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA. Aplicação do princípio da inevitabilidade da jurisdição (art. 5º/XXXV/CF). Negociação infrutífera. Concordância tácita à atuação da jurisdição. Precedente desta E. SDC. Dissídio que é conhecido e julgado procedente em parte. (TRT 2ª Região – SDC - Proc. 9-20067-2005-000-02-00 – Rel. Juiz Carlos Francisco Berardo – DOE-SP PJ de 27.1.2006).
DISSÍDIO COLETIVO - AJUIZAMENTO SEM A CONCORDÂNCIA DA PARTE CONTRÁRIA (ART. 114, PARÁGRAFO 2º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988) - CONSEQUÊNCIA. O disposto pelo art. 114, parágrafo 2º, da Lei Magna, não deve ser interpretado de modo literal e isolado, e sim sob a ótica da interpretação lógica e conjunta do ordenamento jurídico. O que emana do referido dispositivo constitucional é que as partes detêm a faculdade de ajuizar dissídio coletivo em caso de recusa da parte contrária em proceder à negociação coletiva ou à arbitragem ou na hipótese de malogro das tentativas conciliatórias, sob pena de, a se pensar o contrário, dar-se ensejo à violação do direito de ação constitucionalmente garantido (CF, art. 7º, inc. XXXV). Ademais, a participação do suscitado na audiência de conciliação e instrução perante este Tribunal e, bem assim, nas reuniões com o suscitante perante a Delegacia Regional do Trabalho, representa a concordância tácita com o presente dissídio coletivo. (TRT 3ª Região – Seção Especializada de Dissídios Coletivos - Proc. DC 00474-2006-000-03-00-9 – Rel. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira – DJMG de 25.8.2006, p. 2).
Para Júlio Bernardo do Carmo, é possível, inclusive, face à recusa injustificada da parte contrária, que haja o suprimento judicial do consenso. Leia-se:
“Se o sindicato dos trabalhadores for inexpressivo, tíbio, sem poder de barganha contra o patronato e sem meios de exercer com sucesso o direito de greve, a recusa de consentimento da categoria econômica para o ajuizamento conjunto do dissídio coletivo de natureza econômica pode sim caracterizar a recusa abusiva, injurídica ou de extrema má-fé que obsta potestativamente o exercício do direito de ação coletiva por parte do operariado. Neste contexto parece-me que a parte prejudicada poderá sim, de imediato, ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica e nele requerer de forma incidental o suprimento judicial da recusa da categoria econômica contraposta”[150].
Coerente o posicionamento do doutrinador, pois, através do dito suprimento, o sindicato laboral fica protegido de eventual recusa imotivada ou mesmo decorrente de má-fé por parte do sindicato patronal. Trata-se de uma forma de proteger a possibilidade de o trabalhador continuar a obter melhores condições de trabalho via dissídio coletivo.
Frise-se que, apesar das mudanças, ainda continua sendo de prerrogativa dos sindicatos o exercício da ação coletiva econômica, com exceção dos casos de dissídios instaurados pela categoria obreira diretamente contra uma empresa, conforme explanado no precedente normativo n° 19 da Seção de Dissídio Coletivo do TST. Assim, em caso de ausência de sindicatos representativos na base territorial delimitada, tem-se que continuam legitimadas para a instauração do dissídio as federações e confederações respectivas. Desse modo, são legítimos para instaurarem o dissídio coletivo de natureza econômica apenas os sindicatos, econômico e obreiro, estando o MPT autorizado a instaurar instância apenas nos casos de paralisação das atividades essenciais quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir.
7.3 CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA EXIGÊNCIA
Grande foi a inovação trazida pela EC nº. 45/2004 ao introduzir a exigência do comum acordo para o ajuizamento dos dissídios coletivos de índole econômica. A doutrina e a jurisprudência realizam polêmicos debates sobre a alteração, inclusive pelo fato de tramitarem variadas ações diretas de inconstitucionalidade envolvendo a temática no Supremo Tribunal Federal[151].
São tecidas intensas discussões a respeito da validade da expressão “de comum acordo” e as demandas que tramitam no STF possuem como principal objeto a declaração de sua inconstitucionalidade. É cediço que o art. 5º, XXXV da CF traz como cláusula pétrea o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição. Leia-se: “a lei não excluirá a apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ora, não colidiria o pressuposto do mútuo consenso com a garantia do livre acesso ao jurisdicionado? Em outras palavras, ele não impediria que os sindicatos representantes dos trabalhadores exercessem o direito de ação contra os sindicatos patronais?
Pois bem. Como já acima explicitado, a exigência foi inserida no texto constitucional através de uma Emenda, não tendo sido introduzida no ordenamento por meio de uma simples lei ordinária que, caso contrariasse a constituição, seria aprioristicamente tida por inconstitucional. Acrescente-se ainda que a EC nº. 45 respeitou todos os trâmites procedimentais constitucionalmente previstos para a elaboração de uma emenda, pelo que não há como negar que ela é formalmente constitucional. Mesmo diante desses argumentos, viria a afirmação segundo a qual uma Emenda Constitucional pode ser formalmente constitucional, entretanto não o ser substancialmente. Afinal, hoje já é pacífica a possibilidade de controle de constitucionalidade dessas espécies normativas, pois toda e qualquer alteração do texto da Magna Carta tem de, obrigatoriamente, respeitar os limites (expressos ou implícitos, materiais ou formais) traçados pelo Poder Constituinte Originário
Neste diapasão, embora seja formalmente constitucional, questiona-se a validade substancial do pressuposto, a dizer, a sua adequação aos princípios e ditames da Magna Carta. Renomados doutrinadores defendem não haver inconstitucionalidade alguma na exigência. Neste sentido, sustenta Edson Braz da Silva que não se pode confundir direito com interesse jurídico. Para ele, o interesse trata-se de uma vantagem ou benefício pretendido no intuito de satisfazer um desejo ou necessidade, sem que haja, porém, correspondente norma garantidora do dito interesse. Já o direito encontra paralelo em um bem juridicamente tutelado, ou seja, somente se tem direito sobre aquilo o que está juridicamente garantido. Logo, enquanto o direito pode ser violado, o interesse, por ser mera expectativa, não pode[152].
Completando o seu raciocínio, afirma o autor que por ser o dissídio coletivo uma ação tendente a apreciar interesses das categorias e não direitos preexistentes, não há de se falar em ofensa aos ditames constitucionais da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional. Acrescenta ainda que a norma constitucional originária (art. 5º, XXXV) e a inserida por Emenda (art. 114, §2º) encontram-se em um mesmo patamar hierárquico, tratando-se ambas de normas constitucionais, não podendo uma sobrepor-se à outra. Concluindo a sua tese, afirma que é a Lei que não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e não a própria constituição que pode, como o faz, excepcionar seus próprios ditames[153].
Otávio Brito Lopes também defende a constitucionalidade do novo pressuposto, fundamentando seu posicionamento no não exercício de atividade jurisdicional pelo Tribunal Laboral quando do julgamento dos dissídios coletivos econômicos. Escreveu:
“A se considerar o Poder Normativo como atividade jurisdicional, não se poderá deixar de reconhecer que a exigência do mútuo consentimento dos atores sociais para deflagrar o Poder Normativo se configura em verdadeiro cerceamento do acesso amplo ao Judiciário, o que seria inadmissível. Em se tratando, entretanto, de arbitragem judicial voluntária, como a nosso ver é a hipótese, não há que se falar em tal inconstitucionalidade, mesmo porque a arbitragem voluntária é de nossa tradição e decorre de nosso ordenamento jurídico (Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996), haja vista que o Brasil não adota a arbitragem compulsória”[154].
Utilizando-se do argumento de que o Dissídio Coletivo não tem como objeto um conflito ou uma lide, por não visar evitar a lesão ou a reparação a um direito reconhecido pelo ordenamento jurídico, o autor deixa evidente que as decisões nele proferidas possuem natureza de atividade legiferante, não estando, consequentemente, abarcada pela garantia do art. 5º, XXXV da CF/88. Em suma, como o exercício do poder normativo não é jurisdição, não há de se falar em ofensa à garantia de acesso ao judiciário.
Em novembro de 2007, foi aprovado, na Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, o Enunciado nº. 35, que adota a tese da constitucionalidade da exigência, como se pode observar:
“Dissídio coletivo. Comum acordo. Constitucionalidade. Ausência de vulnerabilidade ao art. 114, § 2º da CRFB. Dadas as características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do comum acordo (§2º, do art. 114, da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos”[155].
Em que pese os expostos posicionamentos sobre a constitucionalidade e respeitando-se as opiniões dos ilustres doutrinadores, entende-se que, apesar de ser a exigência um pressuposto constitucional do ponto de vista formal, pois inserido através de Emenda que observou os devidos trâmites processuais, ela não se reveste de constitucionalidade substancial, material ou principiológica, como será a seguir demonstrado.
7.4 INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL E PRINCIPIOLÓGICA DA EXIGÊNCIA DO COMUM ACORDO
Como afirmado no tópico anterior, a exigência do comum acordo foi inserida na Constituição Federal por Emenda, tendo cumprido com exatidão os requisitos necessários para que seja formalmente constitucional. Entretanto, não se pode fazer uma análise literal do texto da Magna Carta, baseada em formalismos exacerbados, sem levar em consideração os princípios básicos que norteiam toda a lógica do sistema, dentre os quais está a celeridade, a inafastabilidade de jurisdição e o respeito aos direitos e às garantias individuais.
De tudo o que já foi exposto nesse trabalho, fácil perceber que o principal interessado no Dissídio Coletivo Econômico como mecanismo para galgar conquistas é o empregado, jurídica e economicamente hipossuficiente na relação laboral. Ele vislumbra, nesse instituto, a chance de conseguir melhores condições e novos direitos não previstos nos textos normativos, daí a importância do procedimento. Nesse contexto, o sindicato obreiro, tradicionalmente fraco e inexpressivo frente aos poderosíssimos entes patronais, sempre encontrou no dissídio coletivo econômico uma maneira de compelir ou mesmo obrigar o empregador a negociar melhorias nas condições para os seus representados.
Ora, com a exigência do comum acordo, o que acontecerá se o sindicato não tiver força para pressionar os patrões pela negociação? Não será feito nada? Ficarão, assim, os empregados legalmente desamparados? Desses questionamentos já emerge a inconstitucionalidade substancial da mútua anuência, como será detalhadamente demonstrado.
É cediço que o inciso XXXV, art. 5º da CF consagra o princípio do acesso à justiça, pelo que todos aqueles que sofram ou estejam ameaçados de sofrerem lesões aos seus direitos podem recorrer ao Poder Judiciário.
Essa garantia, entretanto, mais do que belas palavras representativas de um ideário, tem de ser efetiva, ou seja, produzir efeitos práticos para que nenhum cidadão sinta-se privado de seus direitos e garantias. Ademais, a palavra direito foi utilizada no dito inciso em sentido amplo, não apenas significando os bens juridicamente tutelados, que tenham previsão legal, mas também para abranger toda e qualquer garantia ou condição condizente com a dignidade da pessoa humana.
Assim, não prospera o argumento segundo o qual a exigência do comum acordo é constitucional porque o dissídio econômico envolve interesses e não direitos. Aliás, em uma última análise, o que seriam os interesses senão a expectativa de futuros direitos? Sim, pois através do alcance de melhores condições de trabalho, o trabalhador, inegavelmente, está conquistando direitos para si. Seguindo essa linha de raciocínio, obstar o acesso do sindicato obreiro ao judiciário com base no argumento de que ele não está pleiteando direitos é uma contradição, pois a garantia de condições e de satisfação de interesses nada mais é do que uma maneira de se conquistar novos direitos.
Afinal, não tendo o legislador como prever e normatizar todas as situações em abstrato, o acesso ao judiciário em busca de conquistas verdadeiramente constitui-se em uma maneira de busca pela positivação e garantia de novos direitos. Impedir esse acesso seria, em última análise, impedir o direito de ação. Sustentando esse entendimento, afirma Amauri Mascaro Nascimento:
“Não é sustentável a afirmação de que no dissídio coletivo não há direitos, mas apenas interesses, para com esses pressupostos concluir-se que o princípio da inafastabilidade da jurisdição não foi violado. Dizer que no dissídio coletivo econômico não há um direito, mas um interesse e por tal razão nenhum direito teria sido violado é deslocar a discussão do seu núcleo. Não se discute o direito material pretendido. O que se verifica é se foi afetado o direito processual. É que a premissa é equivocada. Há um direito violado, sim: o direito de ação. O princípio constitucional do acesso ao Judiciário tem por fim assegurar a quem é titular, ainda que aparente, de um direito, a possibilidade de pedir a tutela jurisdicional para defendê-lo, quando outros meios lícitos de sua obtenção se mostrarem inócuos”[156].
Defende o autor, inteligentemente, que no dissídio coletivo está, em uma aprofundada análise, envolvido o direito de ação, que é constitucionalmente garantido. Assim, a exigência do comum acordo constitui-se em um impedimento ao livre exercício do direito de ação, pois cria um obstáculo para o sindicato obreiro.
Da mesma forma, improcede a tese segundo a qual o comum acordo não fere a garantia de acesso ao Poder Judiciário, pois este exerce atividade legiferante na apreciação de litígios. Como visto, o que visa o inciso XXXV, art. 5º da CF é garantir o direito de ação, de petição ao poder judiciário, independentemente da natureza da atividade ou decisão a ser proferida por este diante do pleito.
Quase sempre é impraticável a obtenção do consenso para a propositura do dissídio coletivo econômico. Estando as partes envolvidas em embates, conflitos e animosidades suficientes para impedirem que prosperem a negociação coletiva ou a arbitragem, resta claro que toda essa cizânia também obstará o comum acordo para a propositura da instância. Dessa forma, o não preenchimento do pressuposto para a apresentação do conflito ao judiciário pode gerar uma situação de perpetuação da contenda coletiva com enormes repercussões sociais.
Como o pressuposto constitui-se em exigência muito difícil de ser satisfeita, o conflito coletivo estaria sendo afastado da tutela jurisdicional. E isso não pode ocorrer, já que a exigência de que o autor cumpra requisito impraticável cerceia o seu direito de agir, o que é inconstitucional por afrontar toda a lógica e princípios da CF/88.
Acrescente-se ainda que exigir a anuência do réu para que possa ser exercido o direito de ação contra ele constitui-se em uma verdadeira aberração jurídica. Estaria sendo transferido o direito de ação para o réu, pois o autor somente poderia lhe demandar se ele assim anuísse. Qual o interesse do requerido em consentir que lhe seja proposta uma ação em juízo? Nos ensinamentos de Antonio Carlos de Araújo, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:
“O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do processo; a situação de ambas as partes perante o Estado-juiz (e particularmente a do réu) é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal”[157].
É perceptível que a obrigatoriedade de concordância da parte contrária para a propositura da instância fere o princípio da indeclinabilidade ou inafastabilidade da jurisdição. Desprovidos da força suficiente para negociar em pé de igualdade com os entes patronais, os sindicatos obreiros, sem a obtenção da anuência, ficarão de mãos atadas, sem ter o que fazer para galgar garantias à classe trabalhadora. Nesse sentido:
“Não tem nenhum sentido o processo judicial do dissídio coletivo, como tal, ajuizável somente quando as duas partes desejarem o processo, figura inexistente no direito processual contencioso. Se a natureza jurídica do dissídio coletivo é a de processo, condicioná-lo à autorização do réu, para que o processo possa ser movido, seria o mesmo que transferir o direito de ação do autor para o réu, portanto uma hipótese absurda e que contraria o princípio constitucional do direito de ação e a inafastabilidade da jurisdição, na medida em que é óbvio que ninguém autorizará outrem a processá-lo porque como contestante no processo, seria total a incompatibilidade entre o seu consentimento para que fosse demandado e a contestação que teria que fazer ao pleito para cuja propositura deu a sua aquiescência”[158].
Em meio a toda essa cizânia, a jurisprudência vem se posicionando por extinguir o processo sem exame de mérito face ao não cumprimento da exigência. Observe-se:
DISSÍDIO COLETIVO. EXIGÊNCIA DO COMUM ACORDO. Ajuizamento de Dissídio Coletivo deve ser resultado de comum acordo entre as partes envolvidas, podendo tal condição se apresentar de forma expressa ou tácita, sob pena de indeferimento da inicial e, via de consequência, extinção do Processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC (§ 2º, art. 114, CF). (TRT 5 - Processo 01026-2006-000-05-00-1 DC, AC. nº 009485/2007, Redatora Desembargadora Yara Trindade, SEDC, DJ 25/04/2007).
Apesar de a Desembargadora entender ser a exigência uma condição da ação, posicionamento que não é adotado neste trabalho, observa-se que a ausência do requisito, como já explanado anteriormente, leva à extinção do processo sem exame meritório. Resta latente que a relação processual é extinta de maneira totalmente prematura, o que põe em choque a constitucionalidade do mútuo consenso.
Importante deixar claro que não se quer desconstituir qualquer forma de extinção do feito sem julgamento do mérito, ou seja, aquelas em que esse procedimento se mostra necessário. Como bem explanado por José Orlando de Carvalho, não se está discutindo a utilidade do instituto nos casos necessários, especialmente nos que a ausência de pressuposto processual de existência é patente, em que há desinteresse pela lide ou mesmo nos casos de absoluto impedimento processual de abertura de jurisdição[159].
Entretanto, cabe tecer algumas ponderações sobre a possibilidade de terminação do feito decorrente de pressuposto processual. Isso porque o seu reconhecimento e decretação pelo magistrado pode causar uma inevitável negativa de acesso ao judiciário, principalmente se proclamado ex officio[160].
Baseando-se na moderna acepção de instrumentalidade do processo e de garantia de sua máxima efetividade, Humberto Theodoro Júnior adverte que a função processual, tendo por objeto precípuo a composição da lide, não permite que o magistrado supervalorize as questões formais, a ponto de dar a elas mais importâncias do que às materiais. Em outras palavras, não pode o formalismo exacerbado sobrepor-se ao mérito da lide. Consequentemente, o juiz somente pode decretar a extinção processual por vício de pressuposto (ou mesmo de condição da ação) quando o mesmo mostrar-se insuperável ou quando, depois de ordenado o saneamento, a parte incumbida não o promover dentro do prazo assinalado[161].
Analisando-se especificamente o pressuposto do comum acordo, somente a negativa expressa e fundamentada do sindicato em submeter o dissídio econômico coletivo à apreciação do Tribunal Laboral pode ensejar a extinção do feito por ausência de pressuposto. Mesmo assim, apesar de formalmente constitucional, essa prematura extinção vai de frontal encontro aos princípios da efetividade na prestação jurisdicional e da proibição do non liquet. Caso a negativa venha desacompanhada de coerente justificativa, poderá estar configurado o abuso de direito, a má fé ou mesmo um ato anti-sindical, os quais reclamam o suprimento judicial como maneira de evitar maiores prejuízos ao trabalhador.
Dessa forma, toda vez que o magistrado trabalhista se eximir de prestar a tutela, fundamentando-se no formalismo, evitando com que o processo cumpra o seu objetivo precípuo (de prestar a jurisdição com efetividade, dando ao titular do direito o que lhe é de direito obter), estará ferindo o princípio da instrumentalidade das formas e fazendo com que o processo seja um fim em si mesmo, o que deságua na mais nítida negação da justiça.
Outrossim, não existindo um consenso nas negociações coletivas, restará aos sindicatos patronais que não obtiverem o comum acordo duas alternativas: contentar-se apenas com os direito assegurados na legislação vigente, abrindo mão de lutar por novas condições, conquistas e de tudo aquilo o que foi galgado ao longo de anos de embates sindicais, ou deflagrar uma greve para pressionar a concessão de direitos e garantias.
Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento:
“A exigência do mútuo consentimento pode trazer outra consequência indesejada: o incentivo à litigiosidade contida. Ninguém pode duvidar que estará praticamente afetado o próprio direito de propor dissídio coletivo caso se conclua que a sua propositura deve ser autorizada pelo suscitado. Nesse caso, os Sindicatos de trabalhadores, frustrada a negociação coletiva e impossibilitado o dissídio coletivo, terão de encontrar uma desembocadura para o conflito. Certamente, à falta de negociação, os Sindicatos só terão uma alternativa: a greve, o que não é do interesse social e econômico do País. Desse modo, dar validade à exigência do ajuizamento bilateral do dissídio coletivo pode funcionar como um incentivo ao grevismo”[162].
Acrescenta Wilma de Araújo Vaz da Silva que o pressuposto do comum acordo acaba por inviabilizar a instância econômica, tendo como efeito colateral direto a instigação para a solução através das greves, pois elas seriam o único instrumento de pressão cuja deflagração não está sujeita pela lei à concordância do poder econômico. Logo, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do pressuposto[163]. A instauração por mútuo consenso seria excludente do direito de ação, que é “personalíssimo e insuscetível de ser compartilhado pela parte contrária”[164].
Utilizando-se de coerente raciocínio, sustenta Francisco Gérson Marques de Lima:
“Não andou bem a EC n. 45/2004 quando fez constar, no §2° do art. 144, CF, que as partes têm a faculdade, ‘de comum acordo’, de ajuizarem dissídio coletivo. Houve um condicionamento para o ajuizamento da ação: ambas as partes têm de concordar com isso. Ora, levando em conta a cultura laboral brasileira, especialmente a empresária, o dispositivo inviabiliza o acesso à Justiça (art. 5°, XXXV, CF); fragiliza as categorias profissionais, que dependerão da aquiescência empresarial para promover a ação; e estimula o indesejável movimento grevista, uma vez que a greve é o único outro caso autorizador da instauração da instância coletiva, o que vai contra o princípio da paz social. Além de afrontar o princípio da razoabilidade, a disposição constitucional fere a inquebrantável cláusula pétrea do acesso à Justiça (art. 60, §4°, IV, CF). Tudo isso torna inconstitucional a nova disposição, que pode ser combatida tanto pela via concentrada, quanto pela via do controle difuso, incidentalmente em cada dissídio coletivo promovido nos Tribunais do Trabalho (TRT's e TST)”[165].
Por meio do controle de constitucionalidade concentrado ou difuso deve-se primar pela soberania da Constituição, retirando-se do ordenamento as normas violadoras de seus preceitos. Quanto à exigência do comum acordo, não resta dúvida de que a mesma é material e substancialmente inconstitucional, por afrontar diretamente os mais basilares princípios da Constituição federal, tais como a efetividade da prestação jurisdicional, a proibição do non liquet e a garantia de acesso ao judiciário.
Ora, a necessidade de preenchimento desse pressuposto, em análise aprofundada, acabaria por retirar da Justiça Laboral o poder de julgar o dissídio coletivo econômico. Consequentemente, estariam sendo descumpridos os mandamentos constitucionais, pois, através dessas instâncias, busca-se que seja proferido um julgamento equitativo, que compatibilize a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho, fundamentos da República brasileira[166]. Mesmo que indiretamente, a exigência constitui-se em restrição limitadora de importante fonte material de normas coletivas, qual seja, a sentença normativa proferida no dissídio econômico, dada a dificuldade para que os empresários aceitem o seu ajuizamento.
Para agravar a situação, a inserção do pressuposto não veio acompanhada de uma reforma fortalecedora dos sindicatos, como poderia ter sido. Consequentemente, grandes e irreparáveis prejuízos podem ser causados aos trabalhadores caso não seja logo decretada pelo STF a inconstitucionalidade da exigência introduzida pela EC nº. 45/2004, já que, na maioria das vezes, eles não estão representados por sindicatos fortes e organizados aptos a exercer efetivas pressões capazes de levar os empresários a negociações ou mesmo responder com paralisações das atividades às injustificadas recusas de consentimento e negociação para o ajuizamento do Dissídio Coletivo Econômico.
Logo, é inconteste que a exigência ora em análise inviabiliza o alcance de melhorias das condições de trabalho, principalmente em face da intensa luta travada entre o capital e o trabalho, torneada pela cultura patronal de incessante busca pelo lucro. Sem sólidos fundamentos, os empregadores constantemente resistem aos pleitos dos empregados, vulneráveis econômica e juridicamente na relação, já que dependem dos salários para o sustento próprio e de seus familiares. Assim, defender a constitucionalidade da exigência significa comprometer a paz social para, só depois, ser possível a instauração do dissídio.