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A tutela penal das relações de consumo

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Agenda 01/11/2001 às 01:00

V - O que é Direito Penal do Consumidor ?

O Direito Penal do Consumidor é um ramo do Direito Penal Econômico que tem por finalidade o estudo de toda a forma de proteção penal à relação de consumo, como bem jurídico imaterial, supra-individual e difuso.

O Direito Penal do Consumidor circula em torno dos crimes contra o consumidor, os quais são forma de abuso do poder econômico que atentam contra a ordem econômica geral e devem ser coibidos, é pois, um conjunto de normas que se desenvolvem em torno das infrações cometidas nas relações de consumo.

Segundo STIGLITZ: O Direito Penal do Consumidor insere-se no rol da natural reação social contra a injusta pressão econômica exercida por uma das partes da relação de consumo sobre a outra.

Não se pretende tolher a produção, pois sem esta não há desenvolvimento. Por outro lado, o Direito Penal do Consumidor tem caráter subsidiário, assim como o Direito Penal Econômico, pois a sanção penal deve ser manejada quando esgotados os outros meios de sanção.

Os delitos visam proteger, de forma imediata, a relação de consumo, outros objetos tais como o direito à vida, à saúde, ao patrimônio, etc, são tutelados de forma mediata ou reflexa.

Basicamente os crimes contra as relações de consumo afetam um interesse – objeto jurídico, sem afetar um objeto material.

Para bem entender esses crimes é necessário ter em mente que o resultado previsto na figura típica é sobretudo um resultado jurídico, portanto, a repercussão material pode não existir.

Tal constatação delimita a dificuldade de se compreender esse tipo de criminalidade, pois as definições típicas indicam o complemento através de conceitos de outras ciências, afora o culto causalista da materialidade que bitola a investigação e a aplicação da lei penal do consumidor.

Considerando os princípios gerais do Direito Penal, no Direito Penal do Consumidor observa-se os seguintes princípios específicos:

- Princípio da Integridade ou da Intangibilidade das Relação de Consumo, isto é, através das normas penais do consumidor, o que se visa é assegurar a integridade daquela relação, sua seriedade, importância e retidão.

- Princípio da Informação Veraz, da Informação Adequada e Séria: significa que o fornecedor pode ser apenado criminalmente pela omissão da informação ao consumidor. Este princípio praticamente domina os delitos relativos às infrações de consumo.

No tocante ao Concurso de Pessoas aplica-se o princípio da culpabilidade, razão pela qual entende-se que o art. 75, do Código de Defesa do Consumidor – que mistura responsabilidade objetiva (proscrita no Direito Penal Moderno) com responsabilidade subjetiva – foi revogado pelo art. 11, da Lei nº 8.137/90.

A responsabilidade da pessoa jurídica é um assunto polêmico, um assunto de "fé" dentro do "mundo construído" do Direito. Toda essa discussão parece ser um parto "à fórceps alto" de um novo ramo do Direito, o direito de intervenção, de modo a tratar de forma científica as modernas relações econômicas, sem contudo abalar os canônes de sustentação do Direito Penal, afinal "ciência é linguagem".

O concurso de crimes é possível desde que não se perca a visão de que a objetividade jurídica dos crimes contra as relações de consumo é a própria relação de consumo, assim para o concurso de crimes, principalmente o formal ou ideal, devemos perceber a pluralidade de objetos jurídicos lesionados, do contrário poderemos estar diante de um concurso aparente de normas, a ser resolvido pelos princípios da especialidade, da subsidiariedade e da consunção, sendo que o alegado "princípio da alternatividade" nada mais é do que uma questão de análise dentro do próprio tipo penal.

Em relação ao tempo do crime aplica-se a teoria da atividade, prevista no art. 4º, do Código Penal: considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Considera-se o lugar do crime ou locus comissi delicti, o lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como, onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado (art. 6º, Código Penal).

Nos crimes pluri-locais ou de distância mínima, a questão é resolvida pelas regras normais de competência, nos termos do art. 70, caput, do Código de Processo Penal: "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração". Em se tratando de crimes de distância máxima, a questão será resolvida com a observância dos ditames prescritos no art. 7º, do Código Penal.

A ação penal é via de regra, pública e incondicionada, porém observe-se as regras contidas na Lei nº 9.099/95, nas quais vigora o princípio da oportunidade, em substituição ao princípio da obrigatoriedade.

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Elementos comuns dos crimes contra as relações de consumo:

Sujeito Ativo – é o fornecedor.

Sujeito Passivo – principal, a coletividade, secundário, o consumidor.

Objeto Material – é o produto.

Elemento Subjetivo – é o dolo de perigo (vontade livremente dirigida no sentido de expor o objeto jurídico a perigo de dano). É admitido o direto e o eventual.

Eis os elementos básicos de entendimento.


VI – Criminologia e Criminalidade Econômica

Ensina o Professor ANTÔNIO GARCIA-PABLOS DE MOLINA que:

"a Criminologia é uma ciência do "ser’, empírica; o Direito, uma ciência cultural, do "dever ser", normativa. Em conseqüência, enquanto a primeira se serve de um método indutivo, empírico, baseado na análise e na observação da realidade, as disciplinas jurídicas utilizam um método lógico, abstrato e dedutivo".

Esclarece, ainda:

"saber empírico e saber normativo são duas categorias antagônicas. Que a Criminologia pertença ao âmbito das ciências empíricas significa, em primeiro lugar, que seu objeto (delito, delinqüente, vítima e controle social) se insere no mundo real, do verificável, do mensurável, e não nos valores. Que conta com um sólido substrato ontológico, apresentando-se ao investigador como um fato mais, como um fenômeno da realidade. Estruturalmente isso descarta qualquer enfoque normativo. Porém a natureza empírica da Criminologia implica, antes de tudo que esta se baseia mais em fatos que em opiniões, mais na observação que nos discursos ou silogismos. O proceder dos juristas e criminólogos, assim, difere substancialmente. O jurista parte de umas premissas "corretas" para "deduzir" delas as oportunas conseqüências. O Criminólogo, pelo contrário, analisa uns dados e induz as correspondentes conclusões, porém suas hipóteses se verificam – e se reforçam – sempre por força dos fatos que prevalecem sobre os argumentos subjetivos, de autoridade" (1992: 26).

Constatar a realidade do Direito Penal Econômico, leva-nos a concluir que o seu deficiente desenvolvimento tem como principal causa:

O desconhecimento da forma real de atuação do crime econômico.

Esse grave defeito importa num desconhecimento à expressão humana no delito econômico, ou melhor, no desconhecimento do modus operandi do agente no verdadeiro crime econômico, aquele que alcança uma quantidade indefinida e indelimitável de pessoas, e que se executa através de pessoas jurídicas, geralmente sociedades comerciais.

Na verdade, a tarefa de elaborar leis em Direito Penal Econômico, em geral, e do Consumidor, em particular, é bastante difícil. Como observou RAÚL CERVINI, ela pode ser comparada a uma "operação de microcirurgia, onde se impõe um mínimo de atividade com o instrumento mais preciso"

É justamente esse o paradoxo da elaboração das normas de caráter econômico: o fato de que, para assegurar a liberdade do mercado, se tornam necessárias equilibrantes intervenções normativas, administrativas e judiciais.

D’outro lado, toda intervenção reveste-se de dificuldades particulares no quadro do caráter cada vez mais vasto e internacional da economia contemporânea, de sorte que merece especial atenção a conveniência de não criar diversidades artificiosas e desnecessárias, capazes de constituir obstáculos ao comércio.

As dificuldades na descoberta e no julgamento das infrações, que exigem um procedimento especializado e conhecimentos particulares por parte dos agentes dos órgãos formais de controle do delito, como a Polícia, o Ministério Público e os Tribunais.

Ocorre que esses órgãos, sendo solicitados contínua e intensivamente por outras atividades que chamam mais a atenção pública – vêem-se desviados desse alvo de contornos, por vezes, mal definidos. A par dessa dificuldade, existe também a desinformação, por parte dos integrantes daqueles organismos, de atividades próprias dos criminosos de "colarinho branco", que estariam a exigir daqueles agentes, conhecimentos de economia, mercado de ações, finanças altamente complexas, para os quais não foram preparados.

Se tal não bastasse, o valor protegido – a ordem econômica, em sentido lato – é um bem imaterial, não apreensível, não parecendo causar incômodo ao cidadão, em si considerado, mormente por transcender os direitos individuais universais.

A tanto soma-se o fato de legisladores, juízes, banqueiros, industriais, criminosos do "colarinho branco" parecem sentar à mesma mesa, oriundos que são da classe dos "cavalheiros", forma-se pois, um pacto inconsciente, pois o aplicador da lei não consegue enxergar um criminoso naquele que freqüentou o mesmo clube social ou cujos filhos são colegas na mesma escola.

Por tais motivos, os crimes contra a ordem econômica se encontram naquela cifra negra, como disse GÜNTHER KAISER, ou seja, entre aqueles delitos que não se descobrem e, acaso descobertos, não são denunciados, sendo que dos denunciados poucos resultam em condenação.

Vale recordar a frase de LACASSAGNE (1885):

"O meio social é o caldo de cultura da criminalidade; o delinqüente é o micróbio, que não tem qualquer importância enquanto não encontra a cultura que provoca a sua multiplicação... As sociedades têm os criminosos que merecem".

Talvez mais adequada seja a frase do Prof. HERMANN MANNHEIM, mais neutra, sem tanta carga valorativa:

"Cada sociedade tem o tipo de crime e de criminosos correspondentes às suas condições culturais, morais, sociais, religiosas e econômicas".

Porém, não se pode, à evidência, vislumbrar o crime econômico apenas sob a ótica criminológica, isto é, a de que só o poderoso pratica tal crime. Afinal, como adverte FRANCISO MUÑOZ CONDE, no Direito Penal moderno, delinqüente é aquele que comete um crime, e não aquele que procede de um meio social determinado e tem determinadas conotações pessoais (1995: 266).

No entanto, a contribuição da Sociologia Criminal é fundamental para a compreensão do delito econômico.

Afinal, bem observou GIORGIO DEL VECCHIO: "o crime não é simplesmente um fato individual pelo qual deve responder, de modo exclusivo, seu autor, para repará-lo; é também – e precisamente nas formas mais graves e constantes – um fato social que revela desequilíbrios na estrutura da sociedade onde se produz.. Em conseqüência, suscita problemas muito além da pena e da reparação devidas pelo criminoso".

A sociologia criminal é uma ciência muito recente, muito depois do Direito Penal, cuja origem remonta à antigüidade, e depois ainda da Criminologia, cuja origem se poderá situar na Escola Clássica, muito embora apenas tenha atingido a sua forma sistemática com a Escola Positiva Italiana.

Mas, se ao Direito Penal importa a definição do tipo de crime e a sua conseqüência sancionatória, à criminologia importa a compreensão da realidade criminal em todos os seus aspectos.

Numa primeira fase, a criminologia debruçou-se sobre a pessoa do delinqüente, servindo-se de métodos próprios da biologia e da psiquiatria, sendo pois, denominada "criminologia clínica".

Numa fase mais avançada da reflexão criminal, o criminólogo deslocou seu estudo para o meio social onde se gerou a prática delitiva – a acentuação deste aspecto da criminologia deu lugar à sociologia criminal. A partir do momento em que se compreende que não existe sociedade sem crime, não só não é concebível uma sociologia que ignore este fenômeno, como não é possível estudar o crime, considerado em abstrato, sem invocar o meio social onde se desenvolve.

A propósito, ÉMILE DURKHEIM afirma que "não há ato algum que seja, em si mesmo, um crime. Por mais graves que sejam os danos que ele possa causar, o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva sociedade o considerar como tal" (1995:23).

O fato de que em todas as sociedades, desde as menos evoluídas às mais evoluídas, se encontrarem manifestações anti-sociais não significa que todas as sociedades definam os mesmos tipos de crimes e que os mesmos crimes sejam delimitados com as mesmas características.

Na realidade, a tipologia dos crimes evolui no mesmo sentido da evolução social, assim, em certa medida, o crime é produzido pela sociedade, em termos abstratos, e praticado, em concreto, por um determinado membro da sociedade que não aderiu à ordem social.

Já comentamos as razões pelas quais o delito econômico é tão mal definido e pifiamente aplicado. Resta definir, apesar de todas as dificuldades técnicas quanto à sua própria gênese, por quem e porque é praticado.

Relembremos MARX e sua luta de classes, muitos delinqüentes furtam porque o furto representa para eles uma expressão natural do sentimento de que pertencem a uma classe social desprotegida.

O que dizer daqueles outros que não têm tais sentimentos ou que não são por eles arrastados para o crime.

O delinqüente econômico não é um criminoso político nem um revoltado. Mais do que revoltar-se contra as iniqüidades da sociedade, ele explora suas fraquezas. A conduta anti-social erigida ao patamar de crime econômico apresenta uma peculiaridade: a violação da confiança.

TERSTEGEN acentua que a sociedade moderna tem se tornado tão complexa e dinâmica que não permite aos seus membros, individualmente, a possibilidade de apenas celebrarem os seus negócios depois de esgotante e demorada comprovação do grau de confiança que as partes merecem.

"Quem compra numa farmácia deve poder ter a confiança de que será bem servido; já confia levianamente quem se dispõe a adquirir remédios num vendedor de bugigangas".

Porém é curioso notar que o crime econômico, embora atinja bens transindividuais, não gera forte reação popular, qual como um homicídio. A população empenha-se na punição do homicida, no entanto parece ter até "pena" do criminoso econômico.

Curiosa essa reação social, talvez explicada pela natureza imaterial do bem atacado.

Aproveitando-se dessa falta de conscientização social são editadas leis de efeito aplacativo, feitas para não serem aplicadas, pois extremamente mal-redigidas e complexas. Será má-fé ou ignorância ou cada uma a seu tanto ?

Na verdade, se a sociedade não cria o delinqüente econômico, tolera sua existência, de certa forma, então, incentivando-o a novas ações.

Frente ao crime econômico, a sociedade tal qual um organismo de anticorpos preguiçosos ou míopes tornando a lesão crônica.


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Sobre o autor
José Barroso Filho

magistrado da Justiça Militar da União, professor universitário, doutorando em Administração Pública pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha), mestre em Direito pela UFBA, especialista em Direito Público pela UNIFACS, pós-graduado pela Escola Judicial Edésio Fernandes/MG e pela Escola de Formação de Magistrados/BA, conferencista da Escola de Administração do Exército (ESAEX), diretor científico do Centro de Cultura Jurídica da Bahia (CCJB), membro do Núcleo de Ação Social (CORDIS), ex-juiz de Direito em Minas Gerais e Pernambuco, ex-promotor de Justiça na Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO FILHO, José. A tutela penal das relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2462. Acesso em: 22 nov. 2024.

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