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A democracia brasileira enquanto estado de exceção

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Agenda 20/06/2013 às 10:33

7. Conclusões

A nossa principal conclusão é que muito pouco mudou desde a antiguidade que nos ensinou Aristóteles, na medida em que os mecanismos de degeneração das democracias em demagogias e governos totalitários continuam em pleno uso nos Estados contemporâneos, às vezes disfarçado pela propaganda institucional muito bem realizada e remunerada, porém sempre se valendo da criação artificial de estados de emergência para legitimar os atos excepcionais com força de lei, os quais antes de defenderem a democracia e as constituições, atendem interesses dos grupos políticos para a manutenção do poder.

Se houvesse interesse real dos Estados modernos em implantar uma efetiva democracia, o caminho a ser seguido também está em Aristóteles, devendo-se extirpar as desigualdades sociais pela real distribuição de renda, realizando-se reforma agrária, concessão de linhas de créditos para micro-empreendedores e investimento maciço em educação de qualidade. Educado e com discernimento, o povo seria a mola propulsora para as transformações sociais em busca do equilíbrio entre os poderes, no limite para a instalação da verdadeira democracia, que na prática nunca tivemos do Brasil.

Pensa o professor Celso Antônio Bandeira de Mello que enquanto existirem medidas provisórias no nosso sistema jurídico, o poder executivo lançará mão delas abusivamente, sem consideração pelo direito e sem temer contestação significativa por parte dos demais poderes, dos meios de comunicação ou da sociedade em geral. E tal subserviência ocorre porque, no Brasil. o Poder Executivo desfruta, psicologicamente, de um status de soberano, de imperador. É inconscientemente considerado como tal porque, aqui, vive-se com uma entranhada mentalidade de "súdito", não de cidadão. Em suma, no Brasil, o que há é sentimento espontâneo, genuíno, de vassalagem.[40]

Oxalá as manifestações populares que se avolumam nesse mês de junho de 2013 sejam o sinal de uma virada nacional em busca da conquista da democracia.


Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. 2 ed. Tradução Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.

ARIAS, Carmem. Um estudo sobre as medidas provisórias no Brasil. Revista Mediações, vol. 6, n. 02, p. 29-53, jul./dez de 2001.

ARISTÓTELES. A política. Trad. Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Sobrevivência piorada do decreto-lei. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 maio 1996, Caderno I, p. 3.

HOBBES, Thomas. Os elementos da lei natural e política. Trad. Bruno Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.


Notas

[1] PLATÃO. A República. Trad. Leonel Vallandro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

[2] A política, p. 23.

[3] Ibidem, p. 153.

[4] Ibidem, p. 126.

[5] Ibidem, p. 216.

[6] “A primeira espécie de democracia é aquela que tem a igualdade como fundamento. Nos termos da lei que regula essa democracia, a igualdade significa que os ricos e os pobres não têm privilégios políticos, que tanto uns como outros não são soberanos de um modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente na mesma proporção.” (Ibidem, p. 211).

[7] Ibidem, p. 112.

[8] “Tais são as magistraturas indispensáveis a esses diferentes fins. Em resumo, elas se referem à religião, à guerra, às rendas e despesas do Estado, aos mercados, ao policiamento da cidade, dos portos e do campo, depois aos tribunais, às transações entre particulares, ao registro civil, à execução das penas, à guarda dos condenados, ao exame e verificação das contas dos magistrados responsáveis, e finalmente às assembléias do corpo que é chamado a deliberar sobre os negócios gerais do Estado” (Ibidem, p. 266).

[9] Ibidem, p. 253.

[10] Ibidem, p. 212.

[11] Ibidem, p. 213.

[12] Ibidem, p. 225.

[13] Ibidem, p. 258.

[14] Ibidem, p. 56.

[15] “Logo, a primeira coisa que eles devem fazer é consentir, cada qual expressamente, em algo que os aproxime mais de seus fins; e, para tanto, não se pode imaginar outra coisa senão isto: que eles aceitem a vontade da maioria de todos eles, ou a vontade da maioria de determinado número de homens por eles escolhidos e nomeados; ou, enfim, que aceitem que a vontade de um único homem implique a vontade de todos e seja tomada como tal. Feito isso, eles estão unidos e formam um corpo político. E se se supõe que a maior parte do número total implica a vontade de todos os particulares, dize-se então que eles constituem uma democracia, quer dizer, um governo no qual o número total (ou tantos quantos se queira), estando reunido, forma o soberano, e em que cada home particular é um súdito. Se se supõe que a maior parte de determinado número de homens, nomeados e distinguidos do restante, implica a vontade de cada um dos particulares, diz-se então que se trata de uma oligarquia, ou aristocracia, palavras essas que significam a mesma coisa, denotando também as diversas paixões daqueles que se valem delas; pois, quando os homens que exercem um tal ofício agradam, eles são chamados de uma aristocracia, do contrário, de uma oligarquia; e, nesse sistema, aqueles cuja maioria expressa a vontade da multidão inteira, enquanto reunidos, constituem o soberano, e cada home em particular é um súdito. Por último, se o consenso deles é tal que a vontade de um único homem (por eles nomeado) represente a vontade de todos, então o seu governo ou união é chamado de monarquia; e aquele único homem é o soberano, e cada um dos demais, súdito.” (Hobbes, Os elementos da lei natural e política, p. 106-107).

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[16] Ibidem, p. 118.

[17] Ibidem, p. 109.

[18] Ibidem, p. 139.

[19] Ibidem, p. 179.

[20] Apud Agamben, ibidem, p. 28.

[21] O presidente Franklin Roosevelt discursou dizendo que: “Assumo sem hesitar o comando do grande exército de nosso povo para conduzir, com disciplina, o ataque aos nossos problemas comuns. (...) Estou preparado para recomendar, segundo meus deveres constitucionais, todas as medidas exigidas por uma nação ferida num mundo ferido. (...) Caso o Congresso não consiga adotar as medidas necessárias e caso a urgência nacional deva prolongar-se, não me furtarei à clara exigência dos deveres que me incumbem. Pedirei ao Congresso o único instrumento que me resta para enfrentar a crise: amplos poderes executivos para travar uma guerra contra a emergência, poderes tão amplos quanto os que me seriam atribuídos se fôssemos invadidos por um inimigo externo.” (apud Agamben, ibidem, p. 37).

[22] Ibidem, p. 38.

[23] “Art. 74. Quando em casos extraordinários e de urgência, o governo adota, sob sua responsabilidade, provimentos provisórios com força de lei, deve apresentá-los no mesmo dia para a conversão às Câmaras que, mesmo dissolvidas, serão especialmente convocadas para se reunirem no prazo de cinco dias. Os decretos perdem eficácia desde o início, se não forem convertidos em lei no prazo de sessenta dias a partir de sua publicação. As Câmaras podem, todavia, regulamentar com lei as relações jurídicas surgidas com base no decreto".

[24] São por essas razões de direito comparado que o Supremo Tribunal Federal furta-se a discutir o mérito quanto aos requisitos de relevância e urgência para a edição de medidas provisórias no Brasil, nada obstante o nosso sistema constitucional atual não repita o italiano quanto ao impedimento da análise judicial, pelo contrário a Constituição de 1988 atribui, expressamente, ao Supremo Tribunal o controle constitucional das medidas provisórias (artigo 102, I, “a”).

[25] Ibidem, p. 32-33.

[26] Ibidem, p. 13-16, passim.

[27] Aristóteles, p. 212.

[28] Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 738-739.

[29] Um estudo sobre as medidas provisórias no Brasil, p. 30.

[30] O artigo 58 da Constituição de 1967 previa que o Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resultasse em aumento de despesa, poderia expedir decretos com força de lei sobre segurança nacional e finanças públicas, cujo texto tinha vigência imediata, devendo o Congresso Nacional aprová-los ou rejeitá-los, não podendo emendá-los. Entretanto, se dentro de sessenta dias o Congresso Nacional não deliberasse o texto seria tido como aprovado.

[31] Sobrevivência piorada do decreto-lei, p.3.

[32] Ministro Nelson Jobim, discurso de abertura do ano judiciário, proferido no Plenário do Supremo Tribunal Federal em 01.02.2006, Disponível: <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/aberturaJudiciario.pdf>.

[33] Proposta de Emenda Constitucional n. 33 de autoria do Deputado Nazareno Fonteles (PT-PI).

[34] O professor Willis Santiago Guerra Filho manifestou-se recentemente no sentido de que a Proposta de Emenda Constitucional n. 37 de 2011 que visa limitar os poderes institucionais do Ministério Público representa um ataque à democracia e, por isso, um passo para instauração do estado de exceção. (PEC 37 é institucionalização de estado de exceção. Revista Consultor Jurídico, publicado em 03.06.2013, Disponível <http://www.conjur.com.br/2013-jun-03/willis-filho-pec-37-institucionalizacao-estado-excecao>, acesso em: 18.06.2013).

[35] “Pelo exposto até aqui, fica evidenciado que o Executivo brasileiro tem se servido de um poderoso conjunto de instrumentos para controlar a agenda do Congresso, bloqueando - através da combinação de dispositivos institucionais tais como medidas provisórias, vetos e pedidos de urgência - toda e qualquer legislação que não lhe seja conveniente, e promovendo aquelas que considera prioritárias.” (Carmem Arias, Ibidem, p. 37).

[36] Por todos: PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo. Uma teoria da preponderância do poder Executivo: o sistema de comissões no Legislativo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 43, p. 45-67. jun. 2000.

[37] “(...) Venho dar conhecimento as Vossas Excelências que o Poder Judiciário e Ministério Público Federal encaminharam ao Poder Executivo proposta de elevação de salários do seu funcionalismo com impacto total de R$ 7,7 bilhões em 2012. Essas propostas estão anexas e não puderam ser contempladas no projeto de lei que ‘Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2012’. As propostas, que ora remeto, não foram incluídas na peca orçamentária de 2012, em primeiro lugar, em função de um quadro de incerteza econômica mundial, onde é indispensável que o Brasil mantenha uma realidade fiscal responsável que lhe permita lidar com sucesso com eventuais situações de crise. Ha possibilidade de agravamento na situação econômica internacional em 2012, com risco de recessão em economias avançadas e forte volatilidade nos preços dos ativos financeiros. Varias economias enfrentam problemas justamente por sua situação fiscal, com alto endividamento e déficit públicos. Nesse cenário, e importante que o Brasil mantenha sua trajetória de equilíbrio fiscal, com geração de resultados primários compatíveis com a redução da dívida publica em relação ao PIB, bem como com o controle da inflação e o estimulo ao investimento e ao emprego. Um aumento excessivo na despesa primária do governo central traria insegurança e incerteza sobre a evolução da economia brasileira em um contexto internacional já adverso.” (Mensagem n. 355 da Presidência da República, de 02.09.2011).

[38] http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/742IPB_quadro1.pdf

[39] http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/742IPB_quadro2.pdf

[40] Ibidem.


Abstract: The aim of this paper is to dialogue with the political theories of Aristotle, Thomas Hobbes and Giorgio Agamben on the birth and morphology of the State, in order to understand the various forms of government and their degeneration, especially that democracy includes several variations, including the impure forms of demagoguery and tyranny. In the degenerate species of democracy is that there is the phenomenon of the state of exception, currently marked by overlapping factual Executive, which uses mechanisms of manipulation of the legal system to impose its power, whose main tools are the use of acts with legislative effects outside the strict constitutional assumptions and manipulation of public opinion.

Keywords: Theories policies - present Brazilian democracy - state of exception

Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. A democracia brasileira enquanto estado de exceção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24758. Acesso em: 22 nov. 2024.

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