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Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise doutrinária

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Agenda 04/07/2013 às 10:01

Os tribunais superiores têm feito referência à teoria da chance perdida. Em alguns casos, calcula-se corretamente a indenização na medida da probabilidade que a vítima possuía de auferir vantagem ou evitar prejuízo. Em outros, as decisões são equivocadas por determinar a indenização por lucros cessantes ou danos morais.

Resumo: A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, originária do direito francês – perte d´une chance –, também aplicada na Itália e nos Estados Unidos da América, entre outros, visa proteger as vítimas que sofrem danos decorrentes de conduta ilícita e antijurídica, comissiva ou omissiva, culposa ou dolosa, sendo-lhes retirada a chance de obter lucro ou evitar prejuízo. Tanto no direito francês, quanto no italiano, uma cláusula geral de responsabilidade civil permite a aplicação da teoria, sem que seja necessária qualquer alteração legislativa na norma. No Brasil, o Código Civil de 2002, da mesma forma que na França e na Itália, apresenta cláusula semelhante, possibilitando a ampla reparação civil pelos danos causados a outrem, abarcando dessa forma, a chance perdida. Para que seja possível a aplicação da teoria, é fundamental que os elementos da responsabilidade civil estejam presentes, quais sejam, a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade, sendo que este, pode ser apresentado numa visão menos ortodoxa daquela normalmente aplicada aos demais casos de indenização. A chance perdida indenizável não é aquela oriunda de mera expectativa de um ganho futuro hipotético. Ela deverá ser séria e real e estar definitivamente incorporada ao patrimônio pessoal da vítima, sendo estatisticamente comprovável. Sua perda causa um prejuízo mensurável, gerando para o sujeito causador do dano, a obrigação de indenizar. Nos casos de perda de uma chance, o que se busca, é recompor o patrimônio da vítima, na exata dimensão do dano, provado por um liame necessário, valorado pelo magistrado, segundo critérios de razoabilidade, proporcionalidade e equidade.

Palavras-chave: Direito Civil brasileiro. Responsabilidade civil. Perda de uma chance. Dano. Indenização. Profissionais liberais.


1.INTRODUÇÃO

A vida contemporânea tem possibilitado às pessoas relacionarem-se de uma forma jamais imaginada em eras passadas. Os relacionamentos, tanto pessoais, quanto comerciais, têm atingido elevado grau de interação, levando a inúmeras possibilidades. Outrossim, na mesma proporção, tem crescido o número de eventos danosos, fazendo surgir novas espécies de danos. Nesta seara, a partir do século XIX, desenvolveu-se no ordenamento jurídico francês, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência daquele país, a possibilidade de indenizar a chance perdida, que poderia, dentro de um juízo de probabilidades matemáticas, auferir à vítima, lucro, ou, pelo menos, evitar um prejuízo. A responsabilidade civil, atenta ao desenvolvimento da civilização, visando à pacificação social, bem como retornar à vítima, ao statu quo ante, abarcou esta nova espécie de dano, a perda de uma chance, e comina ao agente que causa prejuízo a outrem, a aplicação de uma sanção consubstanciada em indenização. Dessa forma, tanto o agente, quanto a sociedade em geral, tem a certeza de que essa espécie de dano não ficará sem reparação, dando à punição, nesses casos, um escopo em forma de prevenção, cumprindo seu papel social.

O estudo da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é relevante para o ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o instituto da responsabilidade civil evolui com a sociedade e o dano causado pela chance perdida urge apresentar uma resposta, a fim de indenizar a vítima pelo prejuízo suportado. Começam a surgir decisões esparsas na jurisdição civil contenciosa brasileira, porém algumas carecem de fundamento jurídico-normativo para uma maior segurança jurídica, a fim de estender sua aplicação de modo uniforme para todos os recantos, mesmo os mais longínquos do país.

Essa teoria apresenta uma nova forma de indenizar as vítimas, pelos danos sofridos em decorrência de atos ilícitos, apesar de alguns julgados nacionais a terem classificado, ora como dano emergente, lucro cessante, ou mesmo a título de dano moral. A partir de uma ampla disseminação da teoria, espera-se que sua aplicação se dê de forma correta, para que o quantum indenizatório se aproxime do valor a que faz jus a vítima.


2.RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil tem ganhado destaque na seara jurídica nas últimas décadas, principalmente pelo aumento do grau de complexidade das relações humanas e do avanço tecnológico que a todos atinge. Surgem novas formas de se responsabilizarem as pessoas pelos seus atos, sejam eles comissivos ou omissivos, culposos ou dolosos. O dinamismo da vida moderna exige a ampliação da obrigação de indenizar, de modo que nenhum lesado fique sem o ressarcimento adequado pelo dano sofrido. Sobre o aumento do potencial lesivo da sociedade e, por conseguinte, a responsabilização civil do lesante, Mamede (2011, p. 719), informa:

A primeira causa da expansão da responsabilidade civil é aquela que diz respeito ao aumento do potencial lesivo da sociedade. A continuada evolução tecnológica produz, como contrapartida, o inevitável aumento da capacidade que uma sociedade possui de causar danos. [...] a sociedade contemporânea experimenta uma progressão acentuada em sua potencialidade lesiva, como fruto não apenas da massificação da vida social, mas também das constantes novidades científicas e tecnológicas.

A tecnologia e o seu constante desenvolvimento, ao mesmo tempo em que facilita a vida das pessoas, acentuando a crescente interação social, quer no recesso de seus lares, quer na sociedade, apresenta um lado negativo, ao potencializar a capacidade humana para lesar o semelhante, o que tem causado sobremaneira o aumento da responsabilidade civil. A partir desse ponto de vista, constata-se na prática forense, um aumento significativo e inevitável do número de ações de indenização por danos causados, sejam eles materiais ou morais.

Na sociedade contemporânea, a responsabilidade civil é vislumbrada sob a ótica de algumas tendências. Uma delas, é a quantificação de danos indenizáveis que decorre diretamente da difusão da tecnologia e das relações da vida social; a objetivação da responsabilidade civil, outra tendência, provém do aumento de atividades, produtos e serviços que apresentam em seu cerne, um alto potencial lesivo, um risco que deve ser suportado por quem os desenvolve, apresenta à sociedade e lucra com eles; como terceira tendência, tem-se a coletivização de danos que é oriunda da atividade securitária, que visa amenizar os efeitos das ações de risco, a fim de garantir que elas continuem a serem desenvolvidas e postas à disposição da coletividade, sendo que os custos são por ela suportados.

Presume-se que os indivíduos nas suas relações interpessoais, atuarão seguindo o princípio da boa-fé objetiva, seja nas interações contratuais ou não. Esperam-se atitudes leais, o que vem a contribuir para que o liberalismo, tanto econômico quanto jurídico, dê espaço às relações em que a dignidade da pessoa humana seja o objetivo a perseguir, de forma que a confiança seja regra e o cuidado com os direitos e interesses de outrem, um agir comum. Nessa esteira, Rossi (2007, p. 3), assevera que, em verdade,

o problema da responsabilidade civil está voltado à reação ou mesmo à consequência jurídica gerada por uma ação, omissão, risco considerado, ilicitude, muitas vezes licitude do ato praticado, negativa de um direito assegurado, fornecimento de algo inadequado, má ou insuficiente prestação de serviço, bem como qualquer outra fonte geradora de responsabilização do agente causador do evento.

A responsabilidade é consequência de um ato que, via de regra, é contrário ao pactuado contratualmente, ou aos princípios norteadores do Direito. Essa ação ou omissão sempre deve estar ligada a um dano para que seja caracterizada e enseje a reparação do prejuízo. Seguindo por esse caminho, Sergio Cavalieri Filho (2003 citado por ROSSI, 2007, p. 12), afirma que

“Quem infringe dever jurídico lato sensu, de que resulte dano a outrem fica obrigado a indenizar. Esse dever, passível de violação, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei”.

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Todo agir humano resulta numa consequência social e jurídica. Atitudes leais originam respostas igualmente adequadas ao viver em sociedade. Aquele que causa dano ou prejuízo a outrem, deve assumir as consequências de seus atos. Para toda obrigação inadimplida, tem-se um dever sucessivo, qual seja, a responsabilidade. A obrigação a que as pessoas estão sujeitas, respeita o princípio que prescreve que a ninguém se deve lesar, em prol da liberdade individual e de uma vida regrada em sociedade, em que todos devem ser cumpridores dos seus deveres e assim, desse modo, as interações sociais são possíveis e fomentadas para a construção de um viver digno e livre.

Para Schmitt (2010, p. 11), “a característica fundamental da responsabilidade civil é a busca da paz social, através da erradicação do dano. Sua finalidade é recompor o equilíbrio afetado”. Para o pensamento coletivo em geral, garantir o respeito à esfera jurídica das pessoas, proporcionando a recomposição dos prejuízos sofridos em virtude de uma conduta ilícita, sendo esses danos materiais ou morais, constitui-se a função primeira da responsabilidade civil, pois esta gera, na sociedade, segurança jurídica, ordem e paz social, bem como proteção à vida, cuja harmonia, sendo rompida, há que se ter a possibilidade de reestruturação e recomposição.


3.TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

O agir humano traz inúmeras situações que podem causar perdas às pessoas e, vez por outra, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo. De acordo com Savi (2009, p. 1), “os exemplos são vários e muito frequentes no dia a dia. Dentre os exemplos mais conhecidos pode-se citar o clássico do advogado que perde o prazo para interpor o recurso de apelação contra a sentença contrária aos interesses de seu constituinte”.

O sistema jurídico classifica os danos de acordo com as suas características, o que facilita, tanto a prova da extensão desse dano, quanto o arbitramento da indenização devida. Entre as espécies de dano, tem-se, do direito francês, a responsabilidade civil pela perda de uma chance. Nas palavras de Cavalieri Filho (2010, p. 77), a perda de uma chance caracteriza-se quando “em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado [...]”. De acordo com Rosário (2009, p. 133):

A perda de uma oportunidade ou chance constitui uma zona limítrofe entre o certo e o incerto, o hipotético e o seguro; tratando-se de uma situação na qual se mede o comportamento antijurídico que interfere no curso normal dos acontecimentos de tal forma que já não se poderá saber se o afetado por si mesmo obteria ou não obteria os ganhos, ou se evitaria ou não certa vantagem, mas um fato de terceiro o impede de ter a oportunidade de participar na definição dessas probabilidades.

O termo chance significa em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda. De acordo com Savi (2009, p. 3), “a melhor tradução para o termo chance seria, em nosso sentir, oportunidade. [...] não obstante, entendermos mais técnico e condizente com o nosso idioma, a expressão perda de uma oportunidade”. Corroborando com essa posição, Venosa (2012, p. 308), afirma que “chance é termo admitido em nosso idioma, embora possamos nos referir a esse instituto, muito explorado pelos juristas franceses, como perda de oportunidade ou de expectativa”. Por estar consagrada tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, é mais comum utilizar a expressão “perda de uma chance”. Para Carlos Roberto Gonçalves (2007 citado por SCHMITT, 2010, p. 81), a responsabilidade pela perda de uma chance

“consiste na interrupção, por um determinado fato antijurídico, de um processo que propiciaria a uma pessoa a possibilidade de vir a obter, no futuro, algo benéfico, e que, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Frustra-se a chance de obter uma vantagem futura. Essa perda de uma chance, em si mesma, caracteriza um dano, que será reparável quando estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil”.

Um ato ilícito interrompe abruptamente o modus vivendi da vítima, de tal sorte que lhe frustra uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada. Cavalieri Filho (2010, p. 77), informa que “deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda”. Para esse autor, deve-se olhar para a chance, como a perda de uma probabilidade de que um determinado resultado – aumento de patrimônio ou não ocorrência de dano – venha a ocorrer, e não como a perda da própria oportunidade, pois, dessa forma, estar-se-ia diante de um dano emergente, uma vez que não se tem a certeza de que o evento irá se concretizar. Acerca da conceituação da perda de uma chance, Venosa (2012, p. 39), esclarece:

Quando vem à baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do ato ou fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo final, que pode ser uma certa idade para a vítima, um certo fato ou a data da morte. Nessas hipóteses, a perda da oportunidade constitui efetiva perda patrimonial e não mera expectativa.

A perda da chance pode ser considerada como um dano presente, sendo que ela normalmente é perdida no exato momento em que se verifica a conduta humana danosa. Nesse sentido, os irmãos Mazeaud (1978 citados por SILVA, 2009, p. 111), afirmam que “a chance se isola como um tipo de propriedade anterior da vítima e que é definitivamente perdida por ela, pelo ato ilícito do réu”.

Para se falar em perda de uma chance, há que se ter um prejuízo de ordem material ou moral, passível de prova, oriundo de um ato ilícito não fictício. A valoração da indenização será arbitrada através de cálculo que pondera o quanto essa possibilidade era séria e real para se realizar, e não pela própria vantagem. De acordo com as palavras de Silva (2009, p. 12), pode-se dizer que sempre será possível observar, nos casos de responsabilidade pela chance perdida “uma ‘aposta’ perdida por parte da vítima. Tal aposta é uma possibilidade de ganho; é a vantagem que a vítima esperava auferir, como a procedência da demanda judicial, a obtenção do primeiro prêmio da corrida de cavalos, ou a sobrevivência no caso do parto”. A vítima, antes do evento danoso, estava num processo aleatório e que contava com alguma chance de ser beneficiada por uma vantagem futura, caso nada interrompesse a sequência natural dos fatos. Havendo um ato ilícito que lhe causa a perda dessa probabilidade de sucesso, poderá pleitear indenização, uma vez que através de cálculos matemáticos estatísticos, pode-se valorar a chance perdida, dando-lhe uma condição de certeza.

3.1Chance efetiva incorporada ao patrimônio do sujeito de direitos ou mera expectativa

Da mesma forma que os demais elementos da responsabilidade civil, para a adoção dessa teoria, pressuposto fundamental é a análise que se faz da chance perdida. Nas palavras de Schmitt (2010, p. 81), “esta chance, no entanto, deve ser séria e real, e não apenas especulativa e abstrata”. De acordo com as palavras de Cavalieri Filho (2010, p. 77):

É preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas.

Não se pode falar em indenizar, diante de especulações, suposições ou meros desejos da suposta vítima, pois, se assim o fosse, oportunistas de plantão alimentariam uma fábrica de danos inexistentes, deixando a jurisdição de buscar a reparação de prejuízos efetivamente ocorridos em virtude  de  chances  perdidas. Seguindo por esse caminho, o Superior Tribunal de Justiça (2012), assevera:

Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça [2012]).

Para que seja plenamente reparável a chance perdida, imprescindível que ela seja “revestida de uma camada de certeza”. Simples esperanças subjetivas não deverão ser dignas de apreciação pelo Poder Judiciário, sob pena de se subverter a real intenção da teoria. Para Venosa (2012, p. 308), “se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza [...]”. Não se pode afirmar que toda chance perdida deva ser indenizada, apenas as sérias e reais, com grande possibilidade de vir a resultar em vantagem econômica, gerando aumento de patrimônio ou a não diminuição deste.

3.2Aplicação da teoria

A perda de uma chance possui duas vertentes a considerar: um ato ilícito retira da vítima a possibilidade de auferir uma vantagem no futuro e, um ato ou omissão permitem que um prejuízo ocorra, ou seja, poderia ser evitado, mas não foi. Nessa esteira, tem-se o posicionamento de Gisela Sampaio da Cruz (2008 citada por SAVI, 2009, p. 46):

“[...] enquanto na perda de uma chance clássica o dano decorre do evento danoso que interrompeu o processo em curso, no caso da perda de uma chance de evitar um prejuízo que já aconteceu o dano surge exatamente porque o processo em curso não fora interrompido, quando podia tê-lo sido feito. Se o processo tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade – isto é, a chance – de o dano não se verificar. Então, ao contrário dos casos clássicos de perda de uma chance, aqui as chances não estão mais relacionadas a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são atinentes a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Tem-se conhecimento de que ocorreu um dano por força de determinada cadeia causal; o que se indaga é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo em curso”.

Existem diversas situações no cotidiano das pessoas que podem ensejar ação de reparação de danos por perda de uma chance. Savi (2009, p. 89), transcreve parcialmente o voto [vencido] do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, na apreciação do REsp. nº 57.529-DF, Quarta Turma, relator Ministro Fontes de Alencar, julgado em 07/11/1995, a saber:

“A autora pretende a indenização pela perda da chance. O tema tem sido versado em outros países, especialmente na França, onde a doutrina, incentivada por decisões da Corte de Cassação, admite a necessidade de ser responsabilizado o autor da ação ou da omissão que causa a outrem a perda de uma oportunidade real de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo, nas mais diversas situações jurídicas, seja no tratamento médico, na disputa judicial, na vida social, profissional ou comercial. A jurisprudência francesa registra inúmeros precedentes: perda da chance de ser laureado pela pintura não exposta a tempo por culpa do transportador; perda da chance de um proveito na bolsa por causa da execução tardia de ordem pelo agente de câmbio; perda da chance de melhoria na carreira; perda da chance de ganhar um processo por incompetência do advogado ou falta de recurso; perda da chance de obter um emprego pela liberação tardia do diploma; perda da chance de prosseguir nos trabalhos de laboratório etc”.

A perda da chance, geradora do dano material, também pode determinar a configuração do dano moral, pela frustração da possibilidade de ganho futuro. Nos casos em que faltam requisitos à correta configuração do dano patrimonial, resta pleitear indenização por dano moral, em virtude de abalo psíquico sofrido. Não é passível de aceitação, que a perda de uma chance configure, mormente, apenas o dano moral, pois, presentes os requisitos exigidos para a sua ocorrência, tem-se um dano de ordem patrimonial, classificado como uma (sub)espécie de dano emergente, sendo que o prejuízo ocorreu no momento em que se deu a conduta humana lesiva e ilícita. Nas palavras de Savi (2009, p. 101), “se o dano material causado pela perda da chance enquadra-se no conceito de dano emergente, não há como se admitir o posicionamento contrário à integral reparação do dano sofrido pelas vítimas nestes casos, desde que, [...] as chances sejam sérias e reais”.

O ato lesivo decorrente da conduta do agente, causa um prejuízo à vitima, qual seja, retira desta, todas as chances que possuía de obter uma vantagem ao final do processo aleatório em que se encontrava. Não há que se confundir com a perda da própria vantagem final, uma vez que o ato ilícito não constitui condição única e derradeira para a perda da vantagem final, posto que se assim o fosse, estar-se-ia diante de um caso de indenização pelo dano emergente ou lucro cessante.

A Carta Magna visa, na sua essência, à dignidade da pessoa humana e à pacificação social. O direito civil, interpretado a partir dessas premissas, permite que os elementos presentes nas situações que geram responsabilidade civil sejam valorados de forma a se ter a completa dimensão do ato ilícito e suas consequências, o que vem a contribuir para que a justiça seja alcançada de forma mais efetiva no caso concreto. Considerar a chance perdida como um dano injusto, constitui-se num facilitador para a sua efetiva reparação. A mudança de paradigma da responsabilidade civil, do sujeito lesante para o dano efetivo suportado pelo lesado, corrobora com a formação do conjunto valorativo que culmina com a indenização dessa espécie de dano. Joseph King Jr. (1998 citado por SILVA, 2009, p. 77), “vislumbra as chances perdidas pela vítima como um dano autônomo e perfeitamente reparável, sendo despicienda qualquer utilização alternativa do nexo de causalidade”.

3.3A questão da indenização para a teoria da perda de uma chance

Em alguns casos de indenização por danos materiais e em grande parcela dos danos morais, a fixação do quantum indenizatório se torna um desafio para o magistrado que se vê diante de situações em que a proporcionalidade e a razoabilidade são as suas únicas armas para que faça valer seu dever de dizer o Direito. Com relação à quantificação da indenização pela perda de uma chance, essa dúvida do juiz pode se tornar imensamente maior. Com o propósito de clarear sobre esse tema, Schmitt (2010, p. 81-82) informa:

O montante devido à vítima, isto é, o quantum indenizatório, [...] deve ser fixado em percentual que incida sobre o total da vantagem que poderia ser obtida, representando de forma razoável a probabilidade de ser configurada a expectativa do lesado. Outrossim, [...] este percentual não pode, em qualquer hipótese, resultar na própria vantagem que poderia ser obtida.

Para Venosa (2012, p. 39), “o grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização”. De acordo com Silva (2009, p. 59), quando o magistrado faz a estimativa do valor da chance perdida, “ele aprecia estatisticamente a correlação existente entre o fato gerador da responsabilidade e o dano”.

Além do quantum indenizatório, outra questão igualmente merecedora de amplo debate pela doutrina e jurisprudência, é como classificar adequadamente essa indenização. Sobre esse tema por vezes espinhoso, Cavalieri Filho (2010, p. 79-80) assevera:

A que título deve ser concedida a indenização pela perda de uma chance? Por dano moral ou material? E neste último caso, a título de dano emergente ou lucro cessante? Essa questão é também controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência. Em muitas oportunidades os tribunais indenizam a perda de uma chance, ainda que não se refiram à expressão, a título de lucros cessantes; outras vezes, como dano moral.

Há forte corrente doutrinária que coloca a perda de uma chance como terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante. Entre um extremo e outro caberia uma graduação, que deverá ser feita em cada caso, com critério equitativo e distinguindo a mera possibilidade da probabilidade.

A indenização pela perda de uma chance foi corretamente classificada pela doutrina e jurisprudência italianas. No Brasil, a bem de corretamente se aplicar a teoria, deve-se seguir o mesmo caminho, definindo-a como uma (sub)espécie de dano emergente ou mesmo como um dano autônomo. Classificá-la como lucros cessantes implica uma maior dificuldade de prova, o que, em muito se distancia da correta significação e interpretação da teoria, deixando, em muitos casos, de reparar o dano causado pelo lesante. Classificar a indenização como dano moral, deveras, torna-se bem pior que por lucros cessantes, uma vez que a chance perdida é economicamente valorável e está definitivamente incorporada ao patrimônio da vítima. Constitui-se num valor monetário e não numa perda ou dor moral. De acordo com Venosa (2012, p. 304), “a denominada ‘perda de chance’ pode ser considerada uma terceira modalidade [...] a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante”. Seguindo por essa vereda, o Superior Tribunal de Justiça (2012), arremata:

O juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil, aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça [2012]). 

Mister frisar que a responsabilidade pela perda de uma chance deve ser utilizada quando a vítima está impossibilitada de provar o nexo de causalidade entre a perda definitiva da  vantagem esperada e a conduta do agente causador do dano. De acordo com Silva (2009, p. 142), “resta para a vítima, portanto, a reparação pela perda de uma chance, já que poderá provar o nexo causal entre a conduta do agente e as chances perdidas”. Conforme Venosa (2012, p. 308), “o julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da ‘chance’”. Silva (2009, p. 143), comentando decisão recente da primeira câmara da Corte de Cassação francesa [2002], informa que esta ratificou que “a reparação da perda de uma chance deve ser mensurada de acordo com a chance perdida e não pode ser igualada à vantagem em que teria resultado esta chance, caso ela tivesse se realizado”. Essa decisão confirma o entendimento da aplicação da teoria, em que prescreve que não se deve indenizar pelo montante do dano final, apenas quantificando pelas chances perdidas, que já se encontravam no patrimônio da vítima.

Sobre os autores
Saul José Busnello

Advogado atuante em Blumenau/SC; Pós-Graduado em Direito Processual Civil (Instituto Catarinense de Pós-Graduação – ICPG); Professor Universitário no Curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise doutrinária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3655, 4 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24875. Acesso em: 23 dez. 2024.

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