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Cláusula de arbitragem, o acesso à Justiça e a visão do Código de Defesa do Consumidor

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É necessário adotar mudanças no juízo arbitral para resolução de conflitos de consumo, o qual exige um procedimento informal, compatível com a usual baixa complexidade e o reduzido vulto econômico das causas.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO – CONCEITO DE PRINCÍPIOS 2 APANHADO DOUTRINÁRIO RELATIVO AO ACESSO À JUSTIÇA 3 ARBITRAGEM E PANORAMA INTERNACIONAL 3.1 A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS CONTRATOS DE CONSUMO 3.2 CONFLITOS DE CONSUMO E COMPROMISSO ARBITRAL 3.3 MODELOS INTERNACIONAIS 4 CONCLUSÃO 5 BIBLIOGRAFIA.


1 Introdução – Conceito de Princípios

Torna-se necessária a compreensão do conceito de princípio para a devida avaliação do conceito de ordem jurídica justa. Após longos anos de estudo e de diversas e respeitadas posições doutrinárias, resta latente uma multiplicidade de definições e conceitos com relação ao tema, sendo elas das mais diversas fontes e ciências.

Os princípios se revelam por uma unidade de preceitos fundamentais que norteiam todo nosso sistema jurídico, sendo alguns deles de aplicação para todo sistema jurídico, ao passo que outros somente norteiam determinados ramos ou vertentes[1].

Vivemos um momento de reconhecimento da plena eficácia dos princípios, sendo definidos pelo Prof. Paulo Bonavides como pedestal normativo sobre o qual se assenta todo o edifício jurídico dos sistemas constitucionais[2]. A definição revela-se clara, já que representam a base sobre a qual se constrói todo nosso ordenamento jurídico.

Os princípios revelam-se como o núcleo basilar (fundamento hermenêutico[3]) da ordem jurídico-positiva, do qual emanam seus efeitos sobre todo[4] o ordenamento normativo. É ele o norte para a interpretação e a aplicação deste ordenamento normativo, ofertando as diretrizes fundamentais. Trata-se do que o Prof. Daniel Sarmento conceitua brilhantemente como: “traves-mestras do sistema” ou “vetores exegéticos”[5]. Os princípios são portadores de uma dimensão bem mais abrangente[6], ensinando Paulo Bonavides que constituem valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional[7].

De igual forma, a relevância de determinados princípios passa pela análise dos escopos sociais e políticos do processo, sendo como uma das colunas basilares de todo nosso sistema.[8]

Os princípios encontram seu amparo na Carta Fundamental, logo, o Direito Processual deve ter como berço a Constituição Federal, dela emanando os valores que o norteiam. Assim, o plano constitucional modula todo o ordenamento processual civil[9].  Desta forma, os princípios constitucionais são normas que abrigam direitos fundamentais, o que nos leva a concluir que o Direito Processual deve ser construído com base no plano constitucional.

O acesso à justiça se revela como inafastável princípio constitucional. Desse modo, o processo deve ser manipulado de forma a propiciar aos personagens do mesmo o acesso à justiça, ou melhor, acesso à ordem jurídica justa. Com isso, os princípios constitucionais conspiram para a idéia solar do acesso à ordem jurídica justa, modulando todo o ordenamento infraconstitucional.


2  Apanhado doutrinário relativo ao acesso à justiça

Procuro trazer três conceitos de acesso à justiça revelados por doutrinadores de importância para nossa doutrina, objetivando uma descrição abrangente do instituto.

Entendo inviável fazer qualquer tipo de estudo relacionado ao acesso à justiça sem o prévio exame da obra do Prof Mauro Cappelletti, dando especial ênfase às suas notórias ondas de acesso à justiça. Proponho uma breve síntese do seu trabalho.

A primeira onda de acesso foi a relativa à assistência judiciária; a segunda norteia as reformas para proporcionar representação jurídica aos interesses difusos, com destaque aos ligados à questão ambiental e ao consumidor; e a terceira relativa ao “enfoque do acesso à justiça”, enfrentando as barreiras ao acesso de forma mais articulada e compreensiva.

Passo à primeira onda e sua abordagem. Narra Cappelletti que os esforços iniciais ocorreram para proporcionar serviços jurídicos aos mais carentes, sendo absolutamente claro que os miseráveis e carentes não possuem condições de custear e exercer seus direitos em juízo ou fora dele. Desta forma, o auxílio de um advogado revela-se necessário para a compreensão do sistema normativo, bem como para sua representação em juízo[10]. De igual forma, não podem ser desconsiderados fatores relativos ao custeio do processo e seus encargos. Estas são barreiras naturalmente apresentadas que merecem enfrentamento.

Conclui o Prof. Mauro Cappelletti que os sistemas de asistência judiciária da maior parte do mundo foram melhorados[11] com o passar dos anos. Aos poucos, especialmente no curso da década de 60, a assistência jurídica foi posta no topo das reformas judiciárias como autêntica prioridade, iniciando diversas tentativas, das mais variadas formas, para implementá-la.

Países como Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha Ocidental acolheram o sistema judicare. Trata-se de um sistema através do qual a assistência jurídica é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrarem nos termos da lei, sendo os advogados particulares remunerados pelos cofres públicos. O propósito seria o de proporcionar aos carentes idêntica representação que teriam se pudessem por ela pagar, somente alterando a fonte pagadora dos honorários.

O judicare foi efetivo com relação à barreira imposta do custo, contudo, não ataca outras barreiras encontradas pelos carentes, como reconhecer as causas e procurar auxílio. Trata-se de um sistema convidativo para os problemas familiares (como matéria criminal e de família), contudo, é excludente dos novos direitos (consumidor, demandas coletivas e etc). De igual forma, Cappelletti reconhece barreiras como a intimidação da pessoa carente em buscar um escritório de advocacia, obstado por fatores de cunho essencialmente pessoais e sociais[12]. A contratação na forma do judicare não afasta a desvantagem de um carente frente a litigantes organizacionais, ou seja, trata a pessoa individualmente, negligenciando sua classe. Logo, somente está organizado para conflitos individuais, não conseguindo transpor desta esfera[13].

Foi criado um segundo sistema com propósito diverso do judicare, tendo advogados remunerados pelos cofres públicos. Os serviços deveriam ser ofertados por “escritórios vizinhos”, atendidos por advogados pagos pelos governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe. Os escritórios eram pequenos e localizados em comunidades pobres, facilitabndo o contato e minimizando as barreiras. Revela o sistema como vantagem o fato de atacar outras barreiras do acesso individual, além dos custos, enfrentando a questão da falta de informação jurídica dos carentes. Ademais, por formarem equipes de advogados ficam asseguradas as vantagens dos litigantes organizacionais, conhecendo e identificando as demandas típicas dos carentes.

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Este modelo norte-americano, além de apenas encaminhar as demanadas individuais (como o judicare) vai em direção aos pobres para auxiliá-los reinvindicando os direitos destes, bem como cria e especializa advogados para atuarem naquela linha de conflito[14].

Após reconhecer as falhas de cada sistema, alguns países optaram por combinar os dois modelos, entendendo serem complementares. No vertente caso, o indivíduo pode optar entre um dos dois modelos, logo, tendo condições de atendimento individual ou coletivo.

Passemos à segunda onda de acesso.

O segundo grande problema a ser enfrentado concerne aos chamados interesses coletivos ou grupais, diverso da problemática anterior dos mais carentes. Concentra suas atenções na proteção dos interesse difusos, não mais vendo o processo como um problema entre duas partes. O processo não deve ser apenas norteado por valores individuais, mas deve ter um viés coletivo, preparando-se para este campo.

As regras, conceitos processuais, normas e até a atuação dos juízes eram voltadas para processos individuais, não estávamos preparados para um processo coletivo. A nova realidade nos recomenda enxergar individiduos e grupos que atuam em busca dos interesses difusos, temos necessidade de adaptação a esta realidade coletiva.

A visão individualista do devido processo legal está em franca união com uma concepção coletiva, social[15].

Outrossim, em determinados conflitos, os particulares não tem condições técnicas e econômicas mínimas de enfrentamento dos grandes grupos econômicos[16], não tendo uma defesa adequada, daí a necessidade de implementação desta segunda onda de acesso.

Por fim, a terceira onda de acesso. O avançar das reformas na assistência judiciária, aliado à busca por mecanismos para representação dos interesses coletivos, é fundamental para proporcionar um significativo acesso à justiça.

Essa terceira onda vai além do oferecimento da advocacia judicial e extrajudicial, por meio de advogados públicos ou privados, ela busca um conjunto geral de instituições, mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar ou mesmo prevenir disputas na sociedade moderna[17] (denominado por Cappelletti de enfoque do acesso à justiça, por sua abrangência). Ele reafirma as duas ondas de acesso anteriores, as tratando como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso. Esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis. Destaca Cappelletti:

Inicialmente, como já assinalamos, esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais, o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízes quanto como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar uma solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios[18]

O Professor reconhece a necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao gênero do litígio, sabemos que os litígios diferem uns dos outros, afinal, diferentes litígios recomendam diferentes soluções. Ela objetiva um novo meio de ser pensado o processo enquanto realizador do direito material, buscando, como dito, o aprimoramento das duas ondas anteriores. O processo deve garantir, na sua plenitude, as realizações e fruições asseguradas pelo direito material[19].

Aqui encontramos a mediação e outras formas correlatas de solução de litígio; são formas que não concorrem com a atividade jurisdicional, ao contrário, diminuem o número de feitos a ela ofertados. A terceira onda vislumbra, além da criação de meios alternativos, a flexibilização da atuação jurisdicional, criação de novos procedimentos, etc. Vale recordar as lições do Prof Cassio Scarpinella Bueno:

A proposta reformadora que marca a ´terceira onda de acesso à justiça` é a que rende ensejo à maior gama de possibilidades críticas ao estudo e à transformação do direito processual civil. É ela que, de forma consciente ou não, predomina na doutrina e na jurisprudência macionais. É ela também que acabou por levar à amplas transformações experimentadas pelo Código de Processo Civil e que ocupa boa parte da produção legislativa produzida mais recentemente no direito brasileiro[20]

De igual forma, resta necessária a análise e conceituação da posição do Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. O mencionado jurista elenca quatro princípios basilares que norteiam o acesso à justiça: acessibilidade, operosidade, utilidade e proporcionalidade.

A acessibilidade deve ser vista sob vários aspectos. Inicialmente, ofertar as pessoas a possibilidade de estarem em juízo e extrajudicialmente, isentas de obstáculos financeiros, rompendo-se com o entrave econômico como fator inibidor do acesso. O primeiro instrumento que concretiza o presente objetivo é a informação –  conhecermos nosso direito e sabermos que dele podemos usufruir. Não conhecer o direito é uma barreira inicial e concreta para que ele jamais possa ser exercido.

Bem elucidando acerca da necessidade de informação e do que chama de “não-partes” leciona o Professor:

Esse dado, o direito à informação, como elemento essencial para garantir o acesso à justiça em países em desenvolvimento como o nosso é tão importante como o de ter um advogado, um defensor, que esteja à disposição daqueles necessitados que, conhecedores de seus direitos, querem exercê-los. Trata-se de pessoas que não têm condições sequer de ser partes – os ´não partes` são absolutamente marginalizados da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou de como exercê-los; constituem o grande contingente de nosso país.[21]

O segundo aspecto se liga a seleção de pessoas mais adequadas para a efetiva defesa de direitos, caso existam. Neste campo, a legitimação ganha notório destaque. Não mais podemos afirmar que o detentor do direito material é o mais adequado para o desempenho de sua defesa.

Um expressivo exemplo desta exceção decorre dos direito individuais homogêneos; no nosso país, não é o mais adequado para a defesa de seus direitos que o individuo postule isoladamente, seja por fatores como situação social, pobreza, informação e, especialmente, pelo fato de enfrentarem adversários economicamente mais fortes, com maior aparato jurídico e técnico[22].

Este tópico tem profunda ligação com a igualdade material.

De igual forma, o custo financeiro de um processo não pode ser um obstáculo para que a parte busque seu direito. O acesso à justiça não pode ter como fator inibitório o aspecto econômico da parte; ou seja, a justiça seria aberta apenas para aqueles que por ela podem pagar. Este tópico tem relevância ímpar nas demandas coletivas e nos feitos de reduzido valor econômico.

Obviamente, devemos ter mecanismos para frear aqueles que abusam ou valem-se da gratuidade, desestimulando a busca irracional e oportunista. Contudo, jamais criando mecanismo inibidor do instituto em sua gênese[23].

Passo à operosidade. As pessoas, com base nesse princípio, seja judicial ou extrajudicialmente, devem atuar da forma mais produtiva e laboriosa possível para assegurar o efetivo acesso à justiça.

Com isso devemos ter: (1) uma atuação ética de todos os personagens do processo, judicial ou extrajudicialmente; e (2) a utilização de todos os instrumentos e institutos processuais adequados à busca da melhor produtividade possível, ou seja, o uso da técnica a serviço dos fins idealizados.

Todos devem cooperar com as atividades destinadas à democratização do processo, bem destacando o Professor que, quanto melhor e mais competente for o comportamento dos operadores da justiça em geral, maior será a possibilidade de alcançarem-se os fins almejados[24].

A conduta das partes e do Juiz devem seguir padrões éticos, contribuindo para uma solução célere, efetiva e garantística. O segundo aspecto da operosidade revela a necessidade da utilização de instrumentos e meios eficazes pelas partes, advogados e juízo, buscando a máxima produtividade. Quanto maior e melhor a produtividade, mais justo será o resultado, já que os instrumentos e meios viabilizam esta finalidade.

O processo não se sujeitará a entraves e percalços desde que corretamente utilizados os meios e instrumentos; terá como retorno a inevitável celeridade.

Passo à utilidade. O processo deve assegurar ao vencedor tudo aquilo que ele tem direito a receber, de forma célere e proveitosa, com o menor sacrifício para o vencido. O ideal seria que, no exato momento da violação, a jurisdição atuasse e concedesse a quem tem razão, o direito material.

O ideal de justiça instantânea é impossível. Contudo, é perfeitamente possível priorizar a rapidez e, ao mesmo tempo, assegurar a justiça, com o mínimo de sacrifício da segurança dos julgados[25]. Por fim, numa visão moderna e calçada em valores do processo justo, a utilidade do processo, necessariamente, tem como enfoque a instrumentalidade do processo e sua efetividade

Com relação à proporcionalidade, diversas questões relevantes são examinadas pelo juiz ao longo do processo, sendo que, em alguns casos, marcadamente por sua complexidade, o juiz se depara com escolhas e formas de interpretação. Diante desse fato, o juiz projeta resultados e reflete com relação às opções postas.

A escolha deve se harmonizar com os princípios e os fins que informam este ou aquele ramo do direito. Esta atividade reflete a proporcionalidade. Segundo o autor e Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, a proporcionalidade está umbilicalmente ligada aos demais princípios[26].

Por fim, passo a visão do Professor Leonardo Greco, que aponta o acesso à justiça como uma garantia fundamental dos cidadãos no Estado Democrático de Direito, sendo fornecidos pelo direito os mecanismos para assegurar a concretização dos valores e dos direitos fundamentais consagrados pela Carta Constitucional[27].

O processo não deve ser visto isoladamente, mas observados valores sociais, culturais e econômicos, sendo os operadores do direito provocados a buscar instrumentos mais eficazes dos que os tradicionalmente apresentados. Logo, o acesso à justiça depende de uma série de pressupostos extrajurídicos, assim, não basta termos uma ótima Constituição e leis altamente qualificadas, sem vontade e esforço empreendedor (político).

Os pressupostos principais para o acesso à justiça apontado pelo Prof. Leonardo Greco não podem deixar de serem destacados neste estudo[28].

O primeiro deles é a educação básica, que informa e forma os cidadãos, infundindo a consciência de seus direitos e deveres sociais. Quem não tem consciência não pode ter acesso ao direito; não enxerga seus próprios direitos, a ignorância os alija do conhecimento da sua própria dignidade humana e do acesso aos seus direitos. Nosso país, tradicionalmente, não investe com em seriedade em educação. Tal fator já deflagra e promove uma agressão ao acesso à justiça.

Basta fazermos uma pequena comparação com outros povos latinos, que a resposta virá à tona de imediato, investimos menos que países como Chile e Argentina, tendo índices bem inferiores a estes.

O segundo pressuposto extrajurídico é do oferecimento a todos os cidadãos de condições mínimas de sobrevivência e de existência condignas, com condições oportunidade de trabalho digno e de vida.

Torna-se difícil imaginar que um miserável trabalhador, pai de três filhos, percebendo um salário mínimo para o sustento de sua família, morando em local com condições subumanas, analfabeto, enfim, excluído de todas as oportunidades dignas pense, sequer, que exista Justiça.

Nossos miseráveis não gozam da eficácia das garantias constitucionais, eles vivem em outra realidade, em um plano dimensional diferenciado.

O terceiro pressuposto, citado pelo Prof. Greco, decorre do fortalecimento dos grupos intermediários e do associativismo. O progresso econômico e as relações comerciais geraram um consumo de massa e a defesa individual resta profundamente prejudicada diante desta nova realidade de massa. A dominação imposta pelos grandes grupos e a fragilidade individual torna mais distante uma possibilidade de êxito.

O quarto pressuposto decorre do acesso ao direito à responsabilidade do Estado, no cumprimento de seus deveres com os cidadãos e à transparência do Estado com questões afetas aos cidadãos[29].  Destaca a figura do Estado que descumpre seus deveres, que trata com escárnio o cidadão.

O quinto decorre e tem relação com o anterior, nascendo da deturpação no papel da justiça. A justiça que deveria resguardar o cidadão, suas liberdades e garantias, se transformou em administradora da moratória pública, eficiente proteladora dos pagamento estatais e do cumprimento das obrigações estatais com o cidadão. A questão dos precatórios e sua demora no pagamento, desobedecendo o comando Constitucional denota a gravidade de tal situação[30].

O sexto pressuposto decorre do oferecimento, pelo Estado, de acompanhamento jurídico adequado aos carentes para resguardo de seus direitos. A assistência deve ser jurídica e não judiciária (art. 5º da Constituição Federal), tendo este acompanhamento em suas mais diversas formas de relação jurídica. Um bom exemplo ocorre com o acompanhamento dos chamados “super-endividados”, uma decorrência típica das sociedades de massa. O acompanhamento jurídico destas pessoas junto aos Bancos e Instituições financeiras as auxiliaria na resolução de suas mais diversas questões e tomadas de decisões, logo, desafogando o Judiciário (direito dos pobres, assim chamado pelo Prof Leonardo Greco).

O último dos pressupostos é da exigência de um Tribunal imparcial, previamente instituído por lei para a solução de qualquer litígio ligado aos interesses que se afirmem protegidos juridicamente, ou para a prática de qualquer ato que a lei subordine à aprovação, autorização ou homologação judicial.

Outros pontos merecem destaque.

Devemos observar uma série de dificuldades que uma pessoa carente tem para a busca do seu direito. Inicialmente, não se pode negar que uma assistência jurídica gratuita a coloca em desvantagem, quer pela falta de vínculo de confiança com quem a representa, quer pelo expressivo excesso de trabalho daqueles que prestam o serviço de forma gratuita. De igual forma, os personagens do processo nada percebem para atuar no feito (ex: perito), o que coloca os portadores de assistência gratuita em franca inferioridade e a mercê da boa vontade daqueles que atuam nos feitos.

Após a exposição dos professores acima, entendo que o enfrentamento e a plena garantia do acesso à ordem jurídica justa recomendam esforços ainda expressivos[31].

A eliminação e entraves econômicos de toda sorte[32] ainda se fazem presente como obstáculos sensíveis, de igual forma temos que criar mecanismos mais efeivos para o acesso e resguardo aos direitos coletivos. Neste tópico, deve o Magistrado abandonar a visão individualista do processo, adaptando-se a esta nova realidade coletiva[33].

O processo justo e garantias fundamentais do processo não devem ser desconsideradas ou postas de lado em nome de uma celeridade irracional[34]. Devemos observar a ordem legal (devido processo legal), oportunidade democrática de participação das partes (contraditório participativo e igualdade concreta), aliado ao fato de ter o Magistrado uma postura pró-ativa na resolução do drama processual[35], dando a quem tem o direito tudo e precisamente o que postula, com resguardo da duração razoável do processo (reitero, não através de uma celeridade irracional). Por outro lado, torna-se inconcebível que, especialmente no campo jurisprudencial, surjam decisões violadoras das garantias fundamentais do processo, com o único propósito de reduzir mais e mais os feitos, pondo o acesso à justiça completamente de lado[36].

Por fim, os demais poderes devem estar comprometidos com as políticas públicas sociais, evitando o ajuizamento de um número desproporcional de feitos por pessoas que postulam direitos básicos como saúde e educação, fato que notoriamente abarrota o Judiciário[37].

Sobre os autores
Antonio Aurelio Abi Ramia Duarte

Juiz de Direito do TJERJ - Membro da I Turma Recursal Cível dos JEC-TJERJ Mestrando em Processo pela UERJ Expositor/ Instrutor EMERJ/ESAJ

Marina Silva Fonseca

Bacharel em Direito pela UERJ Servidora Pública da Defensoria Pública do RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Antonio Aurelio Abi Ramia; FONSECA, Marina Silva. Cláusula de arbitragem, o acesso à Justiça e a visão do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3664, 13 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24941. Acesso em: 22 dez. 2024.

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