6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi explanado, percebe-se que com a implantação do Estado Social a garantia do acesso à justiça passou a ser priorizada. Contudo, ante ao surgimento de novos interesses tais como os difusos, bem como da necessidade de se promover uma forma de tutela especial diferente da tradicional tutela individual, garantir um amplo e efetivo acesso à justiça passou a ser um desafio para o novo modelo estatal, fazendo-se necessário a elaboração de políticas públicas rápidas e eficientes para se alcançar tal desiderato.
Nesse contexto é que as ondas renovatórias propuseram a criação de mecanismos hábeis a garantir um efetivo acesso e, consequentemente, proporcionar um ambiente propício ao exercício pleno da defesa garantida pelo vigente texto constitucional. Sob esses parâmetros é que foram criados diversos sistemas de assistência judiciária.
A Constituição Cidadã, ao ser promulgada no ano de 1988, previu a criação da Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado destinada à prestação da assistência jurídica integral e gratuita a todos os necessitados.
Porém, Cappelletti e Garth já revelavam em suas lições que uma das principais limitações ao acesso à justiça estava relacionada à representação dos interesses difusos, abordando-os inclusive na segunda onda renovatória. Isto porque, os interesses difusos, assim como os interesses coletivos em geral são modalidades de direitos que não se coadunam com o sistema processual tradicional, carecendo, portanto, de uma tutela especial.
Desta forma, o Brasil, através da Lei nº. 7.347/85 criou a ação civil pública como instrumento processual apto a tutelar os interesses transindividuais. No entanto, a redação original desta lei não previu a Defensoria Pública como ente legitimado à propositura da respectiva ação civil.
Ocorre que, após a edição da Lei nº. 11.448/2007 houve alteração da lei original e, a Defensoria passou a figurar como ente legítimo.
No entanto, a Associação Nacional do Ministério Público, em 2007, ajuizou a ADI de nº. 3.943 objetivando declaração de inconstitucionalidade do texto legal que conferiu legitimidade à Defensoria Pública para propor ação civil pública, vez que além de ser atribuição do Ministério Público, a Defensoria Pública com tal legitimidade se desviaria de sua função constitucionalmente incumbida, já que indiretamente defenderia não necessitados.
A certeza acerca da constitucionalidade da supracitada legitimidade dá por diversos fatores legais e doutrinários, entretanto, os motivos ensejadores da tal ADI, por si só carece de argumentos plausíveis, e ainda se mostram pouco claros, pois depreendem-se de uma ideia restritiva e acanhada da necessidade do acesso à justiça.
Esclareça-se que não se deseja uma “supra legitimidade” à Defensoria, tão pouco, se é concebível o total desamparo ao direito de boa parte de necessitados, para que com isso, não seja garantidos direitos àqueles que nesta situação não se inserem.
De acordo com a interpretação plúrima do Direito, a ampliação do rol de legitimados para propor ação civil pública deve ser feita de forma flexibilizada e com vistas a garantir o efetivo acesso à justiça, sendo inviável qualquer argumento de natureza corporativa e de interesses pouco ortodoxos, ao passo que o julgamento em seu favor acarretaria um retrocesso sem tamanho tanto ao que tange a própria tutela coletiva, quanto ao que se refere ao real acesso à justiça.
Por outro lado, desvinculando-se de uma lógica social e coletiva e, partindo para uma linha de raciocínio mais lógico-sistemática, tem-se que ideia básica de isonomia e equidade não se poderia preterir do direito de uma série de necessitados para não se garantir o de alguns abonados. Ademais, em respeito a economia processual, não parece viável uma massificação de ações individuais que abarrotam e contribuem com a morosa atividade judiciária.
Em contrapartida, não deve ser conferida uma interpretação restritiva ao conceito de “necessidade” e “insuficiência de recursos” trazidos pelo texto constitucional, atrelando-os como sinônimo de tão somente hipossuficiência econômica. Isto porque, diversas situações podem levar um cidadão a um estado de vulnerabilidade que poderá resultar em uma hipossuficiência de recursos para se valer da justiça, não por outro motivo que a Constituição tratou tais terminologias de forma genérica.
Desta forma, termos como “essencial”, “necessitado”, “integral” e mesmo “insuficiência de recursos” trazem em si uma subjetividade que em nada coaduna com a higidez que os propositores da ADI 3943, querem lhe impor.
Portanto, são parcos os argumentos que motivaram a CONAMP ajuizar a referida ação direta de inconstitucionalidade, que estão mais vinculados a uma disputa essencialmente política que jurídica, e como tal tende a proteger interesses que não os de quem realmente importa, mas interesses outros, particulares e peculiares.
Ora, se a legitimação da Defensoria Pública não exclui a do Ministério, não subsiste razão jurídica lógica para a pretensa inconstitucionalidade do CONAMP, pois o que realmente interessa é a efetiva tutela dos interesses coletivos e não a pessoa que por representatividade a está promovendo, já que o foco é o acesso à justiça. Assim, seria mais coerente que o Ministério Público lutasse pela estruturação da Defensoria Pública, órgão tão importante para a sociedade, que por diversos fatores, ainda não possui uma estruturara estável.
Falar em legitimação, especialmente no âmbito das ações coletivas, é falar em participação, em cidadania, em acesso a uma função pública de grande transcendência para a sociedade brasileira. E, por isso, que a ampliação do rol de entes legitimados, abarcando a Defensoria Pública para tutelar os interesses transindividuais por intermédio da ação civil pública, ou por qualquer outro instrumento processual hábil a promover a tutela coletiva, é uma grande conquista para o acesso à justiça, e, consequentemente à efetivação dos direitos sociais, que desde tempos antigos vêm sendo o enfoque para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.
Conclui-se, portanto, que a ação civil pública é sem dúvida um instrumento importantíssimo para se garantir um efetivo acesso à justiça, e por isso, não importa se terceiros não necessitados indiretamente serão beneficiados, vez que a demanda coletiva é indivisível, e se trata de uma sequela jurídica inerente ao instituto.
Nessa senda, a restrição hermenêutica do órgão ministerial transposta na pretensa inconstitucionalidade é descabida e atentatória ao processo democrático, ao ordenamento constitucional, e ao acesso à justiça, favorecendo apenas ao prestígio da instituição e descartando o interesse social.
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Notas
[1] CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1988. p. 09.
[2] Sistema capitalista influenciado pelas ideologias do liberalismo no qual o único papel do Estado é garantir a paz e a ordem social de modo que a economia funcione sem qualquer tipo de interferência.
[3] Não é difícil notar que o próprio sistema propõe um tratamento não isonômico entre os cidadãos ante a justiça, ignorando qualquer contexto social ou cultural.
[4] NETO, José Cichocki. Limitações ao Acesso à Justiça. 1ª ed. 3ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2002. p. 32-34.
[5] ALVES, Cleber Francisco. Acesso à Justiça, Estado de Direito e Consolidação Democrática na América Latina: O Papel da Defensoria Pública. In: Acesso à Justiça em preto e branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 25.
[6] SANTOS, Gustavo Ferreira. Acesso à Justiça como direito fundamental e a igualdade em face dos direitos sociais. In: NETO, José Mário Wanderley Gomes (Org.). Dimensões do Acesso à Justiça. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 81.
[7] Daí surge a importância da atuação de órgãos como a Defensoria Pública, pois àqueles marginalizados pelo problema da desigualdade social teriam o seu direito fundamental de acesso à justiça efetivamente assegurado.
[8] Parte das conclusões deste projeto foram traduzidas para o português pela ex-Ministra do STF Ellen Gracie Northfleet, em CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1988.
[9] MARTINS, Raphael Manhães. A Defensoria Pública e o Acesso à Justiça. Revista CEJ, Brasília, nº. 30, p. 26-33, jul/set. 2005. p. 27.
[10] op.cit. p. 31.
[11] op. cit. p. 49-50.
[12] op. cit. p.51.
[13] No caso do Brasil, o Ministério Público está incumbido de promover, privativamente, a ação penal pública na forma da lei, conforme o art. 129, inciso I da CRFB/88.
[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal, 1988. Art. 134.
[15] LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. 2ª edição. Bahia: Juspodivm, 2011. p. 164.
[16] GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer de Ada Pellegrini apoia legitimidade da Defensoria Pública para propor Ação Civil Pública. p. 12.
[17] op. cit. p. 12-14.
[18] Vide art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90).
[19] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 53-57.
[20] ALVIM, Arruda. V. Ação civil publica - sua evolução normativa significou crescimento em prol da proteção às situações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 80.
[21] Op. cit.
[22] LOUREIRO, Caio Márcio. Ação Civil Pública e o acesso à justiça. São Paulo: Método, 2004. p. 204.
[23] LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 168.
[24] DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2011. p. 218.
[25] SOUSA. José Augusto Garcia de. A NOVA Lei 11.448/07, os Escopos Extrajurídicos do Processo e a Velha Legitimidade da Defensoria Pública para as Ações Coletivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 202-203.
[26] op. cit. p. 318-320
[27] op. cit. p. 219.
[28] Supremo Tribunal Federa. ADI nº. 558. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento ocorrido em 16.08.91. Acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, p. 146/439.
[29] op. cit. p. 320.
[30] op. cit. p. 09.
[31] op. cit.
[32] op. cit. p. 221.