Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A (in)aplicabilidade do art. 1.216 do Código Civil (responsabilidade do possuidor de má-fé pelos frutos colhidos e percebidos) ao devedor trabalhista.

Análise crítica da Súmula nº 445 do TST

Exibindo página 2 de 2
Agenda 28/07/2013 às 09:56

4. Conclusões.

O Direito do Trabalho, pela própria dinâmica das relações que pretende regular, reconhece uma grande diversidade de fontes normativas, inclusive a jurisprudência e as regras do Direito Comum.

A aplicação pelo Julgador de determinada disposição estranha à legislação trabalhista para dirimir um litígio deve se pautar na verificação de lacuna (carência de normativa ou defasagem da porventura existente) e de compatibilidade com os Princípios Fundamentais do Direito do Trabalho, conforme teor do art. 8º da CLT.

Neste cenário, pouco claros se apresentam o alcance e a finalidade da Súmula nº 445 do TST, pela qual foi consolidado o entendimento de que inaplicável ao Direito do Trabalho a regra do art. 1.216 do Código Civil, que imputa responsabilidade ao possuidor de má-fé pelos frutos auferidos, no caso, ao devedor trabalhista, objeto de crítica sobre diversos enfoques.

Não dotado o precedente de efeito vinculativo às demais instâncias judiciárias, possível a estas decidirem com independência e em sentido diverso, relegando ao TST a chance de reconsiderar ou de manter a orientação hoje sumulada, temática que também deve ser objeto de discussão pelos demais membros da comunidade jurídica.


5. Referências.

* BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil 1930-1942: A construção do sujeito de direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, JUTRA - Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho, 2007.

* CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999.

* CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

* FAVA, Marcos Neves. Execução Trabalhista Efetiva. São Paulo: LTr, 2009.

* FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico de direito do trabalho: Teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013.

* FILETI, Narbal Antônio de Mendonça. Direitos fundamentais sociais e o princípio da proibição de retrocesso social. In KÜLZER, José Carlos...[et al]. Direito do Trabalho Efetivo: Homenagem aos 30 anos da AMATRA12. São Paulo: LTr, 2013, p. 30-70.

* GENRO, Tarso Fernando Herz. Introdução à Crítica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: L&PM, 1979.

* GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhistas: Ações afirmativas da dignidade da pessoa humana como forma de resistência. São Paulo: LTr, 2009.

* GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2002.

* MORAES FILHO, Evaristo de. FLORES DE MORAES, Antônio Carlos. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995.

* MUNHOZ, José Lúcio. Correção aplicada pela Justiça injustiça trabalhador. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-fev-13/jose-munhoz-correcao-monetaria-usada-justica-injustica-trabalhador, desde 13.02.2013. Acesso em 21.5.2013.

* PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2003, Tomos XXII e XXIV.

* SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. – 8ª ed. – São Paulo: Cortez, 2001.


Notas

[1] , Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. – 8ª ed. – São Paulo: Cortez, 2001, p. 17.

[2] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2002, p. 49.

[3] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 66.

[4] GENRO, Tarso Fernando Herz. Introdução à Crítica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: L&PM, 1979, p. 54.

[5] Ob. cit., p. 67.

[6] MORAES FILHO, Evaristo de. FLORES DE MORAES, Antônio Carlos. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 163-4.

[7] Acerca de tal perspectiva, entende Narbal Antônio de Mendonça Fileti que “o princípio da proibição de retrocesso social tem sua particularidade na prevalência do caráter negativo de sua finalidade. Felipe Derbi trata de prevalência por entender que há, em menor escala, um elemento positivo na finalidade do princípio enfocado, qual seja, o dever de o legislador ‘manter-se no propósito de ampliar, progressivamente e de acordo com as condições fáticas e jurídicas (incluindo as orçamentárias), o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais’, mediante a ‘garantia de proteção dessa concretização à medida que nela se evolui.” (FILETI, Narbal Antônio de Mendonça. Direitos fundamentais sociais e o princípio da proibição de retrocesso social, p. 48 In KÜLZER, José Carlos...[et. al.]. Direito do Trabalho Efetivo: Homenagem aos 30 anos da AMATRA12. São Paulo: LTr, 2013.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

[8] Entrevista concedida à Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, vinculada à Central Única dos Trabalhadores-CUT, disponível em  http://www.contrafcut.org.br/noticias.asp?CodNoticia=34178, desde em 30.4.2013. Acesso em 27.5.2013. Para um aprofundamento dos estudos elaborados pela entrevistada acerca da matéria ver BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil 1930-1942: A construção do sujeito de direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, JUTRA - Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho, 2007.

[9] Referida atecnia refere-se ao tratamento como efetiva fonte do Direito do Trabalho de fonte de obrigações (disposições contratuais) e de métodos de integração de lacunas legais (analogia e equidade), conforme entendimento de Guilherme Guimarães Feliciano:

“A se julgar pelo texto do art. 8º da CLT, as ‘disposições legais ou contratuais’ constituem a fonte primária do Direito do Trabalho. ‘Disposições contratuais’, como antecipamos, tecnicamente não são fonte de direito, mas de obrigações; no entanto, o intérprete deve compreender aqui, assegurando conteúdo e tecnicidade à letra da lei, as ‘disposições contratuais coletivas’, i.e., as convenções e acordos coletivos de trabalho, que, portanto, à lei se equiparam. (...) Analogia e equidade não são fontes, insista-se. (...) De fato, à diferença de todas as outras figuras citadas no art 8º da CLT, a analogia é na verdade um método de colmatação de lacunas legais. (...) A equidade não é fonte de direito. Na indefectível dicção aristotélica, é a ‘justiça do caso concreto’, porque a lei (rectius: a norma) lida com generalidades e, por isso, o legislador se cala – ou não minudencia – nos casos concretos, cabendo ao juiz corrigi-lo ou suprir-lhe o silêncio (ARISTÓTELES, 2007 – cfr. Livro V, cap. X). (...) Desempenha funções, portanto, na integração das lacunas jurídicas – pois representa o mais significativo processo extrassistemático de integração de lacunas (ASCENÇÃO, 1979:394) (...)” (FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico de direito do trabalho: Teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 161, 193 e 206).

[10] Ob. cit., p. 181.

[11] FAVA, Marcos Neves. Execução Trabalhista Efetiva. São Paulo: LTr, 2009, p. 59.

[12] Ob. cit. p. 64.

[13] Acerca da atuação criativa do direito, entende Eros Grau que “o intérprete autêntico ‘produz’ direito porque necessariamente completa o trabalho do legislador (ou do autor do texto, em função regulamentar ou regimental)”, reputando “‘a ‘criação’ de direito pelos juízes como conseqüência do próprio processo de interpretação.” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2002, p. 54).

[14] CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 21.

[15] Segundo Pontes de Miranda, “o adimplemento, a solutio, a execução, realiza o fim da obrigação; satisfaz e libera, donde cessar a relação jurídica entre o devedor e o credor.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2003, Tomo XXIV, p. 108).

[16] “Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”

“Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.”

“Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.”

“Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações 'in natura´ que a empresa, por fôrça do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.

§1º Os valôres atribuídos às prestações ´in natura´ deverão ser justos e razoáveis, não podendo exceder, em cada caso, os dos percentuais das parcelas componentes do salário-mínimo (arts. 81 e 82).” (grifei)

[17] A lição de Pontes de Miranda a respeito da natureza das dívidas pecuniárias ratifica a classificação ora formulada sobre a obrigação de pagar salários, como se infere de sua leitura:

“O que se sabe é que dinheiro é coisa fungível e serve à vida de relações econômicas, com certa abstração do valor intrínseco”, de modo que “a dívida pecuniária é dívida do valor da quantidade devida, e não dívida de determinada espécie monetária. Ainda que se diga que o pagamento há de ser em notas de cem reais, a dívida é de valor, a despeito da cláusula.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2003, Tomo XXII, p. 127-8).

[18] “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;”

“168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.”

[19] Disponíveis em http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-445. Acesso em 22.5.2013.

[20] “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.”

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”

[21] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

[22] GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhistas: Ações afirmativas da dignidade da pessoa humana como forma de resistência. São Paulo: LTr, 2009, p. 173.

[23]MUNHOZ, José Lúcio. Correção aplicada pela Justiça injustiça trabalhador. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-fev-13/jose-munhoz-correcao-monetaria-usada-justica-injustica-trabalhador, desde 13.02.2013. Acesso em 21.5.2013.

[24]“Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.”

[25] Neste sentido, os arts. 100, §1º, da Constituição, 186 do CTN e 83, inciso I, da Lei nº 11.101/05:

“Art. 100. (...)

§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.“

“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.”

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;”

Sobre o autor
Oscar Krost

Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC). Membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho - IPEATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KROST, Oscar. A (in)aplicabilidade do art. 1.216 do Código Civil (responsabilidade do possuidor de má-fé pelos frutos colhidos e percebidos) ao devedor trabalhista.: Análise crítica da Súmula nº 445 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3679, 28 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25016. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!