I – INTRODUÇÃO
Como consabido, o Governo Federal, em face de sérios problemas econômicos enfrentados, busca impor à sociedade aumentos de sua carga tributária, a qual já é elevada, comparativamente aos padrões dos países com economias mais desenvolvidas, ainda que os serviços públicos colocados à disposição dos cidadãos não sejam na mesma proporção.
Disto ocorre, também invariavelmente, um número extremo elevado de ofensas à Constituição Federal. Um exemplo de distorção por ser conferido ao não conhecimento dos créditos presumidos do IPI oriundos de aquisições de matérias-primas, materiais de embalagem utilizadas na produção de produtos, cujo custo serão agregados ao valor da saída dos produtos industrializados e tributadas do imposto.
Dessa forma, o contribuinte, para atender os setores de produção adquire matérias-primas, materiais secundários e insumos, com tributação, isentos, não tributadas e ainda reduzidas à alíquota zero. Mas, por determinação do artigo 147, 1º do Decreto nº 2.637/98, é vedado o direito ao crédito do IPI, quando essas aquisições estiverem desoneradas do pagamento do IPI.
A Lei nº 9779/99, por meio de seu art. 11, veio reconhecer o direito o crédito, mas tão somente em relação às aquisições realizadas a partir de janeiro de 1999 e exclusivamente nos casos em que a pessoa jurídica paga o IPI nas aquisições. Portanto, continua vedado o direito de crédito presumido do IPI, quanto às aquisições de produtos isentos, não tributados ou de alíquota zero, sob o argumento que não ocorreu o pagamento do IPI.
A incidência do IPI encontra-se prevista no artigo 1º do Decreto 2.637/98, obedecidas as especificações constantes da respectiva tabela de incidência (Lei 4.502/64, art. 1º e Decreto-lei nº 3.466, art. 1º ). Sob o prisma constitucional, o IPI é regido pelo princípio da não-cumulatividade, devendo o tributo incidir somente sobre o valor agregado ao produto com a sua industrialização.
Com base nesse princípio constitucional da não cumulatividade, os contribuintes se creditam do IPI devido nas aquisições de matérias-primas, materiais de embalagens, insumos, mesmo que as saídas dos produtos industrializados se dêem sob a forma de isenção, não tributação ou com alíquota zero.,,
O IPI encontra amparo no C.T.N. (Lei 5.172/66), em seus artigos 46 à 51, em substituição ao Imposto sobre consumo, das quais se destaca o artigo 49, que cuida da não-cumulatividade do imposto.
Relativamente à não-cumulatividade, assim se expressa o Prof. Eduardo Soares de Melo após tecer comentários sobre a não cumulatividade do ICMS na Constituição de 1988: " Na questão do IPI a história é um tanto ou quanto diferente. Basta uma simples leitura do texto constitucional e eu verifico que essas restrições constitucionais não existem. Então, segue-se o entendimento consectário. Lógico que eu poderia manter o crédito em quaisquer situações, porque está no texto constitucional, e onde não houvesse essa distinção, essa discriminação, me parece legítimo, jurídico e lícito apropriar e manter os créditos de bens em quaisquer situações.( RDT nº 69, pág. 61)
Paulo de Barros Carvalho, pontifica: " Num exame mais apressado, poderia parecer que não tendo sido " cobrado" o IPI na operação anterior, em virtude da regra de isenção, inexistiria a possibilidade jurídica do direito ao crédito. Tal entendimento, porém, como muito bem argumenta Hugo de Brito Machado ( Revista Dialética de Direito Tributário nº 4, pág. 31), levaria à supressão pura e simples das isenções, que restariam convertidas em meros diferimentos da incidência. O que a Fazenda deixasse de arrecadar, a título de IPI, do produtor de matéria prima, seria por ela tranqüilamente recuperado, com a cobrança do valor respectivo às pessoas que utilizam aquela matéria-prima." ( Revista Dialética de Direito Tributário nº 33, pág. 159)
E prossegue o ilustre Professor : " Tomamos por suposto um dado sistema de normas jurídicas. Provocado pela multiplicidade de fatos econômicos, políticos e sociais, com suas projeções valorativas e ideológicas, o sistema, de acordo com sua lei de composição interna, sua sintaxe, produz normas. Livremente, dentro de sua sintaxe, estatui que hipóteses fáticas devem ser antecedentes de conseqüências normativas. E o resultado dessa imersão no todo do ordenamento é a verificação de que as isenções funcionam de forma diferençada nos impostos não-cumulativos. Se o imposto é não cumulativo, a isenção, para respeitar sua natureza jurídica, há de ser "não cumulativa ". De acordo com essa técnica impositiva, a isenção age como que imunizando a base de cálculo da operação que foi supedâneo da regra isentiva, de modo que garanta, no final da cadeia, a consecução da não cumulatividade. Figurativamente, é como que se o direito ao crédito implicasse, em verdade, o ajuste da base de cálculo, incidindo o imposto tão-só sobre o valor agregado" do produto. O Fisco quando isenta, não está deixando de receber. Apenas o recebimento se perfaz na medida da perspectiva dimensível relativa ao ciclo que se oferece à tributação".
Assim, não efetuando o respectivo crédito,, o contribuinte recolhe o IPI devido pelas saídas, apurado mensalmente, sem o devido abatimento do crédito tributário pelas aquisições que efetuou, ainda que sob o auspício da isenção, alíquota zero ou não tributação. Agindo assim, a Fazenda Pública está negando ao contribuinte um direito constitucional.
DO DIREITO DE CRÉDITO DO IPI - RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO
Após constantes derrotas no Poder Judiciário, inclusive no STF, o governo federal publicou a Lei nº 9.779/99, que por meio de seu art.11, veio reconhecer o direito ao crédito do IPI, mas tão somente em relação às aquisições realizadas a partir de janeiro de 1999 e exclusivamente nos casos em que a pessoa jurídica paga o IPI por ocasião das entradas. Portanto, ao contribuinte continua sendo vedado o direito ao crédito presumido do IPI quando das aquisições de produtos isentos, não tributados ou de alíquota zero, embora integrem produtos que sairão tributados.
Como frisado, a Lei 9.779/99 de 19/01/99, reconhece o direito ao crédito do IPI pago na aquisição de insumo isentos do tributo, assim como o direito a manutenção do respectivo crédito de insumos aplicados em produtos sujeitos à alíquota zero, ex vi do artigo 11, que assim dispõe :
"Art. 11 - O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade, com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal - SRF, do Ministério da Fazenda".
O artigo 11 supra referido, estabelece que se o IPI gerado por insumos isentos aplicado em produtos tributados ou por insumos tributados aplicados em produto isento, não puder ser utilizado na forma da sistemática do IPI, ou seja, crédito para abater o débito gerado no período de apuração, o respectivo saldo credor poderá ainda ser compensado com outro tributo administrado pela Receita Federal.
Embora o direito de crédito decorra de previsão constitucional, somente com a entrada em vigor da Lei nº 9.799/99, isto é, a partir de 1º de janeiro de 1999, é que as autoridades administrativas passaram a reconhecer o direito de crédito do IPI pago nas aquisições, independentemente da saída do produtos industrializado ser tributada. Reprise-se, o direito de crédito reconhecido é exclusivo ao IPI pago nas aquisições de matérias primas.
Não obstante a nova disposição legal, alguns fiscais procuram criar obstáculos aos contribuintes, obrigando-os a recorrer às instâncias administrativas para confirmarem o direito ao crédito do IPI nas formas previstas na Lei nº 9.799/99. Dentre tantas, colhe-se as seguintes decisões administrativas:
8ª REGIÃO FISCALDecisão nº 48, de 05 de abril de 2000
Assunto: Imposto sobre Produtos Industrializados - IPIEmenta: aproveitamento de créditos. Produtos imunes.
Em decorrência do art.11 da MP n.° 1.788, de 29.12.1998, convertida na Lei n ° 9.779, de 19.01.1999, e em face do dispositivo no art. 4° da IN SRF n ° 33, de 04.03.1999, a partir de 1 ° de janeiro de 1999 poderão ser registrados e mantidos na escrita fiscal do estabelecimento industrial ou equiparados os créditos do IPI relativos aos insumos empregados na impressão de livros,, jornais e periódicos, produtos imunes conforme o art. 150, VI, "d´; da Constituição Federal. O registro e aproveitamento desses créditos far-se-á conforme estabelecido no art. 2° da IN SRF n ° 33, de 04.03.1999 (DOU de 24.03.1999), não se aplicando, porém, nesse caso, o estorno previsto no parágrafo 3° do mesmo artigo, apesar de os livros, jornais e periódicos, em razão da imunidade constitucional que lhes é conferida, constarem da TIPI aprovada pelo Decreto n ° 2.092/1996 como produtos" não-tributados; "NT" Dispositivos legais: Art. 11 da Medida Provisória n ° 1... 788/1998; art. 11 da Lei n ° 9.779/1999; arts.2° e 4° da IN SRF n ° 33/1999.Paulo Jakson S. Lucas Chefe
Decisão nº 57, de 5 de abril de 2000
Ementa: ressarcimento e compensação de créditos de IPI, relativos a insumos utilizados na fabricação de produtos isentos ou tributados à alíquota zero.
Em face do art. 11 da Lei n.° 9.779/1999, o saldo credor do IPI decorrente da aquisição de insumos utilizados na fabricação de produtos industrializados, ainda que tributados à alíquota zero ou isentos, poderá ser aproveitado para ressarcimento em espécie ou compensação com débito de outros tributos, na forma prevista pelo art.2° e §§, da IN SRF n.° 33/1999 e pelos artigos 8° e 12° e §§, da IN SRF n ° 21/1997, desde que a entrada de tais insumos, no estabelecimento industrial ou equiparado, tenha ocorrido a partir de 01.01.1999. O saldo credor dos referidos insumos existentes na escrita fiscal da empresa em 31.12.1998 poderá ser utilizado somente para compensação com débitos de IPI, conforme art.5° e §§, da citada IN SRF n.° 33/1999. Os procedimentos para formalização de pedidos de compensação de tributos e contribuições federais deverão ser efetuados de acordo com a IN SRF n.° 21/1997. Dispositivos legais: Art. 1° da Lei n.° 9.493/1997, art. 11 da Lei n.° 9.779/1999 (M.P n° 1.788/1998), art. 1° do Decreto n° 2.138/1997, arts. 2º, 3º, 5°, 8°, 12° e 13 da IN SRF n.° 21/1997,arts.2°.3°,e 5° da IN SRF n.° 33/1999. Paulo Jakson S. Lucas Chefe
Decisão n° 60, de 5 de abril de 2000. Assunto: Imposto sobre Produtos Industrializados -IPI
Ementa: créditos. Manutenção. Alíquota zero.
Em decorrência do art.11 da MP n° 1.788, de 29.12.1998, convertida na Lei nº 9.779, em 19.01.1999, os créditos do IPI relativos aos insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado, a partir de 01.01.1999, para serem empregados na industrialização de produtos tributados com a alíquota reduzida a zero (como os mencionados no art. 5° do Decreto n° 2.944, de 1999), poderão ser registrados e mantidos na escrita fiscal independentemente de haver disposição em lei específica. Deixa de ter aplicação o estorno do crédito do IPI previsto no art.174, inciso I,, alínea "a", do RIPI/1998, para esses casos.
Dispositivos legais: art.11 da Medida Provisória nº 1.788/1998; art. 11 da Lei n° 9.779/1999; Instrução Normativa SRF 033, de 1999, arts. 1° a 4° ; art. 174, inciso I, alínea "a"; do Decreto n° 2.637, de l998- RIPI/1998. Paulo Jakson S. Lucas Chefe
Decisão SRRF 191/2000 de IPI - DOU-E de 29.11.2000.
De acordo com a legislação em vigor, os créditos do IPI relativos aos insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado, a partir de 1.01.99, para serem empregados na industrialização de produtos tributados com alíquota reduzida a zero, poderão ser registrados e mantidos na escrita fiscal independentemente de haver disposição em lei específica. Deixa de ter aplicação o estorno do crédito do IPI previsto no art. 174, inciso I, alínea "a",, do RIPI/98, para esses casos.
O saldo credor acumulado a cada trimestre calendário, de que trata o artigo 11 da lei n° 9.779/99, compreende os créditos do IPI relativos à aquisição de insumos aplicados na industrialização de produtos tributados à alíquota zero; a utilização do mesmo dar-se-á em conformidade com a IN SRF n° 33/99" (Decisão SRRF 191/2000 de IPI - DOU-E de 29.11.2000). Dispositivos legais: Art. 11 da MP 1788/98, art. 11 da Lei 9779/99, IN SRF 33/99, arts. 1 a 4, art. 174, inciso I, alínea "a" do decreto nº 2637/98 - RIPI/98.
DECISÃO 24 SRF, DE 28-9-99 IPI (DOU DE 12-11-99) CRÉDITO - Estorno - Utilização.
Está desobrigado de estorno o crédito relativo a insumos recebidos a partir de 1-1-99 no estabelecimento industrial ou equiparado, adquiridos para emprego na industrialização de produtos de modo geral, ainda que isentos ou tributados à alíquota zero. DISPOSITIVOS LEGAIS: Decreto n° 2.637, de 25-6-98, RIPI, artigo 174, inciso I; lei n° 9.779, de 19 de janeiro de 1999, artigo 11; Instrução Normativa SRF n° 033, de 4 de março de 1999, artigo 4°. ( SRF - 3ª Região Fiscal - Maria Socorro Lima Antunes - Superintendente Substituta – DO -U, de 12-11-99, p. 3)... NOTA: Os atos citados estão esclarecidos ao final da Decisão 205 SAF, de 2-7-99 -Decisão SRRF n° 153 - IPI Ressarcimento, manutenção e utilização de créditos. Alíquota zero
"E facultada a manutenção e a utilização dos créditos decorrentes do IPI pago por insumos entrados no estabelecimento industrial ou equiparado, a partir de 1º de janeiro de 1999, destinados à industrialização de quaisquer produtos, inclusive os imunes, isentos e os tributados à alíquota zero, ressalvados, todavia, os não tributados (NT), para os quais permanece a obrigatoriedade de estorno dos créditos relativos ao IPI incidente sobre os insumos neles empregados" (DOU de 21... 01... 2000). Dispositivos legais: Decreto n° 2.637 (RIPI), de 1998, art. 147, I e art. 174, I, "a"; Lei n° 9779/99, art. 11; IN SRF n° 33, de 1999. Nesse mesmo sentido foram as Decisões SRRF n°s 154/99, 155/99 e 160/99, da mesma Região Fiscal e publicadas no DOU de 21.01.2000.
Decisão SRRF n° 179 - IPI Ressarcimento compensação - alíquota
A compensação do saldo credor do IPI, resultante dos créditos desse imposto, pago por insumos entrados no estabelecimento industrial ou equiparado, a partir de 1° de janeiro de 1999, para emprego em quaisquer produtos, ressalvados os não tributados (NT), com tributos e contribuições de outras espécies exige formalização do processo, não podendo ser efetuado automaticamente". (DOU de 21.01.2UUU).
Dispositivos legais: Lei n° 9779, de 1999, art. 11; Decreto n° 2637 (RIPI),, de 1998, art. 147, I e art. 174, I, "a" ; IN SRF n° 21, de 1997, arts. 12 e 13; IN SRF n° 33, de 1999, arts. 2º e 4º.
Por conseguinte, a partir da Lei 9.779/99 de 19/01/99, dúvida não existe quanto ao direito ao crédito do IPI incidente nas entradas de matéria-prima, materiais intermediários, utilizados na fabricação de produtos, mesmo não sujeitos ao pagamento do IPI por ocasião da saída. Frise-se que a recente Lei nº 9.779/99, tem caráter interpretativo, pois, trouxe a luz do dia, o que já estava constitucionalmente garantido, ou seja, o direito ao crédito do IPI nessas operações...
Se o reconhecimento do direito à manutenção do crédito do imposto pago nas entradas está garantido, ainda que nas saídas dos produtos industrializados não ocorra a tributação do IPI, é imperativo que o fisco federal continua restringindo o direito de crédito do IPI, quando a pessoa jurídica adquire matérias-primas desoneradas do pagamento do IPI e que serão empregadas na produção de bens com saídas oneradas pelo tributo. Em razão do princípio da não-cumulatividade, não admitir o crédito nesses casos, nada mais é do que anular os efeitos da concessão da isenção, da não tributação ou da redução da tributação à alíquota zero.
DOS EFEITOS DA DESONERAÇÃO DO IPI NAS AQUISIÇÕES
A Constituição de 1988 não autoriza que o IPI onere o contribuinte. Ao contrário, por meio do princípio da não-cumulatividade, garante-se que o contribuinte, nas operações de venda promova, transfira para o adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou nas operações anteriores. Quando mais de uma interpretação normativa constitucional for abstratamente possível, deve-se dar preferência àquela que melhor e mais completamente realiza os propósitos da Carta Magna, para assegurar a sua prevalência e a efetividade de suas disposições, em favor da estabilidade das relações jurídicas e homenagem ao preceito da supremacia constitucional, como valor a ser persistentemente resguardado. Se assim não se fizer, estar-se-á impedindo, por via exegética, a eficácia da Constituição, ao frustrar a aplicação do seu comando que prevê a não-cumulatividade do IPI. A eficácia jurídica das normas da Carta Magna, como superiormente ensina José Afonso da Silva, impede que se lhes deva atribuir o valor moral de conselhos, avisos ou lições (Aplicabilidade das Normas Constitucionais, RT, 1982, pp. 3, 68 e 253), devendo-se, ao contrário, reconhecer-lhes efetivamente, através da aplicação da sua força operativa no mundo factual, em contínuo cumprimento de suas determinações. (Hugo Brito Machado, Revista Dialética, nº 4, pág. 35, citando trechos da Sentença nº 1280/95, proferida pelo Juiz Federal Napoleão Nunes Maia Filho )
Se o IPI é um imposto não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, e se considerar que a isenção, a redução da alíquota a zero ou não-incidência significam, nos termos da lei, a dispensa do pagamento do tributo incidente que deixou de ser cobrado, a conclusão lógica que se faz é de que o contribuinte tem o direito ao crédito do IPI, não cobrado na operação declarada isenta ou não - tributada ou ainda reduzida a alíquota zero, mas que cujo imposto vai continuar incidindo nas subseqüentes operações de circulação desse mesmo produto.
A dispensa do tributo, não pode excluir o crédito respectivo do adquirente da matéria-prima, que terá seus produtos tributados, em não sendo considerado o crédito, o benefício que foi dado será frustrado, pois a tributação estará onerando o industrializador do produto, quando este deve recolher sobre o agregado.
Sobre o valor agregado se pronunciou o Ministro do STF, NELSON JOBIM no RE nº 212.484-2 – RS:
"... .... Sr. Presidente, o ICMS e o IPI são impostos, criados no Brasil, na esteira dos impostos de valor agregado. A regra, para os impostos de valor agregado, é a não cumulatividade, ou seja, o tributo é devido sobre a parcela agregada ao valor tributado anterior. Assim, na primeira operação, a alíquota incide sobre o valor total. Já,, na,, segunda operação, só se tributa o diferencial.
O Brasil, por conveniência, adotou-se técnica de cobrança distinta.
O objetivo é tributar a primeira operação de forma integral e, após, tributar o valor agregado. No entanto, para evitar confusão, a alíquota incide sobre todo o valor em todas as operações sucessivas e concede-se crédito do imposto recolhido na operação anterior. Evita-se, assim, a cumulação. Ora, se esse é objetivo, a isenção concedida em um momento da corrente não pode ser desconhecida quando da operação subseqüente tributável. O entendimento no sentido de que, na operação subseqüente, não se leva em conta o valor sobre o qual deu- se a isenção, importa, meramente em diferimento".
O IPI, por ser tributo que incide desde a fase de aquisição da matéria-prima, até a saída do produto que sofreu processo de industrialização do estabelecimento, concedida a isenção na primeira fase, impossibilitar que venha a ser considerado como crédito na fase seguinte, seria desvirtuar o intuito dessa medida desonerativa. Nunca é demais lembrar os ensinamentos do Mestre Ruy Barbosa Nogueira, in Curso de Direito Tributário, pág. 172:
"A isenção é concedida por lei tendo em vista não o interesse individual, mas o interesse público. Assim, a isenção outorgada às pessoas como aos bens é concedida em função da situação em que as pessoas ou esses bens se encontram em relação ao interesse público, exigindo ou justificando um tratamento isencional ".
O não aproveitamento do crédito do imposto excluído pela isenção, não-incidência ou alíquota zero, implicaria em tributar o valor integral do produto, tornando ineficaz a não-incidência fiscal concedida, violando o princípio básico do IPI, qual seja a incidência do imposto sobre o valor agregado.
É despiciendo saber se houve ou não cálculo do IPI embutido no valor do produto para justificar o direito ao crédito. Este, não decorre da cobrança, nem da incidência, nem do pagamento do imposto; nasce da percussão da regra de direito ao crédito. Mesmo que os insumos, em face da isenção, entrassem na empresa sem a carga impositiva de IPI, haveria o direito ao crédito. Simetricamente, enquanto este direito deflui do princípio da não-cumulatividade, aquele é o resultado da norma isentiva.
A Lei Fundamental somente se concilia com um só entendimento: O IPI não deve ser suportado pelo contribuinte de iure ( comerciante, industrial ou produtor). Se o consumidor é o único que não tem direito de crédito, correspondente ao imposto suportado em suas aquisições, então a ordem jurídica supõe que sofra a repercussão ( jurídica) do tributo. O imposto da modalidade do ICMS ou do IPI é considerado o ideal, exatamente por suas qualidades: a onera o consumo e nunca a produção ou o comércio, adaptando-se às necessidades de mercado; b) oferece maiores vantagens ao Fisco, pois, sendo plurifásico, permite antecipar o imposto que seria devido apenas no consumo e coloca todos os agentes econômicos das diversas etapas de industrialização e comercialização, como responsáveis pela arrecadação.
Aliás, para bem ilustrar a sistemática e as distorções decorrentes de uma interpretação restritiva da regra da não cumulatividade, é o exemplo dado pelo tributarista Hugo de Brito Machado ( Revista Dialética de Direito Tributário nº 4, pg. 31, citado no voto proferido no Mandado de Segurança nº 2000.04.01.005244-6/PR pela Juíza Tânia Terezinha Cardos Escobar ( Dialética, nº 71, p. 183) :
"Pode parecer que não tendo sido cobrado o IPI na operação anterior, em face da isenção, inexistiria o direito ao crédito. Tal entendimento, porém, levaria à supressão pura e simples das isenções que restariam convertidas em meros diferimentos de incidência. Em casos como o de que se cuida, o incentivo consubstanciado na isenção concedida às indústrias sediadas em Manaus restaria inteiramente anulado. O que a Fazenda deixasse de acarretar, a título de IPI, do produtor da matéria-prima, no Amazonas, seria por ela tranqüilamente recuperado, com a cobrança do valor respectivo às empresas que utilizam aquela matéria-prima.
Seria mais vantajoso para os industriais adquirir as matérias-primas produzidas fora da Zona Franca. O produtor daquelas matérias primas, favorecido com a isenção, teria de vendê-las por preço mais baixo do que os seus concorrentes sediados em outros locais, concedendo à estes redução nunca inferior ao valor do IPI, a cujo crédito não teriam direito. Assim, e em virtude da distância, chega-se facilmente à conclusão de que a isenção concedida às indústrias para se instalarem na Zona Franca de Manaus seria um verdadeiro engodo, pois em nada lhes favoreceriam."
A questão foi, também, objeto de decisão, na Apelação Civil nº 97.02.00552-3, da relatoria do Exmo. Des. Castro Aguiar ( inserida no voto do Relator Desembargador Federal Paulo Espírito Santo, do TRF da 2ª Região. (Dialética nº 72, pg. 195):
" Tributário - IPI - Isenção - Princípio da Não-Cumulatividade - Compensação.
I - Negar a Compensação, na Hipótese de Isenção do IPI, representa a Mesma Coisa que negar a Própria Isenção, pois a Manutenção do Crédito e a Concessão do Crédito Presumido ou Simbólico são Conseqüências Inerentes à Própria Não-Cumulatividade, de tal Modo que a Isenção, Concedida em uma Etapa da Produção Industrial, sem a Concessão do Crédito Presumido Correspondente, Compensável na Fase Seguinte, ofende o Princípio e onera os Agentes Econômicos da Industrialização e Comercialização. Há Razão para o Entendimento segundo o qual, havendo Isenção numa das Etapas da Industrialização. deve haver o Crédito Correspondente, nos Impostos Não-Cumulativos, sob Pena de, em se negando o Crédito Presumido ou Simbólico, Romper-se a Cadeia Débito-Crédito dos Impostos Não-Cumulativos, cumulando-se o Imposto e Impondo-se ao Consumidor Final Ônus Igual ou Superior ao que teria, se não houvesse a Isenção.
II - Apelação Provida ".
Insta ressaltar, que a rejeição desse crédito desnaturaria o princípio da não-cumulatividade porque o imposto ( IPI) não iria incidir apenas sobre o valor acrescido mas sobre o valor acumulado, tornando inócua a imunidade o a isenção, a redução de alíquota ou a não incidência. Assim, em perspectiva finalística, há de se aceitar o crédito nessas hipóteses para assegurar o propósito do princípio da não-cumulatividade, que é justamente reduzir a tributação pelo valor acrescido. O mesmo raciocínio vale para as hipóteses de alíquota zero e não tributação.
Tem prevalecido o entendimento no sentido de que a desoneração do IPI, quando concedida, implica benefício a ser assegurado não apenas ao vendedor do produto desonerado, mas também ao seu adquirente, que tem o direito de ser responsabilizado pelo recolhimento do imposto incidente somente sobre a parcela do valor por ele agregado ao produto, não podendo ser onerado sobre o restante.
Dada a circunstância que o STF decidiu que o industrial tem o direito de escriturar o crédito do IPI, relativamente às operações desoneradas do tributo, o adquirente dos produtos nessas condições terá de apropriar um específico valor, a título de crédito do IPI, bastando, apenas, utilizar a alíquota prevista para o produto industrializado na Tabela de Incidência constante da legislação.
Nesse sentido trecho da Apelação em Mandado de Segurança nº 2000.04.01.005244-6/PR, tendo como relatora a Juíza Tânia Teresinha Cardoso Escobar ( Revista Dialética de Direito Tributário, nº 71, p. 180):
"(............)
4 – Pára a desoneração o contribuinte pode excluir da base dos produtos fabricados o valor dos insumos adquiridos com a alíquota zero, aplicando sobre, o saldo, ou aplicar sobre os insumos adquiridos com alíquota zero a alíquota dos respectivos produtos fabricados e lança o valor resultante a crédito em sua escrita, sendo que o resultado fiscal será exatamente o mesmo".
No mesmo processo,, do voto do Juiz Federal Élcio Pinheiro de Castro, colhe-se que " o montante do crédito as ser lançado no caso de produtos não tributados pode ser o resultante do emprego da alíquota correspondente ao produto final, já que na hipótese de isenção o crédito pode ser auferido pela alíquota existente na tabela do IPI."
Igualmente, tem-se, ainda, as seguintes assertivas :
" a doutrina nacional e estrangeira concordam em que a concessão de isenção típica, atingindo apenas uma das etapas da industrialização ou comercialização, rompe a cadeia débito-crédito e ofende o princípio da não-cumulatividade, se não for manto ou concedido um crédito presumido e completa que o contribuinte tem um direito liquido e certo ao referido crédito presumido ou simbólico. ( Sacha Calmon Navarro Coelho, in Parecer publicado na obra Grande Questões Atuais de Direito Tributário, Dialética, 1999, 2 v, pgs. 310/311).
"... a não-efetivação do crédito nas etapas intercalares não tributadas resultaria na somatória, ao final, de valor total superior àquele resultante da última operação tributada.... .. há de se reconhecer o direito ao crédito do IPI, na esteira inclusive do entendimento manifestado pelo STF quando do julgamento dentre outros, do já referido RE 115.337-7, devendo ser apurado conforme à alíquota incidente à saída do produto tributado......". (Mário Luiz Oliveira da Costa, Dialética,, nº 69, pgs. 134/135)
Dessa forma , o crédito seria efetuado sobre o valor das aquisições desoneradas do IPI e utilizadas na fabricação dos produtos, cuja saída é tributada pelo aludido tributo ( IPI ). Para apurar o montante do crédito do IPI a ser registrado na escrita fiscal, basta multiplicar o valor das aquisições desoneradas pelo IPI, pela alíquota de incidência na saída do produto industrializado. Exemplificando, se o produto industrializado for tributado à alíquota de 5%, e as aquisições desoneradas do tributo somarem R$1.000.000,00, multiplicando-se esse valor por 5%, teremos o crédito de R$ 50.000,00 a ser abatido do IPI devido pela saída do produto industrializado.
DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO IPI
A norma constitucional, relativa ao IPI, se resume ao art. 153, §3º, onde:
Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:
IV - produtos industrializados;
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
........
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação, com o montante cobrado nas anteriores.
O Código Tributário Nacional, quanto ao IPI, preceitua:
"Art. 49 - O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.
Parágrafo Único - O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos seguintes:"
O Decreto 2.637, de 25.06.98, DOU de 26.06.98, RIPI/98, dispõe:
"Art. 146 – A não-cumulatividade do imposto é efetivada pelo sistema de crédito, atribuído ao contribuinte, do imposto relativo a produtos entrados no seu estabelecimento, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste Capítulo (Lei nº 5.172, de 1966, art. 149)".
Art. 147 – Os estabelecimentos industriais,, e os que lhe são equiparados, poderão creditar-se (Lei 4.502, de 1964, art. 25):
I - do imposto relativo a matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias primas e produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente; ( g. n.)
Interpretando o art. 153, § 3.º, inc. II da CF/88, assim se expressou Sacha Calmon Navarro Coelho, nos seus comentários a Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 3ª ed., Forense 1991, § 111, pág. 204, depois de assinalar que o IPI continua a ser financeiramente, imposto sobre consumo de bens industrializados, seletivo e não-cumulativo, explicita esta última característica dessa forma:
"O imposto pago em operações anteriores é crédito pago do contribuinte adquirente que o abaterá no momento de calcular o montante do IPI a pagar (não-cumulatividade). Como, de regra os produtos industrializados congregam diversas matérias primas, além de outros produtos já industrializados (inputs), a não-cumulatividade caracteriza-se com técnica de deduzir do imposto devido pelo produto acabado (o output) o imposto incidente sobre os inputs e arcado pelo industrial quando da aquisição dos mesmos. O IPI, assim como o ICMS, tende a ser imposto pelo valor acrescido por cada contribuinte ao longo da cadeia de circulação, pois são ambos impostos plurifásicos (pouco importando a técnica de apuração desses impostos) com a diferença de o ICM abranger também a etapa de produção e comercialização, o que raramente ocorre com o IPI, mais fechado no ciclo da produção industrial.
Anotamos, desde logo, o procedente reparo que tem sido feito ao constituinte, às suas palavras, quando enuncia o princípio da não-cumulatividade do IPI e do ICMS, No art. 153, § 3.º, II (IPI), e no art. 155, § 2.º, I (ICMS), o constituinte dispõe que ditos impostos serão não cumulativos ‘abatendo-se em cada operação o montante cobrado nas anteriores.’ Nada mais inverídico. Tanto o ICMS quanto o IPI foram e serão estruturados não para a prática da não-cumulatividade por produto (em cada operação) mas por períodos de tempo, freqüentemente 30 dias. Assim sendo, durante o mês os contribuintes contabilizam ‘entradas’ e ‘saídas’. As entradas geram créditos, as saídas geram débitos. Abatendo dos débitos os créditos, alcança-se, ao fim do período o imposto devido. Se houver mais crédito que débitos, não há imposto há pagar se não crédito a transferir para o mês seguinte. Ora, assim sendo, tanto o IPI como o ICMS são impostos periódicos (como o IR) e a não cumulatividade é por operações em dada período e não por produto."
A Constituição fez do IPI e do ICMS, tributos "não-cumulativos" exatamente porque os submeteu a um regime jurídico cujos efeitos são produzidos em função de um determinado sistema de abatimentos, instituído na própria Constituição (a não-cumulatividade é resultado, e não causa, do sistema de abatimentos). A "não-cumulatividade" confere, pois, ao IPI e ao ICMS, todas as condições necessárias para que essas duas exações incidam, sem que ocorra o que se convencionou nominar de "incidência em cascata", expressão de conteúdo nitidamente não-jurídico, e que alude ao fenômeno da pluralidade de incidências tributárias sucessivas sobre algo que, economicamente, se considera o mesmo "valor de base", o que produz como conseqüência, em matéria de tributos ditos "indiretos", o censurável efeito econômico da sobreoneração (ou sobrecarga tributária) dos preços dos produtos. ( TRF da 5ª Região, Juiz Geraldo Apoliano, Apelação em Mandado de Segurança nº 54835 – RN, 5 de setembro de 1996).
Promulgada a Constituição de 1988, uma nova alteração, sempre no tocante ao ICMS, foi introduzida: determinou-se o estorno do crédito do imposto relativo à entrada de mercadorias que saiu do estabelecimento com isenção do imposto; mas somente, repita-se, no concernente ao ICMS ( a modificação não alcançou o IPI). A Constituição Federal não veda o crédito fiscal, e o que se pretende é o crédito pela diferença entre o que pagou e o que deveria pagar.
O princípio da não-cumulatividade do IPI é, doutrinariamente, o mesmo da não-cumulatividade do ICMS, mas a não-cumulatividade do IPI é absoluta, sem exceção constitucional como é o caso do ICMS. A Constituição, no inciso I do § 2º do art. 155, declara também ser o ICMS um imposto não cumulativo, mas determina expressamente que a isenção ou não incidência, no caso do ICMS, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes ( art. 155, § 2º, II).
Quanto ao ICMS a questão se toma um pouco complexa. É porque a própria Constituição Federal prescreveu nas alíneas "a" e "b" do inc. II do § 2º do art. 155 que "a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes e b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores". Esta ressalva, quanto ao ICMS, ou seja, esta exceção, não aplicável ao IPI, faz com que não se apresentem de modo igual as duas situações, pois a não cumulatividade, para o IPI, é absoluta, enquanto para o ICMS é relativa. A partir da Emenda Constitucional nº 23/83, e em relação ao ICMS, tornou-se vedado o creditamento do imposto decorrente de operação isenta; essa alteração, entretanto, não alcançou o IPI. No caso do IPI, as regras de "isenção ou não incidência", não sofrem qualquer implicação, de forma a anular os efeitos da operação.
Novamente, citando Paulo de Barros Carvalho, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 33, pág. 156 e ss, que ao tratar da matéria pontifica:
"Para realizar esse desígnio, imperativamente proposto pela Constituição da República, impende a edição de norma jurídica que instaure, de forma efetiva, o direito ao crédito daquele que adquire mercadoria ou insumo, como o fim de dar seqüência às várias etapas dos procedimentos de industrialização ou de comercialização. Mas o direito ao crédito não basta. Para tornar efetivo o principio da não-cumulatividade exige-se, em cada ciclo, a compensação entre a relação do direito de crédito ( nascida com a entrada do bem) e a relação jurídica tributária ( que nasce com a saída do bem). É por esse motivo que o direito do crédito, daquele que participa das fases do ciclo da não-cumulatividade, é tão necessária na consecução dessa técnica impositiva.
A norma isentiva existe para inibir a incidência da norma tributária, nos específicos casos nela previstos e não para prejudicar o direito ao crédito, comprometendo, de algum modo, as metas constitucionais da não-cumulatividade.
Em suma, a isenção não exclui o direito ao crédito na operação seguinte. Atinge tão-somente a regra-matriz de incidência, impedindo o nascimento da obrigação tributária. Forçoso concluir, portanto, que a circunstância da operação anterior ser isenta não interfere na instauração do direito ao crédito." ( g.n.)
Há, sem dúvida, razão para o entendimento segundo o qual, havendo isenção numa das etapas da industrialização, deve haver o crédito correspondente, nos impostos não-cumulativos, sob pena de, não o fazendo, romper-se a cadeia débito-crédito própria desses tipos de impostos, cumulando-se o imposto e impondo-se ao consumidor final ônus igual ou superior ao que teria, se não houvesse a isenção. Não se creditando do IPI pelas aquisições de matérias primas isentas, não tributadas e sujeitas à alíquota zero, estará recolhendo aos cofres públicos valor maior que o devido.
Em tema de IPI, por se tratar de posto constitucionalmente não-cumulativo, a operação isenta deve gerar, inegavelmente, o direito ao crédito na operação seguinte, para não se frustrar o ditame magno concedente da inacumulabilidade, que tem por suporte a cobrança do tributo, vale dizer, a sua incidência no caso concreto, conforme o prevê a Carta Magna (art. 153, § 3°, II), e não o seu pagamento, como sugere o art. 49 do CTN. A isenção da operação anterior não pode, dessa forma, ser entendida como obstáculo à fruição do direito ao crédito do IPI na operação subseqüente, para não se frustrar a natureza não-cumulativa do imposto, estabelecida em regra magna de irrecusável clareza.... (Hugo Brito Machado, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 4, pág. 35)
Logo, por imposição lógica, o direito ao crédito relativamente ao IPI é amplo, irrestrito, de nada importando que a operação anterior tenha sido tributada ou não. É de ser mantido o direito ao crédito mesmo quando decorrente de operações isentas, sujeitas à alíquota zero, não-incidência, enfim, não tributadas. O crédito do montante incidente na operação anterior não poderá ser obstaculizado sob pena de se afrontar diretamente ao nosso sistema constitucional tributário. Desta postura jurídica podem ser extraídas conseqüências relativas ao direito indisponível ao crédito do IPI, decorrente de operações anteriores no ciclo de industrialização, independente da existência de operações tributadas.
Assim sendo, verificado no mundo fenomênico o fato jurídico da realização, por parte do sujeito passivo da obrigação tributária, de uma operação (jurídica) anterior sujeita à incidência do IPI, nasce uma relação jurídica de natureza não-tributária que alberga o direito ao abatimento do montante relativo a esta operação no valor de tributo a ser recolhido quando do surgimento da obrigação tributária, no preciso instante da ocorrência do fato imponível respectivo. Esta relação jurídica de creditamento, nasce antes mesma da ocorrência do fato jurídico tributário do IPI, surge de operação anterior relativa à aquisição de bens necessários e utilizáveis na fabricação de produtos que venham a ser objeto de futuras operações pelo contribuinte.
A questão parece decorrer da deficiência redacional de que padecem, a própria Constituição, que se vale do vocábulo "cobrado", e o Código Tributário Nacional, que emprega a palavra "pago". Deveras, a doutrina e a jurisprudência soam em uníssono ao reconhecerem que "… a não-cumulatividade exclui a incidência anterior e não a cobrança (ou pagamento) que pode inclusive nem ser feita" – Esta a razão pela qual têm, a doutrina e jurisprudência, havido por bem considerar que o princípio da não-cumulatividade surge por força do imposto incidente na operação anterior e não do imposto cobrado naquela operação. ( a propósito Ives Gandra da Silva Martins – Sistema Tributário na Constituição de 1988, p. 180 e ss, Saraiva, São Paulo, 1989).
Advertia enfaticamente o saudoso Gilberto Ulhôa Canto que a expressão "...montante cobrado nas anteriores..´ teria de ser captada como significando o "montante relativo às anteriores..." isto porque não se tem por escopo condicionar o crédito ao efetivo pagamento do tributo. Caso houvesse tal condição, seria necessário que cada contribuinte buscasse a certeza que os industriais, os fornecedores das matérias- primas, dos produtos intermediários ou de outros materiais integrados no sistema de agregação de valor efetivamente pagaram o IPI acumulado até a respectiva saída de seus estabelecimentos, para que só a partir de então surgisse o direito ao respectivo crédito do tributo.( Revista de Direito Tributário, 25-26, p. 87)
Aliás sobre a inadequação da expressão cobrado, empregada no art. 153, II, parág. 3°, da Carta Magna, Ives Gandra Martins tem estas lúcidas palavras ( citado no Processo 95.9470-3 MS - CE, pelo Juiz Napoleão Nunes Maia ( Revista Dialética de Direito Tributário, nº 4, pág. 35):
"O texto maior mencionado merece dois reparos. O primeiro deles diz respeito à expressão cobrado. A doutrina e a jurisprudência já corrigiram a infeliz formulação vocabular, visto que a cobrança é elemento despiciendo na formulação da obrigação tributária ou do seu crédito decorrencial. (...) Uma obrigação tributária pode ter nascido e jamais ser cobrada, sem que deixe de ser obrigação tributária, gerando conseqüências, inclusive, no concernente ao princípio da não-cumulatividade. (...) À evidência, não pretende o constituinte cuidar de imposto cobrado´, mas de imposto incidente, visto que é a incidência que conforma a obrigação tributária. " (Comentários à Constituição do Brasil, 1990, pp. 302/303).
Do artigo publicado por Hugo Brito Machado, Isenção e Não-Cumulatividade do IPI, Revista de Direito Dialética, nº 4, pág. 32, transcreve-se:
"Acolhendo a doutrina dos Mestres Rubens Gomes de Sousa e Ruy Barbosa Nogueira, o ilustre Juiz Federal da 8ª Vara no Ceará, Professor Napoleão Nunes Maia Filho, concedeu mandado de segurança para garantir à impetrante o direito ao crédito do IPI relativo a matérias-primas adquiridas de indústria isenta daquele imposto porque sediada em Manaus.
Seja como for, inadmissível é a interpretação literal dos preceitos da Constituição Federal, e do Código Tributário Nacional, quanto à palavra cobrado, contida no art. 153, inciso IV, e § 3°, inciso II, e pago, contida no art. 49 do Código Tributário Nacional. Qualquer pessoa que tenha alguma vivência da sistemática da não-cumulatividade sabe perfeitamente que jamais o fisco exigiu de qualquer contribuinte a prova da cobrança, ou do pagamento, como condição para o uso do crédito correspondente. O que se exige é que exista tributo relativo a operação anterior. Em face da isenção esse imposto, relativo a operação anterior, ou não será devido, ou será devido mas dispensado em virtude da norma isentiva, mas não pode ser desconsiderado, porque isto implicaria abolir o instituto da isenção, que restaria substituído inexoravelmente pelo instituto do diferimento de incidência".
Como se vê nessas dicções normativas, a Carta Magna emprega a expressão cobrado, enquanto o CTN emprega a expressão pago, ambas se referindo ao imposto (IPI) pertinentes às operações anteriores, na apuração do crédito do IPI pelo contribuinte. A exigência de que tenha havido pagamento do imposto na operação antecedente, para que possa surgir o crédito correspondente na operação posterior, como parece ser exigência do art. 49 CTN, deve ser de logo afastada, porque a Carta Magna apenas impõe que tenha havido a sua cobrança (art. 153, parágrafo 3º, II), sendo certo que esses dois termas jurídicos (cobrado e pago) designam efetivamente realidades distintas, devendo-se dar prevalência à expressão constitucional (cobrado), em detrimento da expressão legal (pago), em face da supremacia da Carta Magna.
Em substanciosa sentença, merecedora de destaque de Hugo de Brito Machado, obra já citada, assim decidiu o Juiz Federal Napoleão Nunes Maia:
"2.14 – Essa corrente, sem desapreço às demais, tem o prestígio do apoio do mestre Rubens Gomes de Souza, para quem, na isenção, o tributo é devido, porque existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido (Compêndio de Legislação Tributária, Ed. Financeira, 3a ed., 1954, p. 75).
2.15 - Essa lição do saudoso tributarista está em perfeita sintonia com o art. 140 do CTN, ao dizer que as circunstâncias que excluem o crédito tributário não afetam a obrigação que lhe deu origem, sendo certo que a isenção é uma forma de exclusão do crédito tributário (art. 175, I, do CTN), mas não-evidentemente, da obrigação.
2.16 - Ensinamento nesse mesmo sentido é dado por Ruy Barbosa Nogueira, que assinala que só se pode isentar o que esteja a priori tributado (Curso de Direito Tributário, Saraiva, I 980, p. 171 ).
2.17 - Essas doutas razões doutrinárias me obrigam a concluir que na isenção existe a cobrança do tributo, previsto em Lei tributária com todos os seus elementos formadores, mas não existe o seu pagamento, porque uma outra lei tributária expressamente o dispensa.
2.18 - Aceito, portanto, a tese de que na isenção tributária existe a cobrança do tributo, como fato consectário da plena incidência da norma legal de tributação, apenas não há o seu pagamento, como conseqüência excepcional da aplicação de outra norma legal (a norma isentiva)
Dessarte, se quem praticar a operação posterior tiver de pagar imposto sobre valor acrescido pela atividade de quem desempenhou a operação anterior, em razão de isenção ou não-incidência, ou outra razão, não terá ele relação direta com a situação que constituiu o respectivo fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN). Só poderá, portanto, ser enquadrado como responsável (inc. II da mesma norma), mas, nesse caso, essa condição de responsável terá de constar de disposição expressa de lei. No caso, isto não existe, pois a exigência de pagamento do imposto ou da diferença de alíquota advém de mera interpretação limitativa do princípio de não-cumulatividade.
Como são independentes, autônomos e diversos os regimes do "crédito" e do "débito", a eventualidade de uma operação não provocar o surgimento do débito (imunidade, isenção, não incidência, "alíquota zero", etc), não afeta, em nada, o direito constitucional ao registro do crédito quando da aquisição anterior da mercadoria ou produto objeto, agora, da operação não - tributada. Não há que cogitar, no caso, de vedações de tais créditos, e,, muito menos, de seu estorno ou exclusão. (Geraldo Ataliba e Gléber Giardino, Revista de Direito Tributário, nº 46, pág. 80).
Esse abatimento, oportunamente, vai redundar numa redução de IPI a pagar. Isto é conseqüência inexorável da própria disciplina constitucional desse imposto. Sendo assim, não tem a menor relevância indagar-se - quanto a determinada operação, atinente ao produto "x" ou "y" - se a operação atual é tributada ou isenta. Em qualquer caso, o direito de abatimento existe desde a (e com base nela) operação anterior, com qualquer mercadoria ou produto (não importa a espécie de mercadoria ou produto). ( Geraldo Ataliba e Gléber Giardino, Revista de Direito Tributário, nº 46, pág. 85).
Essas razões indicam que a não-cumulatividade, por natureza, não se restringe à compensação de imposto cobrado nas operações anteriores. Como é inerente ao sistema, exclui duas incidências sobre o mesmo valor, independentemente de ter sido o imposto cobrado, ou de qual tenha sido a alíquota incidente na operação anterior. O imposto, em cada etapa, só pode incidir sobre o valor acrescido, como, aliás, consta da jurisprudência do Supremo. Assim, em relação ao IPI, cabe crédito presumido quando, na operação anterior, ocorram as hipóteses de isenção e não- incidência. Caberá, portanto, crédito presumido, que pode ser apurada pela aplicação da alíquota incidente sobre a operação posterior, sobre o valor das notas fiscais de aquisição. (José Carlos Graça Wagner, Curso de Direito Tributário, CEJUP, V 2, 1995, pág. 33 e ss) - o grifo não é do original.
A desoneração dos gravames fiscais (via isenção ou não incidência) constitui na verdade, ato de mera liberalidade do legislador, abrindo mão da receita tributária, o que sob pretexto, pode ferir e violar os direitos dos contribuintes. Neste contexto jurídico, permanece inviolável o direito ao crédito em operações isentas, não tributadas, com aplicação de alíquota zero, a fim de ser preservado o cânone da não-cumulatividade do IPI (sem qualquer restrição constitucional).
Outro não é o entendimento de Hamilton Dias de Souza, in A Constituição Brasileira 1988, Forense, pág. 319 : "... ...... Ora, se a anterior orientação do Supremo Tribunal Federal, nos seus fundamentos teóricos, se ela for válida ou se tiver sido válida, ou diria que nós temos aqui, pela comparação de ambos os textos, uma conclusão quase que necessária de que, em tema de IPI, as isenções nas fases precedentes do ciclo dão direito a um crédito presumido nas fases ou na fase posterior. Realmente tanto é assim que em matéria de ICM consagra a regra da não cumulatividade de forma basicamente idêntica à do IPI, mas logo em seguida consta o seguinte: "A isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes". É evidente, se há na Constituição uma exceção a uma regra geral, eu diria que esta é tipicamente uma regra jurídica que restringe o domínio de validade de uma regra geral. E se ela restringe o domínio de validade de uma regra geral, isso significa que se ela lá não estivesse a regra geral seria no sentido de que a isenção na fase precedente provoca um crédito presumido na fase posterior.....".
Doutrinando a respeito do IPI, assentou o eminente magistrado e tributarista Sacha Calmon Navarro Coelho:
"Quer nos parecer que o IPI mantém o princípio da imunidade dos produtos industrializados remetidos para o exterior, em sua inteireza. Explicamo-nos: na exportação a operação é imune. Para que a imunidade seja plena, impõe-se a manutenção e o aproveitamento dos créditos acumulados nas operações anteriores, sob pena de, havendo o estorno, restar comprometida a integridade da imunidade, ou o que é pior, a sua finalidade (esforço de exportação). No caso do IPI, o constituinte manteve-se silente. No caso do ICMS, declarou solenemente que nas hipóteses de isenção e na incidência (imunidade) os créditos das operações anteriores, salvo determinação legal em contrário, não poderiam ser aproveitados (ver a regulação constitucional do ICMS). Ora, onde o legislador constitucional distingue não cabe ao intérprete ignorou a distinção, até porque as hipóteses são símiles. Logo, o crédito das operações anteriores, no caso do IPI, são aproveitáveis em ocorrendo imunidade e, por extensão, isenção. (Comentários à Constituição de 1988 - Forense - 4ª edição - pág. 204 e 205)
Em ratificação ao aqui exposto, transcrevemos a resposta do Parecer do Professor Paulo de Barros Carvalho, Revista Dialética de Direito Tributário, pág. 165:
"3. Considerando-se isenta do IPI determinada operação realizada com produto industrializado, tem o contribuinte adquirente (desse produto) direito ao crédito do imposto federal, para efeito de compensação com débito decorrentes de operações subseqüentes? Resposta : Perfeitamente, não tenho dúvidas em responder de modo afirmativo. O direito ao crédito do IPI não decorre da regra-matriz de incidência tributária, mas surge da regra-matriz de direito ao crédito. E as isenções tributárias que investem tão somente contra a primeira, não maculam a Segunda. O direito ao crédito se perfaz com total independência da circunstância de nascer ou não a obrigação tributária. Há direito ao crédito porque o imposto é não cumulativo e a índole não cumulativa advém de mandamento constitucional.
O equívoco está em pensar que o direito ao crédito decorre da incidência da norma jurídica tributária. Desta surge a obrigação do imposto, que é direito subjetivo de que está investido a Fazenda Pública e não o contribuinte.
Em suma, a isenção não exclui o direito ao crédito na operação seguinte. Atinge tão-somente a regra-matriz de incidência, comprometendo o nascimento da obrigação tributária. Forçoso concluir, portanto, que o fato da operação anterior ser isenta do Imposto Sobre Produtos Industrializados não interfere na instauração do direito ao crédito, para efeito de compensação com débitos decorrentes de operações ulteriores"...
O direito ao crédito nas aquisições de matéria-prima, materiais intermediários com alíquota zero, isento ou não tributado pelo IPI, utilizados em produtos com saídas tributadas, não decorre da regra-matriz de incidência tributária, mas surge da regra-matriz de direito ao crédito, em razão da não-cumulatividade do imposto. Desta forma, as aquisições de materiais, matéria-prima, com alíquota zero ou não tributadas, empregadas na fabricação de produtos sujeitos ao IPI, não interfere na instauração do direito ao crédito, para efeito de compensação com débito decorrentes de operações ulteriores.
Em derradeiro, pede-se vênia para transcrição de trecho do voto da eminente Juíza Federal do TRF da 4ª Região, na Apelação em Mandado de Segurança nº 2000.04.01.00524-6/PR, DJU 2-E de 2.5.2001, p.358, Revista Dialética de Direito Tributário nº 71, pp.181/182, que traduz com muita propriedade tudo o aqui exposto::
"Em suma, segundo a ordem constitucional vigente, que, nesse ponto, repete a anterior, o IPI é um imposto de competência da União, seletivo, em função da essencialidade do produto, e não-cumulativo, incidente sobre o valor agregado ao produto industrializado.
A técnica da não-cumulatividade faz com que o IPI, nas diversas operações que envolvem a industrialização, seja calculado com base na diferença verificada entre o valor do crédito e do débito registrados na escrita da empresa, mediante abatimento, em cada operação, do custo da operação anterior.
Mutatis mutandis, significa o seguinte: ao entrar na empresa algum bem que tenha sofrido a incidência do IPI - incidência, essa, que se deu na saída do bem do estabelecimento de onde veio -, faz-se o registro escritural, como crédito, do valor do tributo pago, é, como débito, do valor do IPI previamente calculado sobre o produto já industrializado, ou seja, sobre o valor da industrialização, que se agrega ao bem. Quando o tributo tiver de ser recolhido, faz-se o confronto entre os dois valores, oportunidade em que, verificado ser o crédito maior que débito, terá o contribuinte um saldo credor, a seu favor, a ser transferido para o mês seguinte. Do contrário, se maior for o débito, a diferença daí resultante corresponderá ao valor do tributo, que deverá ser pago quando da saída do produto do estabelecimento.
O fato de a Constituição, no tocante ao IPI, utilizar a expressão montante cobrado (artigo 153, § 3°, II), não significa tenha o legislador constituinte vedado o creditamento em relação a operações isentas ou tributadas à alíquota zero. Tal vedação por expressa disposição constitucional (artigo 155, § 2°, II, a), somente se verifica no tocante ao ICMS.
No entanto, existem divergências na jurisprudência a respeito desse tema. Há decisões entendendo que o direito de crédito depende da existência de pagamento (ou simples cobrança) do IPI na operação anterior e, outras, sustentando que a rejeição do crédito, nos casos de isenção ou tributação à alíquota zero, desnatura o princípio da não-cumulatividade, pois o imposto não incidirá sobre o valor acrescido, mas sobre o valor acumulado.
Posiciono-me favoravelmente à tese exordial. Poderá até parecer absurda a idéia do creditamento de um valor que sequer foi exigido pelo Fisco, mas não o será se levarmos em conta o princípio da não-cumulatividade. Como bem salientado pelo ilustrado Juiz Gilson Dipp, "(.) a rejeição desse crédito desnaturaria o princípio da não-cumulatividade, porque o imposto não iria incidir apenas sobre o valor acrescido, mas sobre o valor acumulado, tornando inócua a imunidade ou a isenção. Assim, em perspectiva finalística, há de se aceitar o crédito nessas hipóteses para assegurar o propósito do princípio da não-cumulatividade, que é, justamente, realizar a tributação pelo valor acrescido" (AC. n° 96.04.04861-9/RS, julgado em 31 de março de 1998).
Vê-se assim, que além de um benefício para o contribuinte - já que, creditando-se do valor pago, ou que seria pago não fosse a isenção ou a alíquota zero, ele pagará menos tributo -, o creditamento visa, acima de tudo, a impedir que o tributo recaia sobre o valor acumulado dos custos da industrialização, em homenagem ao princípio da não-cumulatividade. Como corolário, ainda que a operação anterior tenha sido tributada à alíquota zero ou tenha sido beneficiada pela isenção, impõe-se o reconhecimento de crédito a favor do contribuinte, a ser abatido na operação posterior.
Ressalto, também, que muito mais se justifica a hipótese do creditamento no regime da alíquota zero. Se há creditamento na hipótese da isenção, que pressupõe a exclusão do crédito tributário ("nasce" a obrigação tributária, mas o crédito é excluído pela regra isentiva), mais razoável é o creditamento na alíquota zero, em que sequer há a exclusão do crédito tributário, havendo a opção pela alíquota esvaziada.
A tese segundo a qual o creditamento, nos casos de isenção ou incidência tributária pela alíquota zero, implica enriquecimento ilícito, é de todo inaceitável, porquanto, mesmo naquelas hipóteses em que o tributo é pago, quem suporta o ônus econômico dessa tributação não é a mesma pessoa que se beneficia do crédito respectivo, considerando as várias etapas do processo de industrialização... Recentes decisões do STF vem corroborando esse entendimento: Ementa: Constitucional. Tributário. IPI Isenção Incidente sobre Insumos. Direito de Crédito. Princípio da Não-Cumulatividade. Ofensa não Caracterizada.
- Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3°, II), quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. - Recurso não conhecido. (STF, Tribunal Pleno, RE 212.484/RS, Relator o Ministro Ilmar Galvão Relator para Acórdão Ministro Nelson Jobim, j. OS-03-98. DJU 27-11-98)
Não sendo feito o creditamento do valor correspondente a insumos adquiridos sob o regime isenção ou alíquota zero postulado, a tributação do IPI, quando da saída da mercadoria do estabelecimento industrial, será realizada em valor maior que o devido, porque incidente não apenas sobre o valor acrescido, mas sobre o valor acumulado, em violação ao parágrafo 3° do am 153 da Constituição Federal.
Quanto ao modo de apuração desses créditos, pode ser apurada por dois mecanismos, como já reconhecido pelo STF na RE n° 112.443-3-SP (JSTF LEX n° 157/165/171):
"Desse modo, havendo isenção, duas formas podem ser adotadas para que razão haja o pagamento do ICM: uma, o destaque, quando da saída da mercadoria, do valor referente à mercadoria isenta, para que sobre ela não incida o percentual referente ao ICM que, deste modo, só incidirá sobre o valor acrescido após a industrialização, incluindo neste, obviamente, a parte da mercadoria que beneficiada pela isenção; e a outra, o creditamento do tributo referente àquela mesma parte isenta, quando o ICM incide sobre o valor total do produto e, portanto, também sobre o valor relativo à parte isenta. É que, pagando o industrial o ICM sobre tal parte, se dele não se creditar, não haveria a isenção."
Assim, ou o contribuinte (1) exclui da base dos. produtos fabricados o valor dos insumos adquiridos com alíquota zero, aplicando a alíquotas sobre o saldo, ou (2) aplica sobre os insumos adquiridos com alíquota zero a alíquota dos respectivos produtos fabricados e lança o valor resultante a crédito em sua escrita. Friso que o resultado fiscal será exatamente o mesmo".
Urge reprisar, neste ponto, que como o permissivo constitucional (art. 153, §3º, II) não impõe que o crédito somente deva ser efetuado em caso de pagamento de IPI na operação anterior ( somente excepcionado --restringido-- no caso do ICMS), tal direito, balizado pelos doutos doutrinadores pátrios e pela remansosa jurisprudência dos tribunais, é pleno para o IPI, mesmo nos casos de aquisições isentas, sujeitas à alíquota zero, imunes, ou sujeitas à tributação, enfim desoneradas do tributo.