4. MOMENTO DA LAVRATURA DO PROTESTO
Chegamos, então, ao tema central deste trabalho monográfico, após serem lançadas algumas colocações sobre a natureza jurídica do protesto de títulos, e outras peculiaridades.
Começaremos a analisar a questão sobre o prisma legal. O art. 12 da Lei nº 9.492/97 reza o seguinte:
“Art. 12. O protesto será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do título ou documento de dívida.
§ 1º Na contagem do prazo a que se refere o caput exclui-se o dia da protocolização e inclui-se o do vencimento.
§ 2º Considera-se não útil o dia em que não houver expediente bancário para o público ou aquele em que este não obedecer ao horário normal”.
A interpretação literal do dispositivo indica que o protesto deverá ser lançado no Livro de Registro de Protestos dentro de 3 (três) dias úteis contados da protocolização do título no Livro de Apontamento de títulos. E a protocolização do título ocorrerá em, no máximo, 24 (vinte e quatro) horas da apresentação do título perante o Tabelionato, conforme prevê o art. 5º da Lei de Protestos.
O procedimento do protesto concebido pela Lei nº 9492/97 coaduna com os dois princípios específicos do protesto, sob o enfoque de ordem procedimental. A celeridade e a formalidade simplificada dão sustentação ao prazo reduzido.
A questão que se firma é a de que parte da doutrina e da jurisprudência defendem uma interpretação contra legem. Entendem que o prazo deve ser contado da data em que ocorreu a intimação do devedor, e não da protocolização do título.
Os defensores dessa tese levantam o argumento de que se o prazo for contado da protocolização do título, o devedor terá pouquíssimo tempo para cumprir a obrigação, ou buscar judicialmente meios para sustar o protesto. Levantam o argumento constitucional do devido processo legal e o direito de defesa do devedor.
Em artigo intitulado “Análise Jurídico Constitucional da Aplicabilidade do Tríduo da Lei 9492/97: Uma Análise sob o Ponto de vista dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da ampla defesa”, Anderson José Collares de Souza comenta o citado art. 12:
“Este artigo quer dizer, que no período compreendido entre a protocolização e o último dia do vencimento, ou seja, dentro do tríduo legal, o protesto será registrado, a não ser que o título seja pago ou retirado, ou o protesto sustado judicialmente.
Diante disto, se considerar apenas este artigo, o prazo começará a correr do momento da protocolização do documento, (momento em que o “devedor” ainda não foi intimado), terminando no terceiro dia útil subsequente. Decorrido o tríduo lega e não ocorrendo nenhuma das hipóteses, o Tabelião registrará o protesto, cabendo ao sacado responder pelas consequências.
Mas, considerando-se que o devedor foi regularmente intimado, como deverá ser contado esse prazo para se registrar o protesto ou tomar medidas contra esse registro?
A doutrina já se tornou pacífica em reconhecer esse erro da lei e entender que o prazo só poderá começar a ser contado de quando ficar comprovada a entrega da intimação no endereço do responsável, posição que nos parece correta. Segundo João roberto Parizatto, “A nosso ver, tal prazo, que constará obrigatoriamente da intimação, deverá ser de três dias úteis, contados da intimação, como praxe já adotada pelos Tabelionatos de protesto”. (João Roberto Parizatto: São Paulo: Saraiva, 2002: p. 44).
Nota-se que a existência de tal norma além de contrariar a “vontade do legislador” consegue adeptos do Direito Positivo, os formalistas, que seguem rigorosamente o posicionamento do que está escrito no artigo; fazem interpretação positivista que afeta a eficácia do registro do protesto, acarretando um tipo de inconformismo legal”. (texto disponível no link http://www.anoregms.org.br/index.php?p=detalhe_noticia&id=1175. Acesso em 14/01/2013, às 23:40).
Em Encontro Regional realizado em Uberlândia, em maio de 2007, Hermínia Bráulio reforçou o entendimento de que a interpretação literal do art. 12 pode acarretar infringência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, consubstanciados no inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (apresentação disponível no link http://www.serjus.com.br/encontros/uberlandia_2007/encontro_regional_uberlandia_maio_2007_palestra_dra_herminia.pdf. Acesso em 14/01/2014, às 23:45).
O inciso I do art. 536 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Pernambuco dispõe que “Art. 536. O protesto será lavrado: I – dentro de 3 (três) dias úteis, a contar da data da intimação do devedor”. Já o art. 181 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Ceará confirma que o prazo é contado da data da protocolização do título no Tabelionato de Protesto. Em São Paulo também vigora tal entendimento, conforme prevê o item 12, da seção IV, do Capítulo XV, do Tomo II, das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais. O art. 625, alínea “a” do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão também utilizada o critério legal – da protocolização do título como início do tríduo legal. O art. 987 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro também faz uso da opção legal, ou seja, que o prazo é contado da data da protocolização.
O protesto deve ser interpretado como uma forma de garantir ao credor a satisfação do crédito. É um instituto em favor do credor – pró-credor. O direito pátrio é pautado pela função social. Pois bem, a tendência inicial é de que, quando se fala em função social dos contratos, ou mesmo do Direito, é garantir o dialogo, o consenso, a comunhão, a composição. E nesse sentido acabam os juristas a criar formas de estabelecer contraditório, mesmo que em certas situações não seja adequado, razoável e proporcional.
O Direito empresarial moderno foi concebido dentro desse universo de relações se completando a cada instante. Os negócios jurídicos exigem que os instrumentos jurídicos acompanhem essa enorme gama de situações. É de interesse de todos que as obrigações sejam cumpridas conforme o estabelecido. Somente uma pessoa poderia, hipoteticamente, não querer o adimplemento da obrigação: o devedor. E digo isso mesmo ciente da teoria da boa-fé objetiva. Não podemos esquecer que todas as relações jurídicas são permeadas por conceitos genéricos, mas de aplicação universal. A boa-fé objetiva e a função social são duas delas.
Miguel Reale nos ensina:
“O que aqui se critica é o exclusivismo jurídico dominante na visão positivista do Direito, que se contenta com princípios e regras de caráter empírico ou factual.
A vida do Direito não se reduz a uma sucessão de fatos desvinculados dos valores que lhes dão sentido e significado, de cuja correlação dialética emerge a regula iuris.
Daí a orientação assumida pelos autores do Anteprojeto do Código Civil, sistematizado e publicado em 1972, o qual, devidamente revisto culminou no Projeto de 1975, enviado ao Congresso Nacional, nele já apresentada a eticidade, cuja raiz é a boa-fé, como um dos princípios diretores que o distinguem do individualismo do Código revogado de 1916.
O resultado da compreensão superadora da posição positivista foi a preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juízes.
É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco dois artigos complementares, o de nº 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o Art. 422 que determina: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências.
Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial”. (Disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm, com acesso em 14/01/2013, às 23:50).
O Protesto está inserido neste contexto, e assim deve ser interpretado. O sistema jurídico foi concebido justamente para que o protesto possa garantir a liquidez das obrigações. Hodiernamente, o protesto é mais um meio de coerção do que um meio de constituição de prova. E o sucesso do protesto é a sua característica de oficialidade, que nenhum outro ente pode conferir. Um agente público imparcial, que dá caráter de certeza de que o devedor não adimpliu quando instado a fazê-lo.
O Direito deixou a visão do núcleo indivíduo. O coletivo, e o resultado das relações jurídicas é o foco.
É o que ensina
“(...) o reconhecimento da necessidade da tutela da confiança desloca a atenção do direito, que deixa de se centrar exclusivamente sobre a fonte das condutas para observar também os efeitos fáticos de sua adoção. Passa-se da obsessão pelo sujeito e pela sua vontade individual, como fonte primordial das obrigações, para uma visão que, solidária, se faz atenta à repercussão externa dos atos individuais sobre os diversos centros de interesses, atribuindo-lhes eficácia obrigacional independentemente da vontade ou da intenção do sujeito que os praticou.” (SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório: Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 94).
O prazo para a tirada – lavratura e registro – deve refletir essa tendência e esses conceitos. Não há que se cogitar, então, em alterar a interpretação do art. 12 da Lei nº 9.492/97 para possibilitar mais uma forma de defesa ao devedor. Não há que se falar em contraditório e ampla defesa no procedimento do protesto, até porque não é possível ao devedor defender-se administrativamente, seja o prazo maior ou menos. A única saída, fora o pagamento do título, é a sustação judicial do protesto. E essa medida é garantida independente da forma de contagem do prazo do protesto. A sustação judicial é uma medida de urgência, cautelar por natureza, que será apreciada pelo magistrado tão logo lhe seja apresentada. A demora na apreciação do pedido não pode justificar a interpretação elástica do prazo do protesto. Isso é um problema jurisdicional, de administração da Justiça, que não compete ser aqui discorrido.
5. CONCLUSÃO
O instituto do protesto sofreu alterações desde a sua origem. No início, a Letra de Câmbio foi concebida para atender as necessidades dos comerciantes, da então região da Itália, na idade média.
A evolução das relações comerciais impôs o surgimento de outros títulos de crédito, de natureza cambiária. O cheque, a nota promissória, a duplicata, e outros, foram instituídos para fazer frente a essa recorrente necessidade de abranger todas as situações negociais.
O protesto, nesse sentido, acompanhado as mudanças na economia. Apesar disso, sempre esteve ligado, umbilicalmente, com os títulos de créditos clássicos.
A globalização fez com as relações comerciais fossem cada vez mais intensas, exigindo que os instrumentos de garantia da segurança jurídica fossem reformulados, acompanhado essa tendência.
Nesse contexto, o protesto é institucionalizado sob postulados eminentemente voltados ao comércio. Os princípios que traduzem essa visão moderna do Protesto de Títulos são a segurança jurídica formal dinâmica, a celeridade, e a formalidade simplificada.
A segurança jurídica formal dinâmica enraíza no protesto a noção funcional da confiança na sociedade. A garantia – sob as insígnias da oficialidade, autenticidade, veracidade, imparcialidade – de que as obrigações serão satisfeitas, honradas.
A celeridade e a formalidade simplificada, ligados ao procedimento de protesto, impõem a visão de eficiência e agilidade, conjugando com a noção de solenidade.
O instituto do protesto, neste contexto, deve ser voltado ao interesse coletivo do cumprimento regular das obrigações. A boa-fé objetiva advém dessa premente necessidade de honradez.
O art. 12 da Lei nº 9.492/97 não pode ser interpretado de outra forma. Pode-se falar, então, na função social dos Protestos de Títulos. Não há prejuízo à institucionalidade do Protesto, como ato jurídico emanado de autoridade imparcial. A função social surge justamente dessa característica: uma pessoa física dotada de fé pública, os chamados de “órgãos da fé pública” (expressão utilizada por João Mendes de Almeida Júnior, na sua obra Órgãos da fé pública, 2ª ed. São Paulo : Saraiva, 1963, pág. 2).
O protesto é instituto pró-credor e pró-sociedade, e assim devem ser interpretadas as disposições da Lei nº 9.492/97.
Nesse sentido, a contagem do prazo para a lavratura e o registro do protesto tem início na data da protocolização do título, sob pena de desfiguração do próprio instituto do protesto.
6. Referências
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BRAÚLIO, Hermínia. Apresentação feita no Encontro Regional de Uberlândia – MG, em maio de 2007. Disponível em http://www.serjus.com.br/encontros/uberlandia_2007/encontro_regional_uberlandia_maio_2007_palestra_dra_herminia.pdf. Acesso em 14/01/2014, às 23:45.
BUENO, Sérgio Luiz José. O protesto de títulos e outros documentos de dívida : aspectos práticos. – Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2011.
DIP, Ricardo Henry Marques. Prudência Notarial. São Paulo: Quinta Editorial, 2012.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. – 3ª ed. – Rio de Janeiro : Forense: São Paulo : MÉTODO, 2012.
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REALE, Miguel. Boa-fé. Artigo disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm, com acesso em 14/01/2013, às 23:50.
RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009.
SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório: Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007
SOUZA, Anderson José Collares. Análise Jurídico Constitucional da Aplicabilidade do Tríduo da Lei 9492/97: Uma Análise sob o Ponto de vista dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da ampla defesa. Disponível em http://www.anoregms.org.br/index.php?p=detalhe_noticia&id=1175. Acesso em 14/01/2013, às 23:40.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil; direito empresarial / Sílvio de Salvo Venosa, Cláudia Rodrigues. 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2010.