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Autoria e participação no direito penal brasileiro

Agenda 09/10/2013 às 11:11

A diferenciação precisa entre autoria e participação atende a dois imperativos: punição das condutas típicas e individualização das penas. Neste trabalho, apresentam-se diversas modalidades de conhecimento obrigatório.

Resumo: O presente artigo faz análise das figuras centrais do concurso de agentes: a autoria e a participação. Busca-se dessa forma estabelecer a diferença existente entre ambas, bem como suas consequências jurídicas. A exata compreensão (e aplicação) das figuras jurídicas é de fundamental importância, visto que a confusão existente entre ambas gera injustiça, pois contraria o princípio da individualização das penas.

Palavras-chave: Autoria; Participação; Aspectos jurídicos.

Sumário: Introdução. 1. Concurso de agentes: breves apontamentos. 2. Autoria: abrangência. 2.1. Conceito amplo de autor. 2.2. Conceito restrito de autor. 2.3. Conceito funcional de autor. 2.4. Espécies de autoria. 3. Participação. 3.1. Teoria da acessoriedade mínima. 3.2. Teoria da acessoriedade limitada. 3.3. Teoria da acessoriedade extrema. 3.4. Teoria da hiperacessoriedade. 3.5. A participação em cadeia. 3.6. A participação sucessiva. 3.7. A participação de menor importância. 3.8. Cooperação dolosamente distinta. Notas conclusivas. Referências bibliográficas.


Introdução

O presente artigo abordará a autoria e a participação no âmbito do direito penal brasileiro, visando contribuir para a adequada compreensão de ambas as figuras que compõe o concurso de agentes.

A razão de ser do trabalho reside na pouca importância que certos julgadores dão à temática, visto que, não raras vezes, muitos confundem a figura da participação com a figura da co-autoria, ou não dão à figura da participação à sua devida compreensão.

A consequência dessa situação é a condenação de indivíduos à pena privativa de liberdade superior à prevista em lei, o que contraria a ordem constitucional, visto que é direito do réu ter, no âmbito do concurso de agentes, sua conduta classificada corretamente, conforme imperativos do princípio da individualização da pena.

Visando coibir tal situação, que, infelizmente está ocorrendo em demasia, trazemos para a análise as figuras da autoria e da participação, consoante o que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro.

Esperamos, assim, contribuir para o fortalecimento da cultura jurídica, ao menos quanto a esse ponto, a fim de que a lei seja aplicada corretamente.

Para cumprir nosso intento, abordaremos a temática de forma clara, concisa e, acima de tudo objetiva. Escolhemos o método dedutivo de pesquisa, tendo como suporte uma pesquisa bibliográfica que represente o pensamento majoritário da doutrina penal.

Bem sabemos que o conhecimento é ilimitado, mas também sabemos que para alcançar nosso propósito é preciso delimitá-lo. Por essa razão, promovemos um corte metodológico segundo o qual evitamos a análise minuciosa do concurso de agentes, visto tratar-se, diante do que foi analisado, de mera tautologia.


1. Concurso de agentes: breves apontamentos.

Consoante lição de Júlio Fabrinni Mirabete (2009, p.211), um crime pode ser praticado por uma ou várias pessoas. Quando duas ou mais pessoas praticam um delito, estamos diante do concurso de agentes ou concurso de pessoas

O presente artigo, conforme demonstrado em notas introdutórias, ocupar-se-á da análise da autoria e da participação, figuras centrais do concurso de agentes. O perfeito entendimento dessas duas figuras é de fundamental relevância, vez que cada qual, no que se refere à aplicação da pena, traz uma consequência jurídica distinta.

A diferença reside no quantum de pena a ser atribuído ao autor ou ao partícipe. É o que nos informa o artigo 29, caput do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”

Em seguida, o parágrafo primeiro do referido dispositivo consagra: “se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”.

À luz dessas disposições, verifica-se que a ordem jurídica, em concurso de agentes, faz distinção entre os indivíduos que atuam em cooperação, visando ao cometimento de delito. Essa distinção se estabelece diante da intensidade com a qual o indivíduo contribuiu para a realização da figura típica. A consequência dessa distinção é a aplicação da pena. Maior para os autores. Menor para os partícipes.


2. Autoria: abrangência

De forma geral, a doutrina brasileira explica a autoria sob a óptica de três teorias, quais sejam: uma teoria que expressa um conceito amplo ou extensivo de autor; outra que traz um conceito restrito; por fim, uma teoria que aborda o conceito de autor segundo uma visão funcional.

2.1. Conceito amplo de autor

Segundo essa acepção, autor é aquele que pratica figura típica do delito, isto é, aquele que pratica do verbo-tipo e, também todo aquele que, com sua atitude, possibilita a ocorre do resultado típico. Por esse conceito, não se faz distinção entre autor e partícipe a fim de aplicar a pena.

Logo, por essa visão, pouco importa a intensidade com a qual o agente tenha contribuído para o resultado, a pena, em abstrato, a ser aplicada aos agentes, em concurso, será a mesma.

A formulação desse conceito tem como base um critério material-objetivo, vez que não se leva em conta os aspectos da culpabilidade do agente, mas tão somente os aspectos causais do delito.

Assim, havendo um crime e sendo cometido por mais de uma pessoa, todos receberão a pena cominada, pouco importando a intensidade com que contribuíram para a produção do resultado.

É preciso ressaltar que a formulação do critério material-objetivo está relacionada com o positivismo jurídico, vez que, a autoria é definida, unicamente, com base na análise da ação e do resultado.

Nesse sentido, trazemos à luz o entendimento de Juarez Tavares (2009, p. 2): “desde que a metodologia positivista adentrou a teoria do delito, ainda na segunda metade do século XIX, pode-se ver nitidamente como as diversas correntes que a fundamentavam também se desenvolveram no âmbito do direito. Enquanto, por exemplo, von Liszt estava preocupado com a relação entre ação e resultado, Beling, igualmente um notório positivista, estava mais associado a uma concepção baseada no próprio movimento corpóreo. Isso teve repercussão em diversos setores da teoria do delito, ou seja, na ação e na omissão, na tipicidade, na tentativa e no concurso de agentes. Ao enfatizar a relação entre ação do agente e o resultado, o conceito amplo de autor parece estar vinculado à primeira corrente, pois descarta as características da própria conduta e se ocupa exclusivamente de sua contribuição para o evento proibido.”

É preciso ressaltar que esse conceito tem apenas repercussão didática, pois não tem qualquer aplicabilidade no sistema jurídico pátrio desde 1940, quando da entrada em vigor do Código Penal.

2.2. Conceito restrito de autor

Com base no que foi visto, a autoria, segundo um conceito amplo, não ofereceu a segurança jurídica pretendida pelo positivismo jurídico, pois a menor participação era punida com a mesma intensidade com a qual se punia o efetivo autor do verbo tipo. Tal situação, evidentemente, passou a ser alvo de questionamentos, visto que referido modelo não refletia aos ideais de justiça.

Para contrapor, surge com Ernst von Beling o conceito restrito de autoria, segundo o qual será considerado autor aquele indivíduo que pratica a conduta típica inscrita na lei (TAVARES; 2009, p.2), ou seja, é o indivíduo que efetivamente realiza o verbo do tipo penal.

Esse conceito de autor é posto pela teoria formal-objetiva, que visa estabelecer a diferença entre autor e partícipe e o faz com base na distinção entre causação e realização do fato.

Nessas circunstâncias, quem dá causa ao resultado é o partícipe e quem o realiza é o autor do fato. Entre uma conduta e outra é possível estabelecer um critério valorativo de culpa. Logo, medindo-se a culpabilidade de cada participante do crime é possível estabelecer penas diferentes para autor e partícipe.

É essa teoria estabelecida no Código Penal, pois ao prever, no artigo 29, a aplicação de pena na medida da culpabilidade, está-se a, conforme assevera Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 249) “diferenciar o co-autor do partícipe, propiciando ao juiz que aplique a pena conforme o juízo de reprovação social que cada um merece.”

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A finalidade do conceito restrito de autor é limitar a punibilidade, visando estabelecer a pena de acordo com a culpa de cada um, o que é um imperativo ditado pelo princípio da individualização da pena, conforme entendimento de Celso de Mello, em voto proferido no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 70.662: “a norma inscrita no art. 29 do Código Penal não constitui obstáculo jurídico à imposição de sanções penais de desigual intensidade aos sujeitos ativos da prática delituosa. A possibilidade de tratamento diferenciado encontra suporte no princípio constitucional da individualização das penas.”

Esse conceito, portanto, é de grande valor para a segurança jurídica, porém, ele pode ser inútil em determinadas situações, haja vista que ele poderá conduzir à impunidade.

O conceito restrito de autor, conforme já dissemos, estabelece-se na diferenciação entre causação e resultado daqueles que estão ligados, diretamente, ao fato típico. A punição do autor e do partícipe é levada à cabo analisando à sua atuação dentro do fato típico.

Por conseguinte, tal modelo não abarca quem esteja fora do fato típico, mas que contribui para a sua realização. Assim, não se poderá punir quem esteja fora da ação típica.

Nesse sentido, eis o que ensina Juarez Tavares (2009, p. 3): “O conceito restritivo de autor constitui um instrumento relevante para limitar a extensão da punibilidade, embora possa apresentar também seus inconvenientes. Como trunfo, pode-se invocar em seu favor a estrita vinculação ao princípio da legalidade, quer dizer, não se poderá incluir no âmbito da punibilidade, como autor, quem não esteja diretamente ligado à ação típica.”

2.3. Conceito funcional de autor

Há determinadas situações em que um indivíduo não contribui, efetivamente, para a consecução de um resultado típico, contudo ele detém o controle fático, ou seja, detém o poder sobre a realização do fato típico.

A fim de punir o indivíduo que detém o controle sobre o fato, a doutrina alemã formulou o conceito funcional de autor, tendo por fundamento a teoria do domínio do fato.

“Segundo essa teoria, o conceito de autor se desdobra sob quatro domínios: como domínio da ação, como domínio da vontade, como domínio por força de um conhecimento especial e como domínio funcional do fato. O domínio da ação conduz ao reconhecimento da autoria direta, tal como mencionava na teoria restritiva de Beling, ou seja, será autor aquele que realize a ação típica ou domine sua realização imediata. O domínio da vontade se dá na autoria mediata, na qual o autor direto tem controlada sua vontade pelo autor indireto; igualmente ocorre autoria mediata, quando, por força de um conhecimento especial, o autor direto fica na dependência do autor indireto. Já o domínio funcional ocorre na coautoria, quando se opera a divisão de trabalho na realização do fato (TAVARES; 2009, p. 4)”

A grande consequência dessa teoria reside no fato de ser prescindível a tipicidade da conduta para caracterizar o autor.

Nesse sentido, trazemos o entendimento de Heleno Cláudio Fragoso (1985, p. 95): “a tipicidade da ação não seria,assim, decisiva para caracterizar o autor. Necessário seria ter o agente o controle subjetivo do fato e atuar no exercício desse controle (Enrique Cury). Assim, seria autor não apenas quem realiza a conduta típica  (objetiva e subjetivamente) e o autor mediato, mas também, por exemplo, o chefe da quadrilha que, sem realizar a ação típica, planeja e decide a atividade dos demais, pois é ele que tem, eventualmente em conjunto com outros, o domínio final da ação.”

Tal situação pode ser vislumbrada no julgamento da Ação Penal 470, vulgarmente conhecida como processo do mensalão. No julgamento dessa ação, o Supremo Tribunal Federal condenou o réu José Dirceu de Oliveira e Silva com base na teoria do domínio do fato, embora alguns de seus atos, quando considerados por si só, eram atípicos.

Em virtude de o pressuposto da autoria funcional ser o domínio final do fato, referida teoria só se aplicará aos crimes dolosos.

É o que nos ensina Cezar Roberto Bitencourt (2002, p. 118): “o âmbito de aplicação da teoria do domínio do fato, com seu conceito restritivo de autor, limita-se aos delitos dolosos. Somente nestes se pode falar em domínio final do fato, pois os delitos culposos caracterizam-se exatamente pela perda desse domínio.”

Além disso, referida teoria também não tem aplicação aos crimes omissivos, vez que (JESUS; 1991, p. 145): “a teoria do domínio do fato, que rege o concurso de pessoas, não tem aplicação aos delitos omissivos, sejam próprios ou impróprios, devendo ser substituída pelo critério da infringência do dever de agir. Na omissão, o autor direto ou material é quem, tendo dever de agir para evitar um resultado jurídico, deixa de realizar a exigida conduta impeditiva, não havendo necessidade de a imputação socorrer-se da teoria do domínio do fato. O omitente é autor não em razão de possuir o domínio do fato e sim porque descumpre o mandamento de atuar para evitar a afetação do objeto jurídico. Se não age, não pode dirigir o curso da conduta. Assim, autor, nos delitos omissivos próprios, é quem, de acordo com a norma de conduta, tem a obrigação de agir; nos omissivos impróprios, é o garante, a quem incumbe evitar o resultado jurídico; ainda que nos dois casos, lhes falte o domínio do fato.”

Feitas essas considerações, passemos à análise da participação.

2.4. Espécies de autoria

Doutrinariamente a autoria é classificada em cinco espécies: autoria imediata, autoria mediata, autoria colateral, autoria incerta e autoria desconhecida.

A autoria imediata é a autoria regular. Dá-se quando o indivíduo, ciente de seus atos, executa o verbo-tipo. A essa espécie se contrapõe a autoria mediata, havida quando o autor se utiliza de outra pessoa para praticar o delito.

Em geral, há autoria mediata nos casos de coação irresistível, erro, emprego de inimputáveis ou usando pessoas acobertadas por causas de exclusão da ilicitude.

Em virtude dessa situação, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2002, p. 672) definem autor mediato como sendo aquele que se vale, para cometer o crime, de uma pessoa, que age sem dolo, atipicamente ou acobertado por causa de exclusão ilicitude ou culpabilidade.

Haverá autoria colateral, quando dois ou mais indivíduos, agindo isoladamente e por si próprios, praticam condutas visando ao cometimento do mesmo crime e na mesma situação fática. Difere a autoria colateral da coautoria, vez que nesta existe, entre os participantes da empreitada criminosa, o liame subjetivo de cometer o crime em conjunto.

A consequência jurídica da autoria colateral e do concurso de agentes é totalmente diversa, vez que naquela cada um responderá por seus atos, sendo que neste, todos os participantes responderão, em regra, pelo delito em si, na medida de sua culpabilidade, pouco importando se nem todos praticaram o verbo-tipo.

Havendo autoria colateral e ficar demonstrado que quem praticou o verbo-tipo foi determinado agente e não o outro autor colateral, teremos a seguinte consequência: o primeiro responderá pelo delito consumado. O segundo pelo delito tentado.

A autoria incerta decorre quando, na ocorrência de autoria colateral, não se puder determinar quem efetivamente praticou o verbo tipo. Nesse caso, todos os agentes responderão pelo delito na forma tentada.

Não se pode confundir autoria incerta com autoria desconhecida. Fazemos a diferença pelas palavras de Rogério Grecco (2007, p. 475): “quando não se conhece a autoria, ou seja, quando não se faz idéia de quem teria causado ou, ao menos, tentado praticar a infração penal, surge uma outra espécie de autoria, chamada agora de desconhecida. Esta forma de autoria difere da incerta, visto que nesta última sabe-se quem praticou as condutas, sendo que somente não se conhece, com precisão, o produtor do resultado. Na autoria desconhecida, os autores é que não são conhecidos, não se podendo imputar os fatos a qualquer pessoa.”


3. Participação

Podemos dizer, com base no que foi visto até o momento, que o sistema jurídico brasileiro admite o concurso de agente diferenciando autor de partícipe, vez que adota-se, expressamente, a teoria da autoria restrita e nalguns casos a teoria do domínio do fato, visto ser esta uma forma complementar aquela.

Cabe-nos, agora, delimitar no que consiste a participação, visando estabelecer a diferenciação entre autor (ou co-autor) e partícipe. Essa diferenciação, ao contrário do que supostamente possa parecer, é de fundamental importância, vez que tal delimitação é consequente lógico do princípio ou regra da individualização da pena, disposto no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal.

Autor (ou co-autores), com base nas teorias vistas, é o protagonista do fato típico. É aquele que pratica o verbo-tipo ou tem o domínio sobre o fato. Já o partícipe é aquele que, sem praticar o verbo-tipo, concorre para a produção do resultado. Em suma, o partícipe dá auxílio ao autor do crime. Advém daí a natureza acessória da participação para a concretização do crime.

Nesse sentido, trazemos à luz o entendimento de Fernando Capez (2003, p. 315): “de acordo com o que dispõe nosso Código Penal, pode-se dizer  que autor é aquele que realiza a ação nuclear do tipo (o verbo), enquanto partícipe é quem, sem realizar o núcleo (verbo) do tipo, concorre de alguma maneira para a produção do resultado ou para a consumação do crime.”

A participação pode ser de duas espécies: moral e material. Na participação moral o agente incute no autor a determinação para a prática do delito. Nesse caso, o partícipe estimula a prática criminosa.

A participação nesse caso se dá por instigação ou induzimento, conforme dispõe Cezar Roberto Bitencourt (2002, p. 120): “ocorre a instigação quando o partícipe atua sobre a vontade do autor, no caso, do instigado. Instigar significa animar, estimular, reforçar uma ideia existente. O instigador limita-se a provocar a resolução criminosa do autor, não tomando parte nem na execução nem no domínio do fato; b) induzimento — induzir significa suscitar uma ideia; tomar a iniciativa intelectual, fazer surgir  no pensamento do autor uma ideia até então inexistente.”

Na participação material, também chamada de cumplicidade, o autor recebe do partícipe auxílio material, isto é, um comportamento ativo, tal qual o empréstimo de uma arma ou quando alguém fornece a planta de um banco, a fim de facilitar o roubo.

Com base nessa assentada, é possível dizer que a participação é regida pela teoria do favorecimento ou da causação, segundo a qual a sua punição decorre do fato de ter colaborado para a prática do crime.

Por essa teoria, só possível, portanto, em se falar em participação quando o autor, ou autores, iniciam, no âmbito do iter criminis, a execução, ocasião em que o bem jurídico tutelado começa a ser agredido e o fato já se torna punível.

Não iniciada a execução, não há que se falar em participação, visto que não há acessoriedade para o crime.

Nesse sentido é a disposição expressa do artigo 31 do Código Penal, que consigna que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. 

A acessorieadade é a ideia central dessa figura do concurso de agentes e ela é explicada pela doutrina com base em quatro teorias: teoria da acessoriedade mínima; teoria da acessoriedade limitada; teoria da acessoriedade extrema; teoria da hiperacessoriedade.

3.1. Teoria da acessoriedade mínima

Por essa teoria, haverá a participação se o indivíduo concorrer para um fato típico, pouco importando se tal fato é ou não antijurídico. Assim, quem concorre para a prática de um homicídio responderá por ele, ainda que o autor tenha agido em legítima defesa.

Para ilustrar, trazemos à lume o exemplo de Rogério Grecco (2007, p. 452) ao abordar o furto famélico: se uma pessoa, faminta, for instigada a furtar saco de feijão, estará cometendo fato típico, porém, não antijurídico, vez que amparada pelo exclusão da ilicitude “estado de necessidade”. Ocorre, porém, que quem o instigou, por essa teoria, irá cometer o delito de furto, na qualidade de partícipe.

3.2. Teoria da acessoriedade limitada

Por essa teoria, será considerada participação o auxílio dado para que alguém pratique fato típico e ilícito.

Essa é a teoria adota pela maioria da doutrina e pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica nos seguintes julgados:

ABSOLVIÇÃO. LEGÍTIMA DEFESA. EXTENSÃO

O paciente e os corréus foram denunciados como incursos nas penas do art. 121, § 2º, IV, c/c o art. 29, ambos do CP, porque, em concurso e previamente ajustados, ceifaram a vida da vítima. O autor do homicídio foi absolvido pelo Conselho de Sentença em razão do reconhecimento de ter agido sob a excludente de ilicitude do art. 23, II, do CP (legítima defesa), decisão transitada em julgado. O impetrante alega a impossibilidade de condenação do partícipe ante a inexistência de crime. Diante disso, a Turma concedeu a ordem para anular o julgamento do paciente, estendendo-lhe os efeitos da decisão absolutória proferida em favor do autor material do ilícito, ao argumento de que, entendendo o Tribunal do Júri, ainda que erroneamente, que o autor material do crime não cometeu qualquer ato ilícito, o que ocorre quando reconhecida alguma excludente de ilicitude, no caso, a legítima defesa, não pode persistir a condenação contra o mero partícipe, pois a participação, tal como definida no art. 29 do CP, pressupõe a existência de conduta antijurídica. A participação penalmente reprovável há de pressupor a existência de um crime, sem o qual descabe cogitar punir a conduta acessória. HC 129.078-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/8/2009.

3.3. Teoria da acessoriedade extrema

Para que ocorra a participação, o auxílio deve ser empregado para a prática de fato típico, ilícito e culpável. Assim, caso alguém auxílio um menor a praticar um crime, não será responsabilizado a título de participação, mas sim a título de autoria, no caso autoria mediata.

É por essa razão, que entendemos ser correta essa teoria, pois do contrário, não se analisando a culpabilidade, é possível que aquele que seria autor mediato de um delito, responda por ele a título de participação, ensejando uma penalidade menor.

A defesa desse posicionamento é feita, de forma contundente, por Fernando Capez: “nas edições anteriores, acompanhando o entendimento doutrinário dominante, adotávamos a acessoriedade limitada, sustentando que o fato principal não precisava ser culpável para que o agente dele fosse considerado partícipe. Bastava ser típico e ilítico (ou antijurídico). Passamos, no entanto, com Flávio Augusto Monteiro de Barros, a entender que deve ser aplicada a teoria da acessoriedade extremada (ou máxima). Tal se verifica claramente no cada da autoria mediata. O autor mediato não é partícipe: é também autor principal, pois pratica a conduta principal, realiza o verbo tipo, só que não diretamente, mas pelas mãos de outra pessoa, seu instrumento. Por isso é chamado de “o sujeito de trás”. O “sujeito da frente” é, na realidade, seu fantoche, um pseudo-executor, uma longa manus do autor mediato, o qual funciona como verdadeiro realizador do tipo. Quem induz uma criança a saltar de um edifício realiza indiretamente o verbo do tipo “matar”, servindo-se do desforço físico da própria vítima. Quem instiga um louco ou menor inimputável a executar uma ação típica não é partícipe, mas autor direto e imediato (realiza o verbo por meio de outrem). Assim, se o fato for apenas típico e antijurídico, mas o agente não tiver culpabilidade, não ocorre participação, contrariamente ao que sustenta a teoria da acessoriedade limitada: existe é autoria mediata. A participação, por conseguinte, necessita da culpabilidade do sujeito ativo, para ser aplicada, exatamente como defende a teoria da acessoriedade extremada, pois, do contrário, haverá autoria (mediata) e não a figura do partícipe.”

 A defesa de Capez só reforça aquilo que dissemos sobre a importância de se classificar corretamente a conduta típica.

3.4. Teoria da hiperacessoriedade

Pune-se, a título de participação, o auxílio dado a alguém que pratica fato típico, ilícito e culpável, incidindo sobre a figura do partícipe todas as agravantes e atenuantes de caráter pessoal vinculadas ao autor principal.

Tal teoria não tem a mínima aplicada, vez que o Código Penal consigna que as circunstâncias de caráter pessoal só se aplicam ao coautores e partícipes quando elementares do tipo penal.

3.5.  A participação em cadeia

Consiste a participação em cadeia na participação da participação, ou seja, consiste na incitação à instigação, ao induzimento ou à cumplicidade. Nesse sentido, temos o entendimento de Osmar Lino de Farias (2005): “Ocorre a chamada participação em cadeia ou participação da participação quando se incita a instigar, se incita à cumplicidade, ou seja, quando se é cúmplice da instigação ou cúmplice da cumplicidade. Assim, ocorre a participação em cadeia, quando se instiga alguém a instigar outro a cometer um crime; quando se conserta a arma que o outro vai entregar ao autor para que a use na prática do crime.”

3.6. A participação sucessiva

Conforme entendimento de Damásio de Jesus (1991; p. 376), dá-se a participação sucessiva quando um partícipe instiga alguém ao cometimento de um delito e, sucessivamente, o futuro autor também é instigado ao cometimento do mesmo crime por outro partícipe, que desconhecia a atuação do primeiro.

Essa última participação só terá relevância se o autor determinar-se por ela. Caso ele cometa o crime sem esse último estímulo, a atuação do segundo instigador será irrelevante, logo, fato atípico.

Importante salientar, que a participação sucessiva guarda semelhança com a autoria colateral, conforme visto anteriormente.

3.7. A participação menor importância

O Código Penal no § 2º de seu artigo 29 traz uma causa de diminuição de pena relativa ao que a doutrina convencionou chamar de participação de menor importância.

A grande dificuldade que existe para aplicar referido dispositivo reside está em definir quando ocorre a participação pouco importante.

O código nada menciona a respeito, vez que a intenção do legislador foi a de dar ao juiz o poder de aferir o grau de importância da participação, conforme as provas deduzidas nos autos.

A nosso sentir, entendemos que a participação de menor importância é aquela que contribui para o crime, porém não é a causa preponderante. Ocorrendo tal situação deve o juiz aplicar a diminuição de pena, que varia de um sexto a um terço.

É importante ressaltar que referida causa de diminuição é um direito do acusado, logo ela deve, obrigatoriamente, ser aplicada, de acordo com a culpabilidade do réu, sempre que o juiz identificar a pouca importância da participação.

Infelizmente em muitas situações este direito não é aplicado pelos juízos criminais tendo em vista duas justificativas totalmente infundadas. A primeira afirma que a causa de diminuição não é obrigatória. A segunda afirma que não há participação de menor importância, pois toda participação é importante para a consecução do crime.

Nenhuma causa de diminuição de pena é de observância facultativa. As causas de diminuição de pena configuram-se direitos do réu. Quando ele cumpre os requisitos legais de aplicação das causas de diminuição nenhum juiz pode se furtar a aplicá-las.

Com relação à não aplicação do dispositivo ora analisado sob o argumento de que não há participação pouco importante, temos um flagrante caso de anulação arbitrária do principio da individualização da pena, pois negar vigência ao dispositivo é não fazer adequadamente o juízo de culpabilidade, imprescindível à observância do princípio.

Analisando o dispositivo em comento, Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 250), no alto de sua experiência na magistratura, há muito fez críticas similares a que ora expendemos.

3.8. Cooperação dolosamente distinta

Três são as teorias bases do concurso de agentes: a teoria unitária; a teoria dualista; a teoria pluralista.

A teoria unitária preconiza que havendo concurso de agentes, pouco importando a ação de cada participante, haverá apenas um crime e todos os agentes responderão por ele, sejam co-autores, sejam partícipes.

A teoria dualista, partindo da distinção ontológica existente entre autoria e participação, dispõe que autor responderá por um crime e o autor por outro.

Já a teoria pluralista afirma que cada participante responderá por um delito, havendo, obviamente, pluralidade de fatos típicos. Assim, cada agente responderá por um crime próprio da sua conduta.

Como regra, o Código Penal é regido pela teoria unitária. Havendo concurso de agentes, todos os participantes responderão por um único delito.

Como exceção, o Código Penal aplica a teoria pluralista, conforme a disposição do § 2º de seu artigo 29: “se algum dos concorrentes quis participar  de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste;”

Tal disposição será aplicada quando o participante desejava praticar um determinado delito, sem prever a concretização de um crime mais grave, deve responder pelo crime que pretendeu fazer.

Exemplo dessa situação ocorre quando o partícipe induz o autor a praticar crime de lesão corporal contra uma dada pessoa. Se o autor, quando da execução do crime, matar a vítima responderá pelo delito de lesão corporal seguida de morte, ao passo que o partícipe responderá, isoladamente, pelo crime de lesões corporais.

A razão de ser dessa disposição é evitar a responsabilidade objetiva, pois se, no concurso de agente, um participante não concordar em praticar uma dada conduta ou prestar auxílio para tal, não poderá responder por ela.

Tal dispositivo, portanto, garante a aplicação do principio da responsabilidade subjetiva.


Notas conclusivas

Com o que foi exposto é possível dizer que é de fundamental importância a distinção entre autoria e participação. Tais figuras foram positivadas em 1984, quando da reforma do Código Penal, visando imprimir maior racionalidade na análise das condutas criminosas.

Tal racionalidade se traduz no atendimento de dois imperativos: o imperativo de punição das condutas típicas e o imperativo da individualização das penas.

O primeiro atendimento se faz através do conceito que fizemos sobre a participação. Sem ele duas consequências podem ocorrer e nenhuma é adequada, pois ou não se pune aquele que contribui para o crime, porém sem executar o verbo-tipo; ou pune todos os indivíduos da mesma maneira, isto é, pune-os como se autores fossem.

O segundo atendimento decorre do primeiro: sem a figura da participação o preceito constitucional da individualização da pena não seria atendido, conforme demonstrado sobejamente no curso deste estudo.

Por todas essas razões, deve o julgador, quando da análise do concurso de agentes, buscar classificar adequadamente a conduta de cada participante da empreitada criminosa, vez que tal classificação é um direito de todos os réus.


Referências bibliográficas

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Sobre o autor
Emílio Gutierrez Sobrinho

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto-UNIRP; Especializando em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUTIERREZ SOBRINHO, Emílio. Autoria e participação no direito penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3752, 9 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25486. Acesso em: 18 dez. 2024.

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