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Sistemas jurídicos: uma perspectiva histórica

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Agenda 16/10/2013 às 07:07

Esboçam-se as características dos sistemas common law, civil law, direito socialista e direito islâmico.

1  INTRODUÇÃO

Com o intuito de melhor compreender seu objeto de estudo, é importante que o operador do Direito busque a perspectiva histórica do sistema jurídico no qual está inserido, bem como dos demais sistemas jurídicos existentes, no sentido de identificar as peculiaridades de cada um, permitindo um estudo comparado que possibilite identificar as vantagens e desvantagens, organização, características e evolução de tais sistemas.

Primeiramente, tratar-se-á sobre o sistema civil law, demonstrando a relevância histórica que o direito romano teve para os países que adotam tal sistema, como o Brasil. Em seguida, abordar-se-á o sistema common law, oriundo da Inglaterra, fazendo sua distinção com relação ao sistema romano-germânico. Após, versar-se-á sobre o direito socialista, incipiente na União Soviética, sendo fruto dos ideais revolucionários decorrentes do marxismo-leninismo. Por derradeiro, tratar-se-á acerca do direito islâmico, sistema jurídico este adotado por países teocráticos seguidores da religião muçulmana.

Ao final, serão realizadas algumas considerações gerais sobre o estudo, procurando destacar os aspectos mais relevantes que envolvam os diferentes sistemas jurídicos, demonstrando a relevância do tema, principalmente aos operadores do direito e também àqueles que se dedicam ao estudo da ciência jurídica.


2  SISTEMA ROMANO-GERMÂNICO (CIVIL LAW)

O Direito Romano, conforme expõe Pessôa[i], pode ser entendido como o conjunto de regras jurídicas que vigoraram no Império Romano, desde a fundação da cidade de Roma, em 754 a.C. até o falecimento do Imperador Justiniano em 565 d.C. O autor salienta ainda que há entendimento diverso, considerando o Direito Romano como as regras jurídicas contidas no Corpus Juris Civilis, que é a compilação das leis reunidas em um só código (Codex).

De forma mais sintética, Luiz[ii] entende que o Direito Romano pode ser conceituado como “conjunto ordenado cronologicamente ou não, das instituições e normas jurídicas de Roma. Outros preferem dizê-lo as regras do CORPUS JURIS CIVILIS enquanto uns o definem como o Direito Privado Romano”.

Comenta Xavier[iii] que muitos estudiosos ressaltam a vulgarização do Direito Romano, usando como exemplo a confusão dos juristas com relação a conceitos elementares como posse e propriedade, direitos reais e direitos pessoais, dando importância excessiva às questões práticas de manejo do direito, mas que não faziam sentido sem o conhecimento da teoria jurídica.

No intuito de facilitar o entendimento quanto ao desenvolvimento do tema em análise, alguns doutrinadores dividem a história jurídico-política romana em períodos distintos. Wolkmer[iv] e Pessôa[v] traçam a seguinte divisão: realeza, república, principado e baixo império. Já Maciel e Aguiar[vi], em divisão semelhante, apontam a realeza, a república e o império, subdividindo este último em “alto império” e “baixo império”.

De acordo com Venosa[vii], em virtude de iniciativa da plebe, no primeiro século da República, que se codificou o direito até então consuetudinário, fato este de suma importância para a história do Direito Romano.

No período republicano foi então elaborada a famosa Lei das XII Tábuas. Explica Luiz[viii] que, através da atuação de Terentilius Arsa (porta-voz da plebe), lutou-se pela formação de uma comissão composta por dez membros, devendo esta redigir, no prazo de um ano, um direito que amparasse patrícios e plebeus. Primeiramente foram apresentadas 10 tábuas de leis. No entanto, após muita discussão e resistência por parte dos plebeus (que entendiam que elas eram insuficientes), foram elaboradas mais duas, recebendo a aprovação de todos.

Segundo o referido autor, tal acontecimento “[...] é a primeira efetiva manifestação escrita a inaugurar a era da supremacia do jus scriptum”. Salienta ainda o valor incomensurável pelo que representa para a História do Direito, permitindo também a análise da mentalidade antiga, sendo ainda o ponto inicial para o real e concreto desenvolvimento da ciência jurídica.

A Lei das XII Tábuas é um monumento fundamental para o Direito que revela claramente uma legislação rude e bárbara, fortemente inspirada em legislações primitivas e talvez muito pouco diferente do direito vigente nos séculos anteriores[ix].

Importante destacar que existe na aludida Lei uma mistura de questões jurídicas e religiosas, que se confundiam nesta fase arcaica do direito romano. Baseados em determinados princípios religiosos, os legisladores julgavam-se capazes de ordenar a sociedade com relação à prática de determinados atos ou abstenções rituais que atualmente são de livre escolha dos indivíduos.[x]

No entanto, conforme corrobora Pessôa[xi], a Lei das XII Tábuas foi a maior conquista da plebe, representando a codificação do direito civil romana com aplicação para todos. É a mais importante lei republicana.

Apenas os cives (cidadãos romanos) gozavam do direito dos romanos, denominado jus civile. Os estrangeiros (peregrini) estavam submetidos somente ao direito comum a todos os homens, denominado jus gentium[xii]. Segundo entendimento de Luiz[xiii], o jus civile vem a ser o direito próprio do cidadão romano, o mais antigo, o mais restrito e o mais rígido. O jus gentium, surgido posteriormente, é aplicável a todos os outros povos, caminhando paralelamente ao jus civile.

A sistematização do Direito Romano adquiriu uma maior relevância por mérito de Justiniano, que desempenhou papel preponderante no desenvolvimento das letras jurídicas, reunindo em apenas um código inúmeros textos de lei de todas as épocas. O direito de Justiniano foi consolidado numa obra única, o Corpus Juris Civilis[xiv].

O Corpus Juris Civilis, segundo corrobora Luiz[xv], era denominado originalmente de Corpus Juris. O Civilis foi acrescentado à época do Renascimento, visando distingui-lo do Corpus Juris Canonici.

O Corpus Juris Civilis compõe-se de quatro partes. A primeira é constituída pela Institutas de Justinianus, compêndio do Direito Romano, dividido em quatro livros, à semelhança das Institutas de Gaius. A segunda parte é constituída pelo Digesto ou Pandectas, conjunto de fragmentos de jurisconsultos clássicos, distribuídos em cinquenta livros. A terceira parte é constituída pelo Codex, conjunto de leis dos Imperadores Orientais, distribuídas em doze livros. A última parte é composta das Authenticae seu Novellae Constitutiones, distribuídas em nove Collationes[xvi].

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Conforme explicam Batalha e Rodrigues Netto[xvii], a pretensão de Justiniano era a de petrificar o Direito romano, ostentando-o como um monumento à glória do eterno futuro. Com a proibição das interpretações e comentários, reservou-se apenas ao Imperador a tarefa interpretativa. Salientam os autores que, em que pese tal intenção de petrificação do Direito e das penas cominadas àqueles que interpretassem ou comentassem a obra, o Direito não se estagnou.

Os períodos jurídicos da história romana são apresentados desta maneira por Maciel e Aguiar[xviii]:

a) Época Antiga ou Arcaica (até meados do século II a.C.): compreende o período desde a fundação de Roma até meados do século II a.C. Tem como principais características um direito de tipo arcaico, primitivo, direito de uma sociedade rural baseada sobre a solidariedade clânica e caracterizado pelo seu formalismo e pela sua rigidez, período em que o centro do saber jurídico estava nas mãos dos pontífices. O Estado tinha funções limitadas a questões essenciais para sua sobrevivência: guerra, punição dos delitos mais graves e a observância das regras religiosas. Os cidadãos romanos eram tidos mais como membros de uma comunidade familiar do que como indivíduos. A defesa privada era largamente utilizada, uma vez que a segurança dos cidadãos dependia mais do grupo a que pertenciam do que do Estado.

b) Época Clássica: (cerca de 150 a.C. a 284): caracteriza-se por ser o direito de uma sociedade evoluída, individualista, fixado por juristas numa ciência jurídica coerente e racional. É o período do processo formular, em que a produção do direito está nas mãos dos pretores, ao lado de importantes jurisconsultos.

c) Época do Baixo Império: direito dominado pelo absolutismo imperial, com grande atividade legislativa dos imperadores e expansão do Cristianismo. O Imperador e seus juristas ganham destaque nesse cenário, sendo partícipes na queda do Império Romano do Ocidente, que se dará em 476, com o ápice das invasões bárbaras.

No tocante ao mundo pós-românico, Batalha e Rodrigues Netto[xix] traçam suas considerações a seguir:

O Direito Romano, codificado ao tempo do Baixo Império Bizantino, destinava-se à orientar os tempos vindouros, como se fora o “código da razão escrita”. Com as invasões dos bárbaros, estabeleceu-se o regime da personalidade do direito: a cada pessoa aplicava-se o direito consagrado pelos costumes da origem étnica. Os bárbaros respeitaram os costumes dos diversos povos agrupados, vencedores e vencidos. Com a confusão das origens, surgiram as professiones legis, ou declarações sobre o direito aplicável à pessoa.

Atualmente, o direito romano, conforme salienta Wolkmer[xx], continua presente em várias instituições liberais individualistas contemporâneas, mormente as referentes ao direito de propriedade e ao direito das obrigações, sendo um norte para o Código Civil pátrio, de caráter privatístico.

O sistema romano-germânico é resultado da evolução do direito romano. Tal sistema é específico da Europa continental, no entanto estendeu-se a outros países não europeus. Neste sistema, a principal fonte de direito é a lei, qual seja a norma criada pelo Estado. Na lei se concentra a atividade do jurista[xxi].

Corroboram Castro e Gonçalves[xxii] que o Sistema Jurídico da Civil Law, de forma utópica, caracteriza-se pelo fato de as leis serem a pedra primária da igualdade e da liberdade, uma vez que objetivava proibir o juiz de lançar interpretação sobre a letra da lei, fornecendo, para tanto, o que se considerava como sendo uma legislação clara e completa, onde ao magistrado caberia tão somente proceder à subsunção da norma, solucionando, dessa forma, os litígios, sem que haja uma necessidade premente de se estender ou restringir o alcance da lei, e sem que exista a ausência ou conflito de normas. Neste sentido, ao se manter o juiz amarrado ao escrito na lei, obter-se-ia a segurança jurídica, elemento este indispensável às decisões judiciais. Tal segurança se originaria na própria lei que mitiga a capacidade interpretativa do juiz, de maneira que este não favorecesse a um dos litigantes e prejudicasse o outro. 

Os mesmos autores ressaltam que atualmente, com o paradigma do Estado Democrático de Direito, além do Neoconstitucionalismo, o Civil Law sofreu consideráveis modificações, visando se adequar à realidade vivenciada pelas sociedades contemporâneas, porém mantendo o pautar pelas normas escritas, tida como imprescindível para a Justiça, por meio da declaração judicial da Lei.


3  SISTEMA COMMON LAW

A primeira concepção de Common Law é de “direito comum”, isto é, aquele originário das sentenças judiciais dos Tribunais de Westminster, que eram cortes constituídas pelo Rei e a ele diretamente subordinadas. Tal sistema veio a suplantar os direitos consuetudinários e particulares de cada tribo dos povos primitivos da Inglaterra[xxiii].

O referido sistema jurídico tem estrutura diversa do direito europeu continental e dos países seguidores da tradição do direito codificado. Em que pese inspirados por princípios análogos (cristianismo, democracia e individualismo), os métodos técnicos e formais são distintos entre tais sistemas. O direito escrito é mais limitado, concedendo-se amplas esferas à tradição jurisprudencial, não sendo prefixado em códigos rígidos como na tradição do direito continental.[xxiv]

Conforme Maciel e Aguiar[xxv], o Common Law vem a ser um direito jurisprudencial, elaborado pelos juízes reais e mantido em virtude da autoridade reconhecida aos precedentes judiciários. Ressaltam os autores que, excetuando-se o período de sua formação, a lei não desempenha qualquer papel na evolução desse sistema jurídico.

Da mesma forma ressalta Venosa[xxvi]:

[...] afasta-se a ideia de que o direito inglês moderno seja um direito costumeiro. É um direito jurisprudencial. O Common Law determinou o desaparecimento do direito consuetudinário antigo, que era conteúdo dos direitos locais. Hoje, há uma única jurisdição que dita a jurisprudência vinculante.

No sistema da Common Law, havendo discordância entre as partes, o tribunal em que a ação está em curso procura uma solução precedente manifestada pelos tribunais competentes. Ao se encontrar um precedente que venha a resolver um caso semelhante, o tribunal é impelido a seguir o raciocínio utilizado na decisão anterior. Todavia, tal descrição trata-se apenas de uma análise superficial da Common Law, uma vez quem, na prática, o referido sistema é bastante complexo, posto que as decisões de um tribunal vinculam apenas em uma jurisdição específica e, além disso, possuem outras peculiaridades[xxvii].

De acordo com Soares[xxviii], a distribuição da justiça era considerada como uma prerrogativa real. Os reis outorgavam tal prerrogativa a funcionários denominados judges, que perambulavam pelo reino representando o Rei. Eles ouviam as queixas e davam um writ, que consistia numa ação nominada e com fórmulas fixadas pelos costumes, correspondendo a um remédio adequado à situação.

O sistema de writs foi criado com o objetivo principal de conceder a qualquer cidadão o direito de pleitear um pedido ou reclamação ao rei. Teve também, como objetivo mediato, a sobreposição da jurisdição real frente às inúmeras jurisdições locais, visando à uniformização das decisões em todo o reino, tática esta que deu certo[xxix].

O direito inglês, consoante explicação de Venosa[xxx], difere do sistema romano-germânico sob todos os aspectos. Sua estrutura é distinta, sendo justamente nessa estrutura que se encontra a maior dificuldade para um jurista latino compreendê-lo. Não há a tradicional divisão ente direito público e privado, nem aquelas divisões elementares do romano-germânico, como o direito comercial e o direito civil.

Houve períodos em que o Rei, em virtude de guerras internas, não podia reunir seu Conselho e julgar os recursos em matéria de Common Law. Assim, ganha relevância a figura do Chanceler e de sua Justiça. A frequência de procedimentos excepcionais firmou a prática de uma justiça paralela às cortes de Westminster, formando um corpo de normas, a Equity[xxxi].

A Equity não pode ser traduzida por eqüidade, pura e simplesmente. São normas que se superpõem ao Common Law. A Equity origina-se de um pedido das partes da intervenção do rei em uma contenda que decidia de acordo com os imperativos de sua consciência. Tem por escopo suprimir as lacunas e complementar o Common Law. As normas da Equity foram obras elaboradas pelos Tribunais de Chancelaria. O chanceler, elemento da coroa, examinava os casos que lhe eram submetidos, com um sistema de provas completamente diferente do Common Law. O procedimento aí é escrito, inquisitório, inspirado no procedimento canônico[xxxii].

Explicam Maciel e Aguiar[xxxiii] que o chanceler decidia visando à equidade, sem levar em consideração as regras do processo ou mesmo das origens do Common Law. A aplicação da equidade indicava maleabilidade das normas, ajustando-se aos casos concretos, realizando-se a justiça. Segundo os mesmos autores, o sistema da Equity permaneceu apartado do Common Law durante alguns séculos, ocorrendo a fusão dos dois tipos de jurisdição apenas no século XIX.

Além da Common Law e da Equity, explica Mariani[xxxiv] que existem também na Inglaterra, e em crescente quantidade, leis (statues), no sentido em que tal palavra é familiar dentro do sistema romano-germânico. Contudo, este statue law, qual seja o direito contido nas leis, é, num primeiro momento, um direito excepcional a aplicar restritivamente, servindo apenas para modificar pontos concretos do direito tradicional.

Acerca das características que permaneceram ao longo da tradicional história da família da Common Law, Wolkmer[xxxv] faz algumas considerações. O autor, em primeiro lugar, menciona a característica da forma do processo como uma espécie de duelo, ressaltando o fato de as partes praticarem uma disputa perante o juiz e o júri, além do papel do juiz de fazer com que as partes se mantenham dentro dos objetivos do processo, entre outros aspectos. Num segundo momento, o autor salienta a característica da oralidade do processo, sendo que uma vez presumida a presença de um terceiro que ouvirá e decidirá o caso, todas as formas processuais levam à oralidade.


4  DIREITO ISLÂMICO

Num primeiro momento, importante destacar o comentário de Mariani[xxxvi], o qual ressalta que os povos que não estiveram expostos à influência do Ocidente concebem o ordenamento da sua sociedade a partir de outros ângulos. Em determinados casos, é a religião que constitui a base do referido ordenamento. É o caso do Direito Islâmico.

O Direito muçulmano, segundo Venosa[xxxvii], não sendo de qualquer Estado propriamente dito, refere-se aos Estados ligados pela religião maometana. Tendo em vista a religião pretender substituir o Direito, é mais do que um sistema jurídico: é uma coletividade de normas pertinentes às relações humanas.

Para o referido autor, tal sistema deriva de uma religião difundida, o que o distingue dos demais sistemas, quais sejam os abordados neste estudo. Trata-se de uma das ramificações da religião islâmica. A concepção islâmica vem a ser de uma sociedade basicamente teocrática, onde o Estado existe apenas para servir à religião. Por se embasado numa religião, somente pode ser compreendido por que possua um mínimo de conhecimento acerca dessa religião e da respectiva civilização. A principal fonte do Direito muçulmano é o Corão, livro sagrado dos árabes.

Expõem Batalha e Rodrigues Netto[xxxviii] que o Corão, palavra que significa recitação, leitura, proclamação, é considerado a palavra de Allah. É uma deontologia dos devedores do homem em relação a Deus e aos outros homens. O Corão agrupa religião, moral e direito. Já as atitudes, palavras e condutas de Mahomet (Maomé) constituem os hadits, que são as tradições orais. O conjunto dos hadits constitui a Sunna, ou Via Reta.

Os mesmos autores explicam que o Corão e a Sunna formam a Lei (shar ou sharia). Não havendo solução no Corão ou na Sunna, ocorre um processo legislativo denominado Idjma (acordo de companheiros e, mais tarde, dos seus discípulos, ou dos poderes) ou o Idjtihad (esforço pessoal, isolado, do teólogo). Salientam ainda que o poder individual de criar a norma jurídica foi reservado a um reduzido número de teólogos, juristas, extinguindo-se no século X d.C.

O direito islâmico, conforme explica Venosa[xxxix], manteve-se fundamentalista, assim como sua própria cultura, não havendo rompimento e modernizações que sofreu o mundo cristão romano-germânico, o que explica as barreiras e diferenças culturais irreconciliáveis em nosso tempo.


5  DIREITO SOCIALISTA

Segundo Venosa[xl], os direitos socialistas constituíam-se em um terceiro sistema, juntamente com o sistema romano-germânico e do sistema Common Law. Vale dizer que todos os estados socialistas pertenciam ao sistema romano-germânico antes da adoção do chamado sistema socialista.

O sistema de direitos socialistas, de acordo com Soares[xli], “[...] compunham a denominada Europa do Leste, capitaneados pela URSS, até a Queda do Muro de Berlim e o esfacelamento daquela”.

O direito soviético foi influenciado pela filosofia marxista-leninista, procurando se amoldar à infraestrutura econômica. Assumiu características eminentemente totalitárias, prevalecendo em todas as instituições o princípio da coletivização da economia e da segurança do Estado[xlii].

Atendendo aos objetivos revolucionários, a propriedade individual dos imóveis, relativa ao direito privado no direito pré-revolucionário, veio a integrar o direito público, de características notoriamente administrativas. A distinção entre o direito público e o direito privado esvaiu-se perante a famosa expressão de Lenin: “não há mais direito privado, tudo tornou-se direito público”.[xliii]

“O princípio que norteou todo o direito soviético foi o princípio da ‘legalidade socialista’: o direito deve servir aos interesses da política socialista”[xliv]. Nesse sentido, explica Venosa[xlv] que o marxismo-leninismo representava para a União Soviética muito mais do que uma doutrina filosófica representa para outros. A doutrina deles era considerada como oficial, regendo todos os campos, da economia ao Direito. Cabia aos juristas soviéticos criar uma nova ordem, com o intuito de criar condições para que, no futuro, as ideias de Estado e Direito desaparecessem.

A distinção entre bens móveis e imóveis passou a ter interesse meramente teórico para o direito civil, posto que a propriedade imóvel passou a integrar o direito público. Por outro lado, o direito dos contratos assumiu aspectos diversos dos apresentados pelo chamado direito “burguês”, passando a constituir modalidade de regulamentação administrativa. A família, cujos laços haviam sido diluídos na primeira fase revolucionária, voltou a integrar-se sob a legislação stalinista.[xlvi]

O direito privado, tal como é compreendido, desapareceu. A propriedade privada era restrita, de forma que se pode dizer que, no sistema soviético, o direito é tão-somente público. O direito buscava afastar-se de todas as normas que, no entendimento dos revolucionários, seriam “burguesas”.[xlvii]

Salientam Batalha e Rodrigues Netto[xlviii] que o direito soviético está muito aquém do ideal revolucionário de construção de apenas um conjunto de regras técnicas de organização social em uma sociedade sem classes, desprovida de indivíduos sem impulsos egoísticos e com ampla visão dos condicionamentos sociais. O direito era então considerado como instrumento a serviço da classe dominante visando à implantação da sociedade sem classes.

Sob todos os aspectos, o direito soviético era um direito revolucionário, visando ao rompimento com todos os laços do passado. Contudo, a verdade é que os soviéticos não conseguiram se libertar dos fundamentos do sistema romano-germânico. A lei continuava como fonte fundamental do direito soviético, porém interpretada conforme os interesses e orientações políticas dos governantes[xlix].

Explica Venosa[l] que o fim da União Soviética no final da década de 1980 veio a desmoronar todo o arcabouço político e econômico, alterando necessariamente o sistema jurídico. Em diversos países do leste europeu, seu sistema jurídico certamente retorna às origens. Para o autor, o direito socialista expõe mais uma face do fracasso comunista, da imposição de leis pela força.

O fato de a transição para a sociedade comunista vir se revelando extremamente prolongada, além da necessidade de se atender às carências imediatas do povo, fazem com que na atualidade os direitos socialistas, sem abrir mão aos ideais fundamentais, estejam adquirindo um formato menos conflituoso e mais próximo, em determinados aspectos, dos direitos “burgueses”[li].

Sobre o autor
Felipe Concatto

Advogado. Graduado em Direito e em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Atualmente é Servidor Público na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCATTO, Felipe. Sistemas jurídicos: uma perspectiva histórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3759, 16 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25521. Acesso em: 22 dez. 2024.

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