4.O FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
Verdadeiro escopo do presente trabalho, os fundos de investimento imobiliário foram criados em junho de 1993, pela Lei n.º 8.668 e regulamentados pela CVM em janeiro do ano seguinte, através das Instruções 205 e 206. Estes fundos reúnem, atualmente, cerca de R$ 1,3 bilhão aplicado em mais de cinqüenta fundos, que investem em hotéis, shopping-centers, edifícios comerciais, loteamentos, etc.
Os fundos imobiliários dão origem a um novo valor mobiliário, título esse que mais se aproxima da idéia de "security" do direito norte-americano. Com os fundos imobiliários permite-se a securitização da propriedade imobiliária, de forma que, diversamente das regras do Código Civil e da Lei de Registros Públicos, se chega a distinto "fracionamento" de imóveis e permite-se sejam tais frações representadas por valores mobiliários.
4.1. O CONCEITO
Os fundos imobiliários são definidos pela Lei n.º 8.668/93 como condomínios fechados, resultantes da comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários.
Dizer condomínio significa dizer que o domínio se exerce por mais de uma pessoa concomitantemente. Observe-se desde logo que não se trata do condomínio horizontal, da edificação regida pela Lei n.º 4.591/64.
O fundo imobiliário de que trata a Lei n.º 8.668/93 parece ser condomínio do tipo germânico, o qual foi devidamente explicitado anteriormente, em noções históricas. Neste, a coisa pertence à coletividade e não aos condôminos individualmente, os quais têm apenas direito de uso e gozo em face da relação em que se encontram e não por serem titulares de direitos, individualmente, sobre a coisa.
O fundo imobiliário resulta de convenção que tem o caráter de negócio associativo. Esse condomínio pode ser permanente ou transitório. Isto é, o fundo pode subsistir indefinidamente ou pode ser organizado para uma só empreitada, finda a qual, poderá ser extinto do fundo. Extinguindo-se o fundo extingue-se o condomínio.
4.2Caracterização
À semelhança dos fundos de ações, renda fixa, derivativos, etc., são regulados e fiscalizados pela CVM, por se tratar de captação de recursos do público para investimento. A quota de um fundo imobiliário é valor mobiliário, conforme estabelece o artigo 3º da Lei n.º 8.668/93.
Este fundos são formados por grupos de investidores, com o objetivo de aplicar recursos, solidariamente, no desenvolvimento de empreendimentos imobiliários ou em imóveis prontos. Do patrimônio de um fundo podem participar um ou mais imóveis, parte de imóveis, direitos a eles relativos, etc.
O modelo de fundo imobiliário adotado no Brasil possui as seguintes características:
a)pode ser constituído de bens e direitos imobiliários, que podem ser utilizados para integralização;
b)é, obrigatoriamente, administrado por instituição financeira;
c)não tem personalidade jurídica própria. A instituição financeira que o administra "empresta" sua personalidade jurídica ao fundo, tornando-se proprietária fiduciária dos bens integrantes do patrimônio, os quais não se comunicam com o patrimônio da instituição;
d)pelo menos 75% do patrimônio do fundo deve estar aplicado em bens e direitos imobiliários. O saldo em caixa deve ser aplicado em ativos de renda fixa;
e)para os casos de fundos destinados a construir imóveis, as integralizações podem ser parceladas em séries. Os fundos podem, também, efetuar aumento de capital mediante a emissão de novas quotas;
f)é um fundo fechado, ou seja, não permite resgate das quotas. O retorno do capital investido se dá através da distribuição de resultados, da renda das quotas ou, quando for o caso, na dissolução do fundo com a venda dos seus ativos e distribuição proporcional aos quotistas.
Com relação à característica deste tipo de fundo ser um fundo fechado, Rachel Sztajn aduz que:
A alternativa que se apresenta é a de considerar-se o fundo imobiliário como um condomínio consensual, cuja existência está subordinada à subscrição de todas as quotas que sejam emitidas por investidores. Dessa forma, fechado vai aqui no sentido de integralmente subscrito em relação à constituição das sociedades.[7]
A administração dos fundos imobiliários foi atribuída pela lei que os criou a instituições financeiras como: bancos múltiplos com carteira de investimento ou com carteira de crédito imobiliário, bancos de investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras e distribuidoras de valores mobiliários ou outras legalmente equiparadas.
O condomínio designado fundo imobiliário, de acordo com a lei, obtém fundos com a captação de recursos no mercado, captação essa que obedece ao sistema da Lei n.º 6.385/76 (Lei de Mercado de Capitais). Esse fundo, cujo patrimônio é representado por quotas (valor mobiliário) tem, como titular, a instituição financeira, apesar da pluralidade de subscritores ou adquirentes das quotas, visto que os recebe, em seu nome, mas sob o manto do negócio fiduciário.
Neste negócio fiduciário, que inspira-se no trust do direito norte-americano, a propriedade é transferida com gravames, ou seja, faz-se necessário averbar no Cartório de Registro de Imóveis que o titular designado do bem é em realidade apenas fiduciário de outros proprietários, detentores da titularidade do imóvel, cabendo ao fiduciário apenas a administração do bem em benefício dos proprietários.
Não se trata, pois, de um negócio fiduciário típico de sistema de base romano-germânico, mas de uma forma atípica desse instituto. Ao mesmo tempo em que se proíbe que os bens pertencentes ao fundo se confundam com aqueles pertencentes à instituição administradora, é óbvio que se o fundo não tem personalidade jurídica (art. 10 da Lei n.º 8.668/93) não pode ser titular de patrimônio. Mas, a instituição administradora tem poderes para, em nome próprio, por conta dos proprietários em comum, adquirir, onerar e alienar a coisa, e aplicar os recursos decorrentes da subscrição das quotas do fundo. Esta instituição, como fiduciário, administra o fundo em benefício dos quotistas pagando-lhes os rendimentos decorrentes da exploração dos imóveis ou mesmo das aplicações financeiras, quando for o caso. Responsável pelos resultados de sua administração, a instituição exerce poder funcional, igual ao dos administradores das sociedades mercantis e deve responder tal como aqueles, por quaisquer desvios de atribuição ou abuso de poder.
4.3Natureza jurídica
É sabido, diante do que foi até então exposto, que já existe regulamentação, tanto no Brasil, como no exterior, que admite que os fundos do mercado de capitais tenham patrimônio e capacidade processual, sem atribuir-lhes, contudo, personalidade jurídica, constituindo assim, uma forma especial de condomínio.
O renomado Arnoldo Wald atesta que:
Há evidências da existência de fundamento legal e entendimento administrativo consolidado, inclusive no Conselho Monetário Nacional, no Banco Central e na Comissão de Valores Mobiliários, no sentido de reconhecer a natureza jurídica do fundo como um condomínio de natureza especialíssima que tem patrimônio próprio, escrita, específica, auditoria nas suas contas, representação em juízo e administração por uma espécie de trustee. A propriedade dos bens pertence ao Fundo e as quotas é que são da propriedade dos condôminos.[8]
Ao se comparar legislações estrangeiras, sob formas aparentemente distintas, reconhece-se aos fundos uma quase personalidade ou um regime sui generis, que lhes atribui a propriedade fiduciária dos bens dos condôminos, caracterizando-se a sua autonomia pela existência de seu patrimônio, de sua contabilidade, de capacidade processual própria e de uma gestão baseada em princípios fiduciários.
A doutrina brasileira é unânime em admitir que os fundos constituem um patrimônio afetado a uma finalidade específica, que embora não tenha personalidade jurídica, tem capacidade de direito substantivo e adjetivo, funcionando como um verdadeiro investiment trust, com base fiduciária.
O pensamento do eminente Pontes de Miranda vem de encontro ao exposto[9], corroborando a afirmação de que o fundo é uma fórmula fiduciária pela qual os investimentos podem ser realizados em nome do fiduciário e no interesse do fiduciante, assemelhando-se ao trust (o qual foi explicitado no início deste trabalho).
4.4 Direitos e vantagens quotistas
A utilização de um instrumento moderno, como os fundos imobiliários, para captar recursos destinados a investir em empreendimentos imobiliários, traz inúmeras vantagens.
Existe a possibilidade de pulverização, ou seja, a possibilidade de fracionar o investimento, trazendo para este mercado uma massa de investidores de pequeno e médio porte, que não possuem alternativas para investir em imóveis.
Além da pulverização, o fato de transformar o investimento imobiliário em mobiliário agrega outras vantagens: deixa de existir a burocracia causada pelo formalismo da transação imobiliária e a transparência da operação é muito maior, pois todos os atos do fundo são de responsabilidade de instituição financeira que o administra.
Além disso, a versatilidade do fundo imobiliário é muito grande, pois qualquer empreendimento de base imobiliária é passível de ser incluído. Do patrimônio do fundo também podem participar direitos imobiliários, como a concessão e o aluguel. Pode-se captar recursos via fundo imobiliário para construir um imóvel em terreno público, havido por concessão, auferindo renda pelo tempo pactuado.
Normalmente, nos fundos imobiliários existentes atualmente no Brasil, há a garantia de receita mensal equivalente a no mínimo 1,25% ao mês da fração ideal compromissada, pelo prazo de trinta e seis meses, a contar da data de outorga da escritura definitiva, descontados os percentuais referentes aos impostos.
4.5.Fatores de risco
Alguns fatores de risco foram elencados anteriormente, quando se tratou dos fundos de investimentos. Faz-se mister classificá-los, por ora, caracterizando-os de modo pormenorizado.
Os maiores riscos a que estão expostos os fundos são:
a)o risco de crédito: aquele em que a contraparte (emissor do título) não cumpre com as obrigações decorrentes do título, isto é, quando incorre em inadimplemento;
b)o risco de mercado: é o decorrente das condições adversas do mercado financeiro e de capitais relativamente à oscilação do preço dos ativos que compõem a Carteira do fundo;
c)o risco de liquidez: é o que decorre da dificuldade de venda de um ativo da Carteira no mercado;
d)o risco legal: é o que decorre de irregularidades de ordem jurídica diversas que impedem, por exemplo, a execução de um contrato, resultando em eventual prejuízo, ou o não cumprimento das normas legais estabelecidas;
e)o risco operacional é o que está diretamente relacionado à gestão do fundo, e que decorre de erro humano, falha de sistema, falha de controles internos, procedimentos inadequados de controle, errôneas avaliações de risco, etc.
Quando se alude especificamente aos riscos relativos aos fundos imobiliários, além dos riscos supra-citados, elencam-se aqueles relativos às aprovações de projeto, às receitas e despesas projetadas e aos ajustes institucionais, decorrentes dos percalços da economia brasileira.
4.6Nova regulamentação
Algumas mudanças relativas aos fundos imobiliários estão em fase de estudos na Comissão de Valores Mobiliários. Estas mudanças referem-se aos seguintes itens:
a)diversificação: os fundos imobiliários poderão investir em contas de outros fundos e em papéis do setor imobiliário, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), letras hipotecárias, debêntures e ações. Atualmente, eles só podem investir em imóveis e direitos sobre imóveis;
b)agilidade: não será necessário fazer um novo registro na CVM para alterar o regulamento ou fazer aportes inferiores a 25% do patrimônio;
c)classificação: a CVM poderá criar uma classificação, dividindo os produtos conforme os seus ativos;
d)internet: desde que aprovada pelos quotistas, a correspondência por meio eletrônico, como a internet, terá valor de documento;
e)risco: nos prospectos dos fundos, deverá ter um item com os riscos do produto, como falta de liquidez, oscilação de rentabilidade ou possibilidade de não dar certo;
f)administração: as companhias hipotecárias poderão administrar os fundos. Atualmente, somente as instituições financeiras estão autorizadas a desempenhar essa função.
5.OS FUNDOS IMOBILIÁRIOS AMERICANOS
É fundamental que se faça um breve relato sobre os fundos de investimento imobiliário americanos para que se compreenda sua evolução no Brasil.
Os fundos imobiliários americanos, conhecidos como REIT ("Real Estate Investiment Trust") foram criados na década de sessenta e hoje representam investimentos de cerca de US$ 130 bilhões, com mais de 200 REITs cotados em Bolsa. Tiveram um crescimento tímido nos primeiros anos, que teria ocorrido em função dos seguintes fatores:
a)No início os fundos foram criados por empreendedores imobiliários, para investimentos deles próprios e de investidores cativos, num lançamento privado que não chegava ao mercado, limitando a popularização e pulverização dos REITs;
b)Com isso, eles mesmos administravam estes fundos, criando vários problemas de conflito de interesses, em prejuízo dos poucos investidores que até então se dispunham a participar dos fundos;
c)A informação técnica sobre estes fundos, suas carteiras, riscos, projeções, desempenho, etc., não eram largamente difundidas;
d)Por fim, na década de setenta cerca de 75% do mercado imobiliário era financiado. Esse alto grau de alavancagem se devia ao fato de que estava enraizada a idéia de que só os imóveis se valorizavam. Por conseqüência, os investidores e empreendedores procuravam obter lucro ao vender as propriedades e não na renda que empreendimentos de base imobiliária poderiam gerar.
O panorama mudou a partir da crise imobiliária americana no início da década de noventa, em que uma importante falta de liquidez gerou uma forte desvalorização dos imóveis, alterando completamente o mercado. A década anterior havia experimentado uma brilhante fase de incorporações imobiliárias, principalmente na produção de apartamentos, armazenagem e shopping-centers, em negócios que envolveram mais de US$ 130 bilhões. A crise das "saving and loans" (companhias e bancos de crédito imobiliário) abalou o mercado, derrubando preços e criando sérios problemas para os empreendedores, que não conseguiram liquidar seus compromissos.
Essa situação levou o governo americano a criar, entre outras coisas, a RTC ("Resolution Trust Corporation"), agência responsável por administrar a liquidação daquelas empresas. A RTC criou lotes de ativos imobiliários oriundos de empresas liquidadas e os ofereceu ao mercado que, aproveitando-se das boas condições de preço oferecidas, encontrou nos REITs a melhor solução para adquiri-los.
Já os fundos de pensão aumentaram suas aplicações em imóveis de 1% para 6%, de seus ativos, durante a década de oitenta. Mas como seus resultados decepcionaram, os administradores passaram a procurar por analistas e consultores independentes para orientá-los, estes passaram a direcioná-los para REITs com política de investimento mais clara e adequada ao tipo de risco desejado. Essa profissionalização do mercado levou a uma maior transparência e competição entre os REITs, aumentando a base do mercado.
Por fim, em janeiro de 1994, a NAIC ("National Association of Insurance Commissioners"), órgão regulador das seguradoras americanas, preocupado com a liquidez das reservas técnicas, penalizou os investimentos diretos, daquelas companhias, em imóveis, privilegiando aqueles realizados através de instrumentos securitizados. Viabilizou-se, por isso, vários lançamentos de REITs lastreados em escritórios e hotéis.