“A cabeça pensa onde os pés pisam.”
(Frei Leonardo Boff, 1997)
Resumo: A coculpabilidade se fundamenta na capacidade da autodeterminação e na influência do meio social no comportamento humano. Considerando que nem todos tem acesso às mesmas oportunidades ao longo da vida, torna-se injusta a expectativa que todos sigam os mesmos padrões comportamentais. Há de se adequar o juízo de reprovação, como parte integrante do conceito analítico de crime, em sua concepção funcionalista teleológica, às oportunidades (não) oferecidas ao indivíduo, em cotejo com as garantia de efetivação/negativação dos direitos constitucionais individuais pelo Estado; logo, a sociedade é corresponsável pela prática de delitos por cidadãos marginalizados, quando deixa de oferecer condições igualitárias de oportunidades para toda a coletividade. Visando à efetivação do Princípio da Individualização da pena, além da proteção dos direitos individuais face ao Estado, imperiosa se faz a existência de um instrumento capaz de dosar a reprovabilidade social da conduta, considerando as desigualdades, evitando que o Direito Penal seja usado como instrumento de controle de classes.
Palavras-chave: Coculpabilidade. Princípio da Individualização da Pena. Direito Penal como controle de classes.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO. 2.1 Evolução da Teoria do Delito e Funcionalismo Penal. 2.2 Conceito de Coculpabilidade. 3 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. 3.1 Fundamento de validade. 3.2 Princípio Constitucional implícito?3.3 Coculpabilidade Como Instrumento de Efetivação do Princípio da Individualização da Pena. 4 ASPECTOS SOCIAIS. 4.1 A Falência do Direito Penal: Instrumento de Controle Social da Classe Dominante . 5 ASPECTOS PRÁTICOS. 5.1 Doutrina. 5.2 Jurisprudência. 5.3 Necessária positivação do princípio da coculpabilidade. 6 TEORIAS CONTRÁRIAS À COCULPABILIDADE. 6.1 Negação à Teoria da Coculpabilidade. 6.2 Coculpabilidade às Avessas. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
SIGLAS
CP – Código Penal
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
1 INTRODUÇÃO
Somos responsáveis por nossas escolhas, mas que escolhas temos?
Até que ponto pode ir o juízo de reprovação no que concerne a condutas delituosas levadas a cabo por cidadãos marginalizados pela sociedade? Quando, como e em que medida se dá a corresponsabilidade do Estado, quando deixa de oferecer condições igualitárias de oportunidades a todos, na prática destes delitos?
O presente trabalho propõe verificar até que ponto hoje, no campo do Direito Penal Pátrio, se reconhece esta corresponsabilidade e, em termos práticos, se efetivamente existe um tratamento jurídico/judicial diferenciado aos indivíduos menos favorecidos, além de observar o aspecto constitucional, principalmente sob a filtragem do Princípio da Individualização da Pena, bem como a eficácia vertical dos direitos fundamentais a fundamentar a Coculpabilidade.
Cumpre, também, analisar se a o art. 59 do Código Penal, que traz as circunstâncias judiciais para a fixação da pena base, possibilita ao magistrado aplicar uma pena justa, observando a coculpabilidade do Estado, ou se esta deve ser considerada uma circunstância atenuante genérica, com fundamento no art. 66 do Codex Repressivo Pátrio.
O estudo tem o objetivo mostrar que o não reconhecimento da coculpabilidade do Estado tende a transformar o Direito Penal em um instrumento de controle de classe, seletivo e opressivo, que se presta a perpetuar as desigualdades sociais.
Serão utilizados autores como Eugênio Zaffaroni, José Henrique Pierangeli, Grégore Moura, Rogério Greco, Guilherme de Souza Nucci, Paulo Queiroz, Salo Carvalho entre outros.
O trabalho será dividido em capítulos para melhor apresentação e compreensão do tema. O primeiro capítulo, logo após a introdução, irá versar sobre o conceito do Princípio da Coculpabilidade, com um breve resumo acerca da evolução do teoria do delito e uma introdução à concepção funcionalista teleológica do Direto Penal, e da construção conceitual do princípio da coculpabilidade pela doutrina. O segundo versará sobre o fundamento constitucional do aludido princípio, abordando em apertada síntese o papel do Estado Democrático de Direito, além do fundamento de validade do princípio da coculpabilidade, consistente no princípio da igualdade material, objetivo fundamental do Brasil; irá ainda discutir se o princípio da coculpabilidade possui status de princípio constitucional implícito; por fim, irá demonstrar que o princípio da coculpabilidade consiste em instrumento de efetivação do Princípio da Individualização da Pena. O terceiro capítulo tratará dos aspectos sociais legitimadores do Princípio da Coculpabilidade, principalmente a falência do direito penal como instrumento de manutenção da ordem social, e do fato de que o não reconhecimento e efetivação do princípio acarreta a utilização do Direito Penal como instrumento de segregação e de controle de classes. Prosseguindo, o quarto capítulo versará sobre a aplicação prática do princípio, como sugerida na doutrina e como os tribunais pátrios se posicionam em relação a coculpabilidade do Estado no cometimento de alguns delitos por cidadãos marginalizados e mostrará a necessária positivação do princípio e ousa-se sugerir forma de aplicação mais efetiva para o Princípio da Coculpabilidade, visando a efetiva consecução dos fins por ele colimados. No sexto capítulo será abordado o contraponto à Coculpabilidade, com a lição dos doutrinadores que simplesmente negam a existência de um culpa por parte do Estado, e a chamada “Coculpabilidade às avessas”, os delitos marginais e o tratamento dado aos crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira. Ao cabo, será apresentada a conclusão do trabalho e as referências bibliográficas utilizadas.
2 CONCEITO
2.1 Evolução da Teoria do Delito e Funcionalismo Penal
Antes de iniciar o estudo da coculpabilidade e como esta pode influir na dosimetria da pena, imperioso se faz esclarecer previamente alguns pontos sobre a evolução da teoria do crime ao longo do tempo, até chegar ao chamado funcionalismo penal, principalmente na vertente elaborada por Claus Roxin, o chamado funcionalismo teleológico, incluindo a reprovabilidade como parte integrante do conceito analítico de crime.
Após a superação da teoria causal da ação, com a transferência dos elementos subjetivos (dolo e culpa) da culpabilidade para o fato típico, proposta por Wezel na concepção finalista da conduta, inaugurou-se uma nova concepção para o conceito de culpabilidade, que passou a ser composto apenas pela imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude (o antes chamado elemento normativo do dolo, e a exigibilidade de conduta diversa. A concepção finalista ainda impera entre os doutrinadores pátrios, sendo adotada em larga escala.
Contudo, o conceito de crime sofreu nova evolução, com as chamadas Teorias Funcionalistas. Se antes o conceito de crime era elaborado com base em estruturas jurídicas, com as novas teorias atenta-se para a finalidade do Direito Penal, com base em estruturas sociológicas. Nas lições de Claus Roxin:
[O]s defensores desta orientação estão de acordo em rechaçar o ponto de partida do sistema finalista e partem da hipótese de que a formação do sistema jurídico-penal não pode vicular-se a realidades ontológicas precisa (ação, causalidade, estruturas lógico-reais, etc.), senão que única e exclusivamente pode guiar-se pelas finalidades do Direito Penal.[1]
As concepções Funcionalistas surgiram na Alemanha, a partir de 1970, como forma de submeter a dogmática penal aos fins específicos do Direito Penal.
Duas vertentes do funcionalismo penal ganharam força, a teoria funcionalista radical, ou sistêmica, elaborada por Gunter Jakobs, que serve claramente aos Estados Totalitários; e a Teoria Funcionalista moderada, ou teleológica, construção do jurista Claus Roxin, que melhor atende aos fundamentos dos chamados Estados Constitucionais de Direitos, tendo em conta até mesmo a evolução da filosofia do direito, com o pós-positivismo e a valorização das garantias individuais em face ao Estado.
Para o funcionalismo teleológico, o conceito de crime se divide não mais em fato típico, ilícito e culpável; e sim em fato típico, ilicitude e reprovabilidade. A inserção da reprovabilidade no conceito analítico de crime não se tratou de mera mudança semântica. A reprovabilidade abarca, além da imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade da conduta diversa, a necessidade da pena. E não apenas isso, o juízo de censura social da conduta é exasperado, passando-se a entender a reprovabilidade, parte do conceito de crime, como juízo de valor, como elemento de dosagem da pena.
Vale transcrever as lições de Francisco Muñoz Conde, analisando o novo conceito de responsabilidade elaborado por Roxin:
A responsabilidade penal pressupõe não somente a culpabilidade do autor, senão, ademais, a necessidade da pena desde o ponto de vista preventivo geral e especial. A culpabilidade e a prevenção, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a colocação de Jakobs, não se fundamenta em uma unidade, senão que se limitam reciprocamente; para Roxin, as necessidades preventivas nunca podem conduzir a imposição de uma pena a um sujeito que não é culpável. Mas a culpabilidade em si mesma tampouco pode legitimar a imposição de uma pena, se esta não é necessária desde o ponto de vista preventivo.[2]
Este juízo de reprovação é individualizado, recaindo exclusivamente sobre cada conduta de cada agente, analisando-se o a necessidade da pena e o grau de censura a ser imposta.
Partindo da premissa básica de que cada ser humano possui suas idiossincrasias, sua personalidade, história, ou seja, que não existem dois homens iguais no mundo, ao se realizar o juízo de reprovação de eventual fato típico e ilícito, todas as peculiaridades devem ser levadas em consideração.
Duas teorias tentam justificar este juízo de reprovabilidade: a primeira, construção da chamada Escola Clássica, apregoa o livre-arbítrio; já a segunda, erigida pela chamada Escola Positiva, traz o chamado determinismo.
O livre-arbítrio consiste no argumento de que o homem é moralmente livre para fazer suas escolhas. Daí que o fundamento da reprovabilidade reside no fato de que a ação levada à cabo pelo agente decorre de sua voluntariedade, vez que se encontra unicamente sobre seu alcance a escolha entre praticar um ato criminoso ou não. Portanto, o fundamento da responsabilidade penal está na responsabilidade moral.
Já para a corrente determinista, as escolhas do homem seriam fortemente influenciadas por fatores externos e internos. Portanto, o homem não seria dotado do poder soberano de liberdade de escolha que defende a corrente clássica.
Assim, o meio social, o nível cultural, a educação, entre outros fatores influenciam as escolhas dos indivíduos.
Em verdade, a aparente dicotomia entre as duas, que as excluiria mutuamente, não existe. Na precisa lição de Rogério Greco, ambas as teorias se complementam. A influência do meio social na prática de determinados delitos é notório, principalmente em pessoas com personalidade mais facilmente influenciáveis. Noutro giro, apesar de todos sermos influenciados pelo meio social em maior ou menor grau, é certo que outros que vivem em um meio social desfavorável venham a cometer delitos. É para aqueles que se aplica o Princípio da Coculpabilidade.
2.2 Conceito de Coculpabilidade
Feitas estas considerações iniciais acerca da evolução da teoria do delito e do juízo de reprovação como parte integrante do conceito analítico de crime, pode-se passar para a análise do conceito de coculpabilidade penal.
A coculpabilidade consiste na corresponsabilidade do Estado, pela prática de condutas criminosas por indivíduos marginalizados, que não tiveram acesso a educação, oportunidades de emprego, saúde, moradia. NUCCI que, vale dizer, não reconhece a existência do princípio, assim a conceitua antes de criticá-la.
98-B. Conceito de coculpabilidade: Trata-se de uma reprovação conjunta que deve ser exercida sobre o Estado, tanto quanto se faz com o autor de uma infração penal, quando se verifica não ter sido proporcionada a todos igualdade de oportunidades na vida, significando, pois, que alguns tendem ao crime por falta de opção[3]
Em que pese o brilhantismo do Magistrado paulista, o conceito de coculpabilidade é melhor delineado pelos criadores do aludido princípio.
A Coculpabilidade penal é construção da cátedra de Eugenio Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, que assim a conceituam:
“Todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no memento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘co-culpabilidade’, com a qual a própria sociedade deve arcar”[4]
Destarte, a teoria da Coculpabilidade vem apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser imputada à sociedade e, em última análise, ao Estado quando da prática de determinados delitos pelos cidadãos marginalizados, que tem a sua autodeterminação reduzida pelo menosprezo de seus Direito Fundamentais pelo Ente Estatal.
3 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
3.1 Fundamento de Validade
Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Este o texto do artigo 3º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil.
É o chamado Princípio da Redução das Desigualdades, também chamado de Princípio da Igualdade Material, que constitui princípio fundamental do País, haja vista estar incluído no título I da Carta Magna, “Dos Princípios Fundamentais”.
Vale dizer que o aludido princípio denota bem o espírito de um Estado Social Democrático implantado pelo constituinte originário na Constituição de 1988.
No Estado Social Democrático, emergindo após a decadência do chamado Estado Liberal, na primeira metade do Séc. XX, o Estado abandona sua postura abstencionista, passando a intervir em grande monta na sociedade, na saúde, na economia, educação, sendo criada a chamada 2ª geração, ou dimensão, dos Direitos Fundamentais.
A partir da Constituição de Weimar (1929), que serviu de modelo para inúmeras outras constituições do primeiro pós-guerra, e apesar de ser tecnicamente uma constituição consagradora de uma democracia liberal – houve a crescente constitucionalização do Estado Social de Direito, com a consagração em seu texto dos direitos sociais e a previsão de aplicação e realização pro parte das instituições encarregadas dessa missão. A constitucionalização do Estado Social consubstanciou-se na importante intenção de converter em direito positivo várias aspirações sociais, elevada à categoria de princípios constitucionais protegidos pelas garantidas do Estado de Direito.[5]
Adotado este modelo de Estado, o ente não pode ser furtar de atuar na sociedade. Muito pelo contrário, a Estado possui o dever, constituindo verdadeiro objetivo fundamental promover a justiça social e reduzir as desigualdades, ou seja, já não basta mais a igualdade formal, trazida pela 1ª geração, ou dimensão, dos Direitos Fundamentais, mas sim a igualdade material, que deve ser promovida pelo Estado com vistas a redução das desigualdades.
Com a evolução da filosofia do direito, acarretando na elaboração epistemológica do chamado pós-positivismo, além de outras nobres concepções, a Constituição ganha força ainda maior, vez que anteriormente a Lei estava no centro do ordenamento jurídico. Contudo, hoje, é a Constituição e os Direitos Fundamentais que formam a base nuclear de todo o ordenamento. Exemplo disso é o chamado princípio da interpretação conforme a constituição, amplamente utilizado pelo Pretório Excelso.
Nesta linha, a constituição deixa de ser considerada mera carta de intenções, passando a ter efetiva eficácia normativa.
Destarte, o aludido Princípio Fundamental da Igualdade Material deve ser buscado de forma efetiva pelo Estado. Quando o Estado deixa de oferecer oportunidade à todos, perpetuando as desigualdades e a marginalização, afronta diretamente a Constituição.
Posteriormente, quando o indivíduo marginalizado venha a praticar um delito, a parcela de culpa do Estado deve ser avaliada, afinal, o Estado deixou de cumprir a Constituição.
Assim, do art. 3, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil pode se extrair o fundamento de validade do Princípio da Coculpabilidade, o pressuposto de sua existência.
3.2 Coculpabilidade, Previsão Constitucional: Princípio Constitucional Implícito?
Demonstrado o fundamento de validade do Princípio da Coculpabilidade, passa-se a discutir se o aludido princípio possui ou não status constitucional.
Vale destacar que a importância de conferir status constitucional a uma norma consiste no fato de que todas as demais norma que estejam abaixo da constituição na pirâmide de Kelsen, devem ser com aquela compatível, sob pena de serem extirpadas do ordenamento jurídico por vício de constitucionalidade.
Além disso, na visão de Grégore Moura, reconhecer a coculpabilidade como princípio constitucional implícito ‘obriga’ o legislador a realizar modificações no Código Penal, porque apenas deste modo o indivíduo atingiria a plenitude da cidadania.
Ainda na visão de Grégore Moura, em obra específica sobre o princípio da coculpabilidade, este seria sim um Princípio Constitucional implícito, que decorreria do já mencionado art. 3, III da CRFB e do Princípio da Individualização da Pena (Art. 5º, XLVI, CRFB), configurando verdadeiro Direito Fundamental, com fulcro na previsão do art. 5º, §2º, CRFB. Por seu tom professoral, vale transcrever as lições de MOURA:
Aceitar a coculpabilidade como princípio constitucional implícito ‘obriga’ o legislador a modificar o nosso Estatuto Repressivo principalmente porque, só assim, o indivíduo atingirá a plenitude da cidadania, com o respeito ao devido processo legal e ao direito de justiça que é elemento essencial para aplicação de todos os demais direitos.
O reconhecimento do princípio da coculpabilidade é importante instrumento na identificação da inadimplência do Estado no cumprimento de sua obrigação de promover o bem comum, além de reconhecer, no plano concreto um direito fundamental do cidadão, mediante sua concretização no Direito Penal e no Processo Penal, tendo como fundamento o art. 5º, §2º, da Constituição Federal.[6]
Em outras palavras, o princípio da coculpabilidade decorreria do regime adotado pela Constituição da República e dos princípios adotado por ela, mais precisamente princípio da individualização da pena e princípio da igualdade material, ou da redução das desigualdades.
3.3 Coculpabilidade Como Instrumento de Efetivação do Princípio da Individualização da Pena
O princípio da individualização da pena é direito fundamental, insculpido no art. 5º, XLVI da Constituição Federal, assim definido por Nucci.
Princípio da individualização da pena: quer dizer que a pena não deve ser padronizada, cabendo a cada delinquente a exata medida punitiva pelo que fez. Não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se, por certo, que a prática de ideêntica figura típica não é suficiente para nivelar dois seres humanos. Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.[7]
Com a concepção do delito elaborada pelo funcionalismo teleológico de Roxin, a individualização da pena, levando em conta as peculiaridades do indivíduo, ganha ainda maior relevância, haja vista que, caso se conclua pela desnecessidade da pena, esta sequer deve ser aplicada. Acentuando a importância do princípio da individualização da pena para o Direito Penal moderno, leciona Biettol que:
Todo o direito penal moderno é orientado no sentido da individualização das medidas penais, porquanto se pretende que o tratamento penal seja totalmente voltado para características pessoais do agente a fim de que possa corresponder aos fins que se pretende alcançar com a pena ou com as medidas de segurança[8]
Os “fins” mencionados por Biettol é justamente a função do direito penal para aquela sociedade, ou, em outras palavras, o funcionalismo penal de Roxin.
Quando se fala em “individualizar a pena”, confome lecionado por Biettol, pretende-se que o tratamento penal seja totalmente voltado para as peculiaridades do indivíduo.
Daí extrai-se que, se em virtude da inadimplência do Estado em “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, conforme preconiza a Constituição da República, deve acarretar em uma menor responsabilização do autor de um delito que não tenha tido acesso, em condição de igualdade, à educação, saúde, moradia, e outros direitos fundamentais, em relação a outro que, apesar de ter tido acesso a tudo isso, comete um delito.
Como dito, o Estado é corresponsável pelo delito, e deve arcar com sua parcela de culpa, subtraída da parcela de culpa do agente.
Portanto, a verdadeira efetivação do princípio da individualização da pena só se realiza quando se leva em consideração não só o fato criminoso levado à cabo pelo agente, mas também o agente que realizou a conduta criminosa. Incluem-se aí os aspectos sociais, fatores este que acabam por influenciar na manifestação da vontade do autor do delito.
Assim, para se atingir a pena “justa”, verdadeiramente individualizada, a análise da coculpabilidade do Estado em cada caso concreto é imprescindível.