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Fiança bancária: causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário

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Agenda 26/11/2013 às 16:12

5 CONCLUSÕES

De tudo o que foi exposto, percebeu-se que tanto a obrigação como o crédito tributário passam a existir e, por conseguinte, assumir foros de exigibilidade, a partir do momento em que forem vertidos em linguagem competente, o que pode ocorrer através do lançamento tributário ou pelo “autolançamento”.

Demonstrou-se que durante esse processo de positivação, que vai da previsão uma norma geral e abstrata (regra-matriz de incidência), passa pela expedição do ato de lançamento ou de “autolançamento” até a extinção do crédito tributário, é possível haver interrupções produzidas por normas jurídicas, cujo principal efeito é justamente impedir o prosseguimento normal desse percurso, que são as chamadas causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Há controvérsias a respeito da taxatividade do rol previsto no artigo 151 do Código Tributário Nacional, havendo, de um lado, corrente doutrinária sustentando que somente as causa ali consignadas têm o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, ao passo que, de outro, há farta opinião doutrinária e jurisprudencial entendendo existirem outras causas suspensivas que não apenas aquelas expressamente previstas no aludido preceito normativo, hipótese em que poder-se-ia admitir a fiança bancária como causa apta a produzir tal efeito (de suspender a exigibilidade do crédito tributário).

Mesmo que se admita que as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário estão adstritas às hipóteses previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional, forçoso é reconhecer a fiança bancária como causa apta a interferir na exigibilidade do crédito tributário, por subsumir-se perfeitamente à norma contida no inciso II do referido dispositivo, a qual trata do depósito do montante integral do crédito tributário.

O entendimento consolidado na Súmula 112, do Superior Tribunal de Justiça, incorre em nítida violação ao princípio da legalidade, pois, ao restringir a hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário apenas aos depósitos realizados em dinheiro, extrapolou seu mister de aplicador do direito para estabelecer exigência a descoberto da lei, malferindo o disposto nos artigos 5º, II, e 150, I, ambos da Constituição Federal, e 97 do Código Tributário Nacional

O depósito, a que se refere o inciso II do artigo 151 do Código Tributário Nacional, foi utilizado pelo legislador com o sentido de designar uma garantia do adimplemento do crédito tributário, e para tal desiderato existem outras formas previstas pelo ordenamento jurídico que não apenas através do dinheiro, como é o caso, por exemplo, da fiança bancária, de natureza eminentemente assecuratória (garantia fidejussória), daí por que a ilegalidade da interpretação restritiva imposta por aquele verbete sumular.

A disposição contida na Súmula 112 do Superior Tribunal de Justiça, além de violar o artigo 151 do Código Tributário Nacional, ultima por desconsiderar o fato extremamente relevante de o próprio artigo 15, inciso I, da Lei Federal nº 6.830/1980 ter conferido à fiança bancária o mesmo status do depósito em dinheiro, este sim considerado como causa hábil a ensejar o sobrestamento da exigibilidade do crédito tributário. Assim, também por este aspecto, não haveria razão lógica, tampouco jurídica para rejeitar a fiança bancária para tal propósito (de suspender a exigibilidade do crédito tributário).

Ademais, restou demonstrado que a fiança bancária nada mais é que mera expressão do dinheiro, podendo ser convertida a qualquer momento em moeda, estando inclusive sujeita à correção monetária pelos mesmos índices adotados pelo Fisco (Taxa Selic), bem como aos regramentos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, por força do que prescreve o § 5º do artigo 9º, da Lei Federal nº 6.830/1980, além de obedeceram as determinações estampadas na. Resolução nº 724, do Banco Central, no sentido de ter cláusula de solidariedade, com renúncia do benefício de ordem, bem como a declaração de que a extensão da garantia abrangerá o valor da dívida original, juros e demais encargos exigíveis, inclusive correção monetária com indicado.

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Por fim, com a aceitação da fiança bancária, para fins da suspensão da exigibilidade a que se refere o artigo 151 do Código Tributário Nacional, estar-se-á escorreitamente acabando com uma das causas que levam o contribuinte a se valer do instrumento processual inegavelmente anômalo que é a medida cautelar preparatória do executivo fiscal, qual seja, nos casos em que o contribuinte necessita obter certidão de regularidade fiscal, mas não dispõe em caixa dos valores que são cobrados pela Fazenda Pública, para efetuar o depósito na forma estipulada pelo verbete sumular 112 do Superior Tribunal de Justiça, tendo, por isso, de aguardar indefinidamente até a propositura do executivo fiscal para só então lograr tal desiderato e, assim, obter tal certidão, não obstante pudesse fazê-lo desde antes mediante o oferecimento de fiança bancária.

Portanto, partindo-se da correta exegese dos textos legais, não se vislumbra outro alternativa senão afastar os inovadores óbices impostos pela Súmula 112 do Superior Tribunal de Justiça, para o fim de acatar a fiança bancária como causa apta suspender a exigibilidade do crédito tributário, no bojo do processo judicial, ainda que em momento anterior à propositura, pelo Fisco, da execução fiscal.


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.

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BRASIL. Tribunal Regional Federal (5ª Região). Apelação cível nº 170155/CE. Relator: Desembargador Rivaldo Costa. Fortaleza, CE, 6 de março de 2005. Disponível em: http:// www.trf5.jus.br. Acesso em 17 de março 2009.

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento nº 200600214945. Recorrente: Município do Rio de Janeiro. Recorrido: Banco ABC BRASIL S/A. Relator: Desembargador Ruyz Athayde Alcantra de Carvalho, Rio de Janeiro, RS, 26 de março de 2008. Disponível em: http:// www.tj.rj.gov.br. Acesso em 2 de março 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 660288/RJ. Recorrente: Texaco Brasil S/A Produtos de Petróleo. Recorrido: Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Brasília, DF, 13 de setembro de 2005. Disponível em: http:// www.stj.gov.br. Acesso em 17 de março 2009.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível nº 200500118100. Recorrente: White Martins Gases Industriais. Recorrido: Estado do Rio de Janeiro. Relator: Desembargador Miguel Ângelo Barros, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2005. Disponível em: http:// www.tj.rj.gov.br. Acesso em 2 de março 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.

CONRADO, Paulo César. Processo Tributário. Tese (Doutorado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.

CARRAZA, Roque Antônio. Depósito do Montante Integral do Crédito Tributário, “in” Revista de Processo, nº 66, p. 49.

FRIEDE, Reis. Depósitos Judiciais: aspectos fiscais e tributários. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.

VIEIRA, Maria Leonor Leite. O processo de Positivação da Obrigação Tributária e as Causas Suspensivas da sua Exigibilidade. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado - Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.


Notas

[1] O destaque da expressão se dá pelo fato de que lançamento é ato privativo da Administração Pública, daí por que o equívoco da expressão “autolançamento”. Porém, para fins eminentemente didáticos, utilizar-se-á tal expressão no presente trabalho, com fincas a designar o ato pelo qual o particular constitui o crédito tributário, nos casos em que isto é possível nos tributos sujeitos ao chamado lançamento “por homologação”. 

[2] Nesse exato sentido são os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho: “Já por exigibilidade, deve-se compreender o “direito que o credor tem de postular, efetivamente, o objeto da obrigação, e isso tão-só ocorre, como é óbvio, depois de tomadas todas as providências necessárias à constituição da dívida, com a lavratura do ato de lançamento tributário.” (Ibidem, pp. 453-4).

[3] Nessa linha de raciocínio, leciona Paulo de Barros Carvalho: “[...] o crédito nada mais é que o direito subjetivo de que o sujeito ativo se vê investido de exigir a prestação, enquanto débito, seu contraponto, é o dever jurídico de cumprir aquela conduta. E não pode haver vínculo jurídico de cunho obrigacional se inexistir um sujeito de direito, na condição de credor, em face de outro sujeito, na qualidade de devedor, de tal forma que subtrair o crédito da estrutura obrigacional significa pulverizá-la, fazê-la desaparecer, desmanchando a organização interna que toda relação jurídica há de exibir, como instrumento de direitos e deveres correlatos.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 378).

[4] “Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento;

II - a compensação;

III - a transação;

IV - remissão;

V - a prescrição e a decadência;

VI - a conversão de depósito em renda;

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;

IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

X - a decisão judicial passada em julgado.

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.  (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)”

[5] Do mesmo modo pensa Eurico de Santi, para o qual suspender a exigibilidade do crédito “significa inibir o processo de positivação do direito tendente ao ato de inscrição da dívida ativa e do conseqüente processo executivo fiscal.” (Decadência e prescrição no direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 180).  

[6] Nesse sentido o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, veja-se: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO SE SEGURANÇA. LIMINAR. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONSULTA FORMULADA Á FISCALIZAÇÃO. Estando demonstrado não ter sido apreciada Consulta formulada à Fiscalização de Tributos Estaduais quanto à possibilidade de compensação do tributo devido pela impetrante, impõe-se a concessão de liminar, de modo a suspender a exigibilidade de pagamento do imposto. Exegese dos arts. 75 e 77 da Lei nº 6.537/73, Presença, na espécie, de direito líquido e certo a amparar a concessão da liminar. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.” (TJRS, 2008d)

[7] “PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.  SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. PRECATÓRIO. ADCT, ART. 78. CESSÃO E COMPENSAÇÃO DO CRÉDITO COM DÉBITOS TRIBUTÁRIOS NÃO INSCRITOS EM DÍVIDA ATIVA. VIABILIDADE. RELEVÂNCIA DO DIREITO. RISCO DE DEMORA. DEFERIMENTO DO PEDIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (STJ, 2008e).

[8] Obviamente, que no caso do processo judicial, a suspensão da exigibilidade ora sustentada é em momento anterior ao ajuizamento da execução fiscal, pois após a sua propositura é indiscutível o seu cabimento nesse sentido (de suspender a exigibilidade do crédito tributário).

[9] Nesse mesmo sentido é o entendimento de Luciano Amaro: “O depósito não é pagamento; é garantia que se dá ao suposto credor da obrigação tributária, num procedimento administrativo ou em ação judicial, no sentido de que, decido o feito, se o depositante sucumbe, o valor depositado é levantado pelo credor, extinguindo-se, dessa forma, a obrigação.” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 382)

[10] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

[11] “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

[12] “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

 I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”

[13] “Art. 15. Em qualquer fase do processo, será deferida pelo juiz:

I – ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária;

[...]”

[14] Nessa mesma trilha caminha o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “[...] 1. O art. 15, I, da Lei 6.830/80 confere à fiança bancária o mesmo status do depósito em dinheiro, para efeitos de substituição de penhora, sendo, portanto, instrumento suficiente para garantia do executivo fiscal.” (STJ, 2005g)

[15] A outra hipótese em que há necessidade de interposição de medida cautelar é nos casos em que o contribuinte necessita obter certidão de regularidade fiscal, mas que o Fisco ainda não promoveu execução fiscal.

Sobre o autor
Diogo de Araujo Lima

Advogado, graduado pela Universidade Tuiuti do Paraná e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Diogo Araujo. Fiança bancária: causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3800, 26 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25911. Acesso em: 25 nov. 2024.

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