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Fiança bancária: causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário

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Agenda 26/11/2013 às 16:12

Analisam-se quais são as causas que o legislador estipulou como sendo aptas a suspender a exigibilidade do crédito tributário e se, além dessas, existe alguma outra capaz de produzir esse mesmo efeito.

1 INTRODUÇÃO

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por se tratar de tema que se interpõe entre os interesses do Fisco e do sujeito passivo, vem suscitando calorosos embates tanto no âmbito doutrinário como no jurisprudencial, havendo entendimentos diametralmente opostos a respeito de um mesmo tema, o que motiva os cientistas do direito a investigarem as verdadeiras causas do debate, a fim de tentar oferecer uma resposta satisfatória e em consonância com o ordenamento jurídico.

No presente trabalho, buscar-se-á, a partir da leitura dos textos normativos, analisar quais são as causas que o legislador estipulou como sendo aptas a suspender a exigibilidade do crédito tributário e se, além dessas, existe alguma outra capaz de produzir esse mesmo efeito.

Para tanto, necessário se fará, preliminarmente, descobrir o momento e a forma pela qual se dá a constituição da obrigação tributária, bem como do crédito dela decorrente, pois é a partir dessa análise que será possível compreender como é que realmente se opera o fenômeno inscrito sob a rubrica suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Em seguida, serão revistadas as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário à luz dos diferentes entendimentos e teorias existentes a respeito da matéria, especificamente quanto à taxatividade, ou não, das hipóteses de suspensão arroladas no artigo 151 do Código Tributário Nacional.  

Finalmente, tratar-se-á do caso específico da fiança bancária, ocasião em que se constatará a sua plena capacidade de interferir na exigibilidade do crédito tributário, para fins da suspensão a que se refere o artigo 151 do Código Tributário Nacional.


2 SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Para melhor compreensão da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, fenômeno que se encontra inscrito no Título III, do Livro Segundo, do Código Tributário Nacional, necessário se faz revistar alguns institutos elementares da ciência do direito tributário, verificando-se,  por exemplo, como e quando se opera o nascimento do crédito e da obrigação tributária, a fim de demarcar o momento em que surge a exigibilidade de um tributo, cuja suspensão é objeto do presente trabalho.

De acordo com o Código Tributário Nacional, a simples ocorrência no mundo fenomênico do evento abstratamente previsto na lei seria suficiente o bastante para ensejar o nascimento da obrigação tributária. Já o crédito tributário nasceria em momento posterior, mais especificamente quando da expedição do ato administrativo do lançamento. Para o legislador, portanto, há distinção entre o momento do nascimento da obrigação e do crédito tributário.

Com a evolução no plano doutrinário, logrou-se demonstrar que, ao assim proceder, o legislador partira da premissa equivocada de que o sistema normativo poderia operar por conta própria, de forma automática, como se fosse possível constituir uma obrigação tributária, independentemente da ação humana de aplicá-lo (o sistema normativo).

Ocorre que meros eventos ocorridos no mundo fenomênico, ainda que previstos no antecedente da regra-matriz de incidência, não têm o condão, por si só, de transcenderem os textos legais para atuarem numa situação materialmente definida. Para tanto, necessário se faz, aliás, imprescindível, a intervenção do ser humano, no sentido de fazer aplicar a norma (regra-matriz de incidência) a um determinado caso concreto, por meio da linguagem competente, que pode ser emitida tanto pelo Fisco (lançamento), como pelo sujeito passivo (“autolançamento” [1]).

Sem essa linguagem, traduzindo os fatos abstratamente previstos no antecedente da regra-matriz de incidência numa norma individual e concreta (lançamento ou “autolançamento”), não há que se cogitar em obrigação tributária, tampouco em crédito tributário que dela decorre, os quais poder ser entendidos como resultado do que se convencionou por chamar de processo de positivação do direito, assim descrito por Paulo Cesar Conrado:

“[...] sendo as normas gerais e abstratas [regra-matriz de incidência] desvestidas, justamente por sua generalidade e abstração, de condições de atuar num caso materialmente definido, a única forma de seus conteúdos ferirem a região das interações sociais, realizando-se o direito, é mediante a celebração intercalar e sucessiva de tantas normas quantas forem necessárias até que se chegue, por fim, à que ostenta máximo grau de concretude: é o que, assentado em Paulo de Barros Carvalho, chamamos de ‘processo de positivação’, fenômeno que se apresenta pelo desencadeamento de uma continuidade de regras, cujo marco inicial é uma dada norma geral e abstrata e a ponta final é, à sua vez e consoante sinalizado, uma norma individual e concreta, apta e atingir o caso específico.”

[...]

E, reforçando, cobra afirmar que, entre uma e outra daquelas posições básicas (a regra-matriz de incidência e a norma individual e concreta tributária), encontraremos, sempre, o ser humano, responsável último pelo desenvolvimento das atividades que dizem respeito a operatividade do direito.” (2004, p. 41)

Chegou-se à conclusão, pois, de que exatamente no mesmo átimo de tempo em que os fatos abstratamente previstos no antecedente da regra-matriz de incidência são vertidos em linguagem competente é que se instaura o vínculo obrigacional entre Fisco e sujeito passivo (obrigação tributária), onde se tem, de um lado, o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir o cumprimento do objeto prestacional (crédito), e, de outro, o dever jurídico do sujeito passivo em cumprir tal obrigação.

É justamente a partir daí é que o crédito tributário adquire foros de exigibilidade, em ordem a conferir ao Fisco o direito subjetivo de cobrar do sujeito passivo o pagamento da exação.[2]

Assim, com base nesse raciocínio, desfez-se o equívoco cometido pelo legislador, de distinguir o surgimento da obrigação e do crédito tributário e, dessa forma, admitir insustentavelmente que uma obrigação seja instituída sem crédito.[3]

O fato é que durante esse percurso, que tem como marco inicial uma norma geral e abstrata (regra-matriz de incidência), passa pela expedição da norma individual e concreta, e culmina com a extinção do crédito tributário por uma das causas elencadas no artigo 156[4] do Código Tributário Nacional, é possível haver interrupções, que são produzidas por normas jurídicas cujo principal efeito é justamente impedir o prosseguimento normal do processo de positivação.

 Trata-se das chamadas causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, que nada mais são que normas jurídicas às quais o sistema jurídico confere o efeito específico de inibir o prosseguimento normal desse processo de positivação tendente à extinção do crédito tributário.[5]

Com efeito, ocorrendo alguma das hipóteses inibitórias do processo de positivação, o crédito tributário perde seu atributo da exigibilidade, de molde a impedir que a Fazenda Nacional tome qualquer providência para receber o direito que lhe pertence. 


3 CAUSAS SUSPENSIVAS DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Conforme demonstrado no item anterior, as causas de suspensão da exigibilidade do crédito são normas jurídicas que têm a aptidão de afetar o encadeamento de atos (processo de positivação) tendentes à satisfação do direito creditício do Fisco. 

 Algumas dessas causas estão expressamente previstas no ordenamento jurídico. É o caso, por exemplo, das disposições contidas no artigo 151, do Código Tributário Nacional, assim redigido:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

 I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)    

VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001).”

Segundo parcela da jurisprudência, inclusive no recente posicionamento externado pelo Superior Tribunal de Justiça, seriam capazes de interferir nesse processo de positivação apenas as causas previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional. Sustenta-se, em apertada síntese, que o legislador teria tratado exaustivamente a matéria, não deixando margens para interpretação. O seguinte julgado, bem ilustra essa orientação:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO FISCAL. EXPEDIÇÃO MEDIANTE OFERTA DE GARANTIA, NÃO CONSISTENTE EM DINHEIRO, EM AÇÃO CAUTELAR. INVIABILIDADE. FRAUDE AOS ARTS. 151 E 206 DO CTN E AO ART. 38 DA LEI 6.830/80. 1. Nos termos do art. 206 do CTN, pendente débito tributário, somente é viável a expedição de certidão positiva com efeito de negativa nos casos em que (a) o débito não está vencido, (b) a exigibilidade do crédito tributário está suspensa ou (c) o débito é objeto de execução judicial em que a penhora tenha sido efetivada. 2. Entre as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas, de forma exaustiva, no art. 151 do CTN, e que legitimam a expedição da certidão, duas se relacionam a créditos tributários objeto de questionamento em juízo: (a) depósito em dinheiro do montante integral do tributo questionado (inciso II), e (b) concessão de liminar em mandado de segurança (inciso IV) ou de antecipação de tutela em outra espécie de ação (inciso V). 3. As medidas antecipatórias, em tais casos, supõem (a) que o contribuinte tome a iniciativa da demanda judicial (mandado de segurança ou ação declaratória ou desconstitutiva) e (b) que demonstre não apenas o risco de dano, mas sobretudo a relevância do seu direito, ou seja, a notória ilegitimidade da exigência fiscal. 4. "O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro" (súmula 112/STJ). Embora não seja condição para o ajuizamento de demanda judicial pelo contribuinte, o depósito em dinheiro foi também erigido por lei como requisito de garantia indispensável para inibir a execução do crédito pela Fazenda (art. 38 da Lei 6.830/80). 5.  O cuidado do legislador ao fixar exaustivamente as hipóteses de suspensão da exigibilidade de tributos e de cercar de adequadas garantias a expedição de certidões negativas (ou positivas com efeito de negativas), tem razão de ser que vai além do resguardo dos interesses do Fisco. Busca-se dar segurança ao sistema como um todo, inclusive aos negócios jurídicos que terceiros, particulares, possam vir a celebrar com os devedores de tributo. A indevida ou gratuita expedição da certidão fiscal poderá comprometer gravemente a segurança dessas relações jurídicas, assumidas na crença da seriedade e da fidelidade da certidão. É risco a que estarão sujeitos, não propriamente o Fisco – cujos créditos, apesar de a certidão negativa sugerir o contrário, continuarão existindo, íntegros, inabalados e, mais ainda, garantidos com privilégios e preferências sobre os dos demais credores –, mas os terceiros que, assumindo compromissos na confiança da fé pública que a certidão negativa deve inspirar, poderão vir a ter sua confiança futuramente fraudada, por ter sido atestado, por certidão oficial, como verdadeiro um fato que não era verdadeiro. Nessas circunstâncias, expedir certidão, sem rígidas garantias, atenta contra a segurança das relações jurídicas, especialmente quando o devedor não contesta a legitimidade do crédito tributário pendente.” (STJ, 2005a)

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Por outro lado, existe vasta opinião doutrinária, da qual é exemplo Roque Antônio Carraza (REVISTA DE PROCESSO, p. 49) e Camila Gomes de Mattos Campos Vergueiro (2006), além de orientação jurisprudencial sustentando entendimento diametralmente oposto. Os defensores dessa tese, alegam existir uma gama variada de normas admitidas pelo ordenamento jurídico que não estão contempladas no rol do artigo 151 do Código Tributário Nacional, mas nem por isso deixam de ser aptas a suspender a exigibilidade do crédito tributário, como é o caso, por exemplo, da sentença proferida em processo judicial, invocado como demonstração clássica da insustentabilidade daqueles que se filiam à corrente da taxatividade do artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Questiona-se, nessa linha de raciocínio, a incoerência que seria admitir que uma decisão liminar, norma de caráter provisório e proferida em sede cognição sumária, ter o condão de suspender a exigibilidade, só pelo fato de estar prevista no sobredito artigo 151, e uma sentença, emanada de uma cognição exauriente, ser desprovida dessa mesma aptidão, simplesmente porque não consta entre as causas elencadas no aludido dispositivo legal.

Embora atualmente o entendimento não seja mais o mesmo, não se pode deixar de mencionar que até pouco tempo a jurisprudência então prevalente no Superior Tribunal de Justiça era justamente no sentido de flexibilizar a interpretação das cláusulas do artigo 151 do Código Tributário Nacional, como se pode ver do seguinte julgado:

“[...]

III - Com efeito, consoante ressaltado no parecer lançado nos autos pelo Ministério Público Federal, se o art. 151, V, do CTN autoriza a suspensão da exigibilidade do crédito tributário ante o deferimento de medida liminar ou concessão de tutela antecipada ‘em outras espécies de ação judicial.’, e estas medidas revestem-se de absoluta precariedade, maior razão ainda para se suspender a exigência do suposto crédito em face de sentença definitiva confirmada pela Corte ad quem, que afastou a legalidade da imposição fiscal.”(STJ, 2006b)

Não é diferente a opinião endossada por Camila Gomes de Mattos Campos Vergueiro, segundo a qual

“... não se pode admitir que o sistema atribua a uma norma provisória como é liminar, por exemplo, um efeito muito mais eficaz do que a sentença proferida não mais num contexto de probabilidade do direito, mas no de certeza.” (2006, p. 109)     

Ao comentar a norma do artigo 151 do Código Tributário Nacional, o Desembargador do Tribunal Regional da 5ª Região, Dr. Rivaldo Costa, obtempera:

“Contudo, a taxatividade das hipóteses descritas no mencionado dispositivo legal não deve ser confundida com imposição de uma interpretação puramente literal de seu conteúdo normativo, em completo desprivilegio dos outros elementos interpretativos, sobretudo o sistêmico e teleológico, disponíveis ao aplicador do direito na realização do mister de apreensão do significado dos enunciados lingüísticos veiculadores das normas jurídicas.” (TRF da 5ª Região, 1999c) 

Por outro lado, outra hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário que também não consta do rol do artigo 151 do Código Tributário Nacional, mas vem sendo admitida pela jurisprudência como apta a inibir o processo de positivação é aquela consagrada no artigo 161, § 2º do mesmo Código Tributário Nacional. Confira-se o seu inteiro teor:

“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

[...]   

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.”

Entende-se, neste caso, que se a consulta for realizada até o prazo de vencimento do tributo, teria ela o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário até decisão final a respeito da consulta, na medida em que o Fisco ficará obstado de tomar qualquer providência quanto à satisfação do seu direito enquanto a consulta estiver pendente de resposta.[6]

Não é diferente o que se passa com cláusula prevista no artigo 9º da Lei Federal nº 6.830/1980, cuja interpretação conjunta com o artigo 206 do Código Tributário Nacional leva ao reconhecimento de mais uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. O primeiro preceito normativo tem a seguinte redação:

“Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

II - oferecer fiança bancária;

III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou

IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.”

Por sua vez, o artigo 206 está assim escrito: “Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

Segundo Camila Gomes de Mattos Campos Vergueiro, nas hipóteses do artigo 9º da Lei Federal nº 6.830/1980, também haveria de cogitar-se em sobrestamento da exigibilidade em questão, como se pode perceber do seguinte excerto:

“Entendemos, ainda, que no artigo 9º da Lei Federal nº 6.830/1980 estão contidas outras hipóteses de interferência na exigibilidade da obrigação tributária, tendo em vista que a previsão do art. 206 do Código Tributário Nacional equipara à causa suspensiva do artigo 151 a hipótese em que a obrigação tributária já está garantida por meio da penhora nos autos de uma ação de cobrança, ou seja, quando já foi proposta a Execução Fiscal.” (op. cit., p. 86)

Assim, porque inserido do rol do aludido artigo 9º da Lei nº 6.830/1980, nesta linha de entendimento, a fiança bancária também figuraria como causa credenciada a interferir no processo de exigibilidade do crédito tributário.

Por fim, tem-se o caso das medidas cautelares preparatórias da execução fiscal, as quais vêm sendo reconhecida amiúde pelo Poder Judiciário, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça[7], como causa apta a inibir o processo de positivação do direito.


4 FIANÇA BANCÁRIA COMO CAUSA SUSPENSIVA DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Do quanto exposto nos tópicos anteriores, infere-se, sem maiores esforços, que a primeira corrente acima destacada, concernente à taxatividade do artigo 151 do Código Tributário Nacional, a princípio, excluiria de plano a aptidão da fiança bancária de suspender a exigibilidade do crédito tributário, pelo fato de não estar contemplada em nenhum de seus dispositivos; já na hipótese de se adotar a segunda orientação, cujo entendimento aponta para uma interpretação mais ampla e flexível do artigo 151 do mesmo Código Tributário Nacional, a resposta poderá não ser a mesma, ante a possibilidade de admitir-se para tal desiderato outras causas que não apenas aquelas expressamente previstas na referida norma.

 Nada obstante, o que se observa é que, ainda que se adote o entendimento da taxatividade das causas previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional, mesmo assim, a fiança bancária se apresenta como instrumento apto a ensejar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, quer no âmbito administrativo, quer no judicial[8], ante a perfeita subsunção da fiança bancária à norma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista no seu inciso II, o qual trata do depósito do montante integral do crédito tributário.

A proposta poderia, aparentemente, encontrar resistência no enunciado da Súmula nº 112 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito se for integral e em dinheiro”.

No entanto, a par de não ter caráter vinculante e não ser considerada fonte do direito, verifica-se que a aludido Súmula, ao restringir a hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário apenas aos depósitos realizados em dinheiro, acabou por malferir normas e princípios basilares do ordenamento jurídico.

Isso porque, pela simples dicção do inciso II do artigo 151 do Código Tributário Nacional, observa-se não haver qualquer exigência nesse sentido, vale dizer, estabelecendo que o depósito do montante integral do crédito tributário deva ser realizado única e exclusivamente em dinheiro, o que certamente constaria da norma, caso o legislador efetivamente assim pretendesse.

Ocorre que se o Código Tributário Nacional não fez qualquer distinção de tal espécie, não é dado ao aplicador do direito (como o é o Superior Tribunal de Justiça) fazê-lo, pois, conforme se sabe, “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir” (Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), sobretudo quando dessa interpretação resulta uma restrição de um direito do contribuinte, como bem destacado por Maria Leonor Leite Vieira:

“O Direito – especialmente o Tributário – com a rigidez de seus princípios, não dá guarida a interpretações ampliativas ou restritivas de direitos individuais; quando o faz já determina, desde logo, todas as suas balizadas.” (1997, p. 20)

Nesse diapasão, se a lei utilizou o termo “depósito do montante integral”, de forma inegavelmente ampla e genérica, não cabe ao intérprete reduzir a sua acepção tão-só para os casos de depósito em dinheiro, pois essa, sem sombra de dúvidas, não é a única forma de garantir o adimplemento de uma obrigação. A propósito da natureza jurídica de que se reveste o depósito mencionado no inciso II do artigo 151 do Código do Tributário Nacional, Reis Friede obtempera:

“E, assim é porque o depósito do montante integral do crédito tributário não se constitui, em nenhuma hipótese, em depósito do dinheiro privado (de natureza satisfativa), mas sim autêntica garantia processual – de nítida feição cautelar -, que tem por objetivo afastar, em caráter temporário, a exigibilidade do crédito tributário e, por conseguinte, do ajuizamento da execução fiscal, enquanto perdurar a demanda judicial meritória em que se discute a licitude da exigência tributária em questão.” (1994, p. 37) [9]

Assim, se é certo que a fiança bancária supre essa exigência de natureza assecuratória, eis que se trata de uma garantia de cunho fidejussório, que, conforme visto, é o real sentido atribuído ao termo depósito a que alude o artigo 151, inciso II do Código Tributário Nacional, razão não há para não aceitá-la como instrumento apto a suspender a exigibilidade do crédito tributário.

Pensar de modo diverso, como procedido pelo Superior Tribunal de Justiça, significa estabelecer exigência a descoberto da lei, em evidente afronta ao Princípio da Legalidade, insculpido nos artigos 5°, inciso II, [10] e 150, inciso I [11], ambos da Constituição Federal e no artigo 97[12] do Código Tributário Nacional.

Não bastasse o exposto, verifica-se que a restrição imposta pela Súmula 112 do Superior Tribunal de Justiça desconsidera por completo o fato extremamente pertinente de o próprio artigo 15[13], inciso I da Lei Federal nº 6.830/1980 ter conferido à fiança bancária o mesmo status do depósito em dinheiro, para efeitos de substituição da penhora, o qual, por sua vez, vem sendo entendido como causa hábil a ensejar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.[14]

Ora, se a fiança bancária e o depósito em dinheiro possuem o mesmo status no ordenamento jurídico, e este último vem sendo considerado como causa suspensiva da exigibilidade, inexiste motivo razoável para não aceitá-la para tal finalidade.

Em decorrência disso, a Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vem reiteradamente acolhendo o oferecimento de fiança bancária para os fins do artigo 151 do Código Tributário Nacional, como se poder ver da ementa dos seguintes precedentes:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. ACEITAÇÃO DA FIANÇA BANCÁRIA EM SUBSTITUIÇÃO AO DEPÓSITO EM DINHEIRO. Se o art. 15 inciso I da Lei nº 6.830/90, para efeito de substituição da penhora, equipara a fiança bancária ao depósito em dinheiro, não há razão lógica ou jurídica para não aceitá-la como garantia para a finalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Interpretação teleológica do art. 151 do CTN. Precedentes jurisprudenciais. Desprovimento.” (TJRJ, 2007f)

“TRIBUTÁRIO - FISCO ESTADUAL - AUTOS DE INFRAÇÃO - CAUTELAR - AÇÃO DE ANULAÇÃO - PEDIDO DE INEXIGIBLIDADE DO CRÉDITO MEDIANTE OFERTA DE FIANÇA BANCÁRIA - LIMINAR DEFERIDA - DEFESA ALEGANDO IMPOSSIBILIDADE DA PRETENSÃO - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DA AUTORA. 1. Embora o inciso II do artigo 151 do Código Tributário Nacional exija o depósito integral do valor como condição para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a conseqüente expedição de certidão positiva com efeito de negativa, os Tribunais vêm amenizando essa regra para aplicar os meios modernos de garantia surgidos depois dela, como a fiança bancária, com o mesmo efeito do depósito do valor integral em dinheiro. 2. Apelação a que se dá provimento.” (TJRJ, 2005h)

Do voto condutor desse último aresto, extrai-se a seguinte passagem, de inegável percuciência na interpretação conjunta do artigo 151, inciso II do Código Tributário Nacional, com o artigo 15, inciso I da Lei Federal nº 6.830/1980:

“O Juiz de 1º grau julgou improcedente a ação ao argumento de que não cabe nem a suspensão da exigibilidade do crédito nem a expedição de certidão positiva com efeito de negativa porque o artigo 151, II, do Código Tributário Nacional estabelece como condição sine qua non o depósito integral do crédito, o que não é satisfeito com a apresentação de carta de fiança bancária.

Acontece que essa posição é excessivamente rígida e incompatível com o avanço do Direito, que não pode ser engessado por uma interpretação literal não condizente com os avanços do progresso humano!

O artigo 169 do CPC, por exemplo, exige que atos e termos do processo sejam datilografados ou escritos com tinta escura e indelével mas em 1975 não existiam computadores, nem e-mail, nem internet, nem leitores óticos, nem fax, nem vídeo-conferência, nem muita coisa que surgiu depois da edição do dito Código e que os Tribunais foram adotando aos poucos, forçando o posterior reconhecimento legal desses meios, como já aconteceu com a remessa de petições e recursos por fax e e-mail, etc.

Da mesma forma o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que ‘é vedado usar abreviaturas’, o que não impede que petições, despachos, sentenças e Acórdãos de todos os Tribunais usem correntemente abreviaturas como CPC, CTN, CLT, STF, STJ, etc, etc.

Não se prega o descumprimento puro e simples de leis antigas (veja-se o exemplo do Código Comercial, ainda do Império), mas apenas a modernização das regras com o emprego dos meios hoje existentes e que na época da edição da Lei eram simplesmente inconcebíveis!

É rigorosamente o caso da fiança bancária!

Na época da edição do CTN era absolutamente inimaginável que um banco desse fiança a quem quer que seja, mas hoje, mediante o preenchimento de certas condições, isso é um ato perfeitamente normal e legítimo que os bancos praticam, logicamente mediante a devida remuneração por parte do afiançado.

Note-se que o próprio Estado apelado já reconheceu essa modernização na sua legislação ordinária (tanto que admite a carta de fiança bancária como garantia de instância nos casos de recurso administrativo, como ocorreu no caso vertente).

Assim, não vê a Câmara nenhum absurdo em tomar a fiança bancária como equivalente ao depósito integral a que se refere o inciso II do artigo 151 do CTN como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário enquanto se discute em Juízo a validade dele!”

E nem poderia ser diferente a conclusão, pois a fiança bancária nada mais é que mera expressão do dinheiro, na medida em que pode ser convertida a qualquer momento em moeda, está sujeita à correção monetária pelos mesmos índices adotados pelo Fisco (Taxa Selic) e submete-se ao regramentos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse sentido, o disposto no § 5º do artigo 9º, da Lei Federal nº 6.830/1980:

“Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

[...]

§ 5º - A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.”

Além disso, a fiança bancária submete-se às seguintes imposições estabelecidas pela Resolução nº 724, de 20/01/1982, do Banco Central, a saber: a) cláusula de solidariedade, com renúncia do benefício de ordem; e b) declaração de que a extensão da garantia abrangerá o valor da dívida original, juros e demais encargos exigíveis, inclusive correção monetária com indicado.

Não há dúvidas, pois, que o oferecimento da fiança bancária se presta para os fins de garantia que objetiva como o depósito do artigo 151, inciso II do Código Tributário Nacional, de modo que se sugere o seu acatamento como causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.

Mesmo porque, à época da edição do Código Tributário Nacional, nos idos de 1966, seria absolutamente inimaginável que um Banco desse fiança a quem quer que seja, como forma de garantir uma dívida, mas se hoje isso é possível e correntemente utilizado, não se pode ignorar essa realidade, devendo-se aplicar a norma em consonância com os tempos modernos.

Aliás, ao assim admitir, estar-se-á escorreitamente acabando com uma[15] das causas que levam o contribuinte a se valer do instrumento processual inegavelmente anômalo que é a chamada medida cautelar preparatória do executivo fiscal, qual seja, nos casos em que o contribuinte necessita obter certidão de regularidade fiscal, mas não dispõe em caixa dos valores que são cobrados pela Fazenda Pública, para efetuar o depósito na forma estipulada pelo verbete sumular 112 do Superior Tribunal de Justiça, tendo, por isso, de aguardar indefinidamente até a propositura do executivo fiscal para só então lograr a suspensão da exigibilidade e, assim, obter a tal certidão, não obstante pudesse fazê-lo desde antes mediante o oferecimento de fiança bancária.

A questão, a propósito, já havia sido denunciada por Camila Gomes de Mattos Campos Vergueiro:

“Como durante esse período, que vai da constituição definitiva da obrigação tributária aos 5 anos que o Procurador da Fazenda para ajuizar a execução fiscal, o contribuinte precisa manter sua regularidade fiscal, esse é o instrumento processual que vem sendo utilizado para combater a inércia da Fazenda Pública: Medida Cautelar preparatória da Execução Fiscal.

Muitas vezes o contribuinte não dispõe em caixa os valores que são cobrados pela Fazenda Pública para efetuar o depósito e suspender a exigibilidade da obrigação tributária, ou não consegue obter a liminar, ou a tutela antecipada ou uma sentença de procedência, a fim de impedir a progressão do processo de positivação, e somente nos autos de uma execução fiscal estaria ele apto a oferecer carta de fiança ou bens em garantia da dívida.

[...]

Na situação em que o contribuinte que não tem contra si ajuizada a ação de cobrança pela Fazenda Pública e precisa obter certidão positiva com efeitos de negativa (certidão que atesta a sua regularidade fiscal), essa circunstância o leva a propor Medida Cautelar Preparatória da Execução Fiscal, a fim de obter a suspensão da exigibilidade da obrigação tributária, mediante o oferecimento de garantia da dívida por uma carta de fiança ou de bens que bastem para garanti-la.” (op. cit., pp. 145-146)

Isto posto, por qualquer ângulo que se visualize a questão, transparece clarividente, aliás, à luz solar, que a fiança bancária se afigura instrumento capaz de ensejar a sustação da exigibilidade do crédito tributário.

Finalmente, sobreleva destacar que já existe projeto de lei nesse sentido (nº 142/2007), de autoria do Deputado Federal Eduardo da Fonte, datado de 13 de novembro de 2007, pelo qual se propõe a inclusão da fiança bancária como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, acrescentando inciso VII ao artigo 151 do Código Tributário Nacional, em trâmite perante a Câmara dos Deputados, o qual reflete a repercussão que a questão possui perante o ordenamento jurídico. 

Sobre o autor
Diogo de Araujo Lima

Advogado, graduado pela Universidade Tuiuti do Paraná e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Diogo Araujo. Fiança bancária: causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3800, 26 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25911. Acesso em: 25 nov. 2024.

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