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Dano moral e pedido genérico de indenização

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Interpretação literal (gramatical) do art. 286, II, do CPC: 2.1 Intentio operis e intentio auctoris; 2.2 Interpretações restritiva e declarativa – 3. Interpretações lógica, teleológica e sistemática. Análise dos argumentos contrários ao pedido genérico: 3.1 Estimativa do valor da indenização; 3.2 Sucumbência. Imprevisibilidade do valor da indenização; 3.3 Valor da causa e taxa judiciária; 3.4 Suposto incentivo à "indústria do dano moral"; 3.5 Princípios da ampla defesa e do contraditório – 4. Variações em torno do pedido genérico – 5. Pedido genérico e direito de apelar para majoração do valor da indenização – 6. Apelação com pedido genérico – 7. Pedido certo de indenização por dano moral. O entendimento da Professora Ada Pellegrini Grinover – 8. Conclusões.


1. Introdução

Estabelece o art. 286, caput, do CPC, a regra de que: "o pedido deve ser certo ou determinado". A doutrina é tranqüila no apontar que a conjunção alternativa "ou" deve ser substituída pela aditiva "e", de modo que o texto deve ser lido como a indicar que o pedido deve ser certo e determinado[1]. Incumbe ao autor indicar, na petição inicial, o objeto imediato da demanda, ou seja, um provimento jurisdicional de determinada espécie (declaratória, condenatória ou constitutiva)[2], assim como o objeto mediato, ou seja, o bem da vida ou a utilidade que se busca alcançar.

Logo em seguida, em caráter excepcional, enuncia o dispositivo legal que é lícito formular pedido genérico, em hipóteses arroladas em três incisos. Observe-se que essa generalidade se refere exclusivamente ao objeto mediato, à utilidade perseguida pelo autor, pois não se admite a indeterminação quanto à espécie de tutela almejada: ao autor caberá, sempre, definir se busca uma prestação jurisdicional meramente declaratória, uma condenação ou uma constituição.

Por tratar de hipóteses que refogem à regra, deve o rol ser tido por exaustivo ou taxativo. Desse modo, não cabe ao intérprete ampliar ou estender a possibilidade de formulação de pedido genérico a situações que não se incluam na relação do art. 286; somente a lei pode ampliar esse rol.

Dentre as hipóteses indicadas pelo dispositivo, destaca-se a do inciso II: "quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito". Busca o presente trabalho investigar se o referido inciso abriga a indenização por dano moral, para propiciar a formulação de pedido genérico, sem a determinação do respectivo valor.


2. Interpretação literal (gramatical) do art. 286, II, do CPC

Parta-se, primeiramente, como recomenda a hermenêutica, da interpretação literal ou gramatical do dispositivo.

A redação do inciso II emprega o verbo determinar ("quando não for possível determinar"). O "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, mais conhecido como "Dicionário Aurélio", indica nada menos que dez acepções para o vocábulo. As duas primeiras são: "1. Marcar termo a; delimitar; fixar; 2. Indicar com precisão; definir, precisar". Excluída a acepção de "marcar termo", sem emprego no texto aqui analisado, tem-se para o verbo determinar o sentido de delimitar, fixar, indicar com precisão ou, ainda, definir, precisar. O "Dicionário da Língua Portuguesa", de Cândido de Figueiredo[3], já trazia o sentido de "indicar com precisão". O "Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa", de Caldas Aulete[4], também indicava este significado: "Indicar com exatidão; precisar, definir".

O inciso II prossegue, trazendo, depois do verbo determinar, a expressão "de modo definitivo" – que poderia ser substituída pelo advérbio definitivamente –, que imprime ao verbo determinar circunstância especial. O vocábulo definitivo, empregado naquela oração tem, de acordo com o Dicionário Aurélio, o sentido de: "Decisivo, concludente, terminante", ou, ainda, "Absoluto, categórico, inabalável, inapelável".

Conclui o inciso II, ligando o verbo determinar às "conseqüências do ato ou fato ilícito". Tal expressão, indiscutivelmente, faz referência aos danos decorrentes (do ato ou fato ilícito), à sua extensão e ao valor desses danos.

Assim, em se tratando, por exemplo, de um acidente automobilístico, caberia a formulação de pedido genérico de indenização pelos danos materiais sofridos, tais como cirurgias, consultas, tratamentos fisioterápicos, remédios ou próteses, porque, no momento da propositura da ação, não seria possível "determinar, de modo definitivo" ou – utilizando os significados indicados pelos léxicos – não seria possível delimitar, fixar, indicar com precisão ou exatidão, de modo concludente, categórico, absoluto, inabalável, inapelável, o dano, sua extensão ou seu valor.

Empregue-se essa mesma fórmula ao dano moral – como o que decorreria, por exemplo, da amputação traumática de um membro em um acidente; da perda de um ente querido; da injúria, da calúnia ou da difamação sofridas – para responder à indagação: É possível determinar (delimitar, fixar, indicar com precisão ou exatidão), de modo definitivo (concludente, categórico, absoluto, inabalável, inapelável), o dano moral, sua extensão ou seu valor? A resposta que se impõe é, inexoravelmente, a negativa.

A indeterminação, imprecisão ou inexatidão do ressarcimento do dano moral é reconhecida por toda a doutrina, de forma indiscrepante. O subjetivismo na valoração ou quantificação do dano moral é destacado por tantos quantos tratam do tema.

José de Aguiar Dias, luminar do estudo da Responsabilidade Civil, prelecionava que (nossos os grifos): "Entre todas as objeções ao dano moral, a que experimentou maior fortuna foi a da impossibilidade de estabelecer equivalência entre o dano e o ressarcimento. Sua inexatidão nos parece estar hoje firmemente demonstrada, porque equivalência, em matéria de reparação do dano, não significa perfeita igualdade entre a indenização e o prejuízo."[5]

O renomado Professor Caio Mário da Silva Pereira, depois de discorrer sobre o que denomina de motivos ou concausas na reparação por dano moral[6], reconhece que (grifamos): "Na ausência de um padrão ou de uma contraprestação, que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento da indenização."[7]

O insigne Professor e Desembargador Sergio Cavalieri Filho, para a fixação da indenização do dano moral, propugna pela aplicação do princípio da razoabilidade, concluindo que o valor dependerá, em última análise, do bom senso do julgador: "Em suma, o bom senso deve nortear o juiz no exame do caso concreto, concedendo e graduando a indenização pelo dano moral de acordo com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições do ofendido etc."[8]

O ilustre Professor e Desembargador Yussef Said Cahali observa que: "Inexistentes parâmetros legais para o arbitramento do valor da reparação do dano moral, a sua fixação se faz mediante arbitramento, nos termos do art. 1.553 do CC.[9]

A falta de parâmetro legal e a ausência de critérios doutrinários ou jurisprudenciais firmes e seguros que orientem a fixação da reparação do dano moral, em suas infinitas possibilidades de representação, tornam impossível, para o autor da ação indenizatória, determinar (ou seja, delimitar, fixar, indicar com precisão ou exatidão), de modo definitivo (concludente, categórico, absoluto, inabalável, inapelável), o valor da indenização por dano moral.

Partindo, portanto, de uma interpretação estritamente literal ou gramatical, a conclusão a que se chega é a de que a redação do inciso II, do art. 286, do CPC, acolhe perfeitamente a idéia de pedido genérico de indenização por dano moral.

2.1 Intentio operis e intentio auctoris

Poder-se-ia objetar que, na elaboração do inciso II, não teria passado pela mente do legislador abrigar a indenização por dano moral, pois o reconhecimento pelo direito positivo da reparabilidade do dano moral é posterior à norma aqui enfocada.

A uma tal objeção caberia replicar que a intentio operis prevalece sobre a intentio auctoris; deve-se buscar aquilo que o texto diz, independentemente das intenções do autor[10]; a mens legis e não a mens legislatoris deve ser perseguida. É o ensino de Carlos Maximiliano: "A lei é a vontade transformada em palavras, uma força constante e vivaz, objetivada e independente do seu prolator; procura-se o sentido imanente no texto, e não o que o elaborador teve em mira."[11] Prossegue o mestre da hermenêutica: "Com a promulgação, a lei adquire vida própria, autonomia relativa; separa-se do legislador; contrapõe-se a ele como um produto novo; dilata e até substitui o conteúdo respectivo sem tocar nas palavras; mostra-se, na prática, mais previdente que o seu autor."[12]

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Além disso, a interpretação da norma jurídica evolui junto com os acontecimentos. As mudanças sociais e jurídicas têm influência determinante na exegese da lei, de modo que é até comum que ela venha a ser aplicada a situações para as quais não fora concebida ou imaginada. É como preleciona magistralmente Francesco Ferrara: "Visto o caráter objetivo do sentido da lei, conclui-se que esta pode ter um valor diferente do que foi pensado pelos seus autores, que pode produzir conseqüências e resultados imprevisíveis ou, pelo menos, inesperados no momento em que foi feita, e por último que com o andar dos tempos o princípio ganha mais amplo horizonte de aplicação, estendendo-se a relações diversas das originariamente contempladas, mas que, por serem de estrutura igual, se subordinam ao seu domínio (fenômeno de projeção)."[13]

2.2 Interpretações restritiva e declarativa

Poder-se-ia, também, contrapor que o inciso ora examinado é aplicável apenas aos casos em que alguém sofreu dano, mas, quando da propositura da ação, ainda não tem condições de determinar o montante exato da indenização: seja porque ainda não conhece, com precisão, todas as conseqüências do ato ou do fato ilícito; seja porque ainda não dispõe de todos os elementos para calcular o prejuízo.[14] A hipótese faria referência, pois, apenas a situações em que o valor da indenização não pudesse momentânea e circunstancialmente ser determinado, embora pudesse futuramente vir a sê-lo.

Este argumento, todavia, se situa fora do campo da interpretação meramente gramatical ou literal, pois insere elemento restritivo não constante do texto. Vale aqui o brocardo: Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus[15], a respeito do qual vale trazer, uma vez mais, o ensino de Carlos Maximiliano: "Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas."[16]

O princípio latino acima invocado é evidentemente relativo, e deve ser afastado se, a partir dos demais processos de interpretação (sistemático, lógico, teleológico), ficar demonstrada a razoabilidade da limitação do texto legal. Admite-se, verbi gratia, a interpretação restritiva em consideração a uma suposta finalidade da norma. Mas, com isso, adentra-se, já, o campo da interpretação teleológica, cujo resultado pode concordar com a interpretação gramatical (caso em que teremos uma interpretação declarativa), ou desta discordar (caso em que teremos uma interpretação extensiva ou restritiva).[17]

O fato é que, do ponto de vista rigorosamente gramatical, por ora observado, o inciso II não afasta o pedido genérico ou indeterminado de reparação por dano moral.


3. Interpretações lógica, teleológica e sistemática. Análise dos argumentos contrários ao pedido genérico

Como a interpretação literal ou gramatical, apesar de sua inegável importância, é mero ponto de partida na tarefa exegética, impõe-se o emprego de outros métodos de interpretação, mormente o teleológico, para investigar se o pedido genérico de ressarcimento do dano moral está de acordo com a finalidade do dispositivo aqui enfocado. Para tanto, é interessante examinar os argumentos que, aqui e ali, na doutrina e na jurisprudência, são opostos à generalidade do pedido indenizatório de dano moral.

3.1 Estimativa do valor da indenização

Já se disse que o arbitrário é da própria essência do dano moral[18]. Assim sendo, pondera-se que ninguém melhor do que o próprio autor para estabelecer o quantum a que faz jus, pois é a sua dor, o seu sofrimento, enfim, são os seus sentimentos, íntimos e incompartilháveis, que serão objeto da sempre imperfeita compensação pecuniária[19].

O argumento, de forte apelo, é, todavia, refutado com os mesmos elementos sobre os quais foi ele construído. Poder-se-ia dizer, em sentido diametralmente oposto, que não há ninguém pior do que o autor – salvo o réu – para indicar o quantum a ser fixado, exatamente porque a dor e o sofrimento toldam, turvam, obscurecem, cegam, no mais das vezes, toda e qualquer possibilidade de aferição ou estimativa equilibrada de indenização. A tendência natural do autor, vítima do dano, é a de indicar valor alto[20], muito superior aos valores fixados mais comumente na jurisprudência para situações semelhantes. Como pretender que o autor fixe, com equilíbrio, o valor de indenização pela morte de um filho, por uma seqüela grave (como a paraplegia, a cegueira, a amputação de um membro), ou pela repulsa provocada por um dano estético? E, no campo da dignidade, como esperar parcimônia ou moderação daquele que foi ofendido em sua honra?

Por paradoxal que pareça, o autor, embora seja o único que pode dimensionar a intensidade da dor ou do agravo, exatamente por ser aquele que o suportou ou sofreu, é a pessoa menos indicada para reduzir esse sentimento a uma quantia ou uma cifra. O juiz, por sua posição de eqüidistância e imparcialidade, é quem terá as condições psicológicas para, desapaixonadamente, cumprir esse papel.

3.2 Sucumbência. Imprevisibilidade do valor da indenização

Argumenta-se, também, que a não indicação de valor certo constituiria "estratégia"[21] para minimizar a sucumbência da parte autora, com o conseqüente rompimento do princípio da igualdade das partes. Desenvolva-se o argumento: Procedente o pedido genérico de indenização por dano moral, o juízo condenaria o réu ao pagamento de honorários em percentual sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 20, §§ 3º e 5º, do CPC; improcedente a postulação, o juízo, à falta de uma condenação, fixaria os honorários em percentual sobre o valor da causa – comumente subestimado pelo autor, para escapar ao recolhimento antecipado de taxa judiciária elevada[22].

O argumento é defeituoso, porque parte de premissa equivocada, qual seja, a de que os honorários advocatícios de sucumbência, quando não há condenação, devem tomar por base o valor da causa. Às sentenças não condenatórias (como é o caso das de improcedência em geral, das declaratórias e das constitutivas) é aplicável o § 4º do art. 20, o qual estabelece que os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as balizas das alíneas a, b e c do § 3º. Embora não seja vedada, em tais situações, a utilização do valor da causa como base para fixação dos honorários, não há nenhuma vinculação necessária dos honorários a esse valor, que pode e deve ser abandonado pelo julgador, se considerá-lo inadequado, porque subestimado (ou, até, superestimado). De todo modo, a fixação dependerá de arbitramento judicial[23].

Ao contrário, entregar ao autor o ônus de determinar o valor da indenização redundaria em levá-lo, quase sempre, a sucumbir parcialmente na demanda, com as conseqüências daí advindas, quais sejam, a distribuição proporcional das despesas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 21 do CPC[24], pois, como aqui já assinalado, dificilmente a régua do autor teria a mesma medida da régua do juízo. De modo que, não obstante comprovado cabalmente o dano moral, ordinariamente veria o autor seu pedido (certo ou determinado) de indenização acolhido apenas em parte (e, não raro, em parte substancialmente menor que a pleiteada).

Pela simples circunstância de que sua valoração subjetiva não corresponde à valoração igualmente subjetiva do juízo, o autor, vítima de um dano moral, teria sua vitória na demanda diminuída e seria reconhecido como parcialmente sucumbente, com a sua condenação ao pagamento proporcional de custas e honorários – e, talvez, com a maior parte dessas despesas, caso a diferença entre o seu pedido e a fixação judicial fosse muito expressiva.

Não há dúvida de que a sucumbência parcial é, em tese, risco assumido em todas as demandas que envolvam pedido certo de condenação pecuniária. Mas nas ações condenatórias que se refiram ao patrimônio material o autor pleiteia valor teoricamente comprovável ou pelo menos aferível. Já em relação à ação em que se pede indenização por dano moral, o autor lida com pretensão cuja expressão econômica é, por natureza, inexata, imponderável, impalpável e imprevisível. A imprevisibilidade do valor é, por conseqüência, o fator que diferencia a ação em que se busca a indenização por dano moral das demais ações condenatórias. Daí porque não é justo, nem jurídico exigir do autor da ação de indenização por dano moral que indique valor certo, apostando virtualmente em uma soma, que dependerá exclusivamente do critério subjetivo do julgador. O pedido certo e determinado de indenização por dano moral constitui risco demasiado e, por isso mesmo, inexigível para ele.

Compelido a formular pedido certo de indenização por dano moral, o único meio de o autor aumentar a diminuta probabilidade de não sucumbir em parte no processo seria subestimar, rebaixar, depreciar o valor da indenização. Quanto mais modesto o pedido indenizatório, maior chance teria o autor de obter a procedência total da demanda. Uma tal situação constituiria inaceitável cerceamento da liberdade de pleitear ressarcimento pelo dano moral sofrido.

Afigura-se ilegítima uma interpretação da norma jurídica processual que, mesmo reflexamente, iniba ou amesquinhe o direito à indenização do dano moral, que tem assento constitucional (art. 5º, V e X)[25] e deve ser garantido substancialmente. Não é suficiente que se possibilite o acesso formal ao recebimento de alguma indenização: é fundamental que se garanta o direito à mais digna indenização possível, no valor que melhor atenda às funções da indenização pelo dano moral.[26] E isso só poderá ser alcançado se o autor puder formular sua pretensão sem ser compelido a jogar com o imponderável.

Casos há, na experiência forense, de julgados que deixaram de fixar valores maiores de indenização por dano moral em decorrência de pedidos certos que haviam sido sensivelmente subestimados na petição inicial em relação à gravidade do dano sofrido, provavelmente porque a parte autora se viu temerosa de indicar valor que poderia ser considerado excessivo pelo juízo e viesse, por conseguinte, a provocar a sucumbência recíproca.

Julgados há, embora em pequeno número, sustentando que, dada a natureza peculiar do pedido de indenização por dano moral, se a sentença fixa condenação em montante inferior ao pedido certo, não ocorre a sucumbência parcial. Assim já decidiu a 2ª Câmara Cível do TJERJ: "Embora a verba indenizatória fixada seja inferior à pretendida na inicial, não se considera na hipótese a sucumbência recíproca porque a pretensão principal, que era a condenação do réu, obteve êxito, sendo o arbitramento dos danos morais uma conseqüência da procedência do pedido, ocorrendo, portanto, a sucumbência exclusiva do réu, independentemente da quantificação dos danos morais."[27] A jurisprudência dominante, todavia, é no sentido oposto[28].

3.3 Valor da causa e taxa judiciária

Combate-se, ainda, o pedido genérico com o argumento de que, não estimado o montante indenizatório pretendido, o autor fica livre para fixar valor da causa irrisório ou mesmo simbólico, que lhe permite fugir ao pagamento de taxa judiciária elevada. Enxerga-se, em tal situação, uma fraude do autor, consistente na manipulação indireta do valor da taxa judiciária. O argumento é despido de juridicidade.

Em primeiro lugar, verdadeira que fosse essa finalidade, supostamente lesiva para o fisco, não seria admissível que uma questão de ordem fiscal ou tributária pudesse repercutir, e de forma decisiva, em questão de natureza estritamente processual. Se uma tal influência fosse possível, chegar-se-ia ao absurdo de ser a lei tributária a que, em última análise, define a possibilidade ou não de pedido genérico de indenização pelo dano moral. Assim sendo, se, por hipótese, mais tarde a lei desvinculasse o valor da taxa judiciária do valor da causa, ter-se-ia que admitir, também, que o pedido genérico de indenização pelo dano imaterial, antes impossível, passaria a ser admitido.

Além disso, o argumento aqui analisado deturpa a finalidade do autor. Enxerga-se má-fé, onde o que se deve ver é a busca legítima de acesso amplo à prestação jurisdicional. A exigência de fixação de valor certo desanimaria, não raro, muitas das vítimas de danos morais de buscar a prestação jurisdicional que lhes é devida, dado o elevado valor que teriam de despender logo no início, quando do ajuizamento da ação. Como já observado anteriormente, impor-se-ia ao autor o sacrifício desarrazoado de apresentar sua íntima e personalíssima avaliação do dano sofrido – dificilmente ajustável à estimativa do órgão jurisdicional – e pagar previamente, com dificuldade, valor elevado de taxa judiciária, para, comumente, ao final, obter indenização muitas vezes inferior à que indicara – e, não raro, inferior à própria taxa judiciária, que recolhera com antecipação para poder obter a prestação jurisdicional que lhe é assegurada constitucionalmente.

Mais uma vez a imprevisibilidade da indenização do dano moral, decorrente da absoluta falta de critérios para sua fixação, somada ao universo de julgados discrepantes na jurisprudência, é circunstância de que não se pode olvidar, e que legitima o pedido genérico, com a atribuição de valor meramente estimativo à causa.

O problema não se soluciona com a possibilidade de postulação da gratuidade de justiça. A "insuficiência de recursos", a que alude o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal[29], ou o requisito legal do "prejuízo próprio ou de sua família", a que se refere o art. 4º, caput, da Lei nº 1.060/50[30] deixam de fora um número grande de vítimas de dano moral, que, todavia, teriam, ainda assim, de empreender sacrifício importante e desarrazoado de suas economias. Acresça-se a isso o fato de que os juízes, na prática, divergem enormemente sobre as situações que dão ensejo à gratuidade de justiça, confundindo a insuficiência de recursos para a causa com a condição de miséria ou de pobreza – para o que contribui muito o uso disseminado da imprecisa expressão "miserabilidade jurídica".

A jurisprudência têm indicado que o valor da causa em se tratando de pedido de dano moral decorre de mera estimativa do autor[31], o que não significa que há de prevalecer qualquer valor que o autor venha a atribuir, mesmo que simbólico. Ao réu sempre caberá, em incidente autuado em apartado, impugnar o valor atribuído à causa, seja por reputá-lo insignificante em relação aos fatos narrados na petição inicial[32], seja por reputá-lo excessivo[33].

Já se decidiu, outrossim, que o valor da causa nas ações de indenização por dano moral pode ser complementado ao final da causa[34] ou por ocasião da execução do julgado[35].

O Professor e Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, em acórdão de que foi relator designado, bem sintetizou a solução para a questão relativa à taxa judiciária: "O argumento relativo ao recolhimento da taxa judiciária, ressaltado pelo Juízo de primeiro grau, não constitui nenhum óbice ao prosseguimento do feito. Eventual diferença a maior poderá (e deverá) ser recolhida no final do processo, de sorte a não causar nenhum prejuízo para o fisco estadual. Dessa forma evita-se o inconveniente de forçar a parte a recolher custas desnecessárias ou em valores tão elevados que dificultem o seu acesso à Justiça. Lembre-se que para afastar esse mesmo inconveniente nos Juizados Especiais não são devidas custas."[36]

3.4 Suposto incentivo à "indústria do dano moral"

Não menos injurídico é o argumento de que o pedido genérico de reparação pelo dano imaterial – justamente por diminuir o risco da sucumbência para o autor e por ensejar o pagamento prévio de taxas judiciárias menos elevadas – incentivaria a chamada "indústria do dano moral", caracterizada pelo ajuizamento de ações temerárias, verdadeiras aventuras judiciais, motivadas pelos fatos mais banais e inconsistentes, e pela propositura de demandas com a expectativa ou o propósito oculto de obter enriquecimento, e não compensação pelo dano sofrido.

O remédio contra as ações infundadas e abusivas, todavia, não está na criação de obstáculos processuais ou econômicos à propositura das ações de indenização por dano moral, a dificultar ou mesmo frustrar, direta ou indiretamente, o acesso amplo à jurisdição, garantido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal[37].

O combate ao abuso no ajuizamento de ações de indenização temerárias deve vir, primeiramente, da formação de uma jurisprudência firme, que saiba separar o joio do trigo, rejeitando as pretensões desarrazoadas. O sistemático não acolhimento de postulações dessa índole desestimulará os aventureiros e acarretará a paulatina diminuição de tais demandas. Além disso, impõe-se uma aplicação rigorosa das normas que tratam da litigância de má-fé[38], com a imposição das respectivas sanções até mesmo de ofício, como o permite o art. 18 do CPC.

À jurisprudência também cabe, com a fixação de valores de indenização razoáveis e proporcionais ao dano, a incumbência de frustrar todo e qualquer intuito de obtenção de enriquecimento ou de vantagem às custas da propositura de ações de indenização.

3.5 Princípios da ampla defesa e do contraditório

Argumenta-se, por fim, que o pedido genérico retira do réu a oportunidade de discutir a extensão ou o valor da reparação pelo dano moral, o que caracterizaria violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, encartados no art. 5º, LV, da Constituição Federal. [39]

O argumento é frágil. Parte-se da falsa premissa de que ao réu se sonega algum dado ou alguma informação, essencial à sua ampla defesa, e que poderá surpreendê-lo ao final, quando da prolação da sentença. O valor da indenização do dano moral, todavia, não constitui elemento encoberto pelo autor, que lhe dê alguma posição de superioridade. O montante da indenização é tão imponderável para o autor quanto para o réu.

Nenhuma é a superioridade da parte autora. Formulado pedido genérico, autor e réu encontram-se em situação idêntica no que diz respeito à imprevisibilidade do valor do dano moral.

É possível, e desejável, que o autor, na petição inicial, sugira critérios que auxiliem na quantificação da indenização, traga exemplos de valores, aponte circunstâncias a serem consideradas na sentença. É possível, todavia, que o autor se abstenha de ponderações ou raciocínios desse jaez e deixe inteiramente para o juízo a tarefa de encontrar o caminho para a valoração do dano afirmado. Em qualquer caso, caberá ao réu, em atenção ao princípio da eventualidade ou da concentração[40], discutir, debater ou refutar raciocínios, argumentações e critérios concernentes à fixação da indenização. É evidente que, em se tratando de pedido genérico, o debate comumente se travará em termos vagos e abstratos, o que não impede o réu de apontar valores encontrados na jurisprudência para casos mais ou menos semelhantes e que lhe pareçam razoáveis. É o que se vê ocorrer na prática.

De todo modo, ambos estarão, igualmente, submetidos à discrição do juízo, que é quem, sopesando todas as circunstâncias e os argumentos trazidos pelos contendores, fixará o valor da indenização. A surpresa que dessa fixação pode surgir para o réu é a mesma que pode sobrevir para o autor.

A renomada Professora Ada Pellegrini Grinover elaborou parecer no qual focaliza a questão da relação entre o pedido genérico de reparação do dano moral e a garantia do contraditório e da ampla defesa, concluindo pela absoluta ausência de lesão aos princípios constitucionais: "É que da generalidade do pedido, nesse caso, não decorre qualquer prejuízo para o réu, desde que, como ressaltado anteriormente, os critérios informativos da quantificação sejam objeto de adequado debate, em contraditório, quer em processo de liquidação, quer na própria fase cognitiva condenatória, no curso da respectiva instrução."[41]

Destaca a Professora Ada Pellegrini, em seu trabalho, que, embora os critérios de quantificação sejam previamente conhecidos pelo demandante (e pelo demandado), não há como, razoavelmente, saber, de antemão, a que resultado tais critérios conduzem no caso concreto, o que só ocorrerá com a cognição exercitada no curso do processo. [42] Observa que a circunstância de tais critérios de quantificação serem previamente conhecidos das partes e do juiz somente abona a tese da possibilidade do pedido genérico: "se o quantum nesses casos, como também demonstrado, deve pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, estatuídos no plano do direito material e previamente conhecidos das partes e do juiz, a generalidade do pleito, nesse caso, é também autorizada pelos aforismos da mihi factum, dabo tibi jus e jura novit curia, nenhuma surpresa podendo advir para o demandado que, reitere-se, terá oportunidade de amplo debate sobre tais critérios ao longo da instrução (quer no processo de conhecimento condenatório, quer no de liquidação)."[43]

Na verdade, impõe-se reconhecer que o autor não terá, nem mesmo depois da cognição realizada no processo, como saber a que resultado (valor certo e determinado) conduzem os critérios apontados pela doutrina e empregados, com mais freqüência, pela jurisprudência para fixação do quantum compensatório do dano moral, dada a fluidez e subjetividade de qualquer desses critérios, em especial os da razoabilidade e da proporcionalidade, mencionados no parecer retro mencionado. Seja qual for o critério utilizado, sempre intervirá na fixação do valor da indenização o prudente arbítrio do juiz, que nunca poderá ser antecipado por nenhuma das partes.

O respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório decorre, assim, não propriamente da ausência de surpresa que para o réu possa advir da estimativa judicial, mas da posição de igualdade entre autor e réu: do prudente arbítrio do juiz pode surgir valor inesperado tanto para o réu quanto para o autor. Acresça-se a isso a possibilidade, sempre presente, de o réu, na contestação, sugerir limites e debater os critérios que deverão ser utilizados na fixação da quantia compensatória do dano moral, para a eventualidade de vir a ser ele derrotado na demanda.

Sobre o autor
André Gustavo C. de Andrade

juiz de Direito, professor de Processo Civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), professor de Processo Civil da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, André Gustavo C.. Dano moral e pedido genérico de indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2608. Acesso em: 23 nov. 2024.

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