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Dano moral e pedido genérico de indenização

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

4. Variações em torno do pedido genérico

Freqüente, na prática forense, é a circunstância de o autor, na petição inicial, apontar valores ou apresentar estimativas de indenização para compensação do dano moral, à guisa de exemplo ou sugestão para o juízo, formulando, ao final, pedido genérico. Assim, v. g., quando o autor menciona ter havido, em outro processo, no qual se julgou caso semelhante, decisão fixadora de indenização em determinado valor; ou quando o autor pondera que a jurisprudência tem fixado a reparação em montantes variáveis entre certos limites; ou, ainda, quando o autor sugere algum parâmetro, que levaria a uma cifra específica.

Em tais situações, os valores e as estimativas assim deduzidos deverão ser tomados como elementos argumentativos, não vinculadores da pretensão, pois o que importa é que, ao final, a petição inicial exprima, inequivocamente, fórmula genérica de condenação. Aplicável, no caso, a regra do art. 293 do CPC: "Os pedidos são interpretados restritivamente".

O STJ tem, reiteradamente, entendido que os valores meramente estimativos apresentados na petição inicial, à guisa de sugestão, não desconfiguram a natureza genérica do pedido: "A estimativa na petição inicial, de valor do dano não confere certeza ao pedido."[44] No mesmo sentido: "Nas ações de indenização por ato ilícito, o valor estipulado na inicial, como estimativa da indenização pleiteada, necessariamente, não constitui certeza do quantum a ressarcir, vez que a obrigação do réu, causador do dano, é de valor abstrato, que depende, quase sempre, de estimativas e de arbitramento judicial. Montante da indenização há de ser apurado mediante liquidação de sentença. Precedentes do STJ."[45]

Por essa razão, os valores sugeridos ou estimados não interferem na sucumbência: "Sendo meramente estimativo o valor da indenização pleiteada na peça vestibular, não há falar em sucumbência parcial se a condenação fixada na sentença tiver sido inferior àquele montante. Precedentes."[46]

Outra situação freqüente é a de a petição inicial indicar valor mínimo de indenização. O autor continua a entregar ao prudente arbítrio do juízo a fixação da indenização pelo dano moral, mas aponta um montante que constituiria, a seu critério, o mínimo a ser fixado. Pretende o autor obter indenização igual ou superior à indicada na inicial, nunca inferior.

Também em tal situação está presente a generalidade do pedido, mas a partir de determinado valor. No que concerne, todavia, à quantia mínima postulada pelo autor, o pedido é certo e deve ser tratado como tal. De modo que se o juízo fixar valor inferior ao mínimo, haverá sucumbência parcial do autor. O valor da causa, por sua vez, deve tomar por base esse valor mínimo, como já decidiu o STJ: "O valor da causa deve corresponder ao conteúdo econômico da pretensão do autor, que, pedindo um valor mínimo como indenização por danos morais, não pode atribuir à causa valor menor."[47]

Outra situação encontrada com considerável freqüência é a de petições iniciais nas quais o autor articula pedido de condenação do réu em perdas e danos, ou, simplesmente, ao pagamento dos danos suportados pelo autor, sem fazer uso das expressões dano moral, imaterial ou equivalente. O pedido, assim formulado, dependendo da narrativa constante da petição inicial, deve ser interpretado como abrangente não apenas dos danos materiais, mas também do dano moral.

A expressão perdas e danos, a despeito de ter sido cunhada para fazer alusão aos prejuízos materiais sofridos, acolhe, sem dificuldades, o dano moral. O aumento do número de demandas nas quais se pleiteia indenização por dano moral vulgarizou a expressão, alargando seu sentido primitivo, estabelecido pelo art. 1.059 do Código Civil. Não se trata, todavia, de dar interpretação extensiva ao pedido, o que seria vedado pelo regra do art. 293 do CPC, mas de empregar a expressão em sua acepção literal, vulgar, e não em seu sentido técnico e restrito, utilizado pelo art. 1.059, até porque, se a preferência na interpretação de um texto legal é pelo emprego do sentido técnico, na interpretação de outro tipo de texto, como o de uma petição inicial, o sentido vulgar predomina.

Não se queira argumentar que a petição inicial, por emanar de um profissional de direito[48], deve ter os seus vocábulos e as suas expressões interpretados sempre tecnicamente. Um tal argumento estaria em desacordo com a realidade, pois, desafortunadamente, é cada vez mais freqüente entre os profissionais do direito em geral a má aplicação do vernáculo nos escritos forenses.

O Superior Tribunal de Justiça nesse sentido já decidiu: "Tem-se como englobado no pedido a condenação por dano moral quando a petição inicial, ainda que deficientemente, requer a indenização de todos os danos sofridos com o acidente."[49]

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Com igual amplitude deve ser interpretado o pedido genérico de indenização por prejuízos decorrentes de um determinado evento, ou, simplesmente, o pedido de indenização sem alusão ao adjetivo moral. O fundamental, em qualquer caso, como já mencionado, é que, da narrativa constante da petição inicial, ou melhor, da causa de pedir a prestação jurisdicional, se extraia a referência a algum fato caracterizador de dano moral.

Já decidiu o STJ que: "A indenização aos pais, por morte de filho menor, deve ser a mais ampla possível e alcançar todos os danos sofridos. Como se vê, a indenização, no caso, podia ser fixada desde logo, nos autos da ação de conhecimento, não se podendo falar em petição inepta ou em decisão além ou aquém do pedido. A inicial, embora sucinta, contém todos os requisitos legais e o pedido é bastante claro no sentido de condenar a recorrente na indenização decorrente dos prejuízos causados aos pais, pela morte do filho. É claro que desta indenização fazem parte os danos materiais e morais."[50]


5. Pedido genérico e direito de apelar para majoração do valor da indenização

Partindo-se da premissa de que é possível a formulação de pedido genérico de reparação por dano moral, cabe examinar questão conexa, qual seja, a da possibilidade de o autor apelar ou, de modo geral, recorrer da decisão que julga procedente a demanda, com a finalidade de obter a majoração do quantum indenizatório.

Julgados isolados já manifestaram o entendimento de que ao autor faltaria interesse em recorrer da sentença, por ausência de sucumbência. Traga-se à colação aresto da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, relatado pelo insigne Desembargador Luiz Eduardo Rabello: "Se o autor requereu indenização a ser fixada pelo Juízo de primeiro grau, e o Juízo fixa o valor que acredita adequado, dando procedência integral ao pedido, não pode o autor apelar pleiteando valor superior, diante da inocorrência de sucumbência sua. Improvimento de ambos os recursos."[51]

O equívoco desse entendimento, francamente minoritário na jurisprudência, decorre da má interpretação do pedido genérico de reparação por dano moral. Observe-se que interpretar restritivamente o pedido, como o determina o art. 293 do CPC, não significa interpretá-lo literalmente, sem atenção para a sua finalidade.

O pedido genérico de indenização não pode ser interpretado como pedido de qualquer valor, visto que não é a expressão do desejo de uma condenação qualquer, sem nenhuma expectativa no tocante ao valor a ser fixado.

Uma tal interpretação joga com as palavras, sem considerar as peculiaridades do dano moral em confronto com o dano material. Ignora-se a razão pela qual deve ser admitido o pedido genérico de indenização por dano moral, que é, como aqui sustentado, a absoluta subjetividade do valor do dano – e, conseqüentemente, de sua estimativa judicial –, a qual, entre outras coisas, torna impossível ao autor forrar-se ao risco de uma improcedência parcial sem subestimar o valor do dano, já que apenas o acaso poderá determinar a equivalência entre a arbitrária estimativa do autor e a arbitrária estimativa do juiz.

Bem focalizada a questão, fica claro que o pedido genérico de indenização por dano moral não significa que o autor queira qualquer indenização que o juízo venha a fixar. Caso a indenização estabelecida não atenda às aspirações ou às expectativas íntimas (embora imprecisas) do autor, poderá ele apelar para buscar a majoração da verba.

Em se tratando de pedido genérico, a sucumbência não se mede pela discordância entre a sentença e o pedido em seu sentido meramente textual ou literal. Se assim fosse, não poderia o autor igualmente apelar da sentença que julga procedente o pedido genérico de reparação por danos materiais para buscar a elevação da indenização fixada, o que seria um disparate. No caso dos danos materiais, o autor apela porque supostamente não concorda com a apreciação que a sentença fez em relação às provas produzidas. No caso do dano moral, o autor apela porque não concorda com a valoração ou estimativa do juízo.


6. Apelação com pedido genérico

Caberia, também, indagar se o autor do pedido genérico, inconformado com o valor da indenização, pode apelar de forma igualmente genérica, ou, em outras palavras, se pode pleitear a majoração da indenização sem indicar o valor pretendido.

Uma primeira reflexão pode levar ao entendimento de que, se o autor não se conforma com o valor fixado na sentença, é porque imaginou valor superior, que deveria, portanto, ser indicado como medida de seu inconformismo. Embora admissível o pedido genérico em um primeiro momento, quando da propositura da ação, à falta de critérios objetivos ou de parâmetros seguros para a fixação do valor da indenização por dano moral, não caberia um apelo também genérico, por já dispor o autor do valor estabelecido na sentença como baliza. Reputado insatisfatório esse valor, deveria o autor quantificar a sua insatisfação.

Um tal raciocínio, no entanto, desconsidera que, mutatis mutandis, as mesmas razões que justificam o pedido genérico de indenização fundamentam a apelação em termos genéricos. A absoluta imprevisibilidade da avaliação do órgão julgador continua presente, agora em grau de recurso – e com a mesma conseqüência de tornar impossível ao autor forrar-se ao risco de uma sucumbência parcial, o que, como se viu, o constrangeria, ilegitimamente, a subestimar o valor do dano em seu recurso, já que apenas o acaso poderá determinar a equivalência entre a arbitrária estimativa do autor recorrente e a arbitrária estimativa do órgão recursal. Entre a estimativa feita pelo órgão a quo e a estimativa a ser feita pelo órgão ad quem não há limites objetivos.

Além disso, a primeira estimativa pode ter sido tão baixa que nem de longe possa ser tomada como ponto de referência para o autor recorrente.


7. Pedido certo de indenização por dano moral. O entendimento da Professora Ada Pellegrini Grinover

Em parecer já mencionado no presente trabalho, a Professora Ada Pellegrini Grinover, depois de tecer considerações sobre a possibilidade de pedido genérico para reparação do dano moral, expõe o entendimento de que qualquer quantia referente ao dano moral indicada na petição inicial vem marcada pelo signo da provisoriedade, precisamente porque competirá ao juiz a quantificação do dano, depois de colhidos todos os elementos de convicção.[52]

Citando o ensino de Yussef Said Cahali e transcrevendo alguns arestos, a ilustre jurista assim exprime seu pensamento: "Ora, se é certo, nos casos de dano moral, que a atribuição de um valor na petição inicial, quando muito e por mera argumentação, é facultativa e provisória, tem-se que a sentença, embora esteja, por regra, adstrita ao pedido (CPC, arts. 128 e 460), poderá inclusive condenar o requerido por valor superior ao indicado na peça vestibular. E isso não representa qualquer ofensa ao contraditório, desde que a sentença leve em conta precisamente elementos contidos nos autos e submetidos ao debate judicial, conforme, inclusive, autoriza o Art. 131 do CPC vigente."[53]

O sempre respeitável entendimento da Professora não parece, com todas as vênias, ser o melhor, considerado nosso sistema processual em vigor.

O artigo 128 do CPC impõe ao juiz decidir a lide "nos limites em que foi proposta", enquanto que o art. 460 do CPC veda ao juiz a prolação de sentença ultra petita ("condenar o réu em quantidade superior" à postulada). Consagram os referidos dispositivos o princípio da adstrição (ou da congruência, ou da correlação), que só pode ser afastado pela própria lei. Assim é que a lei prevê, como exceções ao princípio da adstrição, as prestações periódicas (art. 290 do CPC), os juros legais (art. 293 do CPC), as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 20, caput, do CPC), a multa pelo descumprimento das obrigações de fazer ou de não fazer (artigos 461, § 4º, do CPC; 84, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor). Em todos esses casos, e em vários outros, é a própria lei que excepciona a aplicação do princípio.

A não inclusão do pedido de indenização por dano moral entre as exceções expressas ao princípio da congruência dá ao réu a confiança de que, na pior das hipóteses, será condenado ao valor pleiteado na inicial. Por essa razão, a prolação de sentença condenatória, com fixação de indenização superior à postulada na petição inicial, constituiria fator de surpresa para o réu, que poderia, v. g., ter deixado de contestar o valor, por entendê-lo razoável, proporcional ao fato ou de acordo com os parâmetros habituais.

A possibilidade de indenização por dano moral superior à pedida pelo autor, além de não estar prevista em lei – como seria exigível –, não encontraria apoio na doutrina e na jurisprudência citadas pela Professora Ada Pellegrini Grinover. Isso porque a provisoriedade, assinalada por Yussef Said Cahali, seria uma característica do valor da causa, não do próprio pedido de indenização por dano moral. Com efeito, na referida lição, Cahali defende o entendimento de que o valor da causa na ação de reparação de dano moral depende da estimativa unilateral do autor, sujeita, contudo, ao controle jurisdicional, e que tal valor (o da causa, não o de suposto pedido certo de indenização) é remarcado pela provisoriedade.[54]

Do mesmo modo, a jurisprudência citada estaria a se referir ao valor da causa, não ao próprio pedido de indenização que tenha sido quantificado pelo autor na petição inicial.

Assim sendo, ante o direito constituído, para que o juiz não fique adstrito a determinado valor máximo, cabe ao autor recorrer à fórmula do pedido genérico.

Sobre o autor
André Gustavo C. de Andrade

juiz de Direito, professor de Processo Civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), professor de Processo Civil da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, André Gustavo C.. Dano moral e pedido genérico de indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2608. Acesso em: 23 dez. 2024.

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