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O federalismo suíço como experiência de integração das diferenças

O cidadão suíço se considera cidadão de sua comuna, de seu cantão e da federação. Os diferentes aspectos do federalismo suíço o tornam único.

Resumo:  A Suíça é um país de contrastes, com diferentes etnias, grupos falando diferentes línguas, vivendo em diferentes regiões e com diferentes religiões. O processo de formação na Suíça foi um processo de cima para baixo, levando desde o início para a criação de um estado multicultural (LINDER, 2010). O país tornou-se não apenas a primeira democracia contínua da Europa, mas também a primeira federação moderna daquele continente. Desde 1848, o sistema federal suíço é dividido em três níveis: a federação, os cantões e as comunas. Cada uma possui um nível de autonomia, poder legais e responsabilidades e cada cantão com a sua própria constituição. Sob os cuidados do pacto federativo e da constituição federal, comunas, cantões e o governo federal cooperam entre si e todos estão unidos pelo princípio da eleição de seus governantes e seus atos de decisões. Respeitam o princípio da separação dos poderes, elegendo suas autoridades e participando em alguns casos diretamente da democracia. O cidadão suíço se considera cidadão de sua comuna, de seu cantão e da federação. Os diferentes aspectos do federalismo suíço o tornam único. Em uma sociedade globalizada, marcada pelos contrastes, onde existe a necessidade de se conviver e respeitar as mais diversas formas de idiomas, culturas e sociedades, entender essa forma de governo torna-se fundamental para lidar com os desafios modernos.


1 INTRODUÇÃO

A Suíça é um país situado num território com cerca de 41.000 (quarenta e um mil) quilômetros e possui sete milhões e quinhentos mil habitantes, aproximadamente. É um país montanhoso, situado no centro da Europa, fazendo fronteiras com a Itália, França, Alemanha, Áustria e Liechtenstein. É um país fragmentado, com quatro línguas oficiais (alemão, francês, italiano e romanche) e com culturas muito diferentes umas das outras. Apesar de possuir uma pequena população o país está inserido no cenário internacional, competindo em exportação e investimentos.

Antes da Revolução Francesa, a Suíça não era uma nação, mas uma união de cantões, unidos por tratados políticos. Após o Congresso de Viena, em 1815, a Suíça se tornou uma das primeiras democracias mundiais e uma pequena nação-estado. No início da federação política da Suíça, existiu uma guerra civil entre os católicos conservadores e os protestantes progressistas. Durante toda a sua existência, o país viu-se marcado por conflitos políticos, sociais, culturais e econômicos. Nas décadas que antecederam a formação da Federação, o país era uma Confederação marcada pela polarização de duas forças internas, os Conservadores e os Radicais (BURNS,1980).

Os conservadores eram os católicos, principalmente das regiões rurais e eram a minoria. Eles eram céticos sobre a idéia de fortalecerem a autoridade de um governo central, desejosos de preservarem os tradicionais papéis da Igreja católica. Os Radicais faziam parte dos cantões industrializados e eram protestantes. Lutavam pela democracia, desejosos do controle público pelas autoridades. A religião não era o único conflito entre Radicais e Conservadores, mas foi o catalisador das inúmeras questões políticas. Em 1847, após a assinatura pelos católicos terem se retirado da Conferência dos Delegados, ato esse interpretado pelos protestantes como um ato secessionista, foi declarada uma guerra civil, que depois de 26 dias culminou com a vitória protestante. Com isso, firmava-se a federação, com a transição para uma democracia constitucional, com uma autoridade executiva e um parlamento (LINDER, 2010).

A Suíça é um Estado Federal desde 1848. Depois dos Estados Unidos da América do Norte, é o mais antigo dos estados federais existentes no mundo. Sem o federalismo, a confederação suíça não poderia existir. Os 25 cantões que se juntaram para formar a federação em 1848, já eram Estados, alguns dos quais existiam a alguns séculos, e já eram unidos em alianças. Ao criarem uma federação, os país da nação sabiam que a única forma de manter uma aliança era através de uma considerável autonomia, igualdade e efetiva participação em formar uma vontade coletiva em um estado central (KOLLER, 2002).

A escolha do Federalismo foi fundamental em unir um Estado onde se falam quatro línguas, duas religiões e diferentes culturas regionais, transformando essas desvantagens em vantagens. Era entendimento dos pais da constituição federal que os cantões não perderam a sua soberania, mas perderam apenas parte de suas responsabilidades.


2. CARACTERÍSTICAS DO FEDERALISMO

O Estado federal é um Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal. No Estado federal deparam-se vários estados que se associam com vistas a uma integração harmônica de seus destinos. Não possuem esses Estados soberania externa e do ponto de vista da soberania interna se acham em parte sujeitos a um poder único, que é o poder federal, e em parte conservam sua independência, movendo-se livremente na esfera da competência constitucional que lhes for atribuída para efeito de auto-organização (BONAVIDES, 2002).

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É o Estado que se divide em províncias politicamente autônomas possuindo duas fontes paralelas de direito público, uma nacional e outra provincial, sendo sua característica, marcante o fato de, sobre o mesmo território e sobre as mesmas pessoas, se exercer, harmônica e simultaneamente, a ação pública de dois governos distintos: o federal e o estadual (MALUF, 2003).

Segundo Araujo (1995), podemos apontar as seguintes características comuns a todas as federações:

a) o Estado Federal pressupõe, no mínimo, duas ordens jurídicas, uma central e outra parcial;

b) as ordens jurídicas parciais são dotadas de autonomia, que se revela por competências próprias, possibilidade de auto-organização e de escolha de seus governantes e dos membros do Poder Legislativo, que terão competência para legislar sobre as matérias fixadas na Constituição Federal;

c) a Constituição Federal, que trará a repartição constitucional de competências, deve ser rígida e escrita, trazendo cláusula que proteja a forma federativa de pretensões de alteração desse sistema;

d) o Estado Federal tem como instrumento jurídico uma constituição e tem na indissolubilidade do pacto federativo traço essencial;

e) as vontades parciais se fazem representar na elaboração da vontade geral através do Senado Federal, que deve guardar a isonomia dentre as vontades parciais;

f) deve haver guardião da Constituição, zelando pelo cumprimento da repartição das competências;

g) em casos extremos, a União Federal decretará a intervenção federal, agindo em nome de todas as vontades parciais onde inexistir motivo ensejador da medida, situação que se fundamenta na necessidade de se evitar a desagregação da Federação.

Os dois princípios capitais do federalismo são: a lei de participação e a lei da autonomia. Mediante a lei de participação, os membros tomam parte no processo de decisão, ajudando no destino da nação. Através da lei da autonomia, os membros podem livremente argüir sobre os rumos das unidades estatais, podendo estatuir uma ordem constitucional própria (BONAVIDES, 2002).

A forma federativa consiste essencialmente na descentralização política: as unidades federadas elegem os seus próprios governantes e elaboram as leis relativas ao seu peculiar interesse, agindo com autonomia predefinida, ou seja, dentro dos limites que elas mesmas estipularam no pacto federativo (MALUF, 2003).


3. CARACTERÍSTICAS DO FEDERALISMO SUÍÇO

O modelo federativo suíço provou que diferentes grupos podem conviver juntos. A experiência suíça tem sido de particular relevância e interesse, devido a longevitude da federação e seu sucesso histórico de acomodar e viver com a diversidade.

Um governo federal deve prover as regras, através de sua constituição federal, em como lidar com as distribuições de poder, seja de uma forma centralizada ou em uma forma descentralizada. Na política moderna, as formas de centralização e descentralização exercem conflitos. Existem os que defendem que a centralização gera Estados fortes, com intervenção econômica, modernização e extensos programas sociais. Já os partidários da descentralização, temem um grande governo, buscando um Estado mínimo. O Estado suíço possui uma grande preferência pela descentralização de poder, dando grande autonomia para os cantões e para os governos locais, estando prevista em constituição federal. Caso opte-se por uma maior centralização do poder, deverá ser feita uma emenda constitucional. Qualquer proposição que busque aumentar o poder da Federação, necessita não apenas da maioria em ambas as câmaras dos parlamentos, mas também a maioria nos cantões e da população através de voto popular (LINDER, 2010).

Mas vale lembrar que apesar dessa necessidade de emendas constitucionais necessitarem da aprovação dos cantões e da população e não ficando apenas restrita a aprovação das câmaras dos parlamentos, a lei federal é superior a lei do cantão, não significando que a política federal supre a política cantonal, ficando o cantão livre de escolher a maneira pela qual irá implantar a lei federal.

A câmara que irá aprovar as leis é bicameral, sendo composta pelo Conselho Nacional e pelo Conselho de Estados. O Conselho Nacional é formado por 200 membros dos 26 cantões, proporcional ao número de habitantes de cada cantão, sendo Zurich o mais populoso, elegendo 34 representantes e o cantão de Uri, elegendo apenas um representante. O Conselho de Estados, seguindo a regra federal de igual representatividade, é composto de dois membros de cada cantão e de um membro no que eles classificam como meio cantão. A eleição para representantes das Câmaras difere, sendo que para o Conselho Nacional, cada cantão escolhe a maneira de eleição (LINDER, 2010).

Cada Câmara pode propor novas leis pelo sistema suíço. Caso uma proposta seja aprovada em apenas uma das Câmaras, podem ser propostas mudanças e colocadas de novo para votação. Se mesmo após as mudanças, não for aprovado, é formada uma comissão com o mesmo número de representantes das duas Câmaras, buscando uma solução comum.

O procedimento descrito anteriormente trata de leis ordinárias, caso seja proposta uma emenda constitucional, além de alguns tratados internacionais propostos pela Assembléia Federal e qualquer proposta popular para mudar ou adicionar emendas a Constituição devem ser aprovadas por voto popular. O sistema de contabilização dos votos é feito da seguinte maneira: o sim ou não dos aptos a votarem nos 20 cantões considerados completos, contam como um voto, os resultados dos seis meio cantões são considerados meio votos, o que soma o total de 23 cantões. Se o resultado ficar empatado, a proposta é rejeitada. Uma emenda particular pode obter a maioria dos votos populares, mas a maioria dos cantões a rejeitá-la, ou o contrário, caso isso ocorra, a emenda é rejeitada. A combinação de federalismo com democracia direta dá aos cantões um grande poder de veto em novas emendas. As autoridades federais lidam com os cantões com o mesmo respeito que lidam com Estados estrangeiros (LINDER, 2010).

Toda a política suíça é baseada nas comunas, ou seja, no governo local, sendo garantida pela constituição federal a autonomia das comunas. Expressa-se dessa forma a idéia de que o governo central só deve ser utilizado nas situações em que não pode ser desenvolvida de maneira local, tendo o Estado, como governo central, de agir nas situações que não podem ser feitas por outras organizações. Se intervenções federais são necessárias, as soluções são primeiras pensadas em nível local, sendo repassada a responsabilidade apenas, se não atingida em nível local. Os cidadãos suíços esperam menos de seus governos centrais, que outros cidadãos europeus (LINDER, 2010).

Buscando uma maior participação popular, em muitos dos setores da administração suíça são empregados cidadãos, que trabalham não de forma concursada ou contratada, trabalhando por algumas horas ou até mesmo dias da semana. Essa forma de administração pública recebe o nome de Milizverwaltung, e as pessoas são designadas para trabalhar por um período de vários anos ou para realizarem um trabalho específico em uma comuna ou em um cantão. Pretende-se que as capacidades profissionais e talentos do cidadão comum sejam diretamente utilizados pela Administração Pública. Em seu papel de voluntários, os cidadãos estão tomando parte nas decisões políticas, cooperando no trabalho administrativo e dessa maneira, as tradições comunitárias na Suíça foram capazes de sobreviver (LINDER, 2010).

O trabalho voluntário é encontrado nos níveis cantonais e federais também. Mas esse sistema não é uma unanimidade. Os que são a favor, falam que é mais barato que a administração Professional, que os políticos mantém contato com seus eleitores e previne que os políticos se tornem uma classe isolada. Os opositores desse sistema, falam a utilização de cidadãos comuns levou a um elevado nível de amadorismo na política suíça (LINDER, 2010).


CONCLUSÃO

Em um mundo globalizado, onde as diferenças devem ser respeitadas e na onda atual de democracia que o Oriente Médio vem vivenciando, onde as populações árabes vem buscando a democracia, mas tem que lidar com as diferenças tribais e de pensamento, como no caso do Iraque, Afeganistão e Egito, o modelo federalista da Suíça serve de norteador para a implementação de mudanças.

A Federação suíça nasceu de diferenças religiosas, políticas e culturais e uma das razões de seu sucesso foi saber respeitar essas diferenças. Nenhum cantão seria superior a outro por causa de sua industrialização, religião ou prosperidade, sendo todos respeitados e buscando a melhoria contínua do conjunto. O povo suíço sempre preferiu o governo descentralizado a um governo centralizado. Buscando-se dessa maneira, um governo mais ligado ao povo.

Em algumas situações, o povo deve participar diretamente nos rumos do país, gerando em alguns casos, apesar do sentimento de participação, lentidão. E talvez esse seja o maior desafio do Federalismo suíço, adaptar-se aos novos desafios, como a necessidade de algumas leis serem aprovadas de maneira rápida, como as leis da União Européia e outras leis, para fazerem frente ao dinamismo do mundo moderno.

Esses desafios não tornam o modelo político ultrapassado, pelo contrário, enfatizam que qualquer sistema político, e no caso em questão, implantado desde 1878, para sobreviver e prosperar, a política deve acompanhar o dinamismo da vida em sociedade.


REFERÊNCIAS

ARAUJO, Luiz Alberto David. Por uma Nova Federação.1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 42.ed.São Paulo:Globo,2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.15.ed.São Paulo: Malheiros,2004.

_________________. Teoria do Estado.6.ed.São Paulo: Malheiros,2007.

BURNS,Edward. História da civilização Ocidental. 38.ed.São Paulo:Globo,1997.

DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30.ed.São Paulo: Saraiva, 2011.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4.ed.São Paulo: Atlas,2003.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GAVAZZONI, Aluisio. História do Direito.3.ed. São Paulo: Freitas Bastos Editora, 2005.

KOLLER, Arnold. Introduction to the Swiss model of Federalism. Disponível em <www.forumfed.org/libdocs/IntConfFed02/ICFE0208-ch-Koller.pdf>. Acesso em 01 jun. 2011.

LINDER, Wolf. Swiss Democracy – possible solutions to conflict in multicultural societies. 1.ed.Londres: Palgrave Macmillan, 2010.

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 26.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos dos Direito Público.3.ed.São Paulo: Malheiros,1998

Sobre os autores
Daniel Alberto Pamplona

Aluno do Curso de Direito da UNIFOR - CE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA, Daniel Alberto; PAMPLONA, Ysabely Aguiar Pontes. O federalismo suíço como experiência de integração das diferenças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3831, 27 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26264. Acesso em: 22 dez. 2024.

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