Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A função do Tribunal de Contas do Estado do Paraná na apreciação dos atos de inativação: tribunal de contas ou de direitos?

Exibindo página 1 de 3

A Corte de Contas do Estado do Paraná no controle de legalidade dos atos de inativação, extrapola o limite de sua competência, invadindo a esfera do Judiciário, a quem cabe a defesa dos direitos individuais dos beneficiários.

Resumo: O Tribunal de Contas Estadual do Paraná no exercício do controle externo possui dentre suas atribuições a de apreciar a legalidade dos atos de inativação para fins de conceder-lhes registro.  Entretanto, em que pese a limitação constitucional deste atuar, pode-se afirmar que este Tribunal configura-se apenas um tribunal de “contas” ou ele atua também como um tribunal de “direitos”, de forma a extrapolar suas atribuições constitucionais? Partindo desta questão problema, o objetivo deste estudo é discutir os limites de atuação destes Tribunais. O método utilizado foi a pesquisa exploratória e explicativa através dos procedimentos técnicos de investigação bibliográfica, documental e da observação teórico-empírica. Como resultado foi possível constatar que há extrapolação de competência do Tribunal de Contas do Estado do Paraná quando do exercício de sua atribuição em apreciar a legalidade dos atos de inativação, atuando em defesa do servidor, caracterizando-se em determinados casos como um tribunal de direitos.

Palavras-chave: Tribunal de Contas do Estado do Paraná, competência, inativação.


Introdução

A administração pública vem sendo estigmatizada pela escassez de recursos e por exigências cada vez maiores e mais criteriosas realizadas pela sociedade, que exige dos gestores públicos, uma maior preocupação relacionada à transparência administrativa e a existência de um controle mais eficiente no âmbito das instituições públicas (CALIXTO e VELÁZQUES, 2005).

Para cumprimento destas exigências, necessário se faz a existência de um sistema que comungue informações e organização institucional, com a finalidade de assegurar o cumprimento de políticas públicas, assegurando a consecução de boas práticas de gestão, para que haja uma aplicação do dinheiro público de forma eficaz, eficiente, econômica e legal.

No âmbito público, pode-se afirmar que todos os atos estão sujeitos a controle, incluindo dentre eles os atos de inativação, ou seja, as aposentadorias e pensões dos servidores públicos que estão segurados pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Estes atos específicos, de inativação, serão abordados com destaque neste recorte, para fins de satisfação da questão problema do estudo, a qual gerou inquietudes e motivou a pesquisa.

Nesse sentido, o cerne do problema que norteia este recorte gira em torno do seguinte questionamento: considerando o controle externo realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná nos atos de aposentadoria e pensões, podem este Tribunal ser entendido exclusivamente como “Tribunais de Contas” ou pode ele caracterizar um “Tribunais de Direitos”?

Guiado por este questionamento, o objetivo deste trabalho é realizar uma discussão, partindo de pesquisas exploratórias através da investigação bibliográfica, documental, entrevistas informais e observação teórico-empírica, apoiando-se em análise descritiva de dados, sobre os limites do exercício do controle exercido pelo Tribunal de Contas, nos atos de aposentadorias e pensões.

Deste modo, o estudo na forma apresentada justifica-se teoricamente por se tratar de um tema emergente e pouco estudado, ao refletir sobre a natureza dos atos de controle exercido pelas Cortes de Contas em casos específicos, e para o desenvolvimento do tema na área de referência, haja vista a valorização dos princípios relacionados à governança e administração da (res)-pública.

Diante do objetivo e justificativa deste estudo, o mesmo não tem como pretensão esgotar o assunto que possui campo fértil para imersões futuras. Desta forma, respeitadas as limitações em busca do atingimento do objetivo proposto, norteado pela questão problema e pautado nos procedimentos metodológicos, este trabalho está dividido em seis partes/seções, somadas a esta introdução e à bibliografia que sustenta o embasamento teórico apresentado.

A primeira parte discorre sobre os principais aspectos do controle no âmbito da Administração Pública, dando enfoque aos tipos existentes e aos órgãos controladores.

Em seguida, a segunda parte versa sobre as principais atribuições e aos limites do controle externo, em especial, aquele exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, dando ênfase ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná, do qual foram obtidos os dados e as informações que serviram de base para satisfizer às inquietações suscitadas neste recorte.

Os procedimentos metodológicos estão descritos na terceira parte deste estudo, por meio dos quais se efetivou a coleta, tratamento de dados e os resultados obtidos, reconhecendo-se as possíveis limitações dos métodos utilizados, dado o entendimento de que eles não são finitos e imutáveis, sendo sempre passíveis de questionamentos e melhorias constantes.

A quarta parte faz referência aos destaques observados em outros estudos de mesma ou próxima natureza que contribuíram para a elaboração do presente, a qual se complementa com a parte seguinte que faz sugestão para o desenvolvimento de novos estudos acerca da temática, destacando-se como uma área emergente, pouco estudada e de essencial contribuição aos administrados e aos órgãos de controle.

Finalizando, a sexta parte faz menção as considerações finais demonstrando de forma sintética e objetiva os resultados obtidos com o presente estudo.


1 Controle na Administração Pública

No Estado Democrático de Direito o agir do gestor público é balizado pelo conjunto de normas editadas pelo Poder Legislativo, sendo seu dever agir de acordo com estas normas, obedecendo e observando as leis e os princípios vigentes no país (GARCIA E ALVES, 2002, p. 19-20).

Desta feita, a essência desta forma de Estado se revela na conjunção simultânea dos ditames da juridicidade, legalidade, interesse público, dignidade da pessoa humana, ou seja, objetiva a garantia das liberdades civis.  

Para assegurar estes preceitos é necessário que haja o controle dos atos de gestão do administrador público, visando à garantia das boas práticas de governança pública.

Como argumenta Matias- Pereira (2010, p. 167) “o controle é uma atividade inerente a qualquer tipo de instituição ou organização, compreendendo além dos aspectos administrativos e financeiros todo o conjunto de métodos e ações realizados dentro de determinado órgão administrativo”.

Deste modo, através de efetivas técnicas de controle garante-se não apenas o cumprimento das normas, mas também o atingimento das metas essenciais do ente público, ou seja, o desenvolvimento e execução eficiente de políticas públicas que integram a agenda governamental, assegurando a continuidade do Estado em direção ao bem comum. 

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Corroborando com a discussão Justen Filho (2011, p.1100) mostra que:

O Estado é uma organização de bens e pessoas para a realização dos direitos fundamentais. Existem mecanismos jurídicos de controle da atividade administrativa destinados a verificar a regularidade dos atos administrativos e a reprimir os desvios ocorridos.

Assim, denota-se que a finalidade do sistema de controle da gestão pública é assegurar que o administrador atue em consonância com os princípios da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade (DI PIETRO, 2011, p. 735) podendo somar-se a estes, a observância dos princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público.

Neste matiz infere-se que o controle pode ser exercido previamente, sendo, portanto, um controle orientação, e/ou concomitante e a posteriori, controle fiscalização, sendo certo, que as formas se inter-relacionam, pois como preceitua Justen Filho (2006, p. 748) “a submissão da atuação de um sujeito à fiscalização alheia produz efeito de orientação de sua conduta. Aquele que sabe que seus atos serão objeto de fiscalização orienta a própria conduta para evitar reprovações”.

Utilizando-se outra forma de classificação, nota-se também que o controle pode ser de mérito: quando adentra as questões de conveniência e oportunidade; ou de legalidade: quando inerente ao efetivo cumprimento da regulação vigente. 

Na administração pública, considerando o espectro de abrangência nas três esferas do federalismo brasileiro, bem como a necessidade de consolidação de instrumentos de gestão para subsídio às decisões e à efetivação das políticas públicas, a implementação do controle se dá de forma sistêmica nos âmbitos interno e externo, sendo que os sistemas que dão o devido suporte devem ser acionados para estabelecer mecanismos que, aderentes à “filosofia” de gestão pautada nos princípios de governança pública, assegurem a lisura e transparência nos atos dos gestores públicos.

 Sobre o controle desenvolvido no âmbito interno da própria administração pública, Justen Filho (2011, p. 1104) traz a lume o seu entendimento de que:

(...) controle interno é o dever-poder imposto ao próprio Poder de promover a verificação permanente e contínua da legalidade e da oportunidade da atuação administrativa própria, visando a prevenir ou a eliminar defeitos ou a aperfeiçoar a atividade administrativa, promovendo as medidas necessárias a tanto.

Observa-se assim que o controle interno é um dever imposto a cada Poder do Estado, de fiscalização e orientação dos próprios atos, de forma prévia, concomitante, e/ou a posteriori, reconhecido constitucionalmente (art. 74 da CF/88). Possui ele a finalidade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos; bem como, de comprovar a legalidade e avaliar os resultados obtidos quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração pública, e também a aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado (BRASIL, 1988).

Já o controle externo “é o dever-poder atribuído constitucionalmente e instituído por lei como competência específica de certos poderes e órgãos” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 1111), sendo ele exercido pelo Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas; pelo Poder Judiciário e também pela sociedade, Controle Social, que participa diretamente dele quando o provoca para defesa de interesses individuais e/ou coletivos, sendo este controle, inclusive, imprescindível para a concretização do Estado Democrático.

O controle social é resultado da evolução do Estado e da essência da Democracia. Nesse sentido, com amparo no art. 72, §2º. da CF/88, Castro (2007, p.136) o entende como sendo “um instrumento disposto pelo constituinte para que se permita a atuação da sociedade no controle das ações do estado e dos gestores públicos, utilizando de qualquer uma das vias de participação democrática.”

Por meio do Controle Judicial, o Poder Judiciário examina com imparcialidade os atos administrativos, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, sempre sob o aspecto da legalidade e da moralidade (DI PIETRO, 2011, p. 755), cabendo a ele, exclusivamente, aplicar o Direito ao caso concreto. Ressalte-se ainda, conforme preceitua a autora, que os atos políticos também podem ser apreciados pelo judiciário desde que causem lesão a direitos individuais e coletivos.

Já o controle exercido pelo Poder Legislativo, conforme Matias-Pereira (2010, p. 173) aderente à Di Pietro (2011), é aquele realizado pelas Casas Parlamentares: Senado e Câmara dos Deputados; Assembleias Legislativas; e Câmaras de Vereadores, efetivando-se internamente nessas casas através de comissões parlamentares de inquérito, convocação de autoridades, pedidos escritos de informação, fiscalização contábil, financeira e orçamentária, sustação dos atos normativos do executivo, podendo assim, em alguns casos ocorrer o controle de mérito.

Justen Filho (2006, p.765) corroborando com o tema discorre:

Compete ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas a fiscalização. Logo, não lhes é reconhecido o exercício em nome próprio das atividades de que os outros órgãos estão investidos. (...) Cabe aos órgãos de fiscalização verificar se inexistiu desvio de finalidade, abuso de poder ou se, diante das circunstâncias, a decisão adotada não era a mais adequada.

Desta feita, o controle externo exercido pelo Poder Legislativo, dado a sua gama de atribuições, nos termos do disposto no art. 71 da Constituição Federal, pode ser realizado com o auxílio do Tribunal de Contas, órgão autônomo, que fiscalizará os gastos dos Poderes, Executivo, Judiciário, e do próprio Poder, nos termos e competências fixadas taxativamente na Carta Constitucional.

As competências, atribuições e limites no exercício dos atos de controle executados por estas Cortes de Contas serão tratados com maior destaque no tópico a seguir, uma vez que envolve o tema central deste recorte.


2 Tribunais de Contas – Atribuições - Controle dos Atos de Aposentadorias e Pensões

Consubstanciadas em informações disponibilizadas no site oficial do Tribunal de Contas da União (TCU), este Tribunal foi criado sob inspiração francesa, através do Decreto n.966-A, de 07 de novembro de 1890, que deu início a instauração do sistema de controle externo no Brasil, com o auxílio deste Tribunal, atribuindo-lhe poderes para exame, revisão e julgamento de todas as operações concernentes à receita e despesa da República, Decreto este que foi referendado pela Constituição de 1891, através de seu art. 89 que assim dispôs:

É instituído um tribunal de contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença.

Estes Tribunais foram evoluindo através dos tempos e como contribui Diamond (2003, p. 119), as atividades de controle passaram a englobar amplas atividades, com vários objetivos, sendo seu papel tradicional o de assegurar que os recursos públicos sejam arrecadados e aplicados de acordo com as leis e regulamentos existentes, evoluindo atualmente para controle dos resultados, e não apenas da legalidade como era em seus primórdios.

Ao tratar do tema “controle”, ainda Diamond apud Giacomoni (2010, p. 337) enfatiza a sua importância para a gestão da res-pública ao crivar que ele:

(...) cumpre uma ampla gama de atividades com objetivos distintos. Tradicionalmente tem sido um mecanismo tendente a assegurar, ao governo e aos seus ministérios (controle interno) e ao Poder Legislativo (controle externo), que os recursos públicos sejam arrecadados e aplicados de acordo com as dotações orçamentárias e outras leis relevantes (controle de conformidade) e que o uso dado aos recursos de acordo com a administração representa total e exatamente a sua posição financeira (controle financeiro). A função de controle foi evoluindo em muitos países até adquirir uma visão mais completa das consequências econômicas e sociais das operações governamentais – aquilo que geralmente se denomina ‘valor por dinheiro’ ou controle de resultados.

Em que pese a rica discussão doutrinária acerca deste órgão ser um poder autônomo ou possuir vinculação ao Poder Legislativo, é majoritário o entendimento de que estas Cortes de Contas são órgãos vinculados a este Poder, embora sem subordinação, possuindo atribuições previstas, taxativamente, no texto constitucional.

No Brasil existem 34 (trinta e quatro) Cortes de Contas, sendo 01 (uma) da União, 27 (vinte e sete) Estaduais, 02 (duas) Municipais e 04 (quatro) de Municípios, integradas por ministros ou conselheiros, cujas decisões em sua maioria são coletivas.

A Constituição Federal vigente atribui ao Poder Legislativo a titularidade do controle externo ao prever em seu artigo 70 que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional”.

Esta disposição constitucional consagra o teor da Lei de Contabilidade Pública – Lei n. 4.320/64 (recepcionada em grande parte pela Carta Republicana de 1988) - que já previa em seu artigo 81, o papel do Poder Legislativo como órgão de controle externo: “O controle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento”.

Desta feita, tanto a Constituição Federal, como a norma geral de Contabilidade Pública “evidenciam que as questões centrais de interesse do controle externo são os aspectos legais ligados à arrecadação e aplicação do dinheiro público e à observância dos limites financeiros consignados no orçamento” (GIACOMONI, 2010, p.340).

Nesta ampla tarefa de controlar, com todas as particularidades e complexidades existentes, o Poder Constituinte reconhecendo e prevendo de antemão o elevado grau de responsabilidades e as inúmeras atribuições do Poder Legislativo, previu que este Poder necessitaria de suporte técnico especializado para realização desta tarefa, tendo no artigo 71 da Carta Magna preceituado que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, seria exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas.

É fato que estas Cortes de Contas estão gradativamente em evolução, exercendo funções imprescindíveis de fiscalização, controle e orientação, utilizando-se para este mister não apenas as disposições  constitucionais, mas toda a legislação existente em matéria de gastos públicos, contabilidade e controle, em especial, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), editada em meados do exercício de 2000, a qual tratou do assunto com mais especificidade, trazendo um novo padrão de gestão com novas regras de controle e fiscalização aplicáveis ao setor público, encarregando, desta feita, o Poder Legislativo de maiores responsabilidades.

Dentre as inúmeras atribuições constitucionais destas Cortes há àquela de controle dos registros dos atos de aposentadorias e pensões, os chamados atos de inativação.

O Poder Constituinte reservou ao Tribunal de Contas em matéria relativa a atos de concessões de aposentadorias, reformas e pensões, o controle estritamente de legalidade para fins de registro destes atos, consubstanciando-se numa forma de controle a posteriori, por força do próprio dispositivo constitucional, que assim determina:

[...] III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório (Art. 71, III, da CF/88 – grifo dos autores)

O legislador não deixou margem de questionamentos ou discussões acerca da forma de controle que deve ser exercido pelos Tribunais de Contas em relação aos atos mencionados, limitando assim, o seu controle ao aspecto exclusivamente da legalidade, que deve ser exercido como forma de fiscalização, ou como dito anteriormente, controle a posteriori.

Denota-se que, neste específico exercício de controle, ao apreciar como legal o ato de inativação, concedendo-lhe o respectivo registro, o Tribunal de Contas legitima a relação entre a Administração Pública e o Servidor, validando o direito de crédito do beneficiário para com a Fazenda Pública, de forma a evitar desvios e gastos indevidos pelo ente público, ou seja, evitando lesão ao erário.

Deste modo, para melhor realizar esta atribuição, estes Tribunais utilizam-se não apenas das leis de caráter geral, mas também de resoluções e atos normativos por eles mesmos editados, com o intuito de padronizar suas atuações, fixando critérios de análise, de forma a evitar pareceres e decisões contraditórias, dentro do mesmo órgão, em situações similares, uma vez que possuem vasto corpo técnico.

A fixação destes critérios é imprescindível não apenas para a organização administrativa do órgão, padronização, mas também para fins de manter a credibilidade da Instituição frente aos órgãos fiscalizados.

Tomando como exemplo de atuação o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), que teve sua origem seminal em 02 de junho de 1947 e tem apresentado uma evolução expressiva, uma vez que considerado atualmente como uma Corte de Contas modelo aos demais, observa-se que esta Corte também teve em seus primórdios apenas a preocupação única de atuar como órgão de fiscalização, tendo evoluído a cada década e aprimorando suas técnicas fiscalizatórias de forma a englobar mais entidades e órgãos. Ressalte-se que esta Corte de Contas na década de 80 exerceu importante papel de orientação através de treinamentos disponibilizados para os entes Municipais (Prefeituras e Câmaras)[1].

Ainda, na década de 80, mais precisamente após o advento da Carta Constitucional de 1988, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná regulamentou a participação da população frente aos atos de controle, normatizando o direito de denúncia e aperfeiçoando-se de tal forma, que com todo o aparato eletrônico desenvolvido e a busca de aproximação da sociedade aos atos de gestão pública, lato sensu, adquiriu credibilidade e tornou-se, em âmbito nacional, o Tribunal de Contas pioneiro no processo eletrônico e na preocupação de normatização para fins de possibilitar o exercício do controle social (PARANÁ, 2013).

Dentre suas atribuições, destaca-se neste estudo a competência desta Corte na apreciação da legalidade dos atos de aposentadoria e pensões. Para este fim, o corpo técnico do Tribunal de Contas utiliza-se de leis de caráter geral, e de Instrução Normativa editada pelo próprio órgão com o fito de fixar critérios objetivos de análises, a qual trata especificamente, do envio, acesso à informação e documentos necessários à apreciação e registro destes atos de inativação, a IN 46/2010 (PARANÁ, 2010a).

Sem adentrar na natureza desta normativa frente ao poder legiferante, mas sim, partindo-se do princípio de que se trata de mera instrução que fixa critérios para consecução de uma análise objetiva dos requisitos legais exigidos para registro dos atos de aposentadorias e pensões, como mencionado anteriormente, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná vêm pautando a análise dos processos encaminhados, no cumprimento das exigências constantes nesta Instrução Normativa, restando a este recorte, consoante ao seu objetivo, verificar se há extrapolação de competências por esta Corte de Contas quando do exercício de controle de registro destes atos de inativação.

Com o advento do processo eletrônico verifica-se que a Instrução Normativa em comento fixa de forma taxativa o rol de documentos, e não apenas de forma exemplificativa, uma vez que se não houver o envio de todos os documentos exigidos na instrução, não há sequer como realizar a autuação eletrônica do processo, com o envio parcial da documentação exigida.

No entanto, ressalte-se que quando da edição destas normativas, as Cortes de Contas devem se atentar ao texto constitucional para fins de não ultrapassar os limites de sua atuação e invadir a competência dos demais poderes, uma vez que o controle por elas exercido deve estar adstrito ao aspecto de legalidade, conforme leciona Justen Filho (2006, p. 763):

O tribunal de Contas não é titular de competência para produzir normas jurídicas autônomas. A função primordial do Tribunal de Contas não é editar normas gerais e abstratas, destinadas a regular a conduta daqueles que administram recursos públicos. Ou seja, o tribunal de Contas não é órgão dotado de poderes legiferantes.

Cabe assim, aos Tribunais de Contas apreciar, a posteriori, a legalidade dos atos de inativações submetidos a registro, vedando-se a aplicação do direito ao caso concreto, tarefa adstrita ao Poder Judiciário, podendo editar normativas, desde que não ultrapassem suas competências constitucionais para este fim, diante das atribuições do Poder Legislativo.

Deste modo, não é atribuição destes tribunais opinarem ou se manifestarem sobre a aplicação do direito no caso concreto, função esta exercida exclusivamente pelo Judiciário, uma vez que no Brasil, vigora o sistema de jurisdição única conforme dispõe o art. 5º, XXXV, CF/88 (BRASIL, 1988).

Desta feita, abstrai-se que em seu mister de controlar os atos de inativação cabe a estas Cortes apenas a análise estrita dos aspectos legais, sem adentrar no mérito do ato administrativo, e em casos de eventuais prejuízos sofridos pelo servidor compete ao judiciário, mediante provocação, a análise e julgamento do ato lesivo.

Não obstante a clareza das leis sobre a matéria e a previsão das atribuições no texto constitucional, resta verificar se empiricamente estes Tribunais não extrapolam suas competências e podem ser entendidos, efetiva e exclusivamente, como “Tribunais de Contas” ou se em determinados casos, eles atuam em benefício dos servidores, atuando como “Tribunais de Direitos”.

Para responder esta indagação realizou-se levantamento de dados junto ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná, o qual será utilizado neste recorte como fonte de informações, conforme evidenciado no tópico a seguir, onde estão especificados os procedimentos e métodos empregados.

Sobre os autores
Cristhian Carla Bueno de Albuquerque

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, inscrita na Ordem dos Advogados do Paraná, especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, metranda da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - área de pesquisa: Governança e Planejamento Público, Curitiba, Estado do Paraná, servidora do Tribunal de Contas do Estado do Paraná

Antonio Gonçalves de Oliveira

Graduado em Direito e Contabilidade, Mestre em Administração, Doutor em Engenharia de Produção, Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - DAGEE/CT e Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Planejamento e Governança Pública (PGP). Tutor do Programa de Educação Tutorial em Políticas Públicas (PET/MEC). Pesquisador e líder do Grupo de Pesquisa em Gestão Pública e Desenvolvimento (UTFPR/CNPq), Curitiba, Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Cristhian Carla Bueno; OLIVEIRA, Antonio Gonçalves. A função do Tribunal de Contas do Estado do Paraná na apreciação dos atos de inativação: tribunal de contas ou de direitos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3845, 10 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26359. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!