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Finalidade e natureza do processo

Agenda 14/01/2014 às 06:31

Para que fosse possível aceitar o caráter público do processo, muito se discutiu a respeito de sua natureza jurídica.

Resumo: O presente estudo apresenta o conceito de processo e procedimento, a aplicação do processo nos entes federativos e as principais teorias que surgiram e se desenvolveram tratando da finalidade e da natureza jurídica do processo. Com relação à finalidade do processo, apresenta a discussão doutrinária assentada em dois pólos: teorias subjetivas e teorias objetivas, que são desenvolvidas numa primeira parte. Em seguida são apresentadas as teorias que surgiram para discutir a natureza jurídica do processo, também de classificação polarizada: as teorias privatistas e publicistas.

Palavras-chaves: processo; finalidade  e natureza jurídica


INTRODUÇÃO

Repousa uma discussão doutrinária a respeito da finalidade do processo e também de sua natureza jurídica, tendo surgido várias teorias que tratam dessas matérias, as quais muito contribuíram para a formação de seu conceito.

Essas teorias são abordadas no presente trabalho que é desenvolvido em quatro etapas.  Na primeira etapa, a abordagem prestigia o conceito de processo dentro e fora das ciências jurídicas. Na segunda etapa, apresentam-se os diferentes tipos de processo no universo dos poderes da Federação. Na terceira etapa são apresentadas as principais teorias sobre a finalidade do processo e, na quarta etapa, são desenvolvidas as teorias que versam sobre sua natureza jurídica.


CONCEITO E GENERALIDADES DO PROCESSO.

Falar sobre processo exige abstração suficiente para compreendê-lo como meio de consecução de objetivos nas diversas ciências e ramos do conhecimento.

O que exprime a palavra processo? Etimologicamente, oriundo de procedere (latim), significa seguir adiante. Dizendo de outra forma, é o caminho ou as etapas a serem observadas dentro de uma estrutura organizacional. Por exemplo, dentro de uma organização empresarial, o processo pode significar uma sucessão de atividades organizadas, envolvendo a transformação do produto (matéria prima, manufatura, produto final e venda) e, também, pode compreender o procedimento a ser observado à execução de uma ação.

Em regra, a compreensão do processo de funcionamento de uma organização contribui para agregar valor a atividade ou negócio; pois, melhora a execução das etapas necessárias ao alcance do produto final.

No universo jurídico, inicialmente, o conceito de processo compreendia a “simples sucessão de atos” judiciais (CINTRA,2003). Tal compreensão vigorou e vigora, com mais ou menos adeptos até os dias atuais.

Na esteira do desenvolvimento, cientistas jurídicos passaram a definir processo como meio de solução de conflitos ou lides. Cintra (2003) define processo como “instrumento através do qual a jurisdição opera”. [1]

Processo, sob o foco das ciências jurídicas, possui conceito etimológico contraditório. A contrariedade é intrínseca e decorre do fato de que há similitude entre o conceito etimológico e a aplicação em outras ciências para as palavras processo e procedimento. Entretanto, quando aplicadas na ciência jurídica, tais palavras expressam diferentes sentidos e ações.

Assim é que, utilizando o exemplo de uma empresa, a palavra processo pode, eventualmente, significar o mesmo que procedimento. Em sentido contrario processo no direito, é diferente de procedimento. Pinho (2007), assim observa: 

No entanto, consoante o entendimento dominante entre nós, não se confundem processo e procedimento, visto que o procedimento  é o elemento  visível  do processo; constitui apenas o meio extrínseco  pelo qual o processo é instaurado  e desenvolvido. 

Neste diapasão, quando se fala em procedimento na ciência jurídica, fala-se na seqüência de atos no processo.

De outro lado, quando se fala em processo, diz-se que é o instrumento que o Estado utiliza para o exercício de seu poder. Resulta, inclusive, em dizer que o processo deve fazer-se presente em todas as atividades do Estado, seja administrativa, legislativa ou jurídica.   

Especificamente quando aplicado à função jurisdicional, a idéia é que o processo seja o meio de solução de conflito através do Estado.[2]

Pelo Principio da Instrumentalidade, defendido no Brasil por Dinamarco (1997), o processo não deve ser compreendido como um fim em si mesmo, ao contrario, deve ser compreendido como meio, legalmente admitido de assegurar um direito material invocado.

Também é importante esclarecer a diferença entre processo e autos. Por autos, compreende-se o aspecto material; os documentos que serão objetos de analise durante a realização do procedimento. Portanto, como exemplo, quando a parte informa que ira consultar o processo, em verdade consultará os autos. 


DIFERENTES TIPOS DE PROCESSOS SEGUNDO OS PODERES DA FEDERAÇÃO.

3.1  O Processo administrativo

A jurisdição administrativa no Brasil decorre da atuação do Poder Executivo, assim estratificado e materializado pela União (governo Federal) pelos Estados, pelo Distrito Federal (governo Distrital) e pelos Municípios.

Em todas as esferas de governo, exige-se que a atuação dos entes federativos observe a Constituição Federal e a Lei. Notadamente, a Constituição Federal determina que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei (art. 5º, inciso II). Logo, qualquer ação do Poder Executivo, em face dos cidadãos, deve possuir origem em norma jurídica, sob pena de ilegalidade e contrariedade à Constituição Federal.

O processo administrativo, longe de estar aprimorado aos moldes do processo judicial; mostra-se exigível para consecução do plano de ação e dos atos administrativos do Poder Executivo em todas as esferas e, sob o aspecto legal, o artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal especifica que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Mazza (2011), explica que no Estado de Direito, a validade das decisões praticadas pelos órgãos públicos do Poder Executivo e seus agentes está condicionada ao cumprimento de um rito procedimental preestabelecido.

Para a execução das atividades administrativas, o Poder Púbico deve estabelecer processo e procedimento próprio; primeiro pelo fato de que a Constituição Federal e a lei federal n.º 9.784/99, assim estabelecem; segundo pelo fato de que o processo administrativo significa a relação entre Administração e Administrado e, terceiro, pelo fato de que procedimento administrativo é a seqüência ordenada de atos tendentes para que o Estado promova decisões.[3]

3.2  O PROCESSO LEGISLATIVO.

O processo legislativo é afeto ao Poder Legislativo. O Poder Legislativo no Brasil encontra-se dividido entre os entes federativos. A União possui o Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado Federal); os Estados possuem as Assembléias Legislativas; os Municípios as Câmaras Municipais e o Distrito Federal e o Distrito Federal a Câmara Legislativa.

Dentre as funções precípuas do Poder Legislativo encontra-se a de fazer leis e fiscalizar os atos administrativos do Poder Executivo.

O processo legislativo é aplicável à produção de leis. O Brasil, organizado em Estado de Direito, adota a teoria da legalidade. A legalidade implica na subsunção dos fatos a idéia de norma. Dentre as normas, a que mais importa ao estudo da legalidade é a Lei e a produção de Lei no Brasil é exclusiva do Poder Legislativo.

Portanto, o estudo do processo legislativo é essencial para compreensão e interpretação das leis.

Segundo Guerra (2002), o processo legislativo pode ser visto sob dois enfoques; a saber: a) o enfoque sociológico, que compreende o conjunto de fatores reais ou fáticos do poder que põem em movimento os legisladores; b) o enfoque jurídico, decorrente do texto constitucional, especificamente o artigo 59 da Constituição Federal.

Sob o enfoque jurídico, Guerra (2002), afirma que processo legislativo “consiste numa seqüência de atos ou fases que tem como produto final a elaboração de uma lei”.

O processo legislativo, segundo o artigo 59 da Constituição Federal de 1988 compreende: a) Emendas à Constituição; b) Leis complementares; c) Leis ordinárias; d) Leis delegadas; e) Medidas provisórias; f) Decretos legislativos e g) Resoluções.

3.3  PROCESSO JUDICIAL.

Em regra, quando falamos em processo, inevitavelmente pensamos no processo judicial e, quase nunca no processo administrativo e legislativo. Trata-se de uma tendência cultual do Estado brasileiro, enaltecendo a função judicial (magistratura) em detrimento das demais atividades do Estado.

O processo judicial é notadamente conhecido por direito processual e, pode-se compreende-lo como o complexo de normas e princípios que organizam o exercício da jurisdição do Estado pelo Poder Judiciário.

A Jurisdição do Estado através do processo judicial exige a presença dos seguintes atores: a) juiz; b) ministério público; c) advogado; d) autor e réu (requerente e requerido) e, em algumas situações; terceiro interessado e litisconsorte.

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O processo jurisdicional tradicional é classificado e dividido em três partes: a) processo de conhecimento; b) processo de execução e, c) processo cautelar. Mas o processo também pode ser classificado segundo a natureza da matéria que nele se discute, por exemplo, processo civil e processo penal. Ou, ainda, mais especificamente, o conteúdo do direito que se discute, por exemplo, processo trabalhista, processo tributário ou processo ambiental.

A aplicação da jurisdição pelo processo judicial no Brasil observa a seguinte organização: a) A União. Organiza a justiça federal que é composta pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal de Justiça Militar e pelos Tribunais regionais Federais; b) Os Estados organizam a justiça estadual que é composta pelo Tribunal de Justiça e respectivas comarcas.


FINALIDADE DO PROCESSO.

Os estudos sobre a finalidade do processo podem ser agrupados em dois pólos distintos, que formam de uma lado os que defendem a finalidade objetiva do processo e os resultados que perseguem e, do outro lado, os que defendem como essencial o fenômeno da solução do conflito, que transcende as formas primitivas, consagrando a modalidade civilizada da ordem e da justiça.  Essas teorias podem ser conhecidas na América  Latina pelos estudos de Gozaíne (1992).


DOUTRINAS SUBJETIVAS

Três teorias classificadas como subjetivas discutem a respeito da finalidade, entendendo o processo ou como meio para resolver conflitos ou, como meio de satisfazer pretensões ou, ainda, como meio de proteção ao direito subjetivo.

a)      O processo como meio para resolver conflitos

Os práticos espanhóis do século XIX sustentaram ser o processo a controvérsia, com base na lei, de duas ou mais pessoas com interesses opostos sobre seus respectivos direitos e obrigações, ou para a aplicação da lei civil ou penal, a qual é levada ao juiz competente que o dirige e termina com sua decisão.

Característica dessa teoria era a redução do processo ao âmbito da controvérsia.  E dessa forma, não havia processo em atos de jurisdição voluntária.

Essa definição relaciona-se a uma etapa histórica em que ainda não estava consagrado o direito processual como ciência autônoma, pensando-se  no sucesso pelo qual um juiz intervém no conflito entre pessoas com um rito assentado num procedimento preestabelecido.

É a tese defendida por Carnelutti, a partir de sua conhecida teoria da lide, distinguindo  as finalidades preventivas e as repressivas do processo e diferenciando o processo contencioso do voluntário, com base na situação atual ou potencial do conflito.  Ao estado atual de interesses em conflito, denomina-se lide, e a finalidade do processo é a justa composição do litígio.

Se a lide fosse simplesmente um conflito intersubjetivo de interesses, os sujeitos dela seriam sempre e simplesmente os dos homens ou grupos aos quais pertencem os dos interesses em conflito.  Esse pensamento se complica quando procura imaginar que para construir a lide tem que agregar-se a cada interesse a pretensão ou a resistência que são os atos jurídicos.

Assim, Carnelutti, em sua obra Instituciones de derecho procesal, tomo I, em 1973, citada por Gozaíne (1992) formulou a seguinte proposição:

“Se a pretensão é exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio, e a resistência é a não sujeição própria ao interesse alheio, a lide pode ser definida como um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.”

Essa concepção demonstra o formidável fenômeno da intervenção jurisdicional entre os homens, porém, deixa latente o vinculo que ocupa o problema doutrinário da ação, isto é, a identificação entre o direito e o processo.

As variantes dessa teoria trabalham a finalidade a partir do objeto pretendido.  O  processo é compreendido como um meio de coação para cumprimento dos deveres, ou como forma de dirimir conflitos de vontade ou atividade.

b)      Satisfazer pretensões

Procurando-se distanciar o processo do direito questionado, característica muito comum de uma época que se buscava afirmar a autonomia do processo, chegou-se ao aspecto puramente processual da pretensão.

O objeto litigioso estava na solicitação do autor para obtenção de uma sentença.  O processo era concebido a partir da conseqüência esperada da sentença. 

Para Guasp, citado por Gozaíne (1992), o processo estava para satisfazer pretensões, caracterizado, assim, por três sujeitos situados em planos distintos.  “O objeto do processo é a pretensão processual”.

Gozaíne citando Victor Guillem Fairem, que em El processo como funcion de satisfaccion jurídico, publicada na revista Iberoamericana de Derecho Procesal em 1969-1, muda seu caráter estritamente processual para interpretá-lo como instrumento para a satisfação jurídica.

Desprezando a noção baseada na atitude servil do processo frente ao direito material, extremava-se a individualidade, quebrando a incidência natural do comportamento das partes a respeito do que esperam conseguir ao recorrer à jurisdição.  A função do processo resultava ser, então, a gênesis do direito, e portanto, não poderia tratar de objetivar-se uma contenda distinta da própria atividade processual.

c)      Proteção do direito subjetivo

Em relação ao problema doutrinário da ação, durante o início da discussão sobre o direito processual, a função da jurisdição era a de tutelar os direitos subjetivos dos particulares.  Essa ligação fazia retornar ao ponto de partida, tomando-se o processo como elo de ligação entre o direito substantivo e o direito processual.

Gozaíne (1992) menciona que Zanzucchi destaca o caráter instrumental enquanto tendendo a preservação do ordenamento jurídico, procurando, de modo final, realizar interesses que não são do Estado, nem deste no exercício da função jurisdicional, mas que pertence ao sujeito privado, a quem se tutela, pelo processo, os seus direitos materiais.

Relembra que José Chiovenda  (em Principios de derecho procesal civil, na tradução espanhola de José Casais e Santoló, de 1977) questiona essa posição, ao afirmar que nem sempre se encontraria no processo o direito substantivo a defender, por exemplo, quando a sentença rechaça a demanda. Não se pode dizer, nesse caso, que o juiz, ao julgar improcedente a demanda, não teria proferido sua decisão por meio do processo, isto é, que não existiu o processo.  Acrescenta que o titular do direito, dirigindo-se ao Estado, não pede uma coisa que afirma ter e a garantia de sua expectativa, mas a atuação desta garantia, a lei.


DOUTRINAS OBJETIVAS

Reunidas e compondo o grupo das teorias objetivas estão às posições que defendem o processo como meio de atuação da lei, como meio de atuação do direito objetivo e como meio de atuação do direito subjetivo.

a) Atuação da lei

A partir das críticas de Chiovenda sobre a finalidade subjetiva, passa-se a defender o caráter objetivo do processo, pela natureza pública da função, baseada na atuação permanente da lei.

Defende-se que a finalidade do processo é a atuação da lei, mediante os órgãos da jurisdição.  Essa atuação da lei pode realizar-se em dois estados ou fases processuais diversas: de declaração (ou de reconhecimento) e de execução forçada, em que o Estado, ou se vale de medidas que atuam sobre a vontade da lei, ou se sub-roga em sua atividade, dando direitamente ao interessado os bens que a lei garante.

Às vezes, basta o primeiro (ação de declaração).  Em outros casos, passa-se diretamente ao segundo, tendo por base títulos executivos extrajudiciais.  Há casos, ainda, que se esgotam em ambos os estados.  Nesse caso, a declaração se apresenta como uma preparação da execução.

b) Atuação do direito objetivo

Apenas um pouco diferenciada da anterior, essa teoria defende que a atuação suscitada é, mais que a atuação da lei, é a atuação do direito.  Isso porque o processo confere ao juiz amplas faculdades para investigar os direitos e chegar à verdade, conseguindo deste modo realizar o direito objetivo.

Entretanto, esta pretensão reduz o problema a um aspecto puramente teórico e hipotético, porque o direito, essencialmente, garante os interesses individuais sem necessidade de se recorrer ao processo, pelo acatamento voluntário da norma, como no caso de adimplemento voluntário do devedor ao credor.

d)      Atuação do direito subjetivo

Nesta perspectiva, tomada em oposição à teoria anterior, a finalidade do processo se deduz da atividade do juiz e das partes.  Ao primeiro cumpre a realização de uma missão pública de propiciar o restabelecimento da ordem jurídica e institucional.

Essa atuação é conjuntural e depende da vontade das partes, cabendo ao particular promover o processo.  Embora o interesse a satisfazer seja individual, o objeto imediato constitui o restabelecimento da ordem jurídica.

Neste sentido, Pietro Castro, citado por Gozaíni (1992) conceitua o processo como sendo o conjunto de atividades, reguladas pelo direito processual, realizadas pelas partes e pelo tribunal, que se inicia por uma petição à Justiça provocando a atuação da jurisdição, a fim de alcançar uma sentença, que é  o ato pelo qual o Estado realiza seu dever e seu direito de defesa do ordenamento jurídico objetivo privado, implicando na proteção do direito ou do interesse da justiça, que se ampara em tal direito objetivo.


NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO

O processo foi visto desde o direito romano até meados do século XIX sob uma ótica privada, de natureza contratual, onde as partes delegavam, por acordo, a terceiros, a decisão de seus conflitos de interesse.

Para que fosse possível aceitar o caráter público do processo, muito se discutiu a respeito de sua natureza jurídica.  As principais teorias que abordaram o assunto podem ser classificadas em dois grupos também polarizados: privatistas e publicistas.

DOUTRINAS PRIVATISTAS

Gozaíne(1992) relaciona duas teorias privatistas para explicar a natureza do processo: a teoria do contrato e a teoria do quase contrato.

e)      Teoria do contrato

A teoria do contrato ou contratualista teve como defensores os franceses Pothier, Deolombe, Aubry e Rau, que consideravam  o processo como um contrato, em que os litigantes acordavam resolver conflitos pela atividade mediadora de um Juiz.

O professor Doutor William Couto Gonçalves, em sua tese de doutorado, apresentada na universidade carioca Gama Filho, em Agosto de 2001, explica que essa teoria

“firmou-se, fundamentalmente, na litiscontestatio do direito romano clássico que provinha do acordo celebrado entre as partes diante de um pretor para se apresentarem diante do magistrado, por isso tanto no período da legis actiones quanto no período do procedimento formulário, a litiscontestatio encerrava o procedimento in iuri diante do magistrado, determinando o conteúdo e o alcance do litígio para ser submetido à decisão do iudex, eleito, geralmente, por acordo entre os litigantes. A litiscontestatio era um contrato formal entre as partes, em que se fixavam os pontos controvertidos que submeteriam aos poderes do juiz.  No período do procedimento extraordinário, quando desapareceu a divisãodo processo e se suprimiu a idéia de árbitro privado, a  litiscontestatio perdeu seus efeitos mais importantes e especialmente seu  caráter contratual.”

Para Gozaíne, tamanha era a intimidade com os princípios do direito civil que o litígio foi comparado a um contrato, de natureza judicial, em que os elementos básicos eram o sujeito, o objeto e a causa.

Essa teoria, realçando o ajuste entre as partes, dava a falsa impressão de liberdade dessa escolha.  Entretanto, tal submissão apresentava-se por imposição legal, não restando outra alternativa aos litigantes, pois a vingança privada era proibida.

Afrânio Silva Jardim (2001, p.29) denuncia que tal teoria é muito artificial, “resultante de uma visão absolutamente individualista imperante na sociedade da época”, final do século XVIII e início do século XIX.  Por isso, não mais encontra sustentação, dado ao caráter publicístico adquirido pelo processo. 

Ainda, Gozaíne :

”Tampoco resiste el embate que sufre cuando se alerta sobre la possibiliad del processo em ausência o en rebeldia; o cuando la pretension resulta de mera certeza o de inconstitucionalidad o ilegitimidad de normas provenientes de otros poderes del Estado”

f)       Teoria do quase-contrato

Diante das acirradas críticas dirigidas a teoria do contrato, surge a teoria do quase-contrato, criada no século XIX pelo francês Arnault de Guényau, que defendia não ser o processo um contrato nem um delito e nem um quase-delito.  É, assim, por eliminação que demonstra ser a menos imperfeita, um quase-contrato.

Para Willian Couto Gonçalves(2001, p.64) essa teoria “afirmava que o processo podia ter efetiva existência independente ou não do acordo das partes”.

Guenyveau, na obra Du quasi contrat judiciare, Poittiers, 1859, citado por Gozaíni(1992, p.249) defende que “ ... esse quase contrato é necessário para introduzir a instancia e tornar possível a decisão do juiz...” – tradução nossa.

Segundo o mestre argentino, essa teoria será defendida pelos espanhóis Manresa Y Reus, de la Serna e Caravantes e pelos argentinos Parodi, Rodriguez Y De la Colina.

Os autores da obra Teoria Geral do Processo, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Dinamarco (2003, p.280), defendem que “tal pensamento partia do erro metodológico fundamental consistente  na crença da necessidade de enquadrar o processo, a todo custo, nas categoria de direito privado”.

No Brasil, essa teoria sobreviveu até pouco tempo.  Para Afrânio Jardim (2001, p. 29) a hasta pública e a concordata ainda são vestígios dessa concepção privatista do processo.

DOUTRINAS PUBLICISTAS

Com a autonomia científica do direito processual e, depois, e sua concepção publicista, algumas teorias surgiram no sentido de dar uma identidade diferente da visão privatista.

Chamava-se a atenção para a idéia de que o embora o processo civil servisse para satisfazer um interesse das partes em conflito, havia, antes, um interesse coletivo, que pode ser sintetizado no restabelecimento da paz social.

Couture (2002, p. 119),  todavia, defenderá que o interesse da coletividade não precede ao interesse individual, mas se apresenta em igual plano.

No Brasil, ganharam destaques as teorias da relação jurídica e da situação jurídica.  Gozaíni (1992) relaciona ainda a teoria do serviço público, a teoria do procedimento e a teoria da instituição.

a) Teoria da relação jurídica

A teoria da relação jurídica processual deve a Oskar Von Bülow sua sistematização, a partir de sua obra A teoria das exceções dilatórias e os pressupostos processuais, onde defendeu ser o processo  uma relação de direito e obrigações recíprocos, ou seja, uma relação jurídica, e demonstrou  “que esta relação vinculativa do juiz e das partes é de Direito público e distinta da relação jurídica material.”

Afrânio Jardim afirma que os alemães, antes de Bülow já haviam reconhecido o processo como relação jurídica, mas acredita que o tema foi tratado de maneira superficial e assistemática.  Atribui a Bülow a apresentação de duas características importantes da relação jurídica processual: a progressividade e sua natureza pública.

Couture (2002, p. 107), afirmando ser a teoria da doutrina dominante, defende que o processo é uma relação jurídica, composta de vários sujeitos, investidos de poderes determinados pela ley e que atuam tendo em vista a obtenção de um fim.   São sujeitos o autor, réu e o juiz, aos quais a lei confere poderes para a realização do processo.  A esfera de atuação desses sujeitos é a jurisdição que se volta para um fim constituído na obtenção da pacificação social, ou seja, na solução do conflito de interesses levado à sua apreciação.

Essa teoria, na explicação do professor William Couto Gonçalves (2001, p.65):

“defende o pressuposto de que, no processo, antes do pronunciamento judicial definitivo sobre a procedência ou não do pedido, as partes têm direitos e deveres e todos os atos materializados no processo são revestidos de natureza jurídica porque pertencem à relação fundamental que se estabelece entre as partes.  Tal relação é autônoma, porque nasce e se desenvolve independente da relação jurídico material.; é complexa porque compreende um conjunto de direitos que se encontram vinculados por um fim comum que consiste na atuação a vontade da lei, mediante o pronunciamento de uma providência jurisdicional definitiva; é de direito público, porque deriva de normas que regulam um exercício de poder público.”

Seguindo a exposição de Gonçalves (2001, p.66), enquanto Chiovenda defende que o juiz tem deveres com as partes e estas para com o juiz e para com a outra; Calamandrei entende que as obrigações das partes ocorrem perante o Estado e não em relação a outra parte.  Já para Carnelutti defende não apenas uma, mas “um complexo de relações jurídicas constituídas por poderes  e deveres que a lei institui em favor e a cargo de todos os que nele intervêm, quer as partes, quer os advogados, quer terceiros, quer oficiais”.

Gozaíne (1992, p. 250) expõe que para Kohler, a relação jurídica se apresenta de forma linear, impondo somente às partes direitos e obrigações. Por outro lado, Wach apresenta uma relação triangular, envolvendo demandante, demandado e juiz, com deveres e obrigações recíprocas.

b) Teoria da situação jurídica

Em contraposição à teoria da relação jurídica, surge pelo alemão James Goldschimitd a teoria da situação jurídica, defendendo que não há em relação ao juiz e as partes nenhuma relação processual, mas o dever público de administração da justiça.  Compara  o processo a uma guerra, e transmuda o direito em possibilidades ou chances.  Para ele, o vencedor desfruta de situações vantajosas  em razão da luta e da vitória, independente de ter ou não direito anterior.  Essa teoria sofreu profundas críticas, especialmente por Liebman, por confundir o processo com seu objeto, o direito material.

g)      Teoria do serviço público

Gozaíne sustenta que a  teoria do serviço público, que surgiu pelos franceses Duguit, Jeze e Nezar (Gozaíni, 1922, p.255), apresentou o processo como um serviço público compreendido na atividade administrativa que desenvolve o Estado, sofrendo crítica na Espanha por Gonzalez Perez, que entende ser inapropriado o conceito de serviço público por relacionar-se à função administrativa, e  porque no processo o que se tem em conta é a função pública jurisdicional do Estado.

h)      Teoria do procedimento

Para a teoria do procedimento o processo todo se resume a um ato.  Foi defendida por Furno, em 1953 e completada por Fazzalari que defende tratar-se de uma série de comportamentos valorados por uma norma e ordenados um após outro, de modo que cada componente pressupõe ao que o precede e condiciona aos que o seguem.

Sofre críticas, principalmente, por reduzir a concepção de processo a procedimento, de forma que em não se observando a seqüência de procedimentos não se Ter-se-ia processo.

i)        Teoria da instituição

A teoria da instituição, originária dos publicistas franceses, especialmente  por Maurice Hauriou, defende que , segundo exposição do professor William Couto Gonçalves, “ a multiplicidade de relações jurídicas identificáveis no processo devem reduzir-se a uma instituição.

Não é a instituição uma sequência de atos destinados a um fim, mas um complexo de atividades relacionadas entre si e vinculadas por uma idéia comum e objetiva de satisfação de uma pretensão, participando juiz, demandado e demandante.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Afastada a característica privatista do processo que não mais se sustenta em nossos dias e partindo da concepção aristotélica de que todas as  coisas contém uma substância que pode ser subdividida em categorias, as quais podem relacionar-se com a primeira e, da mesma forma, podem sujeitar-se a estudos isolados, não nos aflige afirmar que o processo tem natureza pública, podendo ser estudado sob várias óticas e, como afirma o professor Gonçalves (2004,) “(...) por quaisquer delas, o processo é, na sua essência, garantia da jurisdição que ele operacionaliza, restringe, materializa, efetiva, especifica e torna eficaz” .

Implica dizer que os estudos das teorias contribuem para que possamos concluir ser o processo, em sua essência, a jurisdição.  Contudo, com ela não se confunde, pois representa apenas uma de suas categorias.  Em verdade, ele a instrumentaliza.  Assim, o processo não constitui a jurisdição enquanto categoria primeira.

Podendo a jurisdição ser dividida em categorias, e sendo o processo uma delas, ele acaba por especificar a jurisdição, na medida que permite que esta saia de sua condição abstrata e genérica para uma condição restrita e materializada.  Ele a instrumentaliza para que possa apresentar-se especificada e qualificada, para torná-la eficaz, sendo essa a sua finalidade.

Assim, o processo nada mais é do que a garantia de segunda grandeza, porque instrumentaliza a jurisdição que é a primeira garantidora dos direitos tutelados pelo Estado.

 


REFERÊNCIAS

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel.  Teoria geral do processo.  19 ed. ver. e atual.  São Paulo: Malheiros, 2003.

COUTURE, Fundamentos del derecho procesal civil. 4ª ed. Buenos Aires: B de F., 2002

GONÇALVES, Willian Couto Gonçalves.  Garantismo, finalismo e segurança jurídica no processo judicial de solução de conflitos.  Tese apresentada na Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro: 2001.

_______.  Garantismo, finalismo e segurança jurídica no processo judicial de solução de conflitos.  Belo Horizonte: Lumen Juris, 2004.

GOZAÍNI, Osvaldo Alfredo.  Derecho procesal civil. Tomo I, vol 1. Jurisdicción – accion y proceso.    Buenos Aires: Ediar, 1992.

GUERRA, Sidney; MERÇON, Gustavo. Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio de Janeiro: America Jurídica. 2002.

JARDIM, Afrânio da Silva.  Direito processual penal.  10 ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 2011.

PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Teoria geral do processo civil  contemporâneo. Rio de Janeiro:  Lumen Juris. 2007.  

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Atlas, 2009.


Notas

[1] É clássica a afirmação de que o Estado, no exercício de seu poder soberano, exerce três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional. O poder do estado é uno e indivisível, mas o exercício desse poder pode se dar por três diferentes manifestações, que costumam ser designadas de funções do Estado. Destas, uma é considerada instituto fundamental do direito processual, a função jurisdicional (ou simplesmente jurisdição).A jurisdição é o mais importante entre todos os institutos da ciência processual. Em outras palavras, a jurisdição ocupa posição central na estrutura do direito processual, sendo certo que todos os demais institutos de nossa ciência orbitam em torno daquela função estatal. Antes de mais nada é preciso se afirmar que a palavra jurisdição vem do latim iuris dictio, dizer o direito.

[2] ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Atlas, 2009, sustenta que o processo não soluciona conflito e “a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituando como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização de um direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo dos atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete”

[3] A União possui a Lei Federal n.º 9.784 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta. Não se admite, ainda que de forma subsidiária, a utilização de normas de processo administrativo de uma esfera federativa em outra. 

Sobre o autor
Wagner José Elias Carmo

Advogado, Pós-Graduado stricto sensu em Mestrado Profissional em Tecnologia Ambiental, Pós-Graduado em Direito de Estado, Professor da Faculdades Integradas de Aracruz.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, Wagner José Elias. Finalidade e natureza do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3849, 14 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26387. Acesso em: 29 dez. 2024.

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