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O ICMS sobre os serviços de radiodifusão

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

V - A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES

Assim como em relação à comunicação, devem ser usados vários conceitos para o termo TELECOMUNICAÇÃO. A começar pela definição americana do Federal Standard 1037C:

"Telecomunicação: 1. Qualquer transmissão, emissão ou recepção de signos, sinais, escritos, imagens, sons ou informação de qualquer natureza por meio de fio, radio, óptico ou outro sistema eletromagnético. 2. Qualquer transmissão emissão ou recepção de signos, sinais, escritos, imagens, sons ou informação de qualquer natureza por meio de fio, radio, visual, óptico ou outro sistema eletromagnético."

Ainda no campo Direito Comparado, cita-se a legislação do Imposto sobre o Valor Agregado Britânico[30] ("United Kingdom Value Added Tax Guide"), que é bastante esclarecedora do conceito:

"Serviços de telecomunicações significa o envio ou recebimento de material por meio eletrônico ou sistema similar de comunicação. Isto pode ser feito via cabo, fibra óptica, ondas de rádio, microondas, satélite, ou fio de cobre, e envolve telefonia (sistema para transmissão de fala e outros sons) e telegrafia (sistema para prover reprodução à distância de matéria escrita, impressa ou figuras) bem assim o direito de uso de tais facilidades".

O conceito legal de telecomunicação no Brasil é nada diferente da visão internacional[31], nem poderia ser. Segundo o §1º do art. 61 da LGT - Lei Geral das Telecomunicações - Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997, telecomunicação é:

"a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por fio, rádioeletricidade, meios óticos, ou qualquer outro processo eletromagnético."

Assim, a telecomunicação é a comunicação especializada pelo meio, pois que utiliza de fio, rádio e outros processos eletromagnéticos.

É importante estabelecer essa diferenciação, já que é costume entre os não versados fazer confusão com esses dois termos[32]. A relevância da distinção, para efeitos tributários, é que o ICMS incide sobre todo e qualquer serviço de comunicação, incluídos os de telecomunicação.

Mister é reavivar que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita (sobre a relação de interlocução remetente-destinatário). O imposto estadual incide sim, como é de ver do seu próprio nomen iuris, sobre a prestação (onerosa) de todo e qualquer serviço de comunicação de qualquer natureza (aí incluída a telecomunicação).

A Constituição aqui não lhe fez a mesma restrição relativa ao serviço de transporte que é apenas circunscrito ao âmbito interestadual ou intermunicipal.

A Lei Geral, em seu artigo 60, muito na linha do art. 1.216 do Código Civil, dá sentido ao termo serviço de telecomunicação, uma ligeira diferença quanto à telecomunicação:

"Art. 60. Serviço de telecomunicação é conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação".[33]

Ora, prestar, mediante remuneração ou retribuição, a determinada pessoa (usuário), uma atividade que possibilite a oferta de telecomunicação é, em conseqüência do conceito legal, prestar serviço de telecomunicação tributável que é pelo imposto estadual.

Ora, possibilitar a oferta é, em outras palavras, disponibilizar meios.

Só haverá incidência do ICMS quando se completa o negócio jurídico oneroso entre prestador e tomador (usuário) do serviço, isto é, quando o contratante, tomador do serviço, é cobrado por ter disponíveis os meios aptos e necessários à comunicação individualmente.


VIII - A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO

Inicialmente vale anotar que o Serviço de Televisão por Assinatura é espécie de telecomunicação juridicamente distinta da radiodifusão (TV e rádio abertos). Desde a Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n.º 8/95 (telecomunicações: art. 21, XI ; radiodifusão: art. 21, XII, a), passando pelas leis ordinárias distintas (Lei n.º 4.117, de 1962 – Código Brasileiro de Telecomunicações; 9.742/97), até os regulamentos, esses serviços são considerados inconfundíveis.

Do ponto de vista estritamente técnico, não há como separar telecomunicação e radiodifusão, esta é espécie daquela. Na realidade, desde a edição do Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, a radiodifusão já era tecnicamente considerada telecomunicação (além de ser juridicamente).

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O conceito legal de radiodifusão, segundo o art. 6º, alínea ‘d’ do Código Brasileiro de Telecomunicações, cujos dispositivos foram expressamente mantidos em vigor pelo art. 215, inc. I, da LGT - Lei Geral das Telecomunicações - Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997, é:

"Art. 6º Quanto aos fins que se destinam, as telecomunicações assim se classificam:

.........................................................................

d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão;"

Na mesma linha é o Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações, Decreto n.º 52.026, de 20 de maio de 1963, alterado pelo Decreto n.º 97.057, de 10 de novembro de 1988:

"Art. 6º Para os efeitos deste Regulamento Geral, dos Regulamentos Específicos e das normas complementares, os termos adiante enumerados têm o seguinte significado:

.........................................................................

83º - Serviço de Radiodifusão: modalidade de serviço de telecomunicações destinado à transmissão, de sons (radiodifusão de sons, radiofonia, ou radiodifusão sonora) ou de sons e imagens (radiodifusão de sons e imagens, radiotelevisão, ou radiodifusão de televisão), por ondas radioelétricas, para serem direta e livremente recebidos pelo público em geral;"

A lei federal instituidora do antigo Imposto Federal sobre Comunicações, o Decreto-lei n.º 2.186, de 20 de dezembro de 1984, considerava a radiodifusão no campo de incidência do ISC, tanto que lhe concedia isenção[34].

Mister é reavivar que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita (fluxo de informações entre o remetente e o destinatário) nem sobre a radiodifusão.

O imposto estadual incide sim, como é de ver do seu próprio nomen iuris, sobre a prestação (onerosa) de serviços de comunicação (que tem como uma das espécies a radiodifusão).

Ora, prestar, mediante remuneração ou retribuição, a determinada pessoa (usuário), uma atividade que possibilite a irradiação, a divulgação, a difusão, enfim, a transmissão de mensagens quaisquer é, em conseqüência do conceito legal, prestar serviço de comunicação tributável pelo imposto estadual.

Só haverá incidência do ICMS quando se completar o negócio jurídico oneroso entre prestador e tomador (usuário) do serviço, isto é, quando o contratante, tomador do serviço, in casu o anunciante, paga para ter disponíveis os meios aptos e necessários à realização da comunicação.

Como resultado lógico do próprio conceito, o requisito da onerosidade não está presente na radiodifusão, na relação emissora-telespectador. A essa conclusão chegaram justributaristas pátrios do calibre de Hugo de Brito Machado e Roque Carrazza. Este último, diga-se de passagem, arrima-se em lição do Prof. Marco Aurélio Greco[35] que já mereceu nota pública do próprio autor pela necessidade de revisão de seu entendimento quanto à intributabilidade da radiodifusão pelo ICMS.

O Prof. Alcides Jorge Costa também tem defendido a incidência do ICMS sobre a veiculação de comerciais por emissoras de rádio e televisão[36].

É falacioso o argumento de que, por se destinar a ser recebida direta e livremente pelo público em geral, a radiodifusão não é onerosa.

Há, diria, uma certa insistência incompreensível de alguns doutrinadores no reforço, na repetição e na solenização desse ponto.

Sequer há contrato de prestação de serviços entre emissora-telespectador. No entanto, a bilateralidade contratual e o ônus financeiro certamente estão presentes quando se analisa a relação emissora-anunciante, em referência à veiculação de comerciais.

Presentes nessa relação obrigacional estão as figuras do prestador (emissora) e a do usuário (ou tomador ou destinatário) do serviço, isto é, o contraprestador (o cliente, aquele que paga o preço).

Aliás, Hugo Machado[37], ao abordar o assunto, leciona:

"Parece-nos, porém, que relevante é saber quem remunera o serviço, pois tal circunstância é quem indica o destinatário deste (...) Destinatário do serviço não se confunde com destinatário do objeto transportado, ou da comunicação, constitui execução do contrato de prestação de serviço..."

Este serviço em que a emissora disponibiliza, a preço determinado, meios de comunicação (mídia) para divulgação de mensagens de terceiros é, induvidosamente, serviço de comunicação, distinto e inconfundível com o serviço de publicidade.

O serviço não se completa com a recepção pelo telespectador, mas pela transmissão da mensagem publicitária pela emissora (alguns preferem o termo difusão). Esse é o contrato interessante ao Direito Tributário: Usuário-Tomador-Anunciante X Prestadora-Emissora.

Vale dizer que para a tributação não há necessidade de que os aparelhos receptores estejam ligados e/ou sintonizados no canal da emissora-prestadora do serviço[38]. Exigir isto seria quase como se admitir tributar com o ISS apenas os serviços de diversões públicas em que o tomador "efetivamente" se divertisse.

Se alguém pagar o ingresso, mas não gostar ou nem mesmo entender o filme não haverá a incidência do ISS?


VII – O APARENTE CONFLITO DE COMPETÊNCIA: ICMS X ISS

Outro argumento dos que negam a tributação pelo ICMS dos serviços de radiodifusão é o de que há, na realidade, prestação de serviço de publicidade.

Esse ponto é igualmente refutável, isto porque há dois serviços que devem ser considerados: o primeiro é o de criação da peça publicitária e o segundo, o de sua veiculação.

Ora, a Lei de Publicidade e Propaganda[39] já deixava muito clara a diferenciação entre a produção da publicidade e propaganda e sua divulgação.

O arts. 1º a 3º da citada lei conceituam as figuras do publicitário, do agenciador de propaganda e da agência de propaganda (aquela que estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação).

Já o art. 4º prescreve que veículos de divulgação são quaisquer meios de comunicação visual e/ou auditiva capazes de transmitir mensagens de propaganda ao público.

As emissoras de rádio e televisão são, obviamente, veículos de divulgação de propaganda e publicidade; nunca, produtores.

A publicidade propriamente dita (a produção e criação enquadrada no item 85 da Lista[40] do ISS: Lei Complementar n.º 56, de 15 de dezembro de 1987) é feita pelas agências de propaganda e não pela emissora de rádio ou TV. Estas apenas veiculam, divulgam, difundem, o que originalmente estava descrito no item 86 da Lista[41].

O que vai ser demonstrado é que o item 86 não foi recepcionado pela Carta de 1988.

O simples fato de tratar-se de serviço de telecomunicação afastará, de plano, a incidência de qualquer outro tributo, inclusive a do ISS, pois sobre esses serviços incide somente o ICMS (não é o caso de incidência também de II ou IE), conforme o disposto no art. 155, § 3º da CF/88.

"Art. 155.......... ...........................................................................................

§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País" (original sem grifos).

Mas não é só. O dispositivo constitucional que cuida da competência impositiva dos Municípios (art. 156, inciso III) restringe a tributação municipal aos serviços de qualquer natureza que forem definidos em lei complementar (também instrumento de solução de conflitos de competência entre entes federados) como fato gerador do imposto (também art. 146, III, a).

Esse é o comando constitucional: o legislador complementar não pode, quando da definição do espectro de abrangência do ISS, utilizar-se de serviços que estejam no campo de incidência do ICMS (ou seja, ao ISS é vedado abarcar os serviços de transporte, interestadual e intermunicipal, e os de comunicação).

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

.....................................................................................................................

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar."

Funciona como lei nacional relativa ao ISS, a Lei Complementar n.º 56, de 15 de dezembro de 1987, que alterou a lista de serviços do Decreto-lei n.º 406, de 31 de dezembro de 1968, e tem aplicabilidade assegurada por força do § 5º do art. 34 da Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apenas no que não for incompatível com o novo sistema tributário.

Assim, o princípio da recepção somente vale para os serviços que se compatibilizam com a novel Carta.

Ora, a vigente Constituição Federal é posterior à LC 56 e algumas incompatibilidades entre elas já forma examinadas pelo Poder Judiciário.

É assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o atual item 98 da Lista de Serviços – comunicações telefônicas de um para outro aparelho dentro do mesmo Município – restou não recepcionado pela nova ordem, já que as comunicações passaram a ser objeto do poder de tributar estadual.

Esse é um claro e indiscutível exemplo de que há na lista da LC n.º 56/87 incompatibilidades com o novo regime constitucional.

Em realidade, antes mesmo da criação do ICMS, o Supremo Tribunal já decretara inconstitucional o ISS sobre o serviço telefônico, já que não se podia separar o estritamente municipal e aquele que transpunha os limites do município (RE 83.600/SP, DJ 10/08/79 e ERE 92003/RS, DJ 28/06/85), cujos acórdãos são transcritos a seguir:

"IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. SERVIÇO TELEFÔNICO.

Não incidência do imposto, no caso de ligações realizadas no âmbito municipal, por não se tratar de serviço estritamente municipal.

Ocorrência, na espécie, de ofensa ao art. 21, VII, da Constituição Federal. Recurso Extraordinário conhecido em provido, para restabelecer a sentença concessiva da segurança.

RE 83.600/SP, DJ 10/08/79

Tribunal Pleno – Relator Ministro MOREIRA ALVES"

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. INCIDÊNCIA, OU NÃO, SOBRE SERVIÇOS TELEFÔNICOS LOCAIS.

Inseparabilidade entre o estritamente municipal e o que, sob a mesma classificação de serviço local, transpõe os limites municipais. Embargos não conhecidos, por falta de divergência entre os arestos confrontados.

ERE 92.003/RS, DJ 28/06/85

Tribunal Pleno – Relator Ministro DÉCIO MIRANDA"

Com respeito ao assunto, o Município de São Paulo, por meio do Departamento de Rendas Mobiliárias da Secretaria de Finanças, em procedimento de consulta fiscal, com base na Portaria n.º 3, de 6 de janeiro de 1994 do Secretário de Finanças do Município, assim se posicionou:

"4. A atividade de veiculação de publicidade está fora do campo de incidência do ISS e sujeita ao imposto de competência estadual."[42]

Ocorre que além do pacífico entendimento pela inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre telefonia intramunicipal, afigura-se também inconstitucional a incidência do ISS sobre o serviço previsto no item 86.

O serviço previsto no item 86 da Lista de Serviços é serviço distinto da publicidade (item 85) e, de fato, caracteriza uma prestação de serviço de comunicação, somente podendo ser tributado pelo ICMS estadual (art. 156, III, CF/88).

Na realidade, o próprio item 86, in fine, já vedava a incidência do ISS quando se tratava de televisão ou rádio.

A Corte Constitucional, por ocasião do julgamento dos Recursos Extraordinários n.º 90.749 e 91.813-2/SC, decidiu:

"ISS. Serviços de propaganda e publicidade através de canal de televisão cujas imagens ultrapassam os limites de um município.

Não incidência dada a competência tributária da União

Recurso Extraordinário não conhecido."

1ª Turma – Relator Ministro CUNHA PEIXOTO

Diário da Justiça de 15/05/79"

"ISS. Serviços de propaganda e publicidade através de estação de rádio regional cujas mensagens ultrapassam os limites de um município.

A propaganda e a publicidade rádiotrasmitida ou televisionada é forma de difusão e, portanto, está implícita na comunicação intermunicipal ou regional, cuja competência tributária pertence à União.

Precedente RE 90.749-1/Bahia

RE conhecido e provido."

2ª Turma – Relator Ministro CORDEIRO GUERRA

Diário da Justiça de 17/10/80."

Não é demais lembrar que aquela competência da União citada no acórdão foi integralmente transplantada para os Estados pela Constituição de 1988 e, quando do seu exercício, alargada em relação ao que era tributado pela esfera federal.

Sobre o autor
Mário Celso Santiago Menezes

auditor tributário da Secretaria de Fazenda e Planejamento do Distrito Federal, pós-graduando em Regulação de Telecomunicações pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Mário Celso Santiago. O ICMS sobre os serviços de radiodifusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2641. Acesso em: 23 dez. 2024.

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