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Breves considerações acerca da natureza jurídica do termo de ajuste de conduta

Agenda 31/01/2014 às 12:56

Os Compromissos de Ajuste de Conduta são mecanismos que permitem aos infratores confessarem a não adequação à legislação e prever a forma de ajuste.

Resumo: O termo de ajuste de conduta é instituto utilizado com frequência desde a sua previsão legal inserta no Estatuto da Criança e do adolescente como ferramenta para permitir aos infratores de novas leis a adequação de suas atividades ao novo modelo vigente. Em que pese claramente o instituto tenha sido criado com a finalidade de tomar do infrator uma confissão de conduta ilícita e ajuste de tal conduta mediante critérios a serem acordados com o tomador do compromisso, o instituto passou a ser celebrado como verdadeira transação acerca do objeto da infração, o que o afastou de sua natureza jurídica inicial. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que o termo de ajuste de conduta somente poderá ser firmado pelos entes autorizados como confissão acerca da conduta ilícita, sendo que a regularização deverá se dar nos estritos termos legais, não sendo permitida qualquer liberalidade dos entes tomadores não previstos em lei.

Palavras-chaves: Termo de ajuste de conduta. Natureza jurídica. Ato de submissão. Confissão.


1. INTRODUÇÃO:

O ajustamento de conduta a ser tomado pelos “legitimados” a tanto teve sua primeira previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) em seu artigo 211, nos seguintes termos: “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

Tal previsão foi inserta no capítulo que trata da “Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos” com a clara pretensão de possibilitar o ajuste do comportamento existente anteriormente à vigência da novel legislação.

No mesmo âmbito e momento legislativo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seu artigo 113, promoveu alteração na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) para lhe incluir o §6º no artigo 5º, e permitir aos órgãos públicos legitimados “tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

Portanto, a gênese dos Compromissos de Ajuste de Conduta decorreu da necessidade de permitir aos órgãos legitimados que, no âmbito da inserção da nova legislação, em especial tratando-se da tutela de direitos transindividuais, coletivos e difusos, tomar dos infratores confissão acerca da não adequação de sua atuação à legislação e prever a forma de ajuste dela aos termos legais. Nada além disso.

Até porque a Constituição Federal prevê, em relação às normas consumeristas e ambientais, v.g., a necessidade de respeito ao equilíbrio entre os princípios que norteiam a ordem econômica nos termos do artigo 170. Isso significa que a previsão de celebração de um compromisso de ajuste de conduta consagra a valorização à livre iniciativa e à possiblidade de empresas adequaram-se à realidade legislativa que visa assegurar atingir a dignidade humana em todos os seus níveis.

Entretanto, tratando-se de instituto que trouxe expressivos benefícios justamente aos transgressores, que se viam sempre diante da possibilidade de ajustar sua conduta diante do ajuizamento de ação civil pública, instauração de inquérito civil ou mesmo antes da instauração de procedimento investigatório, o mesmo propagou-se facilmente e passou a ter sua utilização desviada.

Tal desvio decorreu da natural efetividade decorrente da obtenção do pretenso direito a ser tutelado ainda que não integralmente. Surgia, então, a figura dos Termos de Ajustamento de Conduta celebrados por mera liberalidade pelas empresas e sem expressiva cominação no caso de seu descumprimento.

Isso se deveu especialmente à constante adoção legislativa do termo de ajuste de conduta como ferramenta para resolução de conflitos que envolvessem direitos coletivos (lato senso). Claro exemplo é a previsão contida no artigo 6º do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, que Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC.

Tal previsão possibilitou às entidades e órgãos da Administração Pública destinados à defesa dos interesses dos consumidores celebrarem compromissos na órbita de suas respectivas competências, desde que se submetesse aos termos do § 6º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (trazido justamente pelo CDC).

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Entretanto, a ampliação do uso da ferramenta e o distanciamento de sua gênese permitiram que o instituto perdesse o real propósito de sua instituição e passasse a ser utilizado pelos órgãos como forma de trazer prestígio às suas atuações mediante a celebração de acordos que abriam mão da confissão do ilícito pelos infratores mas obtinha algum benefício futuro à coletividade, sem obter a pretendida sanção pelo ilícito passado.

São dezenas de exemplos nesse sentido, como os termos celebrados para tratar da maquiagem de embalagens com redução de conteúdo, publicidades enganosas e abusivas, informações acerca de tarifas bancárias, para citar somente algumas.

Deixava-se de obter o reconhecimento do direito lesado pelo transgressor e o Termo, que deveria obter a submissão do compromitente aos termos legais, passou a representar mera transação, assim entendida no sentido estrito do termo (com a existência de concessões mútuas).

A coletividade, por meio de seu representante (legitimação autônoma) deixava de punir o transgressor mediante o compromisso de alteração da postura doravante, encorajando, por outro lado, a manutenção do comportamento lesivo.

O ajustamento passou, então, a ser visto como verdadeira transação onde se permite indiretamente ao poder público, pela ausência de critérios preestabelecidos, que transacione com os infratores (não mais diante de nova legislação ou novos critérios, mas sim em qualquer caso em que haja infração aos direitos a serem protegidos) suas atividades irregulares.

E é exatamente nesse âmbito que há embate doutrinário acerca da natureza jurídica do ajustamento e a possibilidade de transacionar no âmbito dos direitos difusos e coletivos. Isso porque a matéria de que tratará a Ação Civil Pública será necessariamente de ordem pública, acerca da qual não se admite (ou não se deveria admitir, como se defenderá) transigência.

Considerando-se que a atuação dos legitimados visa a proteção de um direito da coletividade e “o objeto do litígio coletivo será sempre a reparação ou a tutela acautelatória de interesses transindividuais”, não se deverá admitir a renúncia, seja ela parcial ou total, quanto ao direito material a ser protegido.

Daí a pretensão de demonstrar que o Termo de Ajustamento de Conduta possui a natureza jurídica de confissão, com verdadeira submissão ao direito material pleiteado pelo legitimado, carecendo, sim, em diversas oportunidades, de melhor regramento acerca dos limites para previsão das condições de cumprimento da obrigação legal e fixação da cominação em caso de descumprimento.


2. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSIGÊNCIA. O TERMO COMO ATO DE SUBMISSÃO:

O artigo 841 do Código Civil, que trata da transação, nesse âmbito entendida como negócio jurídico bilateral com força contratual, prevê que só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação. Excluem-se, portanto, todos aqueles que não interessem à ordem pública, inclusive as relações jurídicas de caráter privado que despertem interesse social.

Ricardo de Barros Leonel (Manual do Processo Coletivo, p. 324) aponta que “tratando-se de substituição processual (nos interesses individuais homogêneos) e de legitimação autônoma (nos difusos e coletivos), em que os legitimados postulam em nome próprio interesses alheios, o exercício da ação é adstrito aos limites fixados no ordenamento”.

Assim, o autor defende que os TAC extrajudiciais deverão se submeter às mesmas regras daqueles celebrados judicialmente, especialmente no que tange ao reconhecimento, pelo agente infrator, do direito material tutelado:

“Pelos mesmos motivos, não podem os habilitados a agir em juízo efetuar composições em que haja o afastamento da tutela integral ao interesse, com renúncia, ainda que parcial, ao direito material.

Mesmo quando caracterizados interesses patrimoniais, ao ganharem dimensão coletiva adquirem conotação social, tornando-se indisponíveis processualmente, não obstante o lesado possa individualmente dispor de sua parcela. Ademais, os legitimados também não podem deles dispor por não serem titulares desses direitos”.

De se notar, ainda, que não há previsão legal a autorizar a transação acerca de qualquer direito tutelado e objeto de termos de ajuste, o que corrobora à conclusão de que sua natureza não é outra senão de confissão.

Fredie Didier Jr. (Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. 2ª ed. 2007. p. 306) afirma que tal ajustamento seria “modalidade específica de transação, para uns, e verdadeiro negócio jurídico para outros”, amparando-se na lição de Geisa de Assis Rodrigues, que defende a natureza conciliatória do instituto.

Hugo Nigro Mazzili (A defesa dos interesses difusos em juízo. 20ª ed. 2007. p. 387), por outro lado, afasta a natureza transacional do Termo de Ajustamento ao afirmar que “o órgão público legitimado não é o titular do direito, e, como não pode dispor do direito material, não pode fazer concessões materiais quanto ao conteúdo da lide”.

Entretanto, o autor aponta, em estudo específico acerca do tema[1], o termo de ajustamento como um ato administrativo negocial, ainda admitindo alguma liberalidade do poder público:

“Embora tenha o caráter necessariamente consensual, o compromisso de ajustamento não tem a natureza contratual, típica do Direito Privado, nem chega a ser propriamente uma transação de Direito Público. Trata-se, antes, de concessão unilateral do causador do dano, que acede a ajustar sua conduta às exigências legais, sem que o órgão público que toma seu compromisso esteja a transigir em qualquer questão ligada ao direito material, até porque não o poderia fazer, já que, em matéria de interesses transindividuais, o órgão público legitimado e o Estado não são titulares do direito lesado”.

A resposta definitiva, em nosso sentir, somente vem com José dos Santos Carvalho Filho (Ação civil pública: comentários por artigo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 221), que aponta o dever dos legitimados em tomar o termo, sempre que assim o infrator o desejar, cabendo-lhe exclusivamente apontar a conduta infratora a ser ajustada, a forma de cumprimento e as sanções aplicáveis ao descumprimento.

“Podemos, pois, conceituar o dito compromisso como sendo o ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais.

A natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervêm o órgão público e o promitente”.

Assim, o autor aponta o compromisso como um ato jurídico unilateral de reconhecimento da ilicitude da conduta e promessa de readequá-la à lei por parte do infrator do direito ou interesse difuso ou coletivo, sendo o órgão público legitimado obrigado a possibilitá-lo e tendo o infrator a faculdade de aceitá-lo ou não.

Com a confissão, o órgão legitimado fica dotado de poderes para, nos termos da Lei, obter do infrator a forma de adequação, que não poderá implicar em qualquer liberalidade do tomador do compromisso.


III. CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO – A CLAREZA DO ARTIGO 79-A DA LEI 9.605/98:

Assumindo o ajustamento previsto em diversos regramentos como um ato unilateral de confissão do infrator a ser recebido pelo ente legitimado que apresentará as condições para a correção de sua conduta, fica a principal dúvida que leva à discussão acerca da natureza do instituto: tal adequação deve se dar em que termos?

E a resposta seria simples na mesma medida da precisão dos regramentos aplicáveis: os limites são aqueles previstos em lei, que deve reger prazos, possibilidade de aplicação de multas, hipóteses em que isso se observará, dentre todos os demais fatores a nortear a ação do ente.

Exatamente nesse sentido aponta-se como referência o acórdão da Apelação Cível sem revisão nº 572.939-5/0-00, relatada pelo Exmo. Desembargador Torres de Carvalho, da Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois trata exatamente de hipótese em que foi firmado o termo, tal foi questionado em Embargos à Execução que foi julgado improcedente, tendo o acórdão confirmado tal improcedência com base na segurança jurídica oferecida pela Lei 9.605/98:

“O termo de ajustamento de conduta firmado com a CETESB em 12-11-1999 não a ajuda neste processo; é posterior às autuações e não foi cumprido, afastando a proteção conferida pelo art. 79-A e § 3o da LF n° 9.605/98 (quanto às autuações futuras); e não impede a execução das multas anteriores, nos termos do § 4o. Do mesmo modo o termo de compromisso firmado em 17-7-2002 pôs fim ao processo criminal e estabeleceu condições e prazos que a empresa não vem cumprindo, sem interferir na exigibilidade das multas anteriores”.

Portanto, a aparente solução à insegurança na celebração de ajustamentos de conduta é o estabelecimento legal de critérios a serem atendidos pelo ente tomador do ajustamento acerca dos limites a serem atendidos no momento da celebração do ato.


CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que os Compromissos de Ajuste de Conduta pretendem permitir aos órgãos legitimados estritamente que, no âmbito de inserção de nova legislação, em especial tratando-se da tutela de direitos transindividuais, coletivos e difusos, se permita aos infratores confessarem a não adequação e prever a forma de ajuste.

A forma de ajuste a ser acordada pelos envolvidos deverá atender estritamente o previsto em legislação específica para tal fim, sendo que qualquer deliberação que exacerbe tais limites deverá ser considerada nula.

Daí, conclui-se, finalmente, que ao apontar-se a natureza jurídica do Termo de Ajuste de Conduta como simples transação ou mesmo ato negocial administrativo se ignora o princípio da legalidade e a ausência de poderes de quaisquer dos entes legitimados para tomada de tal termo para transigir, ainda que minimamente, acerca dos direitos materiais que deveriam se protegidos.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. 2ª ed. Salvador, JusPodium, 2007, v. 4.

LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2012.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural. 20.ª ed. São Paulo: RT, 2007.

______. O inquérito civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4ª ed. São Paulo: RT, 1997.

RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

Nota

[1] MAZZILLI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 310,

Sobre o autor
Francisco Marchini Forjaz

Mestrando em Direitos Difusos e coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), Especialista em Direito das Relações de Consumo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), advogado do escritório Melchior, Micheletti e Amendoeira Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FORJAZ, Francisco Marchini. Breves considerações acerca da natureza jurídica do termo de ajuste de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3866, 31 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26577. Acesso em: 22 nov. 2024.

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