Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A correta aplicação da multa do artigo 33 da Lei 11.488/2007:

ausência de retroatividade benigna – novo suporte fático de aplicação

Exibindo página 1 de 2
Agenda 03/02/2014 às 17:02

O artigo 23, V do Decreto-lei 1.455/76 exige comprovação da fraude, simulação e conluio, bem como sujeito passivo específico; Difere do artigo 33 da Lei 11.488, que traz penalidade mais branda para a interposição fraudulenta presumida.

INTRODUÇÃO

O artigo 33 da Lei 11.488/2007, ora chamado de multa por interposição fraudulenta presumida, foi incluído no ordenamento jurídico visando a penalizar com multa de 10% sobre o valor da operação acobertada, não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a conduta de cessão do nome pelo importador ostensivo visando a ocultar os reais intervenientes da operação de importação.

Rapidamente surgiram interpretações no sentido de igualar a conduta descrita no artigo 33 da Lei 11.488/2007 ao disposto no artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76, ora chamada  multa por interposição fraudulenta comprovada (100%), com a restrição de que aquela seria norma especial destinada somente ao importador ostensivo, o que ensejaria a aplicação da retroatividade benigna da nova lei, por conter alíquota menor (10%) em relação ao sujeito passivo tributário (importador ostensivo).

Sucede, contudo, que o artigo 33 da Lei 11.488/2007 resultou de uma necessidade de adequação da legislação em relação à impossibilidade de se declarar a inaptidão de CNPJ das empresas existentes de fato que produzissem receitas ao país. Isso foi necessário porque até então poderia ser declarada a inaptidão de CNPJ tanto das empresas existentes de fato, quanto para as aparentemente existentes, ditas “de fachada”, com amparo no artigo 81, §º 1, da Lei 9430/96[1] c/c artigo 23, V, parágrafo 2°, do Decreto-lei 1.455/76.

Assim, com o advento do artigo 33, parágrafo único, da Lei 11.488/2007, em caso de cessão de nome para ocultação dos reais intervenientes na operação de comércio exterior, por não haver a comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados, a declaração de inaptidão de CNPJ passou a incidir somente sobre  a empresa inexistente de fato, dita “de fachada”. Ao passo que para a empresa com vida econômica ativa faticamente incidiria, em substituição, uma multa de 10% sobre o valor da operação, não superior a R$5.000,00 (cinco mil reais).

Nesse contexto, serve o presente artigo para elucidar a correta interpretação da norma artigo 33 da Lei 11.488/2007, a qual traz uma nova penalidade com suporte fático de incidência diferente do contido na norma do artigo 23,V, do Decreto-lei 1.455/76.

É de se ressaltar, contudo, que tal posição poderia culminar em incidência cumulativa de ambas as multas – artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76 e artigo 33 da Lei 11.488/2007 -  fazendo com que o importador ostensivo viesse a responder por 110% de multas em detrimento de 100% do real adquirente, contudo, afasta-se a possível interpretação em face do princípio da consunção.

Dessa forma, o presente artigo defende que não há revogação da norma do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76 pelo artigo 33 da Lei 11.488/2007, pois esta traz nova penalidade atribuída tão somente ao importador ostensivo com situação fática diferente da prevista naquela. Ao final, porém, conclui-se pela impossibilidade de cumular as duas penalidades ao importador ostensivo por ser o caso de aplicação do princípio da consunção.


DA DIFERENÇA ENTRE O COMPORTAMENTO APENADO NO ARTIGO 23, V, DO DECRETO-LEI 1.455/76 E O PREVISTO NO ARTIGO 33 DA LEI 11.488/2007

Vejamos a tipificação contida no artigo 23, V, Decreto-lei 1.455/76:

“Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

(...)

V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

VI - (Vide Medida Provisória nº 320, 2006)

§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 3º A pena prevista no § 1º converte-se em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 4º O disposto no § 3º não impede a apreensão da mercadoria nos casos previstos no inciso I ou quando for proibida sua importação, consumo ou circulação no território nacional.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)”

O inciso V dispõe ser dano ao erário importar/exportar mercadorias com ocultação dos reais intervenientes (importador e adquirente) mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.

As penalidades são a pena de perdimento (§1º) ou sua conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria quando não seja localizada ou tenha sido consumida (§3º), isto é, multa de 100% sobre o valor da operação.

O sujeito ativo do tipo é o importador ostensivo e/ou real adquirente, em co-autoria ou isoladamente, conforme dispõe o artigo 124, I, do Código Tributário Nacional e artigo 95 do Decreto-lei 37/66[2], por meio de fraude ou simulação.

A interposição fraudulenta está caracterizada no artigo 13 da IN 228/2002, que dispõe sobre procedimento especial de verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas, nos seguintes termos:

“Art. 13. A prestação de informação ou a apresentação de documentos que não traduzam a realidade das operações comercias ou dos verdadeiros vínculos das pessoas com a empresa caracteriza simulação e falsidade ideológica ou material dos documentos de instrução das declarações aduaneiras, sujeitando os responsáveis às sanções penais cabíveis, nos termos do Código Penal (Decreto – lei nº 2848 de 7 de dezembro de 1940) ou da Lei nº 8137, de 27 de dezembro de 1990, além da aplicação da pena de perdimento das mercadorias, nos termos do art. 105 do Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966.”

Dessa forma, visualizamos dois tipos de interposição fraudulenta: interposição fraudulenta propriamente dita ou comprovada, ou seja, quando resta caracterizada a fraude (artigo 23, V, DL 1455/76, caput e artigo 13 da IN 228/2002); ou a interposição fraudulenta presumida, que tem sua definição no §2º do art. 23 do DL 1455/76[3].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A norma do artigo 23, V, DL 1455/76 punia com a mesma severidade quem praticava a interposição fraudulenta propriamente dita e a interposição fraudulenta presumida. Tal previsão também foi repetida na IN 228/2002, artigo 11, II[4], punindo a interposição fraudulenta presumida com a pena de perdimento das mercadorias.

As referidas condutas ainda culminavam em inaptidão do CNPJ do importador, a teor do disposto no art. 81, §º 1, da Lei 9430/96[5] e parágrafo único do artigo 11 da IN 228/2002, cumulativamente. Tal imputação gerava transtornos para as empresas que tinham patrimônio e não eram somente criadas para realizar a operação fraudulenta.

Assim, foi publicada a Lei 11.488/2007, que em seu parágrafo único do artigo 33, tentou corrigir tal distorção legislativa a fim de adequar a cominação de inaptidão de CNPJ àquela empresa criada somente para efetuar importações irregulares sem existir de fato, ou seja, dita “de fachada”.

Porém, para a empresa que existisse de fato haveria a cominação de uma multa de 10%  sobre o valor da operação, limitada a R$5.000,00.

E qual é a conduta descrita pelo artigo 33 da Lei 11.488/2007? Caracteriza-se pela cessão do nome para ocultar os reais intervenientes da operação. Como se configura a conduta de ceder o nome ocultando os reais intervenientes? Quando não for comprovada a origem, disponibilidade e transferência dos recursos usados na importação, conforme prescrição do parágrafo único do artigo 33 do dispositivo legal em comento.

Logo, o comportamento de não comprovar a origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados na importação configura a infração de interposição fraudulenta presumida, conforme disposto no parágrafo 2°, do artigo 23, do Decreto-lei 1.455/1976.

Resta claro, portanto, que a penalidade da infração descrita no §2º do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76, ou seja, a interposição fraudulenta presumida, passou a ser estabelecida no artigo 33 da Lei 11.488/2007, mas não a infração, pois esta continua prescrita nas normas citadas:

Decreo-lei 1.455/76:

Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 1o O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 2o Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

Lei 11.488/2007:

“Art. 33.  A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Parágrafo único.  À hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no art. 81 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”

Lei 9430/96:

Art. 81 (...)

“§ 1o Será também declarada inapta a inscrição da pessoa jurídica que não comprove a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)”

Essa interpretação fica clara pela análise do disposto no parágrafo único do artigo 33 da Lei 11.488/2007,o qual faz referência expressa à inaptidão de CNPJ da pessoa jurídica que não comprove a origem, disponibilidade e transferências dos recursos (artigo 81 “§ 1º da Lei 9439/96), e essa é a definição de interposição fraudulenta presumida (art.23, V, “§ 2°, do Decreto-lei 1.455/76).

Segundo a LC 95/1998, que estabelece normas para consolidação dos atos normativos, em seu artigo 10, III, c, os parágrafos exprimem aspectos complementares à norma do caput, bem como as exceções à regra. Vejamos:

“Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios:

(...)

III - para a obtenção de ordem lógica:

a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;

b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;

c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;

d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens.” (g.n.)

Percebe-se que a nova disposição legislativa (art. 33 da Lei 11.488/07) trouxe penalidade específica para a infração prescrita no §2º do artigo 23,V, do Decreto-lei 1.455/1976, que aborda a interposição fraudulenta presumida, isto é, presunção legal, qual seja, multa de 10%, sem comprovação da fraude. Diferentemente é o que do que ocorre no art. 23, V, do Decreto-lei 1.455/76, que traz disposição expressa de necessidade de comprovação de fraude.

Fraudar “(...) consiste na falsificação de documentos fiscais, na prestação de informações falsas ou na inserção de elementos inexatos nos livros fiscais, com o objetivo de não pagar o tributo ou de pagar importação inferior à devida.”[6]

A corroborar ainda a interpretação aqui externada, essa é a mensagem legislativa já exposta e constante do Parecer proferido em plenário ao Projeto de Lei de Conversão PPP1 MPV 35107, pg. 23 (www2.camara.gov.br/proposiçoes) no item “Pareceres, Votos e Redação Final”, relativo ao atual art. 33 da Lei 11.488/2007 e artigo 35 da MPV 351/07:

“Já no art. 35, juntamente com a modificação da redação do art. 81 da Lei nº 9130, de 1996, contida no art. 15 do PVL, sugerimos a adequação dos critérios legais para se declarar a inaptidão de inscrição das pessoas jurídicas e da multa aplicável no caso de cessão de nome da empresa para realização de operações de comércio exterior de terceiros.”

No mesmo sentido da mensagem legislativa, não é possível continuar penalizando da mesma forma quem somente cede o nome para ocultar reais intervenientes, daquele que, mediante fraude comprovada, visando à sonegação fiscal, oculta os reais intervenientes. A questão está adstrita à comprovação efetiva e aos fins óbvios da fraude (sonegação fiscal).

Portanto, a diferença entre as infrações é que o artigo 33 da Lei 11.488/2007 penaliza em 10% a conduta de ocultação dos reais intervenientes mediante interposição fraudulenta presumida, conduta prevista no §2º do art. 23,V, do Decreto-lei 1.455/76, tendo por sujeito passivo somente o importador ostensivo. Já para a conduta do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76, incide na infração quem oculta os reais intervenientes mediante fraude ou simulação comprovadas (com o intuito de sonegação fiscal), podendo ser sujeitos passivos o importador ostensivo e o adquirente da mercadoria importada, por agirem conjuntamente, nos termos do artigo 124, I, do Código Tributário Nacional.


DA AUSÊNCIA DE REVOGAÇÃO DO ARTIGO 23, V, DECRETO-LEI 1.455/76 PELO ARTIGO 33 DA LEI 11.488/2007

É de se ressaltar, ainda, que não houve revogação do comando normativo inserto no artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76.

O Decreto-lei 4.657/1942, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, assim dispõe sobre a revogação legislativa:

“Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. “

Deste modo, pelo princípio da continuidade, uma lei só será revogada com o advento de outra com ela incompatível.

Após a análise dos dispositivos legais, como já exposto, verifica-se que um trata da aplicação de penalidade para interposição fraudulenta comprovada (artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/1976) e outro para interposição fraudulenta presumida (artigo 33 da Lei 11.488/07 c/c § 2°, artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76), o que culminaria em ausência de revogação de uma norma pela outra.

Ratifica também a ausência de revogação da lei antiga pela nova o fato de inexistir a revogação da solidariedade entre o importador ostensivo e do real importador e adquirente, quando realizarem operações de comércio exterior irregulares, por meio de fraude, simulação e em conluio. Embora o artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76, traga como penalidade a perda da mercadoria e isto afetaria diretamente o real adquirente, quem comete a infração, ou seja, o sujeito ativo da interposição fraudulenta comprovada é tanto o importador ostensivo, quanto o real importador e adquirente, em co-autoria, em razão de previsão da “solidariedade” entre as condutas, com base nos artigos 124, I, do Código Tributário Nacional e 95 do Decreto-lei 37/66[7].

E se pode afirmar com convicção que a lei nova (artigo 33 da Lei 11.488/2007) nada previu sobre o assunto, mas somente a cominação de uma nova penalidade para a conduta de interposição fraudulenta presumida, sem, portanto, a comprovação da fraude e simulação propriamente dita, mas decorrente de presunção legal. A pena seria de 10%, mais branda, e se aplicaria somente ao importador ostensivo.

Dessa forma, examinando os dispositivos legais em estudo, depreende-se que não houve revogação tácita e inaplicáveis as disposições do artigo 2º, §1º da LICC, em razão da inexistência de incompatibilidade e inexistência de inteira regulação da matéria.


O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO E A IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS MULTAS POR INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA COMPROVADA E PRESUMIDA

Destarte, a tese de que o artigo 33 da Lei 11.488/2007 trouxe a mesma conduta prevista no artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76 não pode prevalecer, pois aqui teríamos, equivocadamente, a aplicação do princípio da especialidade, ou seja, quando lei especial derroga lei geral.

A lei é especial quando contenha todos os requisitos da geral e  mais alguns específicos. Cita-se como exemplo a importação de cocaína, para a norma geral, a tipificação é o contrabando, contudo, importar drogas tem tipo específico, logo, a lei específica será a do tráfico de drogas.

Como já suficientemente esclarecido, não houve repetição de todos os requisitos da norma do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76, em especial, ressalta-se a ausência na norma do artigo 33 da Lei 11.488/07: da previsão de fraude ou simulação comprovada; de conluio entre os importadores ostensivo e oculto envolvidos na operação irregular; da inexistência de exclusão da responsabilidade solidária, cuja ação em conjunto pode gerar a solidariedade na norma antiga, mas não na nova, pois esta só se aplica ao importador ostensivo. Todos esses itens descaracterizam a aplicação do princípio da especialidade.

Todavia, é o caso de aplicação do princípio da consunção ou da absorção. Esse princípio se estabelece sob duas bases: o maior absorve o menor e o crime fim absorve o crime meio. É o que pode acontecer no presente caso.

Digamos que o importador ostensivo somente ceda o nome para ocultar os reais adquirentes, mas não participe das importações irregulares, não haja em conluio com os reais adquirentes visando à sonegação tributária. Ele simplesmente faz a operação para a qual é “contratado” e nada mais. Neste caso, ele seria intimado a comprovar a origem e disponibilidade dos recursos utilizados na importação, caso não o fizesse, seria autuado com base no artigo 33 da Lei 11.488/2007 pela infração de interposição fraudulenta presumida com multa de 10%.

Agora, suponha-se que o mesmo importador ostensivo não só tivesse cedido o nome (conduta 1) mas também tenha participado da fraude em conjunto com o real adquirente visando à sonegação fiscal (conduta 2), tudo comprovado nos autos. Neste caso, ambos seriam autuados com fulcro no artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76 pela infração de interposição fraudulenta comprovada com multa de 100% Aqui tanto importador ostensivo como o real adquirente praticam a conduta fraudulenta, em co-autoria, e são solidariamente responsáveis com base no artigo 124,I, do Código Tributário Nacional.

Na última situação descrita, poderia ainda ser imputada cumulativamente a multa do artigo 33 da Lei 11.488/2007 ao importador ostensivo, mas, em virtude do princípio da consunção, a conduta 1 foi absorvida pela conduta 2.

Consequentemente, esse é mais um dos argumentos aptos a confirmar a ausência de revogação do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/1976, pela Lei 11.488/2007.

Por oportuno, cita-se a ementa de acórdão da 2ª turma do TRF4 (AMS 2005.72.08.005166-6/SC, publicado em 1/8/2007, relator Otávio Roberto Pamplona), o qual vai ao encontro do presente artigo no sentido de que não houve revogação do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/76:

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA. OCULTAÇÃO DO VERDADEIRO IMPORTADOR. PENA DE PERDIMENTO DAS MERCADORIAS. LEGALIDADE. ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.488, DE 15 DE JUNHO DE 2007. NÃO REVOGAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO PREVISTA NO ARTIGO 23 DO DECRETO-LEI Nº 1.455, DE 1976. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

(...)

5. O artigo 33 da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, não tem o condão de afastar a pena de perdimento, porquanto não implicou em revogação do artigo 23 do DL nº 1.455/76, com a redação dada pela Lei nº 10.637/2002. Isso porque, a pena de perdimento atinge, em verdade, o real adquirente da mercadoria, sujeito oculto da operação de importação. A pena de multa de 10% sobre a operação, prevista no referido dispositivo legal, revela-se como pena pessoal da empresa que, cedendo seu nome, faz a importação, em nome próprio, para terceiros. O parágrafo único do aludido artigo, por sua vez, estatui que "à hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no art. 81 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996". Essa complementação legal, constante do parágrafo único, abona o entendimento de que não houve a revogação da pena de perdimento para a hipótese retratada nos autos. Antes o confirma, porquanto exclui, expressamente, apenas a possibilidade da aplicação da sanção de inaptidão do CNPJ. Quanto às demais penas, permanecem incólumes, havendo a previsão, agora também, da pena pecuniária, nos termos do caput do aludido preceptivo legal.” (g.n.)

Sobre a autora
Tatiana Irber

Procuradora da FAzenda Nacional Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IRBER, Tatiana. A correta aplicação da multa do artigo 33 da Lei 11.488/2007:: ausência de retroatividade benigna – novo suporte fático de aplicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3869, 3 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26633. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!