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Análise sobre a viabilidade da restituição de tributos indiretos

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Agenda 13/02/2014 às 11:22

4 rePETIÇÃO DE TRIBUTOS INDEVIDOS E ANÁLISE DA VIABILIDADE DA RESTITUIÇÃO DOS CHAMADOS “TRIBUTOS INDIRETOS”

4.1 Análise das hipóteses apresentadas no artigo 165 do Código Tributário Nacional

O artigo 165, caput, do Código Tributário Nacional enuncia que “o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento”, conforme explanado anteriormente. O caput do referido artigo faz, ainda a ressalva de que “a perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta modalidade, não dão direito a restituição, salvo nos casos expressamente previstos na legislação tributária, ou naquelas em que o erro seja imputável à autoridade administrativa”. Entretanto, atualmente, essa observação perdeu um pouco sua importância, uma vez que não são mais efetuados pagamentos com uso de estampilha. O dispositivo segue com os incisos que elencam as hipóteses de restituição dos tributos pagos indevidamente.

O inciso I do artigo 165 do CTN trata do caso em que houver “cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido”. Luciano Amaro (2009, p. 422) enfatiza que, independentemente de ter havido cobrança por parte do sujeito ativo ou de ter o sujeito passivo pago espontaneamente, a restituição é cabível quando houver pagamento indevido, pois, em síntese “o que, em qualquer situação, é necessário é o pagamento, sendo indiferente que tenha sido efetuado porque houve cobrança ou porque alguém, sem nenhuma ação do Fisco, procedeu ao recolhimento indevido a título de tributo”.

Dando continuidade à análise desse inciso, no tocante ao trecho que menciona “tributo indevido ou maior do que o devido”, Amaro (2009, p. 423) tece críticas à redação que o legislador deu ao dispositivo:

Ora, o que se repete não é “o tributo maior do que o devido”, mas somente a parte que exceda o valor devido, pois tal parte configura “tributo indevido”. Portanto, o que se pode repetir é sempre “tributo indevido”, inexistindo a alternativa prevista no dispositivo, nos termos em que ali está referida.

Luciano Amaro (2009, p. 423) considera desnecessária, também, a colocação simultânea das expressões “da legislação tributária aplicável” e “da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido”, uma vez que o legislador teria, nas duas alternativas, feito a mesma afirmação, apenas com pontos de vista distintos. Além disso, o autor reprova a qualificação dada ao fato gerador no final do inciso I, que usa a expressão “fato gerador efetivamente ocorrido”, conforme se verifica na seguinte análise:

Com efeito, o problema é sempre de subsunção: ou existe um fato que corresponda à hipótese de incidência, em face do que se efetuou corretamente o pagamento de tributo, ou tal fato inexiste (ou existe um fato, mas sem as características previstas na lei, o que dá na mesma), e, nessa circunstância, não se dá a subsunção, não há obrigação tributária, e o pagamento é indevido. Ademais, é imprópria a adjetivação dada pelo Código, ao se referir o fato gerador efetivamente ocorrido, pois o que na realidade poderá estar presente é um fato não gerador. Ou um fato gerador de tributo de valor menor do que o recolhido, o que, mais uma vez, se resolve na questão da subsunção do fato à norma. Aliás, também não é feliz a referência à legislação aplicável; o indébito pode ocorrer da errônea subsunção à legislação (ou seja, da aplicação de legislação inaplicável).

Carlos Valder do Nascimento (1997, p. 439) aborda a hipótese do inciso I do artigo 165 do CTN com foco na ocorrência de erros de direito e de fato. Para o referido autor, “a norma prevê, em primeiro plano, a restituição do indébito tributário decorrente de erro de direito”. Dessa forma, o dispositivo em análise trata da existência de ilegalidade, tendo em vista que “o tributo não guarda compatibilidade com a legislação pertinente, é inconstitucional sua cobrança, por isso que o contribuinte deve receber o que indevidamente foi recolhido”. Com o intuito de esclarecer ainda mais o assunto, o doutrinador orienta:

Segundo Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, erro de direito “refere-se ao fato de alguém enganar-se a respeito da existência da regra jurídica, própria ao ato praticado, ou interpreta-la equivocadamente para aplicá-la falsamente ao ato a ser executado. O erro de direito, assim, não somente pode implicar o engano oriundo da falsa ideia, como pode consistir na ignorância da regra jurídica ou de sua exata interpretação, para ser aplicado ao fato concreto o ato a ser cumprido”.

Ricardo Lobo Torres (apud Nascimento, 1997) ressalta que, embora a restituição seja devida pelo fato de o pagamento não ter sido efetuado com base no princípio da legalidade, “a ação visa precipuamente restituir o contribuinte à sua anterior capacidade contributiva e não ao mero controle da legalidade formal dos atos da Administração”, uma vez que, injustamente, o contribuinte, ao arcar com o ônus do tributo indevido, sofreu redução patrimonial.

Carlos Valder do Nascimento (1997, p. 439) aponta, também, a caracterização da hipótese de erro de fato presente no inciso I do artigo 165 do CTN, “porque a situação de fato configurada na lei, pensada pelo contribuinte, não enseja o nascimento da obrigação tributária”, e apresenta uma definição do que seja erro de fato:

Marcos Cláudio Acquaviva ensina que o erro de fato é o “engano a respeito de uma circunstância material, e pode ser acidental ou essencial. Acidental é o erro quando incide sobre peculiaridade secundária do objeto, não sendo, pois, o motivo determinante do contrato. O erro essencial, também chamado substancial, enseja a nulidade do ato, pois ataca a substância ou essência deste, tendo sido seu próprio causador”.

Por sua vez, o inciso II do artigo 165 do CTN refere-se à hipótese de “erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento”. Preliminarmente, faz-se necessário esclarecer que, embora no texto oficial conste o termo “edificação”, sabe-se que o correto seria “identificação”, tendo havido, portanto, um equívoco (AMARO, 2009). O mesmo autor, ao comentar esse inciso, salienta que “se o valor recolhido foi maior do que o devido, ou se nada era devido, o indébito é restituível, independentemente de se demonstrar que houve erro de conta, ou de elaboração de documento, ou de leitura da lei”, julgando, portanto, prescindível a colocação de todos esses quesitos no inciso.

Nascimento (1997, p. 440) acrescenta que “o inciso II trata da restituição do indébito tributário com supedâneo em equívocos de natureza estritamente material”. O próprio inciso exemplifica algumas situações que configuram erro material, e, portanto, não carece de maiores cuidados ou esclarecimentos.

Por fim, o inciso III do artigo 165 do CTN aponta a situação de “reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória”. Para Amaro (2009, p. 423), o presente inciso é tão redundante quanto os dois primeiros, e defende que “a decisão que posteriormente modifique uma decisão anterior (em razão da qual fora feito o pagamento) estará precisamente declarando que o pagamento efetuado foi indevido (por algum motivo jurídico)”. Com base nesse pensamento, o inciso III do artigo 165 do CTN não representaria uma “hipótese autônoma que enseje a restituição”.

Valder do Nascimento (1997, p. 440) ressalta que “cuida o inciso III de decisão condenatória proferida pelo Poder Judiciário, nas hipóteses processuais de iniciativa dos sujeitos ativo e passivo da relação jurídico obrigacional”, e traz como exemplos “as ações de execução fiscal ou declaratórias de inexistência da dívida”.

Com relação a esse inciso, Hugo de Brito Machado (2006, p. 217) esclarece que “diz respeito aos casos em que o sujeito passivo pagou em face de decisão condenatória. Questionou e perdeu. Diante da decisão que o condenou ao pagamento, pagou. Mas continuou questionando e finalmente conseguiu o desfazimento daquela decisão”. O autor ressalta ainda que, embora o inciso faça menção a “reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, (...) para efeitos práticos não importa a distinção entre esses diversos modos de desfazimento da decisão, pois conduzem ao mesmo resultado, que é o de ensejar a restituição do indébito”, e diferencia, didaticamente, cada expressão:

Há reforma quando o desfazimento se dá por decisão de órgão superior, com exame de mérito; anulação, quando apenas por vício formal; revogação, quando o próprio órgão prolator da decisão a modifica, em face de recurso que admita retratação; e, finalmente, há rescisão quando a decisão já havia transitada em julgado e é desfeita mediante ação rescisória.

4.2 Tributo indevido pode ser considerado tributo?

 A resposta a essa indagação é alvo de divergências doutrinárias. Luciano Amaro (2009, p. 424), por exemplo, entende que “em rigor, é inadequada a atribuição desta ou daquela natureza ao valor recolhido, pois, se se trata de indébito, aquilo que se recolheu não foi tributo, nem direto nem indireto”. Para o referido doutrinador, “o direito à restituição deriva do fato do pagamento indevido, independentemente da análise que se possa fazer acerca das características do tributo a cujo título (indevidamente) tenha sido feito o recolhimento”. Sob essa ótica, não haveria tributo indevido, mas apenas um valor recolhido indevidamente a título de tributo.

No mesmo sentido, Paulo Roberto de Oliveira Lima (2001, p. 318) argumenta:

Ora, se se trata de tributo indevido, não se pode falar em extinção do crédito tributário, pois que jamais houve crédito tributário. Também não se pode falar em lançamento e suas espécies, posto que de lançamento somente se cuidaria em existindo efetivamente tributo, e não é este o caso. O equívoco de se considerar o pagamento indevido como tributo é tão injustificado e gritante quanto comum.

Por outro lado, Hugo de Brito Machado (2001, p. 20-21), em defesa de que tributo indevido é, realmente, tributo, assevera:

O argumento segundo o qual o pagamento de tributo indevido deve ser tratado inteiramente fora da relação tributária é inconsistente. Na verdade, quem paga tributo indevido está pagando tributo, embora indevido. É que somente a análise da relação tributária pode permitir a definição do que é devido, e do que é indevido, a título de tributo. O ser indevido, portanto, não afasta a qualificação tributária exatamente porque só em face da relação tributária se pode afirmar sua existência, vale dizer, a existência do indébito tributário. (...) O pagamento feito a título de tributo, ainda que seja indevido não perde a natureza tributária, posto que somente em face da lei tributária é que se pode afirmar ser o mesmo indevido. Da mesma forma que o ser jurídico não quer dizer ser lícito, o ser tributário não quer dizer ser conforme a lei tributária. O ilícito é jurídico porque o ser lícito, ou ilícito, é uma qualidade inerente àquilo que é jurídico. É uma qualidade atribuída pelo Direito. Do mesmo modo, ser o tributo devido, ou indevido, é qualidade inerente àquilo que é tributo. É uma qualidade atribuída pelo Direito Tributário.

Em consonância com o entendimento de que tributo indevido possui natureza tributária, Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 534-535) preceitua:

A importância recolhida a título de tributo pode ser indevida, tanto por exceder ao montante da dívida real quanto por inexistir dever jurídico de índole tributária. Surge, então, a controvertida figura do tributo indevido, que muitos entendem não ser verdadeiramente tributo, correspondendo a mera prestação de fato. Não pensamos assim. As quantias exigidas pelo Estado, no exercício de sua função impositiva, ou espontaneamente pagas pelo administrado, na convicção de solver um débito fiscal, tem a fisionomia própria das entidades tributárias, encaixando-se bem na definição do art. 3º do Código Tributário Nacional. A contingência de virem a ser devolvidas pelo Poder Público não as descaracteriza como tributo e para isso é que existem os sucessivos controles de legalidade que a Administração exerce e dos quais também participa o sujeito passivo, tomando a iniciativa ao supor descabido o que lhe foi cobrado, ou postulando a devolução daquilo que pagara indebitamente. Não sendo suficiente o procedimento administrativo que para esse fim se instale, terá o interessado acesso ao Poder Judiciário, onde poderá deduzir, com os recursos inerentes ao processo judicial, todos os argumentos e provas que deem substância aos seus direitos.

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Machado Segundo (2010, p. 418) também defende a natureza tributária do tributo indevido, e destaca uma importante lição de Pontes de Miranda, ao afirmar que, embora o tributo indevido ingresse nulamente no mundo jurídico e, devido a esse “vício verificado na juridicização do suporte fático” seja dele retirado, a natureza do tributo indevido não se altera, uma vez que apenas sua validade resta prejudicada, e não sua existência.

Xerez (2003, p. 72) ressalta que, realizando uma interpretação sistemática das normas previstas no Código Tributário Nacional e relacionadas à restituição do indébito, verifica-se claramente que o legislador também considerou que o tributo indevido é tributo, e não apenas na denominação, mas em sua própria natureza. O artigo 165 do CTN, que introduz o tema, ao dispor que “o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade de seu pagamento”, utiliza o termo “tributo”, e não a expressão “quantia paga a título de tributo”.

Dando continuidade ao raciocínio de Xerez (2003, p. 72-73), tem-se que o artigo 166 do CTN corrobora o entendimento de que tributo indevido é tributo, ao enunciar que “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”. Dois motivos embasam essa conclusão: 1) o dispositivo faz menção à “restituição de tributos”; e 2) trata da “sujeição ativa da obrigação de repetição do tributo indevido dotado de repercussão jurídica”. Se o tributo indevido não fosse tributo, não haveria motivo para dar importância à repercussão do ônus tributário. Do mesmo modo, o artigo 167 do CTN refere-se a “restituição total ou parcial do tributo”.

Xerez (2003, p. 73) destaca que a evidência mais explícita de que o legislador conferiu ao tributo indevido a natureza tributária encontra-se no inciso I do artigo 168 do CTN. Essa observação se deve ao fato de que o referido dispositivo trata da hipótese em que o direito de pleitear a restituição finda com o decurso de 5 (cinco) anos contados a partir “da data da extinção do crédito tributário”. Por se referir a “crédito tributário”, constata-se que, realmente, o tributo indevido tem natureza de tributo. Conforme ensinamento de Machado (2001, p. 20-21):

Fala-se de extinção do crédito tributário, posto que assim está escrito, literalmente, no art. 168 do CTN. E com razão. (...) Como tudo que acontece no mundo jurídico, também o lançamento pode ser feito devida, ou indevidamente. E mesmo sendo feito indevidamente, ele constitui o crédito tributário, que é entidade formal, distinta da obrigação tributária, esta sim somente existente se e quando ocorre o fato gerador respectivo.

Portanto, o tributo indevido está sujeito ao “lançamento enquanto ato formal de constituição do crédito tributário”. Se o tributo indevido não fosse tributo, finaliza Xerez (2003, p. 73-74), “não haveria o que se falar na respectiva ‘extinção do crédito tributário’, conforme o faz o mencionado art. 168 do CTN”.

Conforme verificado, o Código Tributário Nacional, nos artigos referentes à restituição do indébito, deixa claro que tributo indevido tem natureza de tributo, ressaltando, nas palavras de Xerez (2003, p. 74), “características dos tributos indevidos que são próprias de tributo, tais como a possibilidade de repercussão jurídica do ônus do tributo ou a constituição de crédito tributário”. Isso revela a incongruência do entendimento daqueles que, embora reconheçam a validade desses artigos, negam a natureza jurídica de tributo ao tributo indevido.

Segundo Xerez (2003, p. 74), os defensores de que tributo indevido não é tributo utilizam, em geral, dois argumentos: 1) reconhecer natureza tributária ao tributo indevido seria uma violação ao princípio da legalidade; e 2) por não ser receita pública, tributo indevido não poderia ser tributo.

Com relação ao primeiro argumento, Xerez (2003, p. 74-75) tece a seguinte explicação preliminar:

Aqueles que afirmam que o tributo indevido não é tributo em face do princípio da legalidade tributária, incorrem no erro de colocar como característica ínsita ao tributo ser objeto da prestação de uma relação jurídico-tributária válida, ou seja, de uma obrigação tributária. O tributo, seja ele devido ou indevido, corresponde a objeto da prestação de uma relação jurídico-tributária. Referida relação pode ser válida ou inválida conforme se constitua em conformidade ou não com o ordenamento jurídico. Se tal relação for válida, corresponderá a uma obrigação tributária, sendo o tributo devido. Caso contrário, ou seja, se a relação jurídico-tributária for inválida, o tributo será indevido.

E conclui afirmando que “em face do referido princípio constitucional, o tributo instituído por norma jurídica que não corresponda a lei em sentido estrito será um tributo indevido, por não corresponder ao objeto de uma relação jurídico-tributária válida, mas nem por isso, deixará de ser tributo”.

Já a respeito do segundo argumento, Xerez (2003, p. 75) afirma que, “de fato, o tributo indevido não pode ser considerado como ingresso definitivo de recursos nos cofres públicos tendo em vista que o seu pagamento gera o dever de repetição dos valores indevidamente arrecadados”, e, portanto, não consiste em receita pública. Entretanto, não é pelo fato de ser restituível que o tributo deixará de ser tributo. O próprio artigo 3º do CTN, que dispõe sobre a definição de tributo, não traz como característica essencial do tributo que ele seja receita pública. Além disso, o artigo 4º, II, do CTN enuncia que, salvo as exceções constitucionais, a destinação legal do produto da arrecadação dos tributos é irrelevante para qualificar a “natureza jurídica específica do tributo”. Por fim, Xerez (2003, p. 75) exemplifica de modo a não restarem dúvidas: “Aliás, o empréstimo compulsório, uma das espécies tributárias previstas constitucionalmente, tem por uma de suas características ser restituível ao contribuinte”, demonstrando que não há incompatibilidade entre o fato de ser restituível e o de ser tributo.

4.3 A aparente contradição entre as Súmulas 71 e 546 do Supremo Tribunal Federal

De acordo com a análise histórica e o ensinamento de Machado Segundo (2011, p. 25), em época anterior à edição do Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 1966), o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal era no sentido de que não deveria haver restituição de tributos indiretos. Em dezembro de 1963, esse posicionamento foi cristalizado na Súmula 71 do STF, que dispõe: “embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”. O referido autor explica, ainda, que o teor dessa Súmula “parte da premissa de que o tributo indireto representa ônus sempre repassado do contribuinte ‘de direito’ ao consumidor final (contribuinte ‘de fato’)”, e, por esse motivo, possibilitar a restituição do tributo pago indevidamente resultaria em enriquecimento sem causa do contribuinte de direito, já que este não sofreu o prejuízo cuja reparação seria pleiteada na ação de restituição.

Conforme já explanado no capítulo referente aos princípios que embasam o direito à restituição do indébito, Machado Segundo (2011, p. 25) menciona que, à época da edição da Súmula 71 do STF, havia o entendimento de que, em virtude de o Estado atuar com interesse na coletividade, seria preferível o locupletamento sem causa da Fazenda Pública ao do contribuinte de direito. No mesmo sentido, Mörschbächer (2001, p. 254) aduz que “a Suprema Corte, ao criar o verbete número 71 de sua Súmula (...), parece ter orientado a jurisprudência (...) segundo a tese da Fazenda Nacional, para negar, ao contribuinte ex lege, em qualquer situação, a restituição de tributos indevidos classificados como indiretos”.

Machado Segundo (2011, p. 26) menciona o estudo detalhado feito por Brandão Machado com o intuito de identificar a origem, no âmbito das decisões proferidas pela Corte Suprema, do argumento favorável ao enriquecimento sem causa do Estado. Verificou-se que, já no ano de 1900, esse argumento foi apresentado pela Fazenda, porém, rejeitado pelo STF. Poucos anos depois, em 1905, devido a “forte influência do direito privado à época, e do ainda primitivo estágio em que se encontrava o estudo do Direito Público e do Direito Tributário”, a ideia de que o locupletamento sem causa da Fazenda era aceitável foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Para Machado Segundo (2011, p. 26), “a questão (...) não é de empobrecimento ou não do contribuinte de direito, mas de se permitir a subsistência de uma tributação incompatível com o ordenamento jurídico, notadamente com as disposições constitucionais que limitam o poder de tributar”.

Após o pontual acolhimento em 1905, como destaca Machado Segundo (2011, p. 26), o STF voltou a defender o posicionamento de antes, ou seja, de que “a possível transferência econômica do ônus do tributo não é razão para se indeferir a sua restituição ao contribuinte, quando pago indevidamente”. Novamente, houve a alternância do entendimento a partir da década de 1950, quando “o argumento da ‘repercussão’ dos tributos indiretos como causa para sua não restituição voltou a ser acolhido”. A respeito de toda essa mudança de entendimento no STF, Brandão Machado (apud Machado Segundo, 2011) orienta que se deve a dois fatores:

De um lado, a insistência com que a Fazenda Pública, no puro interesse da arrecadação, defendeu e ainda defende a tese, que ela mesma criou, da irrepetibilidade do imposto indireto, porque repercutível, tese que se elaborou já no fim do século passado [século XIX], com apoio nas ideias correntes nos tratados de Ciência das Finanças; e, de outro lado, a falta de qualquer literatura de direito tributário ou mesmo financeiro, omissão evidentemente imputável à falta de uma cadeira da matéria no currículo universitário, forçando o autodidatismo do jurista a orientar o seu preparo segundo os institutos e conceitos do direito privado, de permeio com noções tomadas à Ciência das Finanças e Economia Política.

Neviani (1983, p. 39) caracteriza o enunciado da Súmula 71 do STF como “genérico e seco”, e afirma que seu conteúdo foi responsável por inúmeros erros judiciários, “chegando muitos processos a serem trancados até mesmo em primeira instância pelo simples fato de o imposto, indevidamente pago e devidamente repetendo, ser daqueles considerados indiretos”. O autor tece, merecidamente, severa crítica à referida Súmula:

O exame atento de uma série de julgados indica que a Súmula foi invocada a torto e a direito, muitas vezes até mesmo sem se atentar para as provas dos autos. Muitas vezes, apenas em nome dela, a Súmula, já se negou justiça a contribuintes diligentes e repetentes de tributos considerados indiretos, apenas porque o tributo a título do qual o pagamento indevido fora feito foi considerado indireto. Como se fosse estigma indelével: se o contribuinte tiver pago indevidamente um tributo considerado indireto, azar o dele, que pagou. Quem mandou pagar? Nada de restituição. O Estado que se farte de arrecadar tributos indevidos, desde que indiretos, que o seu atentado à ordem constitucional ficará certamente impune e sem consequencia, porque, afinal, o rótulo “indireto” desses tributos confere ao Estado abusado imunidade contra o princípio constitucional da estrita legalidade dos tributos.

Amaral Junior (2006, p. 130), em memória jurisprudencial, afirma que o Ministro Aliomar Baleeiro, “em diversos julgados, ao aplicar a Súmula n. 71 do STF, (...) manifestou desconforto em relação à regra da não-repetição de tributo indireto”. No RE 45.977 ES, julgado em 27 de setembro de 1966, o Relator, Ministro Aliomar Baleeiro registrou:

Mas não se pode negar a nocividade do ponto de vista ético e pragmático duma interpretação que encoraja o Estado mantenedor do direito a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgãos. Nada pode haver de mais contrário ao progresso do Direito e à realização da idéia-força da Justiça.

Neviani (1983, p. 43) ressalta que “as súmulas foram instituídas para tornar mais expedito o andamento dos feitos na Corte Suprema e para evitar que muitos casos lá fossem ter. Sem dúvida, mas nada disso se legitima se for à custa da Justiça”. Sendo assim, a existência da súmula não tem o propósito de proibir que a Suprema Corte examine os casos com profundidade.

O Ministro Aliomar Baleeiro, conforme enfatiza Neviani (1983, p. 43-44), teve grande destaque na “quebra do absolutismo da Súmula 71 do STF”, vencendo o “imobilismo formalista de alguns de seus pares”, ao perceber “um dos casos extremados em que a translação do ônus financeiro do imposto seria impossível”. No mesmo sentido, Amaral Junior (2006, p. 130) enuncia uma crítica feita por Baleeiro à jurisprudência do STF:

À falta de um conceito legal, que seria obrigatório ainda que oposto à evidência da realidade dos fatos, o Supremo Tribunal Federal inclina-se a conceitos econômico-financeiros baseados no fenômeno da incidência e da repercussão dos tributos indiretos, no pressuposto errôneo, data venia, de que, sempre, eles comportam transferência do ônus do contribuinte de iure para o contribuinte de facto. Então, haveria locupletamento indébito daquele às expensas deste, motivo pelo qual deveria ser recusada a repetição. É o suporte pretendidamente lógico da Súmula 71.

Foi devido a essa observação, como bem ressalta Machado Segundo (2011, p. 27), de que “em determinadas situações mesmo o tributo classificado como indireto não tem seu ônus transferido ao consumidor final (contribuinte de fato)”, que o Supremo Tribunal Federal, aperfeiçoando a Súmula 71, editou, em outubro de 1969, a Súmula 546, com os seguintes dizeres: “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”.

Percebe-se que o conteúdo desta Súmula tem conteúdo similar ao do artigo 166 do CTN. Machado Segundo (2012, p. 232) esclarece, porém, que esse artigo é “posterior ao entendimento cristalizado nas aludidas súmulas, podendo-se dizer que é uma consequência delas”. E explica que, apesar de elas terem sido publicadas em momento posterior ao Código Tributário Nacional, “os julgados que deram origem à sua edição começaram a surgir pelo menos vinte anos antes”.

Ainda realçando a importância que teve Baleeiro na percepção das limitações impostas pela Súmula 71 do STF, Neviani (1983, p. 44) menciona:

Graças à competência e descortino do Ministro Aliomar Baleeiro, começaram a aparecer sinais de que a Súmula n. 71 deveria ser aplicada cum grano salis, isto é, fazendo distinções casuísticas de ter sido, ou não, possível a traslação do tributo repetendo, de ela ter factualmente ocorrido, ou não. Não que a jurisprudência se tenha inclinado ao exame aprofundado ou deliberado de todas as variáveis que, em todo caso, poderiam estar em jogo, mas, pelo menos, houve sinais de que seria no mínimo grosseiro aplicar-se a Súmula n. 71 em sua brutal singeleza.

A Súmula 71 do STF não foi cancelada, porém, não é mais aplicada. Na verdade, “seu conteúdo apenas foi ‘esclarecido’ pela Súmula 546”, conforme salientou Machado Segundo (2012, p. 232). Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 536) afirma que ela está “ultrapassada, e a 546 guarda sintonia com o mandamento do art. 166”. Para Dejalma de Campos (2001, p. 117), a Súmula 71 foi aperfeiçoada pela Súmula 546, e, de fato, esta trouxe um quesito que, em tese, possibilita a restituição do tributo pago indevidamente.

Neviani (1983, p. 45-47), na mesma toada, afirma que “a Súmula n. 546 abrandou um pouco o rigor da antecedente”, que detinha “preconceituosa rigidez e kafkianos efeitos”, mas salienta que a nova Súmula não pode ser considerada “como solução perfeita ou desejável, mas apenas como uma abertura, uma indicação de luz no fim do túnel da traslação tributária por que a jurisprudência brasileira (...) enveredou em matéria de repetição de tributos indevidos”, e faz uma relevante observação:

Em que pesem os benefícios que a Súmula, como instituição, possa trazer à administração judiciária, não é possível deixar de considerar que o seu uso desprovido de um disciplinamento crítico envolve riscos enormes de imobilizar, submetendo- a indesejável obscurantismo, o Poder Judiciário, tirando-lhe uma das características mais importantes e essenciais, qual seja a da dinâmica da manifestação da Justiça, a capacidade de fazer do Direito algo vivo, para seres vivos, para uma sociedade de seres vivos e inteligentes. Fórmulas sintéticas como aquelas adotadas pelas súmulas podem ser muito cômodas e úteis. Mas podem tornar-se cômodas demais e constituir-se num desserviço à comunidade jurisdicionada, quando a súmula é aplicada sem o necessário disciplinamento crítico e sem a necessária abertura intelectual e disposição de examinar a fundo cada caso submetido ao crivo judiciário.

Vittorio Cassone (2001, p. 453) assevera que “o entendimento da Súmula 546 vem sendo mantido pelo STF, e pelo STJ também, embora por vezes a dificuldade consista em se saber se efetivamente ocorre o fenômeno da translação neste ou naquele tributo ou contribuição”.

A coexistência das duas Súmulas, uma negando e a outra permitindo a restituição do tributo indireto, embora possa parecer estranha, não é uma contradição, uma vez que as Súmulas foram editadas em épocas diferentes, e a Súmula 71 do STF, embora não tenha sido cancelada, não é mais aplicada. Aliás, esta Súmula teve grande importância para aflorar o espírito observador e analista de grandes juristas, como Baleeiro, culminando na edição da Súmula 546 do STF, que, embora ainda apresente limitações, já representa um avanço considerável no campo das discussões a respeito dos tributos indiretos.

4.4 Peculiaridades do artigo 166 do CTN – requisitos para a restituição dos tributos indiretos

O artigo 166 do Código Tributário Nacional trata especificamente da restituição dos tributos considerados indiretos, e assim dispõe: “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

Preliminarmente, é interessante saber qual a provável origem ou inspiração desse artigo. Neviani (1983, p. 228) questiona como é possível o artigo 166 do CTN sofrer tantas críticas e ter sua constitucionalidade posta em discussão se a Comissão que elaborou o Código Tributário Nacional era “composta de juristas da maior estatura técnica e moral, além de pessoas de outras profissões”. O autor relata que, ao realizar sua pesquisa na documentação com a qual trabalhou a referida Comissão, verificou que “a elaboração do artigo 166, da Lei n. 5.172/66, teria por inspiração básica o artigo 38 de um anteprojeto de código fiscal para a Argentina, elaborado em 1942, por Giuliani Fonrouge”.

Conforme explicação de Neviani (1983, p. 229), Fonrouge inspirou-se no “Revenue Act”, editado em 1936, nos Estados Unidos, segundo o qual, para as ações de repetição especificamente dos impostos criados pelo “Agricultural Adjustment Act”, deveria ser provado que o contribuinte “suportou o ônus financeiro do tributo e que não se havia compensado ou reembolsado dele, nem, direta ou indiretamente, havia trasladado tal ônus”. Essa regra, portanto, como bem observa Neviani (1983, p. 229-230), foi elaborada para ter sua aplicação “tão somente no estreito âmbito dos impostos criados pelo ‘Agricultural Adjustment Act’ americano e não para quaisquer outros impostos ou para todos os tributos”, e chega à conclusão de que “na origem, uma norma excepcional, criticável, mas essencialmente excepcional. Já Fonrouge, no seu anteprojeto, cometeu erro lógico ao tentar generalizar a aplicação dessa norma excepcional a todos os tributos, e acabou legislando pela exceção”.

Essa é a provável origem do artigo 166 do CTN, apontada por Neviani (1983, p. 230), e que “resultou distorcida porque ampliada para um campo de aplicação que o legislador do ‘Revenue Act’ jamais suspeitaria”, implicando em uma generalização equivocada.

Ainda em relação à Comissão que elaborou o Código Tributário Nacional, Neviani (1983, p. 230-231) salienta que “estavam sendo preparados dois textos de Anteprojetos, que se complementariam: o referido anteprojeto e o Anteprojeto da Lei Orgânica do Processo Tributário, este último da lavra de Gilberto de Ulhôa Canto”. Por algum motivo, o anteprojeto de Ulhôa Canto “depois de enviado às autoridades que o solicitaram, perdeu-se nos escaninhos insondáveis das repartições e não chegou a ser enviado ao Congresso”. Em seu artigo 117, o tema da restituição estava tratado nos seguintes termos:

Art. 117 – É parte legítima para pleitear a repetição, o sujeito passivo da obrigação tributária ou o infrator que tiver pago penalidade, ainda que o efetivo encargo financeiro tenha sido transferido a outrem. Quem provar a transferência, disporá de ação regressiva contra o sujeito passivo reembolsado, ou poderá integrar a lide como assistente, e requerer ao juiz que a restituição lhe seja feita.

Neviani (1983, p. 232) argumenta que, provavelmente, em virtude da farta jurisprudência com entendimento contrário ao do supracitado artigo do Anteprojeto, e buscando uma “tentativa de conciliação de opiniões dentro da comissão elaboradora do Código Tributário Nacional, a matéria foi reformulada”, originando o texto que, atualmente, encontra-se disposto no artigo 166 do CTN, e, sabiamente, tece a seguinte crítica:

Ressalvada a autoridade científica do autor do Anteprojeto de lei adjetiva, que na sua primitiva redação optara por solução cientificamente defensável e justa porque não criava privilégio adicional para o erário, cumpre reconhecer que melhor fora manter as ideias do mencionado artigo 117 do anteprojeto. A emenda (o artigo 166 do CTN) deteriorou o bom soneto. Tenho para mim que o artigo 166 é uma distorção no excelente sistema jurídico-tributário inaugurado pelo CTN. A sua aplicação deu e dará margem a todo tipo de incertezas e de iniquidades, só fazendo diminuir ainda mais os casos de restituição concedida.

Feita essa abordagem histórica, o foco, a partir de agora, se concentra nos requisitos que o artigo 166 do CTN trouxe para restituição dos tributos indiretos: o contribuinte repetente do indébito deverá provar que suportou o encargo financeiro, ou, se o tiver repassado, que apresente autorização do terceiro que suportou o referido encargo, que, no caso, é o contribuinte de fato.

Machado Segundo (2012, p. 229) afirma que “é conhecido o obstáculo criado pela Fazenda Pública para a restituição de tributos indiretos”. O Fisco presume que o contribuinte de direito sempre repassa o ônus do tributo, embutindo o valor no preço da mercadoria. Entretanto, essa translação nem sempre ocorre. Ainda com base na alegação Fazendária, caso ocorra, indevidamente, pagamento de tributo, restituir o contribuinte resultaria em locupletamento sem causa, uma vez que este já teria reembolsado, no momento do repasse, o tributo pago. Dessa forma, mesmo que o tributo fosse reconhecidamente indevido, não poderia haver restituição. Ocorre que, nessa última situação, haveria enriquecimento sem causa do Fisco, o que, em respeito ao princípio da isonomia, não é aceitável.

Para Tarcísio Neviani (1983, p. 233-234), a prova de que não houve repasse do ônus do tributo “se esgota com a exibição do recibo ou comprovante de pagamento do tributo indevido”. Em crítica feita ao artigo 166 do CTN, o doutrinador defende que “a transferência do ônus financeiro a terceiro (...) não pode ser admitida como matéria de defesa do erário”, e explica:

Quem paga suporta, com exclusividade, o ônus financeiro do montante pago. Quem paga tributo indevido, obviamente lhe suporta o ônus financeiro, quer o contribuinte consiga, quer não consiga, transferir a terceiro o ônus econômico do tributo indevidamente pago. Por sua vez, a transferência deste ônus a terceiro é fato estranho à relação jurídico-tributária, e é fato não considerado pelo artigo 4 do Código Tributário Nacional como caracterizador da natureza jurídica do tributo.

Ao mesmo tempo, defende o autor que, se a Fazenda quiser se opor à restituição do indébito utilizando o argumento de que ocorreu a transferência do ônus econômico, que caiba a ela produzir essa prova, para que não haja “quebra de todos os princípios de justiça, a criação de novo e odioso privilégio para a Fazenda Pública que, devendo provar em sua defesa, pretende, absurdamente, que a prova seja feita por aquele a quem não aproveita”.

Na mesma toada, Machado Segundo (2012, p. 231) ressalta que “em princípio, o ônus de provar a ocorrência da repercussão, se pertinente a sua invocação, seria da Fazenda, e não do autor da ação, a teor do que didaticamente dispõe o art. 333, I, do CPC”. Em sua obra “Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições”, Machado Segundo (2011, p. 35) orienta que “essa prova, difícil, poderia em tese ser feita por meio de perícia, que apure a ausência de influência do ônus tributário sobre a formação do preço”.

Com relação ao segundo requisito positivado no artigo 166 do CTN, nas palavras de Neviani (1983, p. 234), “abandona os pressupostos científicos do Direito Tributário quando exige que o repetente se faça autorizar pelo terceiro a quem o ônus financeiro do tributo teria sido transferido para repetir o indébito”. A crítica se deve ao fato de que se estaria inserindo, forçosamente, um estranho na relação jurídico-tributária, pois a restituição do tributo indevido ficaria na dependência da autorização concedida pelo terceiro. O autor induz à reflexão com o seguinte questionamento:

Se um contribuinte de imposto tido como indireto (cujo ônus, portanto, se presume, embora erroneamente, transferível a terceiro) deixa de pagar o tributo, a Fazenda Pública vai cobrar o que lhe é devido desse terceiro? É claro que não, pois ele não é contribuinte, e a lei não permite à Fazenda Pública cobrar tributo de quem não o deva. Mas, pela malfadada presumida translação, o ônus financeiro desse tributo não recairia sobre esse terceiro? Sim. Mas se, apesar disto, o terceiro não pode ser sujeito passivo do tributo e, portanto, não faz parte da relação jurídico-tributária, como, sem arranhar profundamente a sistemática do Direito Tributário, atribuir qualidade a esse terceiro para "autorizar" o contribuinte legal que pagou o indevido a repetir? Não há lógica nisto.

Deveras relevante também é a observação feita por Machado Segundo (2011, p. 35) quanto à segunda alternativa proposta pelo artigo 166 do CTN. O autor ressalta a dificuldade que o contribuinte de direito teria para conseguir dos contribuintes de fato a autorização para requerer a repetição do indébito tributário, pois “tendo em vista a impossibilidade de identificar e localizar número tão grande de consumidores, notadamente no caso de venda a consumidor final documentada por cupom fiscal simplificado, essa alternativa torna-se, na prática, inviável”.

Complementando, Neviani (1983, p. 89) analisa que, mesmo que fossem identificados os contribuintes de fato, também seria bastante difícil comprovar que foram eles quem, realmente, suportaram o ônus do tributo. Com isso, “instaura-se, pois, um círculo vicioso, de sorte que, a prevalecerem os critérios jurisprudenciais correntes, quase nunca o Erário será obrigado a restituir o que indevidamente recebeu e estarão legitimados todos e quaisquer abusos do poder tributante”.

Verifica-se, portanto, que, embora o contribuinte de direito tenha legitimidade para pleitear a restituição do indébito tributário, dificilmente obterá êxito, tendo em vista os óbices criados pela Fazenda Pública e endossados pela atual jurisprudência. Machado Segundo (2011, p. 35) evidenciando a incoerência com a qual é tratado o tema da repetição de tributos indiretos, examina, por sua vez, o tratamento conferido ao contribuinte de fato e questiona de forma esclarecedora e instigante:

Afinal, se o “de direito” não pode pleitear a restituição porque quem teria sofrido o ônus seria, na verdade, o contribuinte “de fato”, poderia este, em nome próprio, pleitear tal devolução? Ou, por outras palavras, se a repercussão do ônus financeiro tem relevância jurídica suficiente para suprimir direitos do contribuinte legalmente definido como tal, teria também para transferir esses direitos ao consumidor final, dito contribuinte de fato? Quando o contribuinte de fato formula qualquer pretensão, relativamente ao tributo que lhe é economicamente repassado, o primeiro argumento levantado pela Fazenda, em sede de contestação, é a ilegitimidade ativa do contribuinte de “fato”. Afinal, diz-se, ele não tem nenhuma relação jurídica com o Estado, sendo a repercussão, por ele sofrida, meramente econômica. (...) Ora, por que negar ao contribuinte “de fato” o direito à restituição, se a circunstância de ter sido ele que “na verdade” sofreu o ônus da cobrança indevida é o argumento para se negar essa restituição ao contribuinte “de direito”?

Por todos esses motivos, mais parece que a verdadeira intenção do artigo 166 do CTN é impedir a restituição dos tributos considerados indiretos. Neviani (1983, p. 236) salienta que esse artigo está “ab-rogando o princípio da legalidade dos tributos, porque permitirá ao fisco todo gênero de abusos, na certeza de que a repetição do indébito em matéria tributária rarissimamente funciona”, enfatizando que a prova a que se refere esse artigo é a de que o contribuinte suportou o ônus financeiro do tributo.

Ives Gandra (2001, p. 176) afirma que “o art. 166 é, portanto, um primor de inconstitucionalidade, de contradição, de má formulação legislativa, intrínseca e extrinsecamente, sendo dos poucos dispositivos que não honram o diploma de excepcionais qualidades em que estão inseridos, o Código Tributário Nacional”, sobretudo porque viola a garantia à tutela jurisdicional. Conforme o esclarecimento de Machado Segundo (2011, p. 40),

tem-se no art. 166 do CTN uma disposição de lei que exclui da apreciação do Judiciário, não raro irremediavelmente, inúmeras lesões ou ameaças a direito, servindo de enorme, e muitas vezes intransponível, embaraço para que contribuintes submetam ao Judiciário a análise a respeito da validade de pagamentos feitos a título de ICMS, IPI ou ISS. (...) Como observa Gilberto de Ulhôa Canto, “se à Fazenda, que pode, sem dúvida, recusar a restituição ao contribuinte econômico pelo fato de com ele não ter tido vínculo jurídico também se permitir recusar a devolução ao contribuinte de direito, com a alegação de que ele transferiu a terceiro o encargo financeiro, é certo que se perpetua a ilegalidade consistente no próprio pagamento indevido, o que não pode, evidentemente, ser o objetivo do intérprete e do aplicador da lei”.

Tarcísio Neviani (1983, p. 237-238), após tecer reiteradas críticas ao artigo 166 do CTN, defende sua substituição pelo já comentado artigo 117 do Anteprojeto, uma vez que, para o doutrinador, esse dispositivo “teria a enorme virtude de dissuadir a Fazenda Pública das frequentes práticas abusivas e coativas na exigência de tributos indevidos”.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GADELHA, Maria Alice Sousa. Análise sobre a viabilidade da restituição de tributos indiretos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3879, 13 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26705. Acesso em: 23 dez. 2024.

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