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A alteração da data de pagamento do tributo por atos normativos infralegais

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Agenda 20/02/2014 às 15:45

3. LEI E LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

O sistema tributário nacional é regido pela Constituição Federal, e é nela que são encontradas a normas básicas do Direito Tributário. Com isso, toda norma tributária, definida pelo CTN como “legislação tributária” (leis, decretos, portarias, convênios, decisões judiciais, decisões administrativas, tratados, ou convenções internacionais), deverá ser interpretada de acordo com a Constituição Federal, que no âmbito tributário traz normas constitucionais tributárias e definições gerais por meio de normas complementares que se aplicam em âmbito nacional.

Nesse ponto, importante trazer à lume o que dispõe o art. 59[19] da Constituição Federal, de peculiar relação com o assunto:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Quanto às expressões “lei” e “legislação tributária” previstas no Código Tributário Nacional, apesar de parecidas, não se confundem, e o Código Tributário se encarregou de diferenciá-las, o que fez trazendo-as em dispositivos diversos, como assim tratou dos assuntos separadamente nos artigos 96 e 97, os quais também demandam interpretações diferentes.

Nesse ponto, a lei deve ser analisada sobre dois aspectos: sentido material e sentido formal. E nesse sentido, corrobora com tal raciocínio Machado[20], quando dispõe que:

Em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente, para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Diz-se que o ato tem a forma de lei. Foi feito por quem tem competência para fazê-lo, e na forma estabelecida para tanto, pela Constituição. Nem todos os atos dessa categoria, entretanto, são leis em sentido material.

Em sentido material, lei é ato jurídico normativo, vale dizer, que contém uma regra e direito objetivo, dotada de hipoteticidade. Em outras palavras, a lei, em sentido material, é uma prescrição jurídica hipotética, que não se reporta a um fato individualizado no tempo e no espaço, mas a um modelo, a um tipo. É uma norma. Nem sempre as leis em sentido material são leis em sentido formal.

Da diferenciação proposta pelo autor citado, é possível entender que a lei terá sentido amplo quando se enquadrar no conceito de sentido formal ou material, bastando para tanto ser formalmente ou materialmente, representando deste modo todas as normas jurídicas tributárias que dizem respeito aos tributos. E terá sentido restrito, quando acumular o aspecto formal e o material.

Vejamos o que dispõem os arts. 96 e 97 do CTN[21]:

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

Assim, partindo do entendimento do real significado de lei, pode-se afirmar que a palavra “lei” é adotada pelo Código Tributário Nacional no sentido restrito, enquadrando-se nos sentidos formal e material, requerendo regra jurídica emanada do Poder Legislativo, que detém competência constitucionalmente prevista para tal ofício, sem é claro deixar de lado as regras pertinentes à elaboração de leis.

Podemos inferir com Machado[22] que “Só é lei, portanto, no sentido em que a palavra é empregada no CTN, a norma jurídica elaborada pelo Poder competente para legislar nos termos da Constituição, observado o processo nesta estabelecido.”

Já a palavra legislação como utilizada no CTN, significa lei em sentido amplo, abrangendo, além das leis em sentido estrito, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. [...] O disposto no art. 96 do CTN não tem o sentido de restringir o conceito de legislação tributária, mas de mostrar a sua amplitude em comparação com o conceito de lei tributária.[23]


4. A ALTERAÇÃO DA DATA DE VENCIMENTO DO TRIBUTO POR ATOS NORMATIVOS INFRALEGAIS

O tema acima proposto tem sido palco de discussão na doutrina e jurisprudência pátrias, o que traz reflexões a respeito, se a alteração da data de vencimento da exação tributária ou a data de exigência de seu pagamento reclama a regulamentação por lei, em atenção ao princípio da legalidade tributária previsto constitucionalmente, ou se pode ser alterado por ato normativo infralegal consubstanciado no princípio da estrita legalidade tributária previsto no art. 97 do Código Tributário Nacional.

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Nossa Constituição Federal traz disposto no inciso I do art. 150, que a exigência ou a instituição de tributo somente pode se dá por lei, vedando a sua instituição e majoração por outros atos normativos que não sejam a lei, representando uma garantia e segurança jurídica ao contribuinte, como um verdadeiro direito fundamental, sendo o princípio da legalidade um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, pois o Estado não poderá invadir o patrimônio do particular se não houver previsão legal para tanto, ou seja, se não houver o consentimento do contribuinte, o que se dá pela via legal legislativa.

Por outro lado, há que ser destacado que a Constituição Federal dispôs sobre normas gerais sobre o Direito Tributário, cabendo à legislação complementar suprir as lacunas existentes, o que o fez por meio do Código Tributário Nacional. Diante disso, no que pertine à exigência de lei para a instituição ou majoração de tributos, o CTN disciplinou através do art. 97 os elementos obrigatórios integrantes de uma lei tributária por meio de um rol taxativo, não prevendo dentre esses elementos obrigatórios a data de vencimento da exação, deixando margem para interpretações se o aspecto temporal é de exigência legal ou pode ser modificado por atos infralegais.

Partindo do entendimento de que a data de vencimento do tributo é elemento da reserva legal, por derradeiro a sua alteração também deveria se dá por meio de lei, mas como mencionado no parágrafo anterior, a data de pagamento do tributo não habita a discriminação taxativa do art. 97 do CTN, e, portanto, não é um dos elementos exigidos pelo dispositivo para constar na lei que institui o tributo.

Os Tribunais Superiores brasileiros vêm produzindo jurisprudências acerca da exigência ou não de lei para a alteração da data de alteração do vencimento do tributo. Mas como se verifica, há ainda um prendimento a uma hermenêutica positivista, que desconsidera o Sistema Tributário como um todo, deixando de enfrentar a problemática como um sistema, além de deixar de considerar princípios outros além dos da legalidade e estrita legalidade

No que pertine ao entendimento jurisprudencial relacionado ao tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) como intérprete máximo da Constituição, já enfrentou a questão por algumas vezes, tendo entendimento pacífico em seus julgados que o rol trazido pelo artigo 97 do Código Tributário Nacional é taxativo, quando ali dispõe os elementos obrigatórios que somente poderão ser estabelecidos por lei, não incluindo ali a data do pagamento do tributo, concluindo que é matéria que não exige regulamentação legal.

Nesse sentido tem decidido o STF, consoante se constata das seguintes jurisprudências:

(...) O Tribunal, por maioria, conheceu do recurso e lhe deu provimento, declarando a constitucionalidade do art. 66 da Lei n. 7.450/85 que atribuiu ao Ministro da Fazenda competência para expedir portaria fixando o referido prazo, ao fundamento de que a fixação de prazo para recolhimento do tributo não é matéria reservada à lei. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, por entenderem que a disciplina sobre prazo de recolhimento de tributos sujeita-se à competência legislativa do Congresso Nacional.[24]

Como se percebe da decisão acima, a Suprema Corte tem o entendimento de que a fixação do prazo para o recolhimento do tributo não é matéria de reserva legal, quando analisou em sede de recurso extraordinário a constitucionalidade de artigo de lei que atribui competência ao Poder Executivo para regular a data de vencimento do tributo por uma portaria, ou seja, por um ato normativo abaixo da lei, nos termos do art. 59 da Constituição Federal. Do julgado é possível observar também que o Supremo Tribunal consubstancia tal julgado em uma interpretação positivista do art. 97 do Código Tributário Nacional, elencando que se trata de dispositivo que traz um rol taxativo de elementos que deverão integrar a lei tributária.

(...) Alegação descabida. Prevista, no dispositivo legal sob enfoque, a atualização monetária dos débitos de ICMS, não há como se falar, no caso, em ofensa ao princípio da legalidade. De outra parte, não se compreendendo no campo reservado a lei, pelo Texto Fundamental, a definição do vencimento e do modo pelo qual se procederá a atualização monetária das obrigações tributárias.[25]

 Neste outro julgado do STF, apreciou a matéria da alteração da data de vencimento do tributo por meio de um recurso extraordinário com objeto envolvendo atualização do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS, em que ao referir-se ao aspecto temporal de exigência do imposto, menciona que não há ofensa ao princípio da legalidade previsto na CF/88, sob a consoante de que não é matéria reservada à lei. 

(...) Improcedência da alegação, tendo em vista não se encontrar sob o princípio da legalidade estrita e da anterioridade a fixação do vencimento da obrigação tributária; já se havendo assentado no STF, de outra parte, o entendimento de que a atualização monetária do débito de ICMS vencido não afronta o princípio da não-cumulatividade (RE 172.394). Recurso não conhecido.[26]

Em mais um julgamento proferido pelo Supremo Federal, como o acima colacionado, torna-se claro o entendimento do Tribunal, pois consubstancia sua decisão com base no princípio da estrita legalidade previsto no art. 97 do CNT, como assim também faz menção ao princípio da anterioridade, a nosso ver até de forma desnecessária, haja vista que o princípio da anterioridade tributária decorre do próprio princípio da legalidade.

Assim, o STF fincado no entendimento de que o aspecto temporal não é elemento essencial a constar da lei instituidora dos tributos, tem entendido que a alteração da data de exigência do tributo pelo sujeito ativo pode ser realizada pelo Poder Executivo, que poderá fazer de forma discricionária e mediante atos normativos infralegais.

Ademais, por envolver norma federal infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), também já enfrentou a matéria em alguns de seus julgados, se manifestando de acordo com o posicionamento sobre o assunto já adotado do STF. Porém, necessário destacar que quando o STJ enfrentou a matéria, e ressaltou o art. 160 do CTN, ao argumento de que quando o artigo citado utilizou a expressão “legislação tributária”, ali conferiu ao Poder Executivo a liberdade de alteração do vencimento do tributo por atos infralegais, pois como preteritamente mencionado, quando o Código Tributário faz referência ao termo “legislação tributária”, fez ali incluir além da lei tributária, atos normativos infralegais.

Vejamos o que dispõe o caput do art. 160 do CTN[27]:

Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento.

Em análise ao art. 160 do CTN, Machado[28] aduz que:

[...] tal forma refere-se apenas aos casos do tributo objeto de lançamento de ofício ou por declaração. É que a solução indicada na mesma para o caso de não fixar a legislação o vencimento do crédito tributário reporta-se à notificação por lançamento. É evidente, pois, que tal norma não diz respeito ao prazo para pagamento de tributo apurado pelo próprio sujeito passivo, vale dizer, não diz respeito aos casos de tributo lançado por homologação.

Quanto aos julgados do STJ, os abaixo listados expressam o entendimento do Tribunal:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ESTADO DE SÃO PAULO. DECRETO ESTADUAL Nº. 33.188/91. PRAZO DE RECOLHIMENTO. ANTECIPAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEGITIMIDADE. IRRETROATIVIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES.

 I – Não estando previsto nas hipóteses taxativamente elencadas no artigo 97, CTN, o prazo de recolhimento de imposto, já fixado por Decreto Estadual, pode ser validamente alterado por outro Decreto. (...)[29]

TRIBUTÁRIO. ICMS. ANTECIPAÇÃO. DECRETO 35.386/92. ATUALIZAÇÃO.

I - A mera alteração da data de recolhimento do tributo não atinge critérios de sua incidência.

II – A atualização monetária do imposto não significa cobrança cumulativa ou superposição de incidência tributária, mas simples preservação do valor cobrado.

III – Precedentes.[30]

TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL - CRÉDITO TRIBUTÁRIO - EXIGIBILIDADE - SUSPENSÃO - DEPÓSITO INTEGRAL EM DINHEIRO - ICMS - PRAZO DE RECOLHIMENTO - ANTECIPAÇÃO - DECRETO - POSSIBILIDADE.

I. Só o depósito integral em dinheiro tem o condão de suspender a exigibilidade do credito tributário (CTN, art. 151).

II. É licito ao Estado alterar, mediante decreto o termo de vencimentos de tributo (CTN art. 151).[31]

Como se percebe das decisões do Superior Tribunal de Justiça acima, segue este Tribunal o mesmo entendimento do Supremo Tribunal Federal, isto é, no sentido de que a data de vencimento do tributo pode ser alterada por ato normativo infralegal, por não corresponder a um dos elementos elencados no art. 97 do CTN, que segundo a interpretação traz um rol taxativo.

A partir de então, podemos perceber que o entendimento tanto do STF quanto do STJ é no sentido de que a alteração da data de vencimento do tributo não é matéria a ser fixada por meio de lei, podendo a data de vencimento se dá por atos normativos infralegais, pelo fato de que o rol disciplinado pelo Código Tributário Nacional é taxativo e dentre os elementos ali elencados como obrigatórios, não é integrante o aspecto temporal do tributo, isto é, o vencimento.

A doutrina por sua vez, não é uníssona com relação ao assunto, mas o entendimento majoritário diverge da posição atual dos Tribunais Superiores, pois segundo a doutrina é reserva de lei a alteração da data de vencimento do tributo, por ferir o princípio fundamental da dignidade de pessoa humana, do qual é corolário o princípio da legalidade tributária e à segurança jurídica das relações obrigacionais tributárias entre o Fisco e o Contribuinte.

O professor Sabbag[32], em plausível entendimento no sentido da necessidade de atendimento ao princípio da estrita legalidade, aduz que:

[...] o prazo para recolhimento do tributo, conquanto ausente na lista dos elementos configuradores da reserva legal, constante do art. 97 do CTN, apresenta-se como rudimento substancial para a completude da lei tributária, ao indicar o átimo de tempo em que se deve adimplir, com pontualidade, a obrigação tributária. Deixar tal determinação ao alvedrio do Poder Executivo, ao sabor da discricionariedade, é sufragar o perene estádio de insegurança jurídica, acintosa ao elemento axiológico justificador do postulado da estrita legalidade.

No mesmo sentido são as palavras de Machado[33], que conclui com a ressalva apenas aos tributos cujo pagamento é antecipado por iniciativa do contribuinte, no sentido de que “(...) admitir-se que o prazo para essa antecipação seja fixado em norma infralegal é deixar nas mãos da autoridade administrativa o poder de estabelecer prazos não razoáveis (...)”.

Destarte, diante do posicionamento da doutrina majoritária e da jurisprudência pacífica do STF e STJ, que refletem concepções diversas, vislumbramos que a alteração da data de pagamento do tributo deve respeitar a reserva de lei, apesar de conclusão que difere do entendimento do Judiciário, tendo em vista que o prazo de pagamento é elemento componente da obrigação tributária, ao fixar o instante até o qual o seu adimplemento deve ser promovido, constituindo assim um de seus elementos essenciais e por força do já citado art. 150, I da CF/88, deve ser instituída exclusivamente por lei. Logo, ato normativo infralegal não é instrumento hábil para fixar o prazo de pagamento do tributo, devendo a data de pagamento do tributo atender ao princípio da legalidade tributária.

Ao contrário do que entendem os nossos Tribunais Superiores, se a lei fixou um prazo, este não pode ser alterado por norma infralegal, pois enveredaram em uma interpretação puramente positivista e sem maiores embasamentos, não inculcando princípios outros que integram todo o Sistema Tributário brasileiro que são garantidores da segurança jurídica dos cidadãos, e que pairam sobre uma noção de tributação consentida desde o século XIII, do que irradiou a representação “no taxation whithout representation” da história do constitucionalismo inglês.

Sobre o autor
Nelson Sereno Neto

Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERENO NETO, Nelson. A alteração da data de pagamento do tributo por atos normativos infralegais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3886, 20 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26752. Acesso em: 22 dez. 2024.

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