Resumo
Este trabalho procura caracterizar a natureza do vínculo ou relação jurídica dos servidores com as fundações privadas instituídas pelo Poder Público, a partir de evidências encontradas nas doutrinas de Direito Administrativo e Civil, e, em especial, em face da medida cautelar concedida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de pedido liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2135-4/DF.
Palavras-Chave: regime jurídico; servidor; fundação.
Sumário: Introdução. 1. Das Definições. 1.1 Definição do conceito de servidor. 1.2. Definição do conceito de regime jurídico. 1.3. Definição do conceito de fundação. 2. A ADI 2135-4/DF. 2.1. Do pedido e da medida cautelar. 2.2. Alcance normativo da decisão. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
Introdução
Em 2/8/2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de pedido liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135-4/DF, suspendendo a eficácia do caput do art. 39 da Constituição Federal (CF) na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 19/1998, com efeitos ex nunc. Essa decisão implica que: 1) mencionado dispositivo constitucional volta a vigorar com a redação original; 2) legislação porventura editada nos termos da redação alterada mantém-se em vigor.
Desse modo, enquanto não for julgado o mérito da ADI, ou, quando o for, se mantido o teor da medida cautelar, coexistirão normas distintas para a mesma matéria, a saber, o regime jurídico dos servidores da Administração Pública direta e de duas das entidades da Administração Pública indireta (autarquias e fundações públicas).
Nesse sentido, serão considerados três períodos: 1) da promulgação da CF, em 5/10/1988, até a promulgação da EC 19/1998, em 4/6/1998; 2) dessa data até a publicação do acórdão que concedeu a medida cautelar na ADI 2135-4/DF, o que se deu em 7/3/2008; e 3) dessa data até o presente momento.
No que diz respeito a este trabalho, cumpre analisar se essa decisão repercute no regime jurídico dos servidores das demais entidades da Administração Pública indireta (sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas instituídas pelo Poder Público), em especial destas últimas.
Baseado em evidências[1], relativas às definições de Direito Administrativo e Civil para os termos e expressões pertinentes e ao alcance normativo da decisão do STF, tem-se como hipótese de trabalho a verificar[2], confirmando-a ou refutando-a ao final, a afirmação de que o vínculo ou relação jurídica profissional no âmbito das fundações privadas instituídas pelo Poder Público deve ser estipulado/a em contrato de trabalho, e seguir o regime jurídico celetista, e não ser estabelecido/a em regras funcionais, e subordinar-se ao regime jurídico estatutário, não sendo, portanto, abrangido/a pela referida decisão do STF.
1. Das Definições
1.1. Definição de servidor
Uma primeira evidência diz respeito à caracterização das diversas pessoas naturais que atuam para servir ao interesse público.
Contemporaneamente, a doutrina de Direito Administrativo, ao caracterizar essas pessoas, as quais prestam serviços à Administração Pública, ou realizam atividades de responsabilidade desta, prefere reuni-las sob a denominação de agentes públicos.
Segundo Diógenes Gasparini, tal reunião é possível porque, de certa forma, todos os agentes públicos exercem parcela do poder estatal[3]. Ou, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, o comum nos agentes públicos
é o fato de todos eles serem, embora muitas vezes apenas em alguns aspectos das respectivas atividades, agentes que exprimem um poder estatal, munidos de uma autoridade que só podem exercer por lhes haver o Estado emprestado sua força jurídica, exigindo ou consentindo-lhes o uso, para satisfação de fins públicos[4].
Os doutrinadores de Direito Administrativo classificam essa categoria genérica em categorias específicas.
Diógenes Gasparini, por exemplo, afirma que são agentes públicos: (1) os agentes políticos, que são os chefes do Poder Executivo e seus auxiliares diretos, como ministros e secretários, e os membros do Poder Legislativo; (2) os servidores públicos civis, da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública; (3) os servidores governamentais, das sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas instituídas pelo Poder Público; (4) os agentes temporários, admitidos nos termos do inc. IX do art. 37 da CF; (5) os agentes em colaboração, como os delegados de serviços públicos (concessionários, permissionários e autorizatários), os requisitados (mesários, escrutinadores e jurados), os gestores de negócios públicos (os que assumem o serviço público em razão do abandono de seus responsáveis), os delegados de função ou ofício público (tabeliães, titulares de serventias públicas, diretores de faculdades) e os contratados no regime da locação civil; e (6) os agentes militares, das Forças Armadas, Polícias Militares e Corpos de Bombeiro Militares.
Já José dos Santos Carvalho Filho apresenta nomenclatura diferente, mas para definir o mesmo objeto. Segundo ele, são agentes públicos os agentes políticos, os agentes particulares colaboradores e os servidores públicos (civis ou militares)[5]. Em notas, ele discorda de Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella di Pietro, e, nesse sentido, também de Gasparini, que consideram contratados no regime de locação civil e empregados das entidades privadas da Administração Pública indireta espécies de agentes públicos: ele argumenta que o vínculo da Administração Pública com os primeiros é “meramente contratual”, “não traduz uma relação permanente de trabalho”; já os segundos, em suas palavras, são “empregados normais”, integram a “categoria profissional a que estiver vinculada a entidade, como a de bancários, economiários, securitários etc.”[6].
A legislação de Direito Administrativo parece conferir razão a uma classificação mais abrangente, como a proposta por Gasparini, e combatida por Carvalho Filho. Senão vejamos: o art. 2º da Lei 8.429/1992 dispõe, in verbis:
Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior[7].
Mencionado dispositivo, o art. 1º dessa mesma lei, refere-se à
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual[8].
Dito isso, cumpre analisar em pormenores a espécie de servidor ou agente público vinculada às entidades que tocam mais de perto aos objetivos deste trabalho.
Como visto acima, na classificação proposta por Gasparini, a qual, ainda que combatida por Carvalho Filho, encontra-se amparada na Lei 8.429/1992, os servidores das fundações privadas instituídas pelo Poder Público são chamados de servidores governamentais.
Segundo Gasparini, então, integram essa espécie de agente público “As pessoas que, sob um regime de dependência, ligam-se contratualmente às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas, prestadoras ou não de serviços públicos, mediante uma relação de trabalho de natureza profissional e não eventual”[9]. Desse modo, os chamados servidores governamentais são “caracterizados pela profissionalidade, pela dependência do relacionamento, pela perenidade e pela natureza celetista do vínculo que mantêm com essas entidades”[10].
Gasparini apresenta, ainda, sensível diferença existente entre os empregados públicos e os servidores governamentais: enquanto os primeiros vinculam-se a entidades tanto da Administração Pública direta quanto da Administração Pública indireta (autarquias ou fundações públicas), os segundos vinculam-se somente a entidades da Administração Pública indireta (sociedades de economia mista, empresas públicas ou fundações privadas instituídas pelo Poder Público)[11].
1.2. Definição de regime jurídico
Uma segunda evidência diz respeito ao enquadramento do agente público em um dos regimes jurídicos existentes.
Por regime jurídico, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, entende-se “o conjunto de regras de Direito que regulam determinada relação jurídica”[12].
É também Carvalho Filho quem adverte que a caracterização das diversas espécies de agentes públicos varia “em função do regime jurídico que incide” sobre o vínculo ou relação jurídica que o agente público mantém com a Administração Pública[13].
Com a promulgação da CF, em 5/10/2008, dispôs-se, no caput do art. 39, que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”[14].
Diógenes Gasparini lembra que esse dispositivo instituiu o chamado regime jurídico único para o enquadramento dos agentes públicos vinculados às entidades da Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas[15]. Ele lembra também que “Esse regime, consoante a maioria dos autores, não podia ser escolhido entre o estatutário e o celetista, pois os dispositivos constitucionais pendiam para o estatutário”, que assim seria o regime jurídico único[16].
Carvalho Filho, por sua vez, é menos enfático, reconhecendo que referido dispositivo, “não tendo sido suficientemente claro, permitiu o entendimento, para uns, de que o único regime deveria ser o estatutário, e, para outros, o de que a pessoa federativa poderia eleger o regime adequado, desde que fosse o único”[17].
Longe de ser superada tal controvérsia doutrinária, o fato é que, como lembra Carvalho Filho, houve “entidades políticas em que se adotou o regime estatutário, ao lado de outras (sobretudo Municípios), nas quais foi adotado o regime trabalhista”.
Já em 4/6/1998, com a promulgação da EC 19/1998, a CF, nas palavras de Gasparini,
abriu a possibilidade de escolha entre o regime institucional, já que fala em cargo público, e o regime celetista, já que menciona emprego público, sem vedar a convivência dos dois regimes para a vinculação dos servidores públicos às entidades da Administração [Pública] direta, autárquica e fundacional pública[18].
Comentando o efeito da alteração do caput do art. 39 pela EC 19/1998, Carvalho Filho diz que, com a extinção da obrigatoriedade do regime jurídico único, a CF “passou a permitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possam recrutar servidores sob mais de um regime jurídico. Desse modo, será possível, por exemplo, que um Estado tenha um grupo de servidores estatutários e outro de servidores trabalhistas”[19].
Todavia, a disciplina constitucional do enquadramento do agente público em um dos regimes jurídicos existentes foi mais uma vez modificada. Agora em decorrência de decisão do STF, em julgamento de pedido liminar na ADI 2135-4/DF. Publicado em 7/3/2008, o acórdão que concede a medida cautelar suspende a eficácia da EC 19/1998 e tem efeitos ex nunc[20]. Assim, referido dispositivo constitucional volta a vigorar com a redação original, e legislação porventura editada nos termos da redação alterada mantém-se em vigor. Desse modo, enquanto não for julgado o mérito da ADI, ou, quando o for, se mantido o teor da medida cautelar, coexistirão normas distintas para a mesma matéria, a saber, o regime jurídico dos servidores da Administração Pública direta e de duas das entidades da Administração Pública indireta (autarquias e fundações públicas).
De qualquer modo, importante notar que, conforme a mencionado dispositivo constitucional, em qualquer das redações que se lhe deu, os agentes públicos vinculados às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas não eram, e continuam não sendo, constitucionalmente obrigados a se enquadrar nesse regime jurídico. Nesse caso, pois, existe a permissão constitucional para que a Administração Pública figure como empregadora, tal como o empregador da iniciativa privada, e os agentes públicos, como empregados[21]. Assim sendo, cabe à Administração Pública definir, legislativamente, em que regime jurídico serão enquadrados esses agentes públicos, o que, segundo Carvalho Filho, representa não uma obrigação constitucional, mas uma opção administrativa[22].
Por todo o exposto, então, pode-se concluir que, no Brasil, o vínculo ou relação jurídica que o agente público mantém com a Administração Pública pode ser de natureza pública ou privada, isto é, os diversos agentes públicos podem vincular-se ou relacionar-se juridicamente com os diversos entes, entidades e órgãos da Administração Pública, seja de maneira pré-estabelecida institucionalmente, seja de maneira estipulada contratualmente[23]. No primeiro caso, o regime jurídico são as leis federais, estaduais e municipais que tratam, geral e abstratamente, dos cargos, empregos e funções a ser ocupados pelos agentes públicos que especificar, assim enquadrados no regime estatutário[24]. No segundo caso, o regime jurídico é baseado no Decreto-Lei 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), e também na legislação trabalhista especial, que tratam, também geral e abstratamente, dos empregos, de carreira ou isolados, a ser ocupados, também aqui, pelos agentes públicos que especificar, só dentro do regime celetista[25]. Como atualmente voltou a vigorar o regime jurídico único, as entidades da Administração Pública direta, as autarquias e as fundações públicas, em qualquer dos entes federados, são constitucionalmente obrigadas a enquadrar os agentes públicos a ela vinculados num mesmo regime jurídico, seja ele estatutário ou celetista, desde que seja o único a vigorar em sua esfera de competência. Não têm essa mesma obrigação constitucional, no entanto, as demais entidades da Administração Pública indireta, isto é, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as fundações privadas instituídas pelo Poder Público, que são constitucionalmente permitidas a enquadrar os agentes públicos a elas vinculados em regime diverso do daquele definido para as entidades da Administração Pública direta, as autarquias e as fundações públicas do ente federado de que fazem parte.
Tratando especificamente dos chamados servidores governamentais, e, no que importa a este trabalho, dos servidores governamentais vinculados a fundações privadas instituídas pelo Poder Público, vê-se que o regime jurídico que os enquadra, em tese, poderia ser tanto o estatutário quanto o celetista. Como a decisão de tal enquadramento é uma opção administrativa, não seria possível definir, a priori, em que regime jurídico eles se enquadrariam.
Gasparini argumenta que o vínculo ou relação jurídica desses servidores com as respectivas entidades da Administração Pública deve ocorrer dentro do regime celetista[26]. No caso das sociedades de economia mista e empresas públicas, por força do disposto no art. 173, § 1º, II, da CF, que dispõe, in verbis:
Art. 173. (...).
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários[27];
Já no caso das fundações privadas instituídas pelo Poder Público, não existe disposição constitucional expressa quanto ao regime jurídico dos servidores a ela vinculados, apenas quanto ao modo de instituição e área de atuação, no inc. XIX do art. 37, que dispõe, in verbis: “Art. 37. (...); XIX - somente por lei específica poderá ser (...) autorizada a instituição de (...) fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”[28]. Todavia, seguindo o raciocínio de Gasparini, também para estas entidades, tal vínculo deveria ocorrer dentro do regime celetista, em decorrência de sua natureza jurídica privada[29].
Carvalho Filho é da mesma opinião. Para ele, os servidores vinculados às fundações privadas instituídas pelo Poder Público devem
sujeitar-se normalmente ao regime trabalhista comum, traçado na CLT. Sendo de natureza privada tais entidades, não teria sentido que seus servidores fossem estatutários. Na verdade, haveria mesmo incompatibilidade, haja vista que o regime estatutário, com seu sistema de cargos e carreiras, é adequado para pessoas de Direito Público, como é o caso das autarquias e das fundações autárquicas [fundações públicas][30].
Gasparini lembra, ainda, que, não obstante a natureza jurídica privada dessas entidades, o vínculo ou relação jurídica que estabelecem com seus servidores “obedece às normas celetistas, às administrativas e às constitucionais”, sendo que essas “ingerências administrativas não descaracterizam o regime celetista”, ocorrem apenas “em razão da origem que têm [essas entidades] e aporte de recursos públicos para sua constituição, limitações de ordem administrativa, reveladoras do interesse público que devem perseguir”[31].
No mesmo sentido manifesta-se Carvalho Filho, para quem
A despeito do regime trabalhista, aplicam-se a aos empregados dessas fundações as restrições de nível constitucional, como, por exemplo, a vedação à acumulação de cargos e empregos (art. 37, XVIII) e a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos antes da contratação dos empregados (art. 37, II)[32].
1.3. Definição de fundação
Uma terceira evidência diz respeito à caracterização das fundações instituídas pelo Poder Público, em especial as que têm natureza de Direito Privado.
Antes de proceder propriamente a essa caracterização, mister apresentar algumas noções acerca da personalidade e capacidade das pessoas naturais e jurídicas.
Aqui, cumpre lembrar que a disciplina legal da personalidade e capacidade tem sede no Direito Privado, mais precisamente, no Direito Civil.
No tocante às chamadas pessoas naturais, isto é, às pessoas por natureza, o Código Civil (CC) dispõe que a personalidade começa com o nascimento com vida, resguardados, desde a concepção, os direitos do nascituro, aquele que está para nascer (art. 2º); nascida, a pessoa natural, desde logo, “torna-se capaz de direitos e deveres na ordem civil” (art. 1º), ressalvados os casos de incapacidade civil absoluta (art. 3º) e relativa (art. 4º)[33].
Já no tocante às chamadas pessoas jurídicas, como lembra Sílvio de Salvo Venosa, sempre houve controvérsia doutrinária. Diz ele que, “Para a constituição de uma pessoa jurídica, exigem-se três requisitos básicos: vontade humana criadora, observância das condições legais para sua formação e finalidade lícita”[34]. Quanto ao segundo requisito, observância das condições legais para sua formação, tem-se que a caracterização da personalidade das pessoas jurídicas dá-se por imposição legal. Nesse sentido, o CC dispõe, in verbis:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
(...).
Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo[35].
Citado art. 45 trata do começo da “existência legal” das pessoas jurídicas de Direito Privado. No caso das pessoas jurídicas de Direito Público, o CC não é explícito, mas o começo de sua existência, por assim dizer, é tanto o documento político-constitucional do Estado, a que chamamos Constituição, como a legislação infraconstitucional dela decorrente.
Baseado nessas evidências de caráter legal, e na tentativa de dirimir mencionada controvérsia doutrinária, Venosa afirma que a pessoa jurídica tem realidade técnica, não é uma ficção jurídica, nem uma pura realidade como as pessoas naturais[36]. Diz ele que a pessoa jurídica é uma realidade técnica porque sua personalidade decorre objetivamente de disposições legais[37].
Também no que diz respeito à capacidade, as pessoas jurídicas são diferentes das pessoas naturais. Nas palavras de Venosa, “Se, por um lado, a capacidade para a pessoa natural é plena, a capacidade da pessoa jurídica é limitada à finalidade para a qual foi criada”[38].
Assim, numa aplicação da teoria da realidade técnica ou objetiva da pessoa jurídica, afirma-se que não apenas sua personalidade, mas também sua capacidade é determinada em disposições normativas. Como diz Venosa,
Os poderes outorgados à pessoa jurídica estão delimitados nos atos constitutivos, em seu ordenamento interno (contrato social, estatutos), bem como delimitados pela lei, porque os estatutos não podem contrariar normas cogentes, quando a atuação de determinadas pessoas jurídicas é autorizada ou fiscalizada (em sentido estrito) pelo Estado.
Neste passo, já é possível voltar a atenção ao tipo de pessoa jurídica que toca mais de perto aos objetivos deste trabalho.
As fundações são, originariamente, um tipo de pessoa jurídica de Direito Privado. O CC as nomeia especificamente no art. 44, III, in verbis: “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (...); III – as fundações”. Como diz Venosa, “Nas fundações, há de início um patrimônio despersonalizado, destinado a um fim (...), as fundações assentam sua razão de ser no patrimônio para certa finalidade”[39]. Por essa razão é que ele afirma que, “Para a constituição da fundação, há dois momentos bem delineados: o ato de fundação propriamente dito, que é sua constituição emanada de vontade, e o ato de dotação de um patrimônio, que lhe dará vida”[40]. Nos termos do CC,
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência[41].
Venosa assim sintetiza as características peculiares das fundações de Direito Privado:
1. Na fundação, o elemento “pessoa natural” pode deixar de ser múltiplo, uma vez que a vontade de uma só pessoa basta para sua constituição, enquanto nas demais pessoas jurídicas de direito privado a pluralidade de pessoas é indispensável.
2. O patrimônio não é elemento essencial para as demais pessoas jurídicas, enquanto nas fundações o é.
3. Nas fundações, os fins são imutáveis, porque fixados pelo instituidor, enquanto nas outras pessoas jurídicas a maioria pode alterar a finalidade social[42].
Como se disse, as fundações são, originariamente, pessoas jurídicas de Direito Privado. Ocorre, todavia, que também o Poder Público institui fundações[43].
Diógenes Gasparini lembra que, historicamente, “O serviço público passou a ser prestado por pessoas, ainda que de direito privado, não totalmente estranhas à Administração Pública, dado que, além da respectiva criação, o Estado assegura-lhes recursos públicos”[44]. Mencionando pesquisa histórica de Celso Antônio Bandeira de Melo, ele diz que “o Estado a tanto foi compelido com o fito de ganhar mais eficiência ou, em certos casos, pela natureza peculiar da atividade que não se compatibilizava com outro meio de ação”[45]. Assim é que, em virtude do mecanismo de descentralização administrativa, existem fundações “criadas pelo Estado, com recursos essencialmente públicos, para a exploração e execução de serviços públicos”[46].
A caracterização das fundações públicas assemelha-se à que se faz das fundações privadas, com a evidente diferença de que, enquanto nestas o instituidor é um particular, naquelas o instituidor é o Estado[47]. Daí se dizer que fundação pública é “o patrimônio personalizado segundo regras de Direito Público, destinado à persecução de interesse da coletividade”[48].
Uma outra característica importante das fundações públicas diz respeito a sua finalidade. Com efeito, sendo uma instituição do Poder Público, sua finalidade não poderia ser outra senão a social, de interesse público e não-lucrativa[49].
Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho,
Os fins a que se destinam as fundações públicas são sempre de caráter social e suas atividades se caracterizam como serviços públicos. Por esse motivo, jamais poderá o Estado instituir fundações públicas quando pretender intervir no domínio econômico e atuar no mesmo plano em que o fazem os particulares; para esse objetivo, já se viu, criará empresas públicas e sociedades de economia mista. O comum é que as fundações públicas se destinem às seguintes atividades: 1) assistência social; 2) assistência médica e hospitalar; 3) educação e ensino; 4) pesquisa; e 5) atividades culturais[50].
A natureza das atividades da fundação pública não é, todavia, o maior problema de sua caracterização. A doutrina discute, controversamente, se a fundação, sendo um instituto originariamente de Direito Privado, pode ser instituída pelo Poder Público. Doutrinadores há, como Hely Lopes Meirelles e Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, que opinam pelo caráter eminentemente privado da fundação. Outros, porém, como José Cretella Jr., Miguel Reale, Geraldo Ataliba, Maria Sylvia Zanella di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Melo, são da opinião de que “as fundações tanto podem ser de Direito Privado como de Direito Público”[51].
Como diz Carvalho Filho, há quem defenda “a existência de dois tipos de fundação pública: as fundações de direito público e as de direito privado, aquelas ostentando personalidade jurídica de direito público e estas sendo dotadas de personalidade jurídica de direito privado”[52]; outros advogam “a tese de que, mesmo instituídas pelo Poder Público, as fundações públicas têm sempre personalidade jurídica de direito privado, inerente a esse tipo de pessoas jurídicas”[53].
Carvalho Filho lembra que, em favor do primeiro entendimento, julgados do STF, como no RE 101.126-RJ (rel. Min. Moreira Alves, RTJ 113/314):
Nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações (...) que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécie do gênero autarquia[54].
Em defesa do segundo entendimento, Meirelles argumenta que expressões como autarquias fundacionais e fundações autárquicas, como sói denominá-las, são uma contradictio in terminis, pois que “uma entidade não pode, ao mesmo tempo, ser fundação e autarquia; ser pessoa de direito privado e ter personalidade de direito público”, aduzindo ainda que “o fato de o Estado servir-se de instituto de direito privado para a realização de atividades de interesse público não transfigura a instituição civil em ente público”[55].
Ainda em favor desse segundo entendimento, Carvalho Filho lembra que o Decreto-Lei 200/1967 foi alterado, pela Lei 7.596/1987, para que nele se incluísse a seguinte definição legal:
Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:
IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes[56].
Essa controvérsia, no entanto, é superada por imposição constitucional e legal, visto que, em vários dispositivos, a CF expressamente se refere à fundação de Direito Público, como no já citado inc. XIX do art. 37 (“Art. 37. (...); XIX - somente por lei específica poderá ser (...) autorizada a instituição de (...) fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”) e no caput do art. 39, o qual, em sua redação original, dispõe, in verbis: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores (...) das fundações públicas”[57]; também a legislação infraconstitucional prevê a instituição de fundação pelo Poder Público, como é o caso do Decreto-Lei 200/1967, cujo art. 4º, II, d, dispõe, in verbis:
Art. 4° A Administração Federal compreende:
(...).
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
(...).
d) fundações públicas[58].
Forçoso lembrar, no entanto, que a CF, como lembra Carvalho Filho, “por várias vezes se referiu às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, mas em nenhum momento tratou de sua personalidade jurídica”[59]. Assim sendo, não existe vedação constitucional para a instituição, pelo Poder Público, de fundações, seja de natureza de Direito Privado, seja de natureza de Direito Público[60].
Pelo exposto, vê-se que, na falta de disciplina constitucional e legal, a definição da personalidade jurídica das fundações instituídas pelo Poder Público cabe à lei que autorizar a sua criação. Em outras palavras, pode-se afirmar que, no presente caso, a evidência tem caráter empírico, isto é, a definição da personalidade jurídica dessas entidades é feita caso a caso, ao alvedrio do legislador.
Diante desse quadro, a doutrina identifica algumas características apresentadas pelas fundações instituídas pelo Poder Público, de Direito Privado ou Público; algumas delas as assemelham, daí dizer que fazem parte de um mesmo gênero; outras as diferenciam, como duas espécies distintas que são.
Como demonstra Carvalho Filho, as semelhanças resumem-se, basicamente, no que diz respeito ao objeto e objetivos institucionais, ao controle institucional (político, administrativo e financeiro) e externo (pelo respectivo órgão do Ministério Público), ao foro dos litígios (federal ou estadual, a depender do ente político que a criou) e à responsabilidade civil (objetiva, em ambos os casos)[61].
As diferenças mais acentuadas são as seguintes:
Em primeiro lugar, as fundações instituídas pelo Poder Público diferenciam-se em função da origem dos recursos: são de Direito Público “aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa federativa e que, por isso mesmo, sejam mantidas por tais verbas”; são de Direito Privado “aquelas que sobreviverem basicamente com as rendas dos serviços que prestem e com outras rendas e doações oriundas de terceiros”, não obstante o fato de que também estas, em razão de insuficiência de fundos, “subsistem à custa dos recursos públicos oriundos do erário da respectiva pessoa política que as controla”[62].
Um segundo aspecto que as diferencia diz respeito às funções que exercem ou atividades que exercem: enquanto as de Direito Público exercem “funções típicas estatais (...), já que somente esse tipo de entidade detém poder de autoridade (potestade pública)”, as de Direito Privado executam “atividades não-exclusivas do Estado, ou seja, aquelas que são também desenvolvidas pelo setor privado, como saúde, educação, pesquisa, assistência social, meio ambiente, cultura, desporto, turismo, comunicação e até mesmo previdência complementar do servidor público”[63].
Em terceiro lugar, o patrimônio: aquelas de Direito Público possuem “bens públicos, protegidos por todas as prerrogativas que o ordenamento jurídico contempla”, como a cláusula de inalienabilidade; as de Direito Privado possuem “bens privados, incumbindo sua gestão aos órgãos dirigentes da entidade na forma definida no respectivo estatuto”, sendo tais bens alienáveis, a menos que a lei que autorize a criação da entidade estabeleça “restrições e impedimentos”[64].
Uma quarta diferença refere-se à natureza dos atos que praticam: as de Direito Público, em regra, praticam “atos administrativos, regulados basicamente por regras especiais de direito público”, a exemplo dos contratos que firmam, que se caracterizam como contratos administrativos, daí a necessidade de prévia licitação para contratações, aquisições e alienações; já as de Direito Privado praticam atos nos termos da legislação civil comum, conforme ao parágrafo único do art. 41 do CC, o qual dispõe que “Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código”, ressalva feita aos contratos que celebram, que se caracterizam como contratos administrativos, por força do disposto no parágrafo único do art. 1º da Lei 8.663/1993, segundo o qual “Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios”[65].
Em quinto lugar, a diferença baseia-se no vínculo ou relação jurídica que estabelecem com seus servidores. Nas de Direito Público, o regime jurídico do pessoal pode ser estatutário ou celetista, a depender do que o respectivo ente federado tiver definido como seu regime jurídico único, em função do que dispõe o citado caput do art. 39 da CF, em sua redação original. Já nas de Direito Privado, a só referência desse dispositivo à expressão “fundações públicas” não é suficiente para definir o regime jurídico de seus servidores, haja vista que, numa interpretação sistêmica da CF, é possível concluir que a exigência do regime jurídico único refere-se às entidades da Administração Pública direta, entre as quais se poderia incluir as fundações de Direito Público, por serem consideradas, como se viu, espécie do gênero autarquia; no que se refere às entidades da Administração Pública indireta, às quais mais se assemelham as fundações privadas instituídas pelo Poder Público, existe previsão constitucional expressa no sentido de que o regime jurídico a ser seguido é o celetista, conforme ao disposto no também citado art. 173, § 1º, II, da CF; assim, conquanto não haja óbice para que se adote o regime jurídico estatutário, tampouco existe essa obrigatoriedade, de modo que, como se disse no item 1.2 acima, os servidores das fundações privadas instituídas pelo Poder Público sujeitam-se ao regime jurídico celetista, à semelhança das outras duas espécies de entidades da Administração Pública indireta.
2. A ADI 2135-4/DF
2.1. Do pedido e da medida cautelar
A ADI 2135-4/DF foi proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido dos Trabalhadores (PT), com pedido liminar, contra o Congresso Nacional, por conta de alegadas irregularidades na votação da EC 19/1998, a qual promoveu significativas modificações no texto da CF.
Em seu voto, o relator, Ministro Néri da Silveira, assim resume o pedido:
Cuida-se de pedido de medida cautelar para a suspensão da eficácia, até o julgamento final da ação direta de inconstitucionalidade, dos seguintes dispositivos da Constituição, na redação introduzida pela Emenda Constitucional n.º 19, de 4.6.1998: a) caput e §§ 1º e 7º do art. 39; b) caput e incisos X e XIII do art. 37; c) do § 2º do art. 41; d) do § 7º do art. 169; e) do art. 135; f) inciso V do art. 206, bem assim o art. 26 da Emenda Constitucional n.º 19/1998[66].
Ainda segundo o voto do Ministro-relator, os autores da ação aduzem que “‘as redações formuladas para tais dispositivos, e finalmente promulgadas, não foram validamente aprovadas pelo Congresso Nacional’, com ofensa, assim, ao art. 2º do art. 60 da Constituição”, e que
Diante do art. 60, § 4º, IV, da Lei Maior, no que concerne às redações dadas aos arts. 37, X e XIII; ao § 1º do art. 39 e ao art. 135 da Constituição, eis que as normas introduzidas tendem a abolir direitos e garantias individuais, “notadamente o direito à isonomia de tratamento assegurado no caput do art. 5º da Constituição Federal”[67].
Pelo exposto, vê-se que os autores pretenderam demonstrar que a EC 19/1998 estaria eivada tanto de inconstitucionalidade formal (por inobservância da obrigatoriedade de maioria absoluta de votos, nas duas casas, em duas votações em cada, para aprovação de emenda constitucional), quanto de inconstitucionalidade material (por descumprimento da proibição de deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias fundamentais).
Em seu voto, o Ministro-relator afirma não estar suficientemente fundamentado, na petição inicial, “relevância jurídica” quanto às modificações promovidas pela EC 19/1998 nos §§ 1º e 7º do art. 39; caput e incisos X e XIII do art. 37; § 2º do art. 41; § 7º do art. 169; art. 135; e inciso V do art. 206 da CF. Já no tocante ao caput do art. 39, observa ele, não houve “simples emenda de redação”, mas criação de um novo dispositivo, sem que, no entanto, fosse respeitado o quorum constitucionalmente exigido para sua aprovação. Por essa razão, pois, deferiu,
apenas em parte, a cautelar, relativamente ao art. 39, caput, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional n.º 19/1998, para suspender sua vigência até o julgamento final da ação, ficando, em consequência, mantida a vigência do caput do art. 39 da Constituição, na sua redação original de 1988[68].
O voto do Ministro-relator foi seguido pela maioria dos Ministros. No extrato da ata da decisão consta o seguinte:
O Tribunal, por maioria, vencidos os Senhores Ministros Nelson Jobim, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, deferiu parcialmente a medida cautelar para suspender a eficácia do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n.º 19, de 04 de junho de 1988, tudo nos termos do voto do relator originário, Ministro Néri da Silveira, esclarecido, nesta assentada, que a decisão – como é próprio das medidas cautelares – terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa[69].
2.2. Alcance normativo da decisão
Pode-se afirmar que a medida cautelar concedida pelo STF na ADI 2135-4/DF é uma quarta evidência, no sentido de que, ao suspender a eficácia do caput do art. 39 da CF na redação dada pela EC 19/1998, restabelece-lhe a eficácia em sua redação original, com efeitos ex nunc. Assim, deixa a cargo do legislador a definição do regime jurídico único em que enquadrar o servidor, respeitada legislação porventura editada sob a égide do dispositivo constitucional nos termos da redação suspensa[70].
Como se disse acima, essa decisão implica que, enquanto não for julgado o mérito da ADI, ou, quando o for, se mantido o seu teor, poderão coexistir normas distintas para a mesma matéria, isto é, dentro da esfera de competência de um mesmo ente federado, ainda que definido um regime jurídico único, alguns servidores estarão sob o regime jurídico estatutário, e outros sob o regime jurídico celetista.
Ocorre, porém, que a decisão final do STF pode, por hipótese, determinar que, em certo lapso de tempo, os entes federados, em cujas esferas de competência coexistam os dois regimes jurídicos, promovam a unificação, definindo qual deles será o regime jurídico único.
Em ambos os casos, no entanto, as decisões não repercutem no regime jurídico dos servidores vinculados às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas instituídas pelo Poder Público. Também como já foi dito, o regime jurídico que enquadra os servidores dessas entidades pode ser, e continuar sendo, diverso do daquele definido para as entidades e órgãos da Administração Pública direta, as autarquias e as fundações públicas do ente federado de que fazem parte.
Considerações Finais
Tendo por base a verificação das evidências apresentadas nos itens acima, confirma-se o seguinte:
1. O Poder Público pode instituir fundações de Direito Público, chamadas simplesmente de fundações públicas, ou de Direito Privado, aqui chamadas de fundações privadas instituídas pelo Poder Público: elas se assemelham no que diz respeito ao objeto e objetivos institucionais, ao controle institucional e externo, ao foro de eventuais litígios e à responsabilidade civil objetiva; porém são diferentes em razão da origem dos recursos, das funções que exercem ou atividades que executam, da natureza jurídica de seus patrimônios e dos atos que praticam, e, ainda, do vínculo ou relação jurídica que estabelecem com as pessoas naturais a seu serviço;
2. As pessoas naturais que mantêm vínculo ou relação jurídica com essas entidades são consideradas agentes públicos, classificadas na categoria de servidores públicos civis, no caso das fundações públicas, ou na categoria de servidores governamentais, no caso das fundações privadas instituídas pelo Poder Público; e
3. Os servidores públicos civis devem se subordinar a um regime jurídico único, que pode ser estatutário ou celetista, desde que um só no âmbito do ente (União, Estado, Distrito Federal ou Município), em todas as suas entidades e órgãos (da Administração Pública direta, autarquias e fundações públicas); e
4. Os servidores governamentais podem se subordinar apenas ao regime jurídico celetista, seja na União, Estado, Distrito Federal ou Município, nas fundações privadas instituídas pelo Poder Público como nas sociedades de economia mista e empresas públicas.
Desse modo, confirma-se a hipótese deste trabalho, nos seguintes termos:
1. De fato, o vínculo ou relação jurídica profissional no âmbito das fundações privadas instituídas pelo Poder Público é estipulado/a em contrato de trabalho, dentro do regime jurídico celetista, uma vez que caracterizado/a pela profissionalidade, não-eventualidade,om elas estabelecendoontrato de trabalhoe relacionam juridicamente com as fundaç e dependência, características estas do vínculo ou relação entre empregador e empregado;
2. Os servidores governamentais dessas entidades não se subordinam ao regime jurídico estatutário, próprio dos servidores públicos civis, apenas aos dispositivos constitucionais comuns a todas as categorias de agentes públicos; e
3. Não fazendo parte da Administração Pública direta, das autarquias ou das fundações públicas, esses servidores não se subordinam ao regime jurídico único adotados por suas entidades e órgãos, de modo que não são abrangidos pelo questionamento judicial acerca da validade do dispositivo que o desobriga, nem da decisão pelo retorno da eficácia do dispositivo que o obriga.
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