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Parcerias Público-Privadas: a reforma de 2012 e a possibilidade de pagamento imediato dos aportes financeiros pelo parceiro público

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Agenda 03/04/2014 às 09:33

6. A sociedade de propósito específico.

Da mesma forma que prevista na Lei nº 8.987/95 relativamente aos consórcios públicos, a Lei nº 11.079/2004 prevê a necessidade de constituição de pessoa jurídica específica para fins de celebração do contrato. A única diferença é que, no regime geral de concessões, a redação legal dava a entender que essa estipulação era mera faculdade da Administração, enquanto que no regime de PPP a norma é clara quanto à sua imprescindibilidade.

A sistemática, portanto, pode ser assim sintetizada. Lançado edital de licitação para a contratação de PPP, as pessoas jurídicas participantes, isoladamente ou consorciadas, apresentam suas propostas em seu próprio nome. Após o julgamento, a empresa ou o consórcio vencedor devem constituir-se em uma nova sociedade, diversa da que participou do certame licitatório, a fim de implantar e gerir o objeto da PPP. É essa nova sociedade que se denomina sociedade de propósito específico.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro[7] a finalidade de tal regra é bastante clara, senão vejamos:

“A justificativa para a norma é muito clara: como a concessionária vai gerir serviço público ou executar obra pública, administrando paralelamente patrimônio público, e como empresa faz jus ao equilíbrio econômico-financeiro, podendo para fazer valer esse direito, exigir sua recomposição pela alteração das cláusulas financeiras, é evidente que não há conveniência em misturar recursos públicos e privados, destinados uns e outros a finalidades diversas. O próprio controle da entidade fica muito mais difícil, senão impossível, se a mesma empresa desempenha um serviço público e, ao mesmo tempo, um serviço privado. A situação torna-se mais complexa quando se trata de consórcio de empresas.”

Em que pese a Lei não ser explícita, é possível à empresa vencedora buscar outros parceiros a fim de constituir a sociedade de propósito específico. Isso fica evidente pela interpretação dos dispositivos que preveem a possibilidade de transferência do controle dessa sociedade, inclusive para os agentes financiadores, bem como do que veda tal ato em face da Administração Pública (art. 9º da Lei nº 11.079/2004).

Ora, se é possível a transferência do controle da sociedade, afigura-se viável também a participação de terceiro em menor monta. Quem pode o mais, pode o menos. Por outro lado, em uma interpretação a contrario sensu, se a Lei limita a participação da Administração, é porque essa, observada tal limite, pode participar também.

Vale destacar ainda a possibilidade dos agentes financiadores assumirem o controle societário da sociedade de propósito específico. Nesse caso, inclusive, eles sequer precisam demonstrar capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica e fiscal.

Embora também não reste claro, parece-me que essa previsão tem a finalidade de servir como uma garantia indireta aos financiadores, tendo aplicação em caso de inadimplemento do parceiro público relativamente ao financiamento. Aliás, essa proteção mais elástica ao agente financiador do contrato parece ter motivado também o §5º do art. 9º, o qual prevê a única hipótese que o Poder Público pode assumir o controle da sociedade de propósito específico:

“Art. 9o Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.

(...)

§ 4o Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo.

§ 5o A vedação prevista no § 4o deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.” (sublinhou-se)

A ideia de se instituir uma pessoa jurídica diversa para executar o objeto do contrato, apesar de não inovadora, posto já prevista na Lei nº 8.666/93 relativamente aos consórcios, é bastante salutar. De fato, por intermédio dela, blinda-se tanto a Administração Pública, permitindo que as demais atividades da empresa não “contaminem” o interesse público subjacente ao contrato, quanto o parceiro privado, garantindo-se, ao menos nesse primeiro momento, o retorno esperado do investimento realizado.


7. As garantias do parceiro público. O fundo garantidor.

Como se viu, do ponto de vista jurídico-material, sequer se justificava a instituição das PPPs como um contrato especifico e diverso das concessões comuns. Foram razões de mercado, fatores econômicos, que levaram a criação de uma regime jurídico diferenciado e específico para as PPPs.

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Uma das razões de mercado apontadas foi justamente a necessidade de uma maior concessão de garantias de retorno de investimentos ao parceiro privado. De fato, no regime geral de concessões, cujos marcos legais são as Leis nº 8.987/95 e nº 8.666/93, a preocupação era as garantias que o parceiro privado prestava ao Poder Público. Ao menos é o que se infere da análise de toda a Lei nº 8.666/93, e especificamente de seu art. 56:

“Art. 56.  A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.

§ 1o  Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; (Redação dada pela Lei nº 11.079, de 2004)

II - seguro-garantia; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

III - fiança bancária. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)

§ 2o  A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

§ 3o  Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

§ 4o  A garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a execução do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente.

§ 5o  Nos casos de contratos que importem na entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor desses bens.”

Como se vê, tal dispositivo disciplina as garantias que a empresa contratada pela Administração deve prestar como forma de assegurar a execução do objeto da avença. Em nenhum dispositivo dessa Lei se encontra qualquer menção a garantias que o Poder Público deve prestar ao particular.

Ante tal realidade, a Lei nº 11.079/2004 veio corretamente suprir essa necessidade. Nela, contrariamente, só há previsão de garantias que o Poder Público deve prestar ao parceiro privado, a fim de assegurar o retorno de seu investimento, bem como as expectativas de lucro[8].

As modalidades de garantia estão assim previstas no art. 8º:

“Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:

I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal;

II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;

II – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;

IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;

V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;

VI – outros mecanismos admitidos em lei”

A possibilidade de vinculação de receitas como forma de garantia é, de fato, uma novidade. Contudo, as pesadas restrições estabelecidas pelo inciso IV do art. 167 da Constituição[9] tornam tal dispositivo de difícil aplicação, de modo que sua utilização deve ser bastante reduzida.

As garantias prestadas por instituições financeiras, seja sob a forma de seguro-garantia, seja pelo sistema bancário, inclusive o internacional, já são bastante conhecidas. Contudo, os altos valores envolvidos nos contratos de PPPs que, como vimos, possui alçada mínima de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), tornam tal negócio bastante arriscado, até mesmo para grandes instituições. É bastante provável que na grande maioria dos empreendimentos essas modalidades não sejam atrativas ao mercado financeiro, o que certamente prejudicará a viabilidade dos contratos de PPPs nessas situações.

O grande diferencial da Lei nº 11.079/2004 em matéria de garantia parece ser, de fato, a previsão de fundos especiais e, mais precisamente, a instituição do fundo garantidor de parcerias, identificado na lei pela sigla FGP. Sua disciplina jurídica, bastante complexa e detalhada, é estabelecida pelos artigos 16 a 21 da Lei, dentre os quais merecem destaque os seguintes dispositivos:

“Art. 16.  Ficam a União, seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas - FGP que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias de que trata esta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.766, de 2012)

§ 1o O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios.

(...)

Art. 17. O FGP será criado, administrado, gerido e representado judicial e extrajudicialmente por instituição financeira controlada, direta ou indiretamente, pela União, com observância das normas a que se refere o inciso XXII do art. 4o da Lei no 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Art. 18.  O estatuto e o regulamento do FGP devem deliberar sobre a política de concessão de garantias, inclusive no que se refere à relação entre ativos e passivos do Fundo. (Redação dada pela Lei nº 12.409, de 2011)

§ 1o A garantia será prestada na forma aprovada pela assembléia dos cotistas, nas seguintes modalidades:

I – fiança, sem benefício de ordem para o fiador;

II – penhor de bens móveis ou de direitos integrantes do patrimônio do FGP, sem transferência da posse da coisa empenhada antes da execução da garantia;

III – hipoteca de bens imóveis do patrimônio do FGP;

IV – alienação fiduciária, permanecendo a posse direta dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contratado antes da execução da garantia;

V – outros contratos que produzam efeito de garantia, desde que não transfiram a titularidade ou posse direta dos bens ao parceiro privado antes da execução da garantia;

VI – garantia, real ou pessoal, vinculada a um patrimônio de afetação constituído em decorrência da separação de bens e direitos pertencentes ao FGP.

(...)”

O primeiro aspecto a se destacar em relação ao FGP é que, apesar de ser constituído por recursos públicos provenientes da União, suas autarquias, fundações e empresas estatais, ele possui, por força do §1º do art. 16, natureza privada. Ou seja, o regime jurídico será, portanto, de direito privado, evidentemente que parcialmente derrogado por normas de direito público, tendo em vista que a origem pública dos recursos de certo atrairá a competência dos tribunais de contas, a necessidade de prestação de contas, dentre outras estipulações.

Tais características (origem pública dos recursos e regime jurídico privado) permitem que sejam agregados a essa forma de garantia duas vantagens. A segurança da participação do Estado como fonte de recursos e a desburocratização da gestão, tendo em vista que aplicado o regime privado. Além do mais, a autonomia patrimonial faz com que o fundo não nasça “contaminado” pelas obrigações assumidas isoladamente por seus cotistas, criando uma espécie de reserva exclusiva, o que também só fortalece tal modalidade de garantia.

De mais a mais, a despeito da gestão privada, exige a lei, contudo, que a administração do FGP se dê por intermédio de instituição financeira controlada pela União. A razão para tal dispositivo é a mesma da previsão de constituição por recursos públicos: dar maior segurança à garantia por intermédio da participação do Estado na gestão do fundo.

Por fim, há que se registrar a diversidade de garantias que podem ser fornecidas pelo FGP, as quais vão desde fiança até alienação fiduciária, passando por outras garantias reais ou fidejussórias, tais como penhor, hipoteca, dentre outros.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o inciso VI do §1º do art. 18 prevê a ainda a possibilidade da criação de um fundo específico para determinado empreendimento. Senão vejamos[10]:

“Neste último inciso, está prevista praticamente a possibilidade de constituição de um fundo específico dentro do FGP. Específico, porque ele ficará destinado a garantir outras obrigações assumidas pelo FGP. É o que estabelece o artigo 21 da Lei, que utiliza a expressão ‘patrimônio de afetação’ para designar as parcelas vinculadas por essa forma. Os bens que integram esse patrimônio de afetação não podem ser objeto de penhora arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer ato de constrição judicial decorrente de outras obrigações do FGP.

Contudo, a mesma autora levanta suspeitas quanto à constitucionalidade dessa previsão, nos seguintes termos[11]:

“Por outras palavras, esse patrimônio de afetação será criado para privilegiar determinado credor, o que é de constitucionalidade pelo menos duvidosa, por contrariar os princípio da isonomia e impessoalidade que devem nortear a destinação dos recursos orçamentários. A norma vai em sentido oposto ao objetivo que inspirou o legislador a exigir que, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, seja obedecida, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades (art. 5º da Lei nº 8.666/93).

Com todo o respeito que a prestigiada professora paulista merece, não creio que se possa presumir que a instituição de um fundo específico para determinado empreendimento tem o efeito de estabelecer um privilégio em favor de algum credor por razões pessoais e antiisonômicas. Tais circunstâncias, caso comprovadas, devem sim ensejar a nulidade do ato de criação do fundo, mas não geram, ao menos no meu humilde entendimento, a inconstitucionalidade da regra, estabelecida de forma objetiva e para todos.

No meu sentir, essa última forma de garantia, além de constitucional, pode ser bastante útil para atrair os investimentos nas PPPs, notadamente daqueles empreendidos de maior vulto.

Visto isso, passa-se à análise das modificações em relação à alocação de riscos empreendida pela Lei nº 11.079/2004, outro importante fator de atração do setor privado.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Dantas de Oliveira Lima

Advogado da União. Subprocurador Regional da União na 5ª Região. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - FDR/UFPE. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Carlos Eduardo Dantas Oliveira. Parcerias Público-Privadas: a reforma de 2012 e a possibilidade de pagamento imediato dos aportes financeiros pelo parceiro público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3928, 3 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27176. Acesso em: 22 dez. 2024.

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