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A teoria da ponderação e o enfraquecimento da autonomia do Direito.

Considerações sobre a crítica formulada por Lenio Luiz Streck ao pensamento de Robert Alexy e a recepção desta teoria no ordenamento jurídico nacional

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Agenda 27/03/2014 às 23:16

O presente trabalho aborda o pensamento de Lenio Luiz Streck quanto à teoria da argumentação jurídica formulada por Robert Alexy, enfatizando a recepção que a mesma tem no ordenamento jurídico nacional, como instrumento do neoconstitucionalismo.

RESUMO

O presente trabalho aborda, de forma clara e objetiva, o pensamento de Lenio Luiz Streck quanto à teoria da argumentação jurídica formulada por Robert Alexy, enfatizando-se, por assim dizer, a recepção e releitura que a mesma tem no ordenamento jurídico nacional, como instrumento fundamental do neoconstitucionalismo. Para tanto, tal estudo preocupou-se em esboçar um raciocínio singelo e conciso à luz das premissas basilares dos pensamentos dos autores citados, abordando-se, ainda, como as referidas correntes têm sido recepcionadas e/ou aplicadas no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Ponderação jurídica; Autonomia; Neoconstitucionalismo;

ABSTRACT

This paper discusses, clearly and objectively, the thought Lenio Luiz Streck as the theory of legal argument formulated by Robert Alexy, emphasizing, as it were, the receipt and rereading it to have the national legal system, as fundamental instrument of neoconstitutionalism. Therefore, this study was concerned to outline a simple and concise reasoning in the light of the assumptions cornerstones of the thoughts of the authors cited, approaching, yet, as these have been received are current and / or applied in Brazil.

KEYWORDS: Weighting legal; Autonomy; neoconstitutionalism;

1. INTRODUÇÃO

                        Como se sabe, após a Segunda Guerra Mundial, restou evidente que o velho constitucionalismo europeu, caracterizado pelo culto ao legislador e pelo fetiche à lei estrita, mostrou-se incapaz de evitar o surgimento de regimes totalitários responsáveis por sistemáticas violações a direitos fundamentais. Nessa perspectiva, sob as ruínas do velho continente, nasce um movimento, denominado “neoconstitucionalismo”, também denominado por alguns de “constitucionalismo pós-moderno” ou também “pós-positivismo”, que prima essencialmente por refundar às bases do Direito Constitucional.

                        Destarte, pode-se afirmar que o neoconstitucionalismo tem por finalidade, dentro da atual realidade, buscar a eficácia plena da Constituição, deixando o seu texto de ter um caráter meramente e estritamente retórico e passando a ser mais efetivo, principalmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais.

                        Segundo Paulo Bonavides[2], é na idade do pós-positivismo (ou neoconstitucionalismo) que tanto a doutrina do Direito Natural como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, sofrendo golpes profundos e críticas lacerantes capitaneadas pelos mais renomados doutrinadores, como por exemplo, pelo jurista de Havard, Ronald Dworkin[3].

                        Ademais, além de Dworkin, o jurista alemão Robert Alexy contribuiu para a afirmação do neoconstitucionalismo, como pensador receptivo aos progressos da nova hermenêutica que se apresentava e ante as tendências axiológicas de compreensão do fenômeno constitucional que surgia cada vez mais voltado a consideração dos valores e a fundamentação do ordenamento jurídico, conjugando-se, por assim dizer, em bases axiológicas, o binômio lei/direito, ao contrário do que costumava fazer os clássicos teóricos do positivismo.

                        Nesse passo, aquém das lições de Dworkin, o neoconstitucionalismo, na tentativa de superar o “positivismo primitivo”, buscou na chamada teoria da argumentação jurídica (especialmente a de Alexy) um modo de racionalizar o modelo de interpretação e aplicação do direito, imaginado pelos seus adeptos como adequado para os novos textos constitucionais[4].

                        Diante dessa perspectiva, Lenio Luiz Streck, concordando, nesse particular com o pensamento de Luigi Ferrajoli, ocupa-se por tecer críticas à receptividade desta teoria da argumentação jurídica formulada por Alexy, bem como pelas “releituras” feitas da mesma pelo ordenamento jurídico brasileiro, asseverando que, tendo em vista que no neoconstitucionalismo há mais princípio que regras, mais ponderação do que subsunção legal, características que marcam tal vertente jurídica, e que se contrapõem ao positivismo puro onde predomina, especialmente, regras e subsunção, acaba-se por enfraquecer a autonomia do direito.

2. O PENSAMENTO NEOCONSTITUCIONALISTA DE ALEXY: DIREITOS FUNDAMENTAIS E PONDERAÇÃO JURÍDICA.

                        O objetivo de Robert Alexy com sua teoria sobre direitos fundamentais não é alcançar exatamente uma homogeneização de cada ordem jurídica fundamental. Seu objetivo, na verdade, é o de descobrir as estruturas dogmáticas e revelar os princípios e valores que se escondem atrás das codificações e da jurisprudência. Isto porque, em qualquer lugar que existam direitos fundamentais, colocam-se problemas semelhantes como, por exemplo, as diferenças estruturais entre os direitos sociais e os políticos[5].

                        Nessa perspectiva o autor em sua obra[6], oferece três indagações ao leitor, sobre tal temática: quem seria o titular desses direitos fundamentais? Poderia estes direitos fundamentais ser restringidos? Qual deve ser a intensidade do controle da corte constitucional sobre o legislador? Referidos questionamentos são o ponto chave de partida para a formulação de sua teoria.

                        Nessa perspectiva, Alexy defende que os direitos fundamentais possuem caráter de princípios e, nessa condição, eles eventualmente colidem, sendo assim necessária uma solução ponderada em favor de um deles. Para tanto, considera os princípios como um mundo de dever ser ideal, isto é, não diz como as coisas são, mas como se as deve pensar, com o objetivo de evitar contradições.

                        Nesse passo Alexy considera que regras e princípios são normas, uma vez que ambos dizem o que deve ser. Os princípios, como as regras, são fundamentos para os casos concretos, mas com aplicações distintas. Nesta mesma linha de raciocínio, as colisões de direitos fundamentais devem ser consideradas como uma colisão de princípios, sendo que o processo para a solução de ambas as colisões é, segundo Alexy, a ponderação.

                        Com efeito, quem empreende a ponderação no âmbito jurídico pressupõe que as normas entre os quais se faz ponderação sejam dotadas de estrutura de princípios. Totalmente diversa a dimensão do problema no plano das regras, onde o que se faz é a subsunção, visto que contêm determinações no contexto fático e juridicamente possível, sendo aplicáveis ou não[7].

                        Diante disso, Robert Alexy em específica obra[8], identifica a ponderação como forma de aplicação exclusiva dos princípios, afirmando que se trata de dois lados do mesmo objeto, sendo um de caráter metodológico e outro de caráter teórico-normativo. Por fim, assevera que:

Quem efetua ponderações no direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios e quem classifica normas como princípios deve chegar a ponderações. O litígio sobre a teoria dos princípios é, com isso, essencialmente, um litígio sobre a ponderação.

                        Na ponderação, para Alexy, deve-se ter em conta a intensidade e a importância da intervenção em um direito fundamental. Essas manifestações fazem referência a uma regra constitutiva para as ponderações do Tribunal Constitucional Alemão que pode ser formulada da seguinte maneira: “Quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção” [9].

                        Com efeito, depreende-se através da análise desta assertiva, que Alexy procurava explicar racionalmente o grau de importância das consequências jurídicas de ambos os princípios em colisão. Em outras palavras, na eventualidade de o embate não ter sido solucionado pelos critérios anteriores, coloca as consequências jurídicas dos princípios ainda em colisão numa balança (metáfora do peso), a fim de precisar qual delas é racionalmente mais importante naquele caso específico.

                        Destarte, podemos definir a lei da ponderação proposta por Robert Alexy, em três planos: (1) Definir a intensidade da intervenção, ou seja, o grau de insatisfação ou afetação de um dos princípios; (2) Definir a importância dos direitos fundamentais justificadores da intervenção, ou seja, a importância da satisfação do principio oposto e (3)  Realizar a ponderação em sentido específico e verificar se a importância da satisfação de um direito fundamental justifica a não satisfação do outro.

                        Essa posição de Alexy encontra críticas na doutrina, que podem ser embasadas na própria teoria do autor, pois quando ele afirma que as possibilidades jurídicas referentes a um princípio podem ser definidas pelas regras e princípios em oposição, acabam admitindo que possa haver colisão entre essas duas espécies normativas, como conseqüência, as regras também poderiam ser ponderadas, o que é considerado inadmissível por muitos, como por exemplificação, Lenio Luiz Streck[10].

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                        A ponderação é entendida no mesmo sentido por Ronald Dworkin[11], quando ele assevera que as regras são aplicadas de maneira disjuntiva, ao passo que a aplicação dos princípios ocorre em uma dimensão de peso.

3. A RECEPÇÃO DAS IDEIAS NEOCONSTITUCIONALISTAS NO BRASIL E A “RELEITURA” DA TEORIA DA PONDERAÇÃO DE ROBERT ALEXY

                        O processo histórico que se desenrolou na Europa Ocidental a partir do final da Segunda Guerra, denominado de neoconstitucionalismo, como já abordado, no Brasil só teve início após a promulgação da Constituição da República de 1988. É verdade que já tínhamos controle de constitucionalidade desde a proclamação da República. Porém, na cultura jurídica brasileira de até então, como assevera Daniel Sarmento[12], as constituições não eram vistas como autênticas normas jurídicas, não passando muitas vezes de meras fachadas.

                        Nesse diapasão, pode-se afirmar que até a promulgação da Carta Magna, em 1988, a lei estrita valia muito mais do que a Constituição no âmbito jurídico, e, no Direito Público, o decreto e a portaria ainda valiam mais do que a lei. Destarte, o Poder Judiciário, naquele tempo, não desempenhava um papel político tão importante, e não tinha o mesmo nível de independência de que passou a gozar atualmente. As constituições, desta forma, eram pródigas na consagração de direitos, mas estes dependiam quase exclusivamente da boa vontade dos governantes de plantão para saírem do papel – o que normalmente não ocorria.

                        A Assembleia Constituinte de 1987/1988, que coroou o processo de redemocratização do país, quis romper com este estado de coisas, e promulgou uma Constituição contendo um amplo e generoso elenco de direitos fundamentais de diversas dimensões – direitos individuais, políticos, sociais e difusos - aos quais conferiu aplicabilidade imediata (art. 5º, Parágrafo 1º), e protegeu diante do próprio poder de reforma (art. 60, Parágrafo 4º, IV)[13], alem de outros avanços[14].

                        Essa “abertura” neoconstitucional ocasionada pela Carta Magna de 1988, impactou também na doutrina[15], de modo que o Brasil passou a receber diversas teorias jurídicas ditas pós-positivistas (ou neoconstitucionais), especialmente àquelas formuladas por Ronald Dworkin e Robert Alexy, de modo a fomentar as discussões sobre os mais variados temas, tais como a ponderação de interesses, o princípio da proporcionalidade e eficácia dos direitos fundamentais.Nesse cenário, o país recebe, por conseguinte, a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, já explicitada, com a consequente primazia pela ponderação jurídica, inicialmente principiológica.

                        Também a jurisprudência fora impactada e afetada por tal mudança de paradigma jurídico, de modo que o Supremo Tribunal Federal, exemplificadamente, passou a invocar cada vez mais princípios abertos nos seus julgamentos, recorrendo à ponderação de interesses e ao princípio da proporcionalidade com frequência e até se valido de referências filosóficas na fundamentação de decisões[16].

                        Nessa perspectiva, merece destaque as “releituras”, que o ordenamento jurídico brasileiro passou a fazer da teoria da ponderação de Alexy, já explicitada acima. Como afirmado anteriormente, para Alexy é clara a existência de duas soluções distintas para os conflitos de normas: enquanto a colisão de princípios é resolvida através da ponderação, o conflito de regras é resolvido através da subsunção. O tratamento diverso nos dois casos, como foi relatado anteriormente, é apontado por Alexy como a maneira mais clara de se vislumbrar a distinção entre regras e princípios. Entretanto, essa forma de distinção foi objeto de algumas críticas, ao passo que alguns autores passaram a afirmar que a ponderação não deve ser aplicada exclusivamente aos princípios e sim, estendida as regras.

                        É o caso de Humberto Ávila[17], ao defender que o conflito entre regras nem sempre se encerra na análise de sua validade, ao passo que pode ser solucionado por meio da ponderação dos motivos e circunstâncias, existentes em uma situação concreta, acrescentando ainda mais dois casos em que a ponderação de regras poderá ocorrer: quando o intérprete, analisando a especificidade do caso, tiver que decidir se há mais razões para aplicar a hipótese da regra ou para aplicar suas exceções e, também, quando tiver que delimitar hipóteses normativas que se referem, por exemplo, a conceitos jurídicos políticos, como Estado de direito e democracia.

                        Nessa perspectiva, é dizer que mesmo ocorrendo o comportamento legal descrito na hipótese normativa de uma regra, é possível que, através da ponderação de razões, ela deixe de ser aplicada, o que não resultaria, necessariamente, na declaração de sua invalidade.

                        Tais ideias neoconstitucionais, especificadamente no que se refere à ponderação (principiológica) proposta por Alexy, e mais latentemente na ponderação (de regras) “criada” pelo ordenamento jurídico brasileiro em decorrência da primeira, pela doutrina e pela própria jurisprudência, são alvos fatais do pensamento de Lenio Luiz Streck, de forma que este sustenta que a ponderação acaba por funcionar como instrumento diminuidor da autonomia do direito, como passamos a discorrer.

4. PONDERAÇÃO E ENFRAQUECIMENTO DA AUTONOMIA DO DIREITO: A CRÍTICA DE STRECK

                        4.1 As críticas ao termo “neoconstitucionalismo”.

                        Conforme ressaltado, passada a Segunda Guerra Mundial, restou superada pelo constitucionalismo europeu, a ideia do culto ao legislador e pelo fetiche à lei estrito, surgindo, nessa perspectiva, sob as ruínas do velho continente, um movimento, denominado “neoconstitucionalismo”, também denominado por alguns de “constitucionalismo pós-moderno” ou também “pós-positivismo”, que primava essencialmente por refundar às bases do Direito Constitucional.

                        Referido processo, também adentrou as fronteiras do ordenamento jurídico nacional, precipuamente através da entrada em vigor da Carta Magna de 1988, de modo que o Brasil se abriu para teorias ditas “neoconstitucionais”, através do pensamento da doutrina e das decisões jurisprudenciais, que acabavam por primar por uma valoração e suas diversas valorações axiologistas.

                        A partir dessas premissas, Lenio Luiz Streck, começa a tecer suas críticas ao neoconstitucionalismo emergente, precipuamente quanto à ponderação de princípios e, sobretudo, de regras, concordando, neste particular, com o pensamento de Luigi Ferrajoli, asseverando que referido movimento, reforçado pela aplicabilidade da aplicação “desenfreada” da teoria da ponderação, acaba por enfraquecer latentemente a autonomia do direito e a força normativa da Constituição.

                        Inicia Streck, em obra específica[18], chancelando que em tempos pós-positivistas – ou de fortes críticas aos diversos positivismos –, é absolutamente relevante discutir as condições de possibilidade que a teoria do direito possui para construir respostas aos grandes dilemas surgidos com o advento do, assim denominado, neoconstitucionalismo.

                        Continua Streck, iniciando suas críticas a referido modelo, afirmando que o neoconstitucionalismo representa, apenas, a superação – no plano teórico-interpretativo – do paleo-juspositivismo (como bem conceitua e lembra Luigi Ferrajoli), na medida em que nada mais faz do que afirmar as críticas antiformalistas deduzidas pelos partidários da escola do direito livre, da jurisprudência dos interesses e daquilo que é a versão mais contemporânea desta última, da jurisprudência dos valores.

                        Nesse diapasão, afirma Streck[19]:

 

Aliás, a referência reiterada aos “valores” demonstra bem que o ranço neokantiano permeia o imaginário até mesmo daqueles que pretendem fazer uma dogmática crítica. De fato, não é exagero afirmar que, em termos teóricos, a grande maioria dos juristas filiados ao neoconstitucionalismo permanece atrelada, de algum modo, ao paradigma filosófico que se formou a partir do neokantismo oriundo da escola de Baden (e da noção de moral pós-convencional). Em outras palavras, continuamos reféns de um culturalismo defasado que pretendia fundar o elemento transcendental do conhecimento na ideia sintética de valores, que representariam, por sua vez, o complexo destes valores, que comporia o mundo cultural.

                        Com efeito, nessa perspectiva, afirma Streck (e nesse ponto toca as lições de Ferrajoli), que não faz sentido continuar a fazer uso da expressão “neoconstitucionalismo”, para apontar uma teoria de construção de um direito democraticamente produzido, sob o signo de uma constituição normativa e da integridade da jurisdição, preferindo, àquele autor, pela denominação de “Constitucionalismo Contemporâneo”, visto que, segundo ele, a ideia de “neoconstitucionalismo” pode induzir ao equívoco de que esse movimento proporcionaria a superação de outro constitucionalismo, quando na verdade não o faz, simplesmente se resumindo a um processo de continuidade que agrega as novas conquistas que passam a integrar a estrutura do Estado Constitucional do pós-guerra.

                        Nesse sentido, termina por apontar, quanto a esta nomenclatura, que o neoconstitucionalismo não é uma superação fatal do paleo-jus-positivismo, muito embora os neoconstitucionalistas achem que seja, residindo ai a problemática da apresentação e aplicação deste modelo, visto que o mesmo acaba por depender de posturas axiologistas e voluntaristas, que, segundo Streck (e Ferrajoli) proporcionam atitudes incompatíveis com a democracia, como o ativismo e a discricionariedade judicial.

                        4.2 O problema do “pan-principiologismo”.

                        Alhures, para os pensadores adeptos ao neoconstitucionalismo, é com princípios que o juiz de ser mera boca da lei, sendo que, nessa perspectiva, os princípios, de maneira geral, seria o componente libertário da interpretação do direito e das decisões jurisdicionais. Dito de maneira diversa é como se fosse a formula para superar o antigo positivismo estrito fosse simplesmente uma espécie de retorno à jurisprudência dos interesses, à jurisprudência de valores, ao movimento do direito livre, segundo Streck[20].

                        Sobremaneira, afirma Streck, que parte incontável (e incontrolável) elenco de “princípios”[21], vem sendo utilizados pela doutrina e pela jurisprudência, com nítida pretensão retórico-corretiva, além da tautologia que os conforma, consistindo em um perigoso crescimento criativo de conjunto de álibis teóricos que vem recebendo àquela denominação, o que acabaria por fragilizar o direito em si, ao invés de reforçá-lo.

                        Assim, está-se diante de um fenômeno, segundo Streck, que pode ser chamado de “pan-principiologismo”, caminho perigoso para um retorno à “completude” que caracterizou o velho positivismo novecentista, mas que adentrou ao século XX a partir de uma “adaptação darwiniana”: na “ausência” de “leis apropriadas” (a aferição desse nível de adequação é feita, evidentemente, pelo protagonismo judicial), o intérprete “deve” lançar mão dessa principiologia, sendo que, na falta de um “princípio” aplicável, o próprio intérprete pode criá-lo[22].

                        Destarte, para Streck, esse cenário de multiplicação e ploriferação principiológica na doutrina e na jurisprudência se deve a errônea compreensão da tese de que os princípios proporcionam uma abertura interpretativa, quando na verdade assim não deveria ser, visto que, segundo ele, a legitimidade de uma decisão deveria ser auferida no momento em que se demonstra que a regra por ela concretizada é instituída por um principio, e não o contrário, ou seja, aplicar a regra que se embasa em um princípio e não aplicar um princípio derivado de uma regra.

                        Continua Streck[23], sobre tal primazia da regra:

Acrescente-se, ainda, que a regra só se aplica em face do caráter antecipatório do princípio. O princípio está antes da regra. Somente se compreende a regra através do principio. Os princípios não são princípios porque a Constituição assim o diz, mas a Constituição é principiológica porque há um conjunto de princípios que conformam o paradigma constitucional, de onde exsurge o Estado Democrático de Direito.

                        Nesse sentido, concordando também neste particular com Ferrajoli, Streck resume sua crítica asseverando que princípios não são valores, não havendo, por assim dizer, uma distinção estrutural entre regra e princípio, pois um determinado comando principiológico só se aplica através de uma regra, havendo sempre, atrás desta ultima, um principio. Com efeito, como por vezes, princípios são aplicados como se fossem regras, ocorre o que Streck denomina de “pan-principiologismo”, que acaba, segundo o mesmo, a fragilizar o direito.

                        4.3 A ponderação e o enfraquecimento do direito na visão de Lenio Luiz Streck: a teoria de Alexy e as “releituras” criadas pelo ordenamento jurídico nacional.

                        Como já mencionado, o modelo neoconstitucionalista, com sua clara tentativa de superar o antigo positivismo exegético, buscou em teorias de argumentação jurídica, especialmente naquela formulada por Robert Alexy, um modo de se justificar, racionalizando o modelo de interpretação e aplicação do direito, imaginado pelos pensadores adeptos deste modelo, como o ideal para os novos ideários constitucionais.

                        Nesse sentido, referido modelo emergente, passou a primar mais por princípios do que por regras, mais por ponderação do que subsunção legal, ao contrário, por assim dizer, do antigo modelo positivista vigorante. Passou-se, assim, sobremaneira, a resolver os casos simplórios por subsunção legal e os envoltos em grande problemática, por ponderação. Tal mecanismo convencionou-se, pela denominação crítica de jurisprudência de valores e foi embasado na teoria da argumentação formulada por Alexy, já citada.

                        Ressalve-se que, segundo leciona Streck[24], originariamente, no caso alemão, a jurisprudência dos valores (Wertungsjurisprudenz) serviu para equalizar a tensão produzida depois da outorga da Grundgesetz pelos aliados, em 1949. Com efeito, nos anos que sucederam a consagração da lei fundamental, houve um esforço considerável por parte do Bundesverfassungsgericht para legitimar uma Carta que não tinha sido constituída pela ampla participação do povo alemão.

                        Nesse cenário, surgiu a afirmação de um jus distinto da lex, ou seja, a invocação de argumentos que permitissem ao Tribunal recorrer a critérios decisórios que se encontravam fora da estrutura rígida da legalidade. A referência a valores aparece, assim, como mecanismo de “abertura” de uma legalidade extremamente fechada. Era uma espécie de “ajuste de contas hermenêutico” com qualquer forma de exegetismo, o que, sobremaneira, existe até hoje naquele país.

                        Ocorre que, alheio a esta formatação originária de jurisprudência de valores, propagada inicialmente por Robert Alexy, os teóricos do neoconstitucionalismo, especialmente os brasileiros, passaram a tomá-la como ponto de partida para a criação de “outras teorias da argumentação”, acompanhados, sobremaneira, pelos tribunais pátrios. Nesse ponto, reside mais frontalmente as críticas de Streck.

                        Nesse sentido é dizer que da ideia inicial da jurisprudência dos valores os teóricos brasileiros tomaram emprestado à tese principal, de que “a Constituição é uma ordem concreta de valores”, sendo o papel dos intérpretes o de encontrar e revelar esses interesses ou valores, sendo que o modo mais específico de implementação foi a teoria da argumentação de Robert Alexy, que, entretanto, recebeu uma leitura superficial por parcela considerável da doutrina e dos Tribunais pátrios.

                        Assim, segundo Streck[25]:

O Direito Constitucional, nessa medida, foi tomado pelas teorias da argumentação jurídica, sendo raro encontrar constitucionalistas que não se rendam à distinção (semântico) estrutural regra-princípio e à ponderação (Alexy). A partir desse equívoco, são desenvolvidas/seguidas diversas teorias/teses por vezes incompatíveis entre si. Na maior parte das vezes, os adeptos da ponderação não levam em conta a relevante circunstância de que é impossível – sim, insista-se, é realmente impossível – fazer uma ponderação que resolva diretamente o caso. A ponderação – nos termos propalados por seu criador, Robert Alexy – não é (insista-se, efetivamente não é) uma operação em que se colocam os dois princípios em uma balança e se aponta para aquele que “pesa mais” (sic), algo do tipo “entre dois princípios que colidem, o intérprete escolhe um” (sic). Nesse sentido é preciso fazer justiça a Alexy: sua tese sobre a ponderação não envolve essa “escolha direta”.

                        Ademais, importante anotar que, segundo ainda o pensamento de Streck, no Brasil, os tribunais[26], no uso descriterioso da teoria alexyana já referida, transformaram a ponderação (Abwägung) em um verdadeiro “princípio”. Com efeito, é dizer, se, na formatação proposta por Alexy, à ponderação conduz à formação de uma regra – que será aplicada ao caso por subsunção –, os tribunais brasileiros utilizam esse conceito como se fosse um enunciado performátivo, uma espécie de álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos, é o que, como já explicitado, Streck chama de pan-principiologismo.

                        Este pan-principiologismo, subproduto do “neoconstitucionalismo” à brasileira, segundo Streck, acaba por fragilizar as efetivas conquistas que formaram o caldo de cultura que possibilitou a consagração da Constituição brasileira de 1988, fazendo com que – a pretexto de se estar aplicando princípios constitucionais – haja uma proliferação incontrolada de enunciados para resolver determinados problemas concretos, muitas vezes ao alvedrio da própria legalidade constitucional.

                        Ademais, partindo desta mixagem teórica, indo mais além, são desenvolvidas seguidas e diversas teorias, que se propõem a, aquém da ponderação de princípios, a defender também uma ponderação de regras, tese que se repete, por exemplo, nas lições de Humberto Ávila, como já esposado em tópico anterior, e que é alvo de críticas ferozes de Streck, asseverando este que, nos termos propostos por esta corrente, a ponderação apareceria como verdadeiro procedimento generalizado de aplicação do direito.

                        Para Streck[27], se assim o fosse, em todo e qualquer processo aplicativo, haveria necessidade de uma “parada” para que se efetuasse a ponderação, mostrando-se tal posicionamento (estender a ponderação para a aplicação de regras), destituído de sentido prático, visto que da regra resultaria outra regra, que seria aplicável ao caso, o que, segundo o mesmo, desvirtua tanto da legalidade quanto da teoria alexyana.

                        Nesse passo, em termos práticos (e no interior do pensamento alexyano), a distinção entre regras e princípios acabaria por perder a função, uma vez que não haveria mais a distinção subsunção/ponderação.   

                        De todo modo, afirma o Streck, que o problema principal da ponderação é a sua filiação ao esquema sujeito-objeto e a sua dependência da discricionariedade, ratio final. Desse modo, se a discricionariedade é o elemento que sustenta o positivismo jurídico nos “casos difíceis” e nas vaguezas e ambiguidades da linguagem dos textos jurídicos, não parece que a ponderação seja “o” mecanismo que livre (ou arranque) o direito dos braços do positivismo.

                        Ou seja, a crítica de Streck se dirige nessa perspectiva: quem escolheria os princípios a serem sopesados? Quem controlaria aquele que controla ou diz por último o que a lei (ou a Constituição) é? No caso da ponderação, quem escolhe os princípios a serem ponderados? E quais os pesos a serem conferidos a cada um dos princípios para a construção da regra de ponderação? Mais ainda: a subsunção – admitida para os casos fáceis – tem lugar no plano de um paradigma filosófico que ultrapassou o esquema sujeito-objeto? E por que a regra de direito fundamental (resultado da ponderação) se transforma em uma subsunção de segundo grau ou uma “meta-subsunção”? Tais questionamentos, segundo o autor, não são respondidos pelos neoconstitucionalistas.

                        Por derradeiro, termina por concluir que esta ponderação fragiliza, sobretudo, a forca normativa da constituição, ficando claro que o neoconstitucionalismo, ao apostar nessa ponderação de valores, busca superar a forma exegética de positivismo, com formulações que mixam as mais diversas teorias voluntaristas que se multiplicaram no decorrer dos tempos.

                        Dito de outro modo: o recurso ao “relativismo ponderativo”, para Streck, obscurece o valor da tradição como guia da interpretação, isto é, a ponderação acaba sendo uma porta aberta à discricionariedade, o que, sobremaneira, acabaria por enfraquecer a autonomia do direito.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

                        Concluímos, pois, com base nas lições de Lenio Luiz Streck, que se o pós-positivismo tem sido considerado como o principal elemento diferenciador/caracterizador do neoconstitucionalismo, a ponderação acabou por se transformar no grande problema e, por assim dizer, em um obstáculo ao próprio neoconstitucionalismo (compreendido como superador do positivismo que traz a discricionariedade como um de seus elementos estruturais).

                        É dizer que o neoconstitucionalismo não pode(ria) e não deve(ria) depender de juízos de ponderação, mormente se percebermos que “ponderação” e “discricionariedade” são faces de uma mesma moeda. Afinal, no modo como a ponderação vem sendo convocada (e “aplicada”) no país, tudo está a indicar que não passa de certa “jurisprudência de interesses”.

                        E, assim, o neoconstitucionalismo acaba revelando traços que dão condições ao desenvolvimento do ativismo judicial, que à diferença do fenômeno da judicialização da política (que ocorre de modo contingencial, isto é, na insuficiência dos demais Poderes do Estado), apresenta-se como uma postura judicial para além dos limites estabelecidos constitucionalmente.

                        Neste contexto, não surpreende que, embora citada e recitada ad nauseam pela doutrina e pelos tribunais, não seja possível encontrar uma decisão sequer aplicando a regra da ponderação. Há milhares de decisões (e exemplos doutrinários) fazendo menção à ponderação, que, ao fim acaba por ser transformada em álibi teórico para o exercício dos mais variados modos de discricionarismos e axiologismos[28].

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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20º Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério; trad. Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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Sobre o autor
Pablo Saldívar da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Especialista em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS. Advogado.

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