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O mandado de segurança em matéria tributária como instrumento de defesa do contribuinte em face de atos abusivos praticados pelo poder público

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Agenda 06/04/2014 às 17:43

3. Aspectos polêmicos do mandado de segurança tributário

3.1 Lançamento e inscrição do mandado de segurança tributário

A autoridade administrativa pode constituir o crédito tributário por meio de três modalidades de lançamento: a) lançamento direto (de ofício ou ex officio), b) lançamento por declaração (misto), e lançamento por homologação (autolançamento).

O lançamento direto cristaliza modalidade de procedimento em que o sujeito passivo não tem deveres de colaboração com a Administração. Assim, o lançamento realiza-se sem a participação do sujeito passivo. Há o prazo decadencial de cinco anos, que confere direito à Administração Pública de rever o lançamento. Assim, o Fisco deverá realizar o lançamento ou modificá-lo dentro do prazo qüinqüenal. Essa espécie de lançamento é utilizada, por exemplo, no IPTU e no IPVA.

No lançamento por declaração, o sujeito passivo presta declaração e a Fazenda Pública efetua o lançamento. Assim, o contribuinte realiza o pagamento do tributo ou procede à impugnação, caso discorde do valor lançado. Tal modalidade, hodiernamente, tem utilização reduzida.

Por fim, registra-se que o lançamento por homologação é deveras utilizado, notadamente porque transfere ao sujeito passivo as funções de apurar e antecipar o montante devido. Citam-se, como exemplos, o IR, o ICMS, o IPI, o ISS, entre outros (BORBA, 2007, p. 332-336).

No que tange ao lançamento em sede de mandado de segurança tributário, há dois pontos de vital importância. O primeiro materializa-se por meio de ato privativo da Administração Tributária, que liquida o crédito, identifica o sujeito passivo e exaure a possibilidade de decadência. O segundo refere-se ao controle de legalidade, que possibilita a exigibilidade, pela via executiva, do crédito fiscal. Questão relevante gira em torno da possibilidade de obstar-se a produção de efeitos dos referidos atos, em virtude da impetração de mandado de segurança.

Como se trata de atos administrativos, vinculados e sujeitos ao controle de legalidade, infere-se, prima facie, que o mandamus em matéria tributária pode ser perfeitamente utilizado com o intuito nupercitado. Todavia, faz-se mister salientar que se por via de liminar, ou sentença recorrível criar-se embaraço ao lançamento, o bom-senso exige que o curso da decadência não tenha início.

Desenvolvendo a temática na hipótese vertente, obtempera-se:

Mas não tem senso dizer que o prazo para exercício de um poder-dever tem curso enquanto se encontra impedido por ordem judicial válida. Na presença desta, ter-se-á que supor que retroage ao termo inicial do prazo de caducidade e obstaculiza seu fluxo. Caso se avalie esta solução como demasiado artificial, a alternativa não o seria menos – mas é viável: o juiz simplesmente não poderia proibir a Administração de lançar nem de notificar o contribuinte; ordem nesse sentido deveria ser entendida como meramente obstativa dos efeitos normais do ato (GRAMSTRUP, 2002, p. 342).

Semelhante fato ocorre com a inscrição, pois, caso seja sustada, suspender-se-á, de igual modo, o curso da prescrição. Não obstante, deve-se relevar o caráter excepcional da providência, mormente ante a difícil comprovação do interesse de agir, aliada à atividade vinculada exigida da autoridade pública.

Nessa esteira, em regra, ocorrerá a suspensão da cobrança do crédito, sem prejuízo de que o Poder Público realize, cautelarmente, o lançamento. Caso o lançamento já tenha sido efetivado, ou se já houver procedido à inscrição, a providência ensejará o impedimento de propositura do executivo fiscal.

Enfim, o writ poderá ser ajuizado na pendência de cobrança judicial. Nesse caso, deverá prevalecer a competência do juízo especializado para apreciar a certeza, liquidez e exigibilidade do tributo. Pode, ainda, o contribuinte, caso possua razões suficientes, propor exceção de pré-executividade, evitando-se, dessa forma, a constrição judicial. Com fulcro nas argumentações expendidas, cita-se o ensinamento de Erik Frederico Gramstrup (2002, p. 343), litteris:

Por importante que seja o mandamus em nosso sistema, não se lhe atribui, ainda, o condão de abolir o próprio sistema; por isto mesmo que não se admite mandado de segurança contra ato judicial contra o qual caiba recurso [...]. Esta razão tem aplicação na hipótese cogitada: o juiz com competência material para o mandado de segurança estaria apreciando, liminarmente ou no mérito, crédito sujeito à cognição (em embargos ou em exceção de pré-executividade) do juízo especializado. Poder-se-ia figurá-lo como um mandado de segurança contra ato judicial dissimulado, impetrado em grau de jurisdição impróprio.

3.2 É possível a compensação do indébito?

O mandado de segurança não pode vestir a roupagem de ação de cobrança. Dessa forma, teoricamente, não seria possível a compensação, a fortiori porque tal instituto reflete sucedâneo de dois pagamentos que visam à extinção de créditos homogêneos exigíveis.

Registre-se que existem dois modos de compensar crédito advindo de pagamento indevido. O primeiro ocorre pela via administrativa. O segundo, por meio do autolançamento. De fato, o autolançamento é relevante na hipótese sob exame, notadamente porque, conforme dito algures, caberá ao sujeito passivo as funções de apurar e antecipar o montante devido. Nesse panorama surge a possibilidade de impetração do writ na tutela de direito subjetivo público do contribuinte.

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Em consonância com o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, “o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária” (SÚMULA 213/STJ). Nesse sentido, observa-se que o remédio heróico é compatível com a compensação do indébito tributário.

Em que pese ao fato de o mandamus servir para a compensação do indébito, a natureza de ação civil sumária é mantida, não se escamoteando nas sombras de eventual ação de repetição de indébito. Dessa forma, o objeto do mandado de segurança sofre limitação. Nesse ponto, torna-se relevante registrar o magistério de Erik Frederico Gramstrup (2002, p. 344-345):

Não há espaço para discutir valores ou requerer a extinção do crédito tributário. Esta vai ocorrer na forma habitual: o contribuinte dá início ao autolançamento, informando o valor devido e o crédito compensado; à Administração tributária compete fiscalizar o procedimento e a correção dos montantes, homologando ou autuando, conforme o caso. O Judiciário só intervém quando provocado a afastar limites que não decorram do texto legal, mas não se pronuncia sobre o fenômeno extintivo.

3.3 Mandado de segurança coletivo em matéria tributária?

Preliminarmente, impende destacar noções propedêuticas acerca do mandado de segurança coletivo. O mencionado instituto foi previsto no artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal de 1988.

O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Em consonância com a preleção de José Afonso da Silva (1998, p. 459):

O conceito de mandado de segurança coletivo assenta-se em dois elementos: um, institucional, caracterizado pela atribuição da legitimação processual a instituições associativas para a defesa de interesses de seus membros ou associados; outro, objetivo, consubstanciado no uso do remédio para a defesa de interesses coletivos.

Nesse contexto, surge a indagação consubstanciada na possibilidade ou não de impetrar-se mandado de segurança coletivo em matéria tributária.

Ab initio, observa-se que a Constituição Federal não restringiu a utilização do mandamus coletivo, no tocante à matéria versada. De fato, o remédio heróico, impetrado na vertente coletiva, é admitido pela doutrina e pela jurisprudência pátrias. Não se pode olvidar que tanto os direitos transindividuais indivisíveis, como os individuais homogêneos comportam a impetração coletiva (GRAMSTRUP, 2002, p. 351).

Infere-se, como salientado outrora, que o mandado de segurança coletivo não pode ser utilizado individualmente pelo impetrante. Nesse sentido, é imperioso que o mandamus coletivo seja perfectibilizado como instrumento hábil para a defesa dos contribuintes, por meio das associações representativas, independentemente de previsão estatutária, autorização de assembléia e pertinência temática, uma vez que não houve limitação de seu objeto pela Constituição Federal de 1988.

A coisa julgada não tem o condão de obstar o acesso individual à justiça pelos contribuintes. Apesar disso, reverbera a importância da tutela coletiva, mormente no que tange à celeridade da medida, além do perfeito estreitamento da possibilidade de decisões contraditórias. Tais características rutilam a segurança jurídica, relevante fundamento do Estado de Direito.

Registre-se, ainda, que o sincretismo jurídico, caracterizado pela celeuma entre os planos substancial e processual do ordenamento estatal, começou a ruir no século XIX. Com a descoberta da autonomia da ação e do processo, institutos que tradicionalmente ocupavam, com exclusividade, a primeira linha de investigação dos processualistas, renovaram os estudos de direito processual, procurando-se valorizar a instrumentalidade do processo (DINAMARCO, 2003, p. 18-19).

O processo, concebido como garantia à ordem jurídica justa, sucumbe desacreditado no seio da sociedade. Debilitado na relevante função de levar a justiça a todos, sofre de verdadeira crise de legitimidade.

Nesse sentido, Rui Portanova (2003, p. 73) discrimina as causas incrustadas na visão da sociedade em relação ao Judiciário, referenciando o ‘custo do processo’, a ‘pobreza e deseducação para o exercício do direito’, o ‘formalismo e lentidão dos procedimentos’, a estreiteza da via de acesso’, a ‘impunidade criminal’. A principal causa para o enfraquecimento do Judiciário consubstancia-se na incapacidade de atender à politização da lide.

Com o escopo de resguardar a missão do processo, caracterizada pela pacificação com justiça, surgiu a perspectiva instrumentalista. Enunciando o princípio instrumental, Rui Portanova declama: “O processo deve cumprir seus escopos jurídicos, sociais e políticos, garantindo: pleno acesso ao Judiciário, utilidade dos procedimentos e efetiva busca da justiça no caso concreto” (PORTANOVA, 2003, p 48).

A instrumentalidade materializa, em verdade, a garantia de um processo justo, célere e econômico para as partes. Nesse sentido, o magistrado deve abster-se do incondicional formalismo na apreciação da demanda sub judice, sob pena de transformar-se em mero burocrata.

Ligado umbilicalmente ao princípio da instrumentalidade, visualiza-se a efetividade do processo, que pretende buscar a tutela útil.

José Roberto dos Santos Bedaque (2003, p. 68-69) explicita o princípio da efetividade, ao discorrer:

A eficiência da justiça civil, como valor a ser defendido e preservado, encontra amparo no princípio constitucional da efetividade da tutela jurisdicional e constitui elemento essencial do Estado de Direito.

As regras que compõem o devido processo constitucional destinam-se a estabelecer as bases do modelo processual brasileiro, conferindo-lhe efetividade, ou seja, aptidão para produzir resultados úteis a todos que necessitarem recorrer à atividade jurisdicional do Estado.

O processo, como instrumento de realização do direito material e dos valores sociais mais importantes, deve proporcionar esse resultado com rapidez, sob pena de tornar-se inútil.

Daí decorre a idéia de efetividade como garantia fundamental do processo, a ser extraída dos princípios constitucionais que constituem os fundamentos do sistema processual brasileiro. Trata-se, sem dúvida, de componente inafastável das garantias constitucionais do processo.

Não basta assegurar, portanto, a existência de mecanismo adequado à solução de controvérsias, se as pessoas não tiverem efetivo acesso a ele.

Em razão disso, a inafastabilidade do Poder Judiciário não pode representar garantia formal de exercício da ação. É preciso oferecer condições reais para a utilização desse instrumento, sempre que necessário. De nada adianta assegurar o contraditório, ampla defesa, juiz natural e imparcial, se a garantia de acesso ao processo não for efetiva, ou seja, não possibilitar realmente a todos meios suficientes para superar eventuais óbices existentes ao pleno exercício dos direitos em juízo.

Verifica-se, portanto, que a efetividade espelha a própria operabilidade do processo. O julgador, enleado na postura instrumentalista, deve procurar prestar, diuturnamente, tutela jurisdicional efetiva. A morosidade na prestação jurisdicional poderá ser atenuada. Todavia, faz-se necessário que o magistrado conduza o processo de forma a garantir os escopos sociais, políticos e jurídicos, guarnecendo a efetividade na prestação jurisdicional.

Partindo-se da premissa instrumentalista, calcada objetivamente na própria efetividade do processo, o magistrado, comprometido com as exigências do mundo hodierno, deve conferir às partes a tutela útil. Andarilho na busca da justa composição do litígio, necessita almejar a celeridade na composição da demanda, despregando-se dos formalismos inerentes ao sistema. Seguindo o clamor social, torna-se responsável pela rápida resolução da lide, sem desprestígio da segurança jurídica.

Por fim, o mandado de segurança individual e, principalmente, o coletivo, ambos em matéria tributária, possuem por obséquio a célere projeção da lide, em defesa dos eventuais direitos dos contribuintes. O Poder Judiciário, com espeque no caso concreto, deverá suspender ou anular os atos viciosos praticados pela autoridade tributária. Assim, exsurge o writ, como instrumento de defesa dos contribuintes, tensionando evitar os desmandos da Administração Pública.


CONCLUSÃO

O presente artigo científico estabeleceu, inicialmente, um paradigma histórico do mandado de segurança, de sorte a familiarizar o instituto no âmbito do direito constitucional brasileiro, cotejando-o, também, com o juicio de amparo mexicano.

Os pressupostos processuais do writ foram delineados, com ênfase no conceito, natureza e funções. Ademais, perquiriu-se o aspecto teórico da liminar no mandado de segurança tributário, configurado na contracautela e na cassação.

Ressaltaram-se, também, diversas problemáticas concernentes ao mandamus em matéria tributária.

De fato, verificou-se a ocorrência do lançamento e da inscrição do tributo, bem como a possibilidade da respectiva suspensão por meio da impetração de mandado de segurança.

Perquiriu-se, também, a faceta caracterizada pela compensação do indébito fiscal por intermédio do remédio heróico, ressaltando-se que não há a transmutação de sua natureza jurídica em ação de repetição de indébito. Significa dizer que, mesmo quando o mandado de segurança é utilizado para declarar o direito à compensação tributária, mantém a natureza de ação civil sumária constitucional.

Por fim, perscrutou-se o ensejo de admitir-se o mandamus coletivo, mesmo em matéria tributária, objetivando a resolução das lides coletivas de forma célere.

Nesse diapasão, ressaltou-se a importância de atingir-se a instrumentalidade do processo, por intermédio da busca incessante da efetividade. Desse modo, destacou-se a relevância do writ como substrato jurídico que visa à defesa do contribuinte em face de atos abusivos infligidos pela Administração tributária.

Por fim, o artigo científico em epígrafe pretendeu preencher, ainda que de forma sucinta, em razão de sua implícita natureza, a lacuna doutrinária que reveste a temática, mormente no meio acadêmico e na praxe jurídica.


REFERÊNCIAS

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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, argüição de descumprimento de preceito fundamental, o controle incidental de normas do direito brasileiro, a representação interventiva. 28. ed. São Paulo : Malheiros, 2005.

PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo : Saraiva, 1995.

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Sobre o autor
Gabriel de Fassio Paulo

Advogado<br>Professor<br>Escritor<br>Pós-graduado em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULO, Gabriel Fassio. O mandado de segurança em matéria tributária como instrumento de defesa do contribuinte em face de atos abusivos praticados pelo poder público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3931, 6 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27291. Acesso em: 22 nov. 2024.

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