Sumário: Introdução. 1. Relevância do tema. 1.1 História constitucional. 1.2 O ‘amparo’ mexicano. 2. Pressupostos do mandado de segurança tributário. 2.1 Conceito e natureza. 2.2 Funções do mandado de segurança tributário. 2.3 Liminar no mandado de segurança tributário: contracautela. 2.4 Cassação da liminar. 3. Aspectos polêmicos do mandado de segurança tributário. 3.1 Lançamento e inscrição do mandado de segurança tributário. 3.2 É possível a compensação do indébito?. 3.3 Mandado de segurança coletivo em matéria tributária? Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O tema em mote foi escolhido em virtude da atualidade e relevância que suscita no ordenamento jurídico pátrio. De fato, é quase redundante ressaltar a importância da temática. Nessa esteira, o mandado de segurança já foi considerado uma das típicas ações tributárias, em conjunto com a repetição de indébito, os embargos à execução fiscal, a anulatória de lançamento e a declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária. Recentemente, suplantou estas últimas, assumindo posição ímpar no cotidiano forense e obrigando à revisão de noções que se supunham clássicas e definitivamente estabilizadas. Nesse sentido, o mandado de segurança tornou-se ação tributária por definição, não se olvidando, porém, a natureza de ação civil constitucional, a justificar o prestígio valorativo e a flexibilidade hermenêutica do instituto.
Registre-se, assim, que o mote do presente artigo se refere ao mandado de segurança tributário. A mencionada temática envolve, como referencial da linha de pesquisa, o direito tributário, o direito administrativo e o direito constitucional.
Abordar-se-ão os aspectos do mandamus na esfera tributária, notadamente no tocante aos pressupostos, à liminar, ao lançamento, à inscrição, à compensação do indébito e ao mandado de segurança coletivo. Nesse diapasão, a perquirição precípua objetiva configurar a possibilidade de utilização do mandado de segurança tributário como instrumento de defesa do contribuinte, mormente ante as reiteradas práticas abusivas, que lesam direitos subjetivos, infligidas pelo Poder Público. Intenta, por fim, caracterizar o mandado de segurança como célere instrumento de defesa do contribuinte.
A pesquisa partirá de referenciais teóricos que demonstrem a história e a evolução do mandado de segurança tributário e sua novel realidade.
Utilizar-se-á, na primeira parte do trabalho, de pensamentos e considerações explicativos da pós-modernidade e da necessidade de mudança de mentalidade, de procedimentos, de conceitos cristalizados sob a ótica da sociedade de outrora, que se preocupava com necessidades e direitos apenas individualmente considerados.
No campo dos pressupostos do mandado de segurança, procurar-se-á desenvolver os conceitos basilares, que desvendam o seu funcionamento, bem como o contexto em que foram gestados no cenário nacional.
A temática propriamente dita concernente ao mandado de segurança tributário, parte final da pesquisa, será desenvolvida com lastro no trabalho de Erik Frederico Gramstrup.
Hodiernamente, o mandado de segurança tributário cristaliza temática palpitante no universo jurídico. De fato, a problemática do mandamus tributário exsurge com vultosa força, máxime quando se torna imprescindível a recomposição dos danos sofridos pelos contribuintes, no tocante aos direitos subjetivos. Com o desiderato de evitar ou combater os atos ilegais ou abusivos praticados pelo Poder Público, cinge-se o mandado de segurança tributário, que visa a, precipuamente, garantir o direito ‘líquido e certo’ do contribuinte.
A presente pesquisa objetiva entrelaçar o instituto do mandado de segurança à sua vertente tributária, como instrumento de defesa do contribuinte. Não se pode olvidar que a Administração Pública, de forma reiterada, pratica atos ilegais ou abusivos em face do contribuinte. Observa-se que o Poder Judiciário, em virtude de tais condutas impróprias adotadas pela Administração, acaba realizando o papel do administrador, na tentativa de evitar lesões aos direitos subjetivos dos contribuintes. Nessa esteira, percebe-se, de forma cristalina, que, na praxe jurídica, o mandado de segurança tributário, consagrado pela sistemática processual, reverbera como instrumento hábil a sanar eventuais lesões.
A escolha do tema deve-se, primeiramente, à deficiência e ao claro doutrinário sobre o assunto. De fato, verifica-se, amiúde, que se trata de estudo ainda não desenvolvido, de forma satisfatória, em âmbito acadêmico. Ademais, percebe-se a ausência de um verdadeiro amálgama nos institutos jurídicos perquiridos.
O estudo busca demonstrar a relevância da rápida composição dos litígios tributários, por intermédio do remédio heróico, não se limitando a fins meramente teóricos. Na realidade, objetiva-se penetrar no cerne do problema, com fulcro em embasamento científico apto a justificar a necessidade de célere solução das lides, sem olvidar a relevância na preservação da segurança jurídica. A trajetória em epígrafe culmina na aferição da tutela útil, esperada com anseio pelos que ascendem ao Judiciário.
Com o atual alcance do mandado de segurança tributário, impõe-se o questionamento acerca da possibilidade e eficácia da tutela jurisdicional, com o desiderato de evitar ou sanar eventuais lesões aos direitos subjetivos dos contribuintes. De fato, necessita-se perscrutar, hodiernamente, acerca da real responsabilidade da Administração Pública no contexto em foco. Nesse diapasão, alguns questionamentos resultam em manifesta relevância. Dessa forma, nos lindes da conduta estatal e da abrangência jurisdicional, indaga-se sobre pontos de peculiar interesse, tais como: os pressupostos para a impetração do mandado de segurança tributário, a liminar como contracautela em face do Poder Público, o lançamento, a inscrição do débito fiscal e o mandado de segurança coletivo em matéria tributária.
Por fim, a atualidade do tema manifesta-se no relevante aumento de mandados de segurança discutindo matéria tributária no âmbito do Poder Judiciário, estabelecendo-se, dessa forma, um regramento jurídico apto a suscitar indagações.
1. Relevância do tema
1.1 História constitucional
Inicialmente, antes do ingresso propriamente dito no tema, faz-se mister traçar um breve escorço histórico da matéria sob exame. Nesse mister, urge salientar a relevância de pensamentos e considerações explicativos da pós-modernidade e da necessidade de mudança de mentalidade, de procedimentos, de conceitos cristalizados sob a ótica da sociedade de outrora, que se preocupava com necessidades e direitos apenas individualmente considerados.
Em consonância com as palavras de Rudolf Von Ihering (1998, p. 1):
A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir. Por muito tempo, pois, que o direito ainda esteja ameaçado pelos ataques da injustiça – e assim acontecerá enquanto o mundo for mundo – nunca ele poderá subtrair-se à violência da luta. A vida do direito é uma luta: luta dos povos, do Estado, das classes, dos indivíduos.
No âmbito desse contexto de lutas, exsurge o direito como elemento social, mutável, que procura adequar-se à concreta realidade. Miguel Reale (1995, p. 2), nessa esteira, pontifica:
Daí a sempre nova lição de um antigo brocardo: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o direito). A recíproca também é verdadeira: ubi jus, ibi societas, não se podendo conceber qualquer atividade social desprovida de forma e garantia jurídicas, nem qualquer regra jurídica que não se refira à sociedade.
Nesse intermitente papel de transformação social, o contribuinte foi adquirindo direitos. De um lado emerge o direito do cidadão, ao passo que, de outro, pretende a Administração Pública incutir noção própria de justiça, muitas vezes desrespeitando fatos líquidos e certos, dos quais originam direitos subjetivos. Compulsando o conceito de justiça, Roberto de Aguiar (1995, p.13-14) assere:
Bailarina inconstante e volúvel, a justiça troca de par no decorrer do jogo das contradições da história. Ora a vemos bailar com os poderosos, ora com os fracos, ora com os grandes senhores, ora com os pequenos e humildes.
[...]
Essa bailarina que emerge não será diáfana e distante, não será de todos e de ninguém, não se porá acima dos circunstantes, mas entrará na dança de mãos dadas com os que não podem dançar e, amante da maioria, tomará o baile na luta e na invasão, pois essa justiça é irmã da esperança e filha da contestação. Mas o peculiar nisso tudo é que a velha dama inconstante continuará no baile, açulando seus donos contra essa nova justiça que não tem a virtude da distância nem a capa do equilíbrio, mas se veste com a roupa simples das maiorias oprimidas.
A novel roupagem da justiça sobreleva-se na pós-modernidade, mormente no que tange ao desenvolvimento das tutelas sociais, como no caso do mandado de segurança que, também, possui um viés coletivo.
Perscrutando a seara pós-moderna, notadamente no aspecto social imanente à questão, Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 177), doutrinador português, leciona, litteris:
A democratização da administração da justiça é uma dimensão fundamental da democratização da vida social, econômica e política. Esta democratização tem duas vertentes. A primeira diz respeito à constituição interna do processo e inclui uma série de orientações tais como: o maior envolvimento e participação dos cidadãos, individualmente ou em grupos organizados, na administração da justiça; a simplificação dos atos processuais e o incentivo à conciliação das partes; o aumento dos poderes do juiz; a ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse de agir. A segunda vertente diz respeito à democratização do acesso à justiça. É necessário criar um Serviço Nacional de Justiça, um sistema de serviços jurídico-sociais, gerido pelo Estado e pelas autarquias locais com a colaboração das organizações profissionais e sociais, que garanta a igualdade do acesso à justiça das partes das diferentes classes ou estratos sociais. Este serviço não se deve limitar a eliminar os obstáculos econômicos ao consumo da justiça por parte dos grupos sociais de pequenos recursos. Deve tentar também eliminar os obstáculos sociais e culturais, esclarecendo os cidadãos sobre os seus direitos, sobretudo os de recente aquisição, através de consultas individuais e coletivas e através de ações educativas nos meios de comunicação, nos locais de trabalho, nas escolas.
Nesse panorama, com o desiderato de dissipar os obstáculos do acesso à justiça e visando à celeridade processual na defesa de direitos individuais e coletivos, o remédio heróico recebeu, ao longo dos anos, delineamento consubstanciado em instrumento de efetivação da tutela útil.
O mandamus não recebeu disciplina na Constituição de 1891. Não obstante, a Lei 221, de 1894 previu ação sumária especial de tutela dos direitos individuais, cujo objeto se cristalizou no controle de legalidade de atos administrativos.
A Carta de 1934 constitucionalizou o mandado de segurança, utilizado em ações possessórias na tutela de direitos pessoais. Não se pode olvidar que a Constituição de 1934 referia-se a direito ‘certo e incontestável’.
O instituto permaneceu previsto nas Constituições posteriores, com exceção da Carta outorgada em 1937, de natureza eminentemente ditatorial. De fato, a Constituição de 1946 redemocratizou o writ em mote, empregado para a proteção de direito ‘líquido e certo’, expressão consagrada nos demais textos constitucionais.
A Carta de 1967 inovou ao criar a modalidade preventiva e a Emenda 1/69 possibilitou a impetração de mandado de segurança coletivo, ao suprimir a menção a direito ‘individual’.
Em síntese, “este esboço deixa entrever as razões históricas pelas quais a Constituição de 1988 cuida do mandado de segurança como uma ação de tutela genérica de direito líquido e certo – tradição que remonta ao procedimento sumário de 1894” (GRAMSTRUP, 2002, p. 320).
Por fim, a Constituição Federal de 1988 previu, nos incisos LXIX e LXX do artigo 5º, o mandado de segurança individual e coletivo, mantendo a tradição na salvaguarda de direito ‘liquido e certo’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, sempre que o fato perquirido não enseje amparo por meio da impetração de habeas corpus e habeas data.
1.2 O ‘amparo’ mexicano
Com o objetivo de caracterizar a interdisciplinaridade do presente tema, registram-se, a título de comparação, particularidades do juicio de amparo, instituto de origem mexicana.
O ‘amparo’ mexicano possui contornos mais amplos em relação ao mandado de segurança. De fato, o instituto estrangeiro é utilizado para reprimir leis e atos de autoridades que violem as garantias individuais, a soberania do Estado, as invasões de competência federal, abrangendo, inclusive, a proteção à vida e à liberdade pessoal.
Considera-se legitimado ativo para a propositura do juicio de amparo o prejudicado pela lei, tratado ou ato de pessoa jurídica de direito público ou privado. Por sua vez, o legitimado passivo é a autoridade responsável pelo mencionado ato.
O instituto sub examine possui prazo decadencial de 15 (quinze) dias para a impetração. Portanto, cotejando-o com o mandado de segurança, observa-se que o prazo é mais curto. Em que pese ao fato de a doutrina majoritária entender que o prazo do mandado de segurança é decadencial, verifica-se maior dilação, pois pode ser proposto dentro de 120 (cento e vinte) dias.
Por fim, torna-se imperioso ressaltar que o ‘amparo’ não pode ser impetrado contra atos da Suprema Corte de Justiça nem contra leis ou atos objetos de medida de natureza semelhante, bem como em matéria eleitoral, em decisões judiciais recorríveis e em recursos com efeito suspensivo no âmbito de processos administrativos. É possível a audiência de instrução, compreendendo todo o tipo de prova lícita, inclusive a pericial. Os efeitos da sentença projetam-se apenas sobre as partes demandantes.
Rematando o tema, releva-se a conclusão de Erik Frederico Gramstrup (2002, p. 324):
Esboçando balanço, o parentesco com nossa ação de segurança é mesmo notória. Vários aspectos mencionados são inspiradores para o jurista brasileiro. Decerto que o objeto da impetração, entre nós, jamais será tão vasto (inclusive porque absorve a defesa da liberdade pessoal e outras matérias que, entre nós, são afetas às ações de controle de constitucionalidade).
Desse modo, é possível verificar a semelhança do instituto mexicano com o brasileiro, ressaltando-se o aspecto de proteção aos direitos do jurisdicionado, comum a ambos os remédios.
2. Pressupostos do mandado de segurança tributário
2.1 Conceito e natureza
Hely Lopes Meirelles (2005, p. 21-22) estabelece o conceito de mandado de segurança, pontificando que:
Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Frise-se que o mandamus é ação de natureza civil constitucional. Nesse sentido, não possui caráter recursal.
Além disso, excluem-se de sua proteção os direitos inerentes à liberdade de locomoção e ao acesso ou retificação de informações relativas ao impetrante (LENZA, 2008, p. 646).
Faz-se mister salientar que Hely Lopes Meirelles (2005, p. 36) pronunciou clássica definição de direito ‘líquido e certo’, asserindo que “é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração”. Significa dizer que a tradicional expressão cristaliza a precípua relevância consubstanciada na demonstração de plano do direito violado. Não se pode olvidar, contudo, o manifesto entendimento de que, em realidade, líquido e certo são apenas os fatos que contornam a demanda, mormente porque todo direito é, em essência, líquido e certo.
Ressalte-se, por fim, que o mandado de segurança é considerado ação civil de rito sumário especial. A referida natureza distingue-se das demais ações civis, em razão da sumariedade e da especificidade do objeto.
2.2 Funções do mandado de segurança tributário
Com o escopo de assestar as funções do mandado de segurança tributário, insta relevar as relações jurídicas em matéria fiscal.
A relação fundamental configura-se pela obrigação tributária, liame normativo por meio do qual o sujeito ativo (Fisco) pode exigir do sujeito passivo determinado tributo. Caracteriza-se, também, como modalidade de relação jurídica, a de vínculo abstrato, ou relação de cunho não-obrigacional, mediante a qual o Fisco pode exigir do contribuinte prestação consistente na adoção de comportamentos positivos ou negativos, genericamente conhecidos como obrigações acessórias.
Importa registrar, também, os sujeitos do mandado de segurança em matéria tributária. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 737) “legitimado ativo é a pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, órgão público ou universalidade patrimonial, titular de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão”. Na mesma esteira, “legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado que esteja no exercício de atribuições do Poder Público” (DI PIETRO, 2008, p. 737). Transmudando os conceitos de legitimação, do mandado de segurança genérico, para a sua versão tributária, torna-se relevante asseverar:
Sujeito ativo - No mandado de segurança com objeto fiscal, é o titular do direito material correspondente. Destarte, além do contribuinte, outros partícipes das diversas relações tributárias poderão figurar no pólo ativo da ação de segurança.
[...]
Sujeito Passivo – Em conseqüência, em matéria tributária é, em regra, a autoridade fiscal que, agindo ilegalmente, pratica ou deixa de praticar ato que esteja ameaçando ou lesando direito líquido e certo do impetrante. Eventualmente, pode ser agente de pessoa jurídica à qual foi delegada a capacidade tributária ativa, configurando hipótese de parafiscalidade [...] ou, ainda, particular em colaboração com a Administração Pública, como é o caso do retentor tributário (COSTA, 2002, p. 732 e 734).
No tocante às funções do mandado de segurança tributário, é importante mencionar que, em regra, a autoridade fiscal, comumente, tende à aplicação da fonte normativa que se lhe afigura mais próxima. Significa dizer que poderá subsumir determinado fato, enquadrando-o em vertente delimitada por instrução normativa, portaria, ordem de serviço. Dessa forma, não procede o Fisco ao real cotejo dessas normas hierárquicas com o disposto na legislação de regência, estabelecida por leis ordinárias, complementares e pela própria Constituição, podendo ocasionar diversas ilegalidades.
Além disso, para a impetração do mandado de segurança fiscal não basta a lesão possível, sendo, necessária, a lesão provável. A situação complica-se após a análise das características do binômio contribuinte-Fisco. De um lado, o contribuinte percebe cobranças abusivas perpetradas pelo Poder Público. De outro, a Administração é obrigada a agir de ofício, pois não se pode olvidar que o tributo se define como atividade plenamente vinculada.
Nesse rasto, Erik Frederico Gramstrup (2002, p. 326) sustenta:
A probabilidade da coação ilegal, no campo dos tributos, é desde logo evidente, em seguida ao descumprimento, pelo contribuinte, de obrigação principal ou dever instrumental de que se exime, v.g., por inconstitucionalidade. Ainda que pessoalmente convencida da justeza dessa alegação, não poderá a autoridade deixar de autuar (lançamento ex officio), inscrever, cobrar e valer-se dos meios de constrangimento indireto (cadastro, recusa de certidões, paralisação do despacho aduaneiro, perdimento de bens, etc.) e de formular representação ao órgão titular da ação penal. Quando se antecipa o impetrante, não só se pode dizer que tem legítimo interesse jurídico em evitar todos estes vexames, como também o de poupar considerável trabalho ao Fisco.
Nessa esteira, caberá ao Poder Judiciário sopesar as razões engendradas pelos sujeitos do binômio, na busca completa da tutela útil, consubstanciada pela composição do litígio, com a real entrega da efetiva prestação jurisdicional.
2.3 Liminar no mandado de segurança tributário: contracautela
Determinadas situações concretas demandam soluções urgentes, com o desiderato de evitar-se dano irreparável ao direito do impetrante. A Lei 1.533/1951, que rege o mandado de segurança, prevê, em tais hipóteses, o deferimento de medida liminar, quando preenchidos os requisitos de relevante fundamento e quando do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida (artigo 7º, inciso II).
Nesse trilho, José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 884) ensina:
Essa providência judicial, que tem a natureza jurídica de medida cautelar e se reveste de caráter preventivo, pode ser concedida inaudita altera pars, ou seja, liminarmente, sem a manifestação da parte contrária. Sendo forma de tutela preventiva, é indispensável que o juiz vislumbre a presença dos pressupostos legais para a concessão da medida, ou seja, o periculum in mora e o fumus boni iuris. Sendo concedida a liminar, ficam suspensos os efeitos decorrentes do ato impugnado até que a lide seja resolvida pelo órgão jurisdicional.
Dessa forma, as condições para a concessão de liminar estão presentes ou ausentes. Caso não se configurem os pressupostos para o deferimento da medida, sob a ótica do Poder Judiciário, “não é o caso de suprir suas vacilações mediante contracautela: a liminar há de indeferir-se” (GRAMSTRUP, 2002, p. 334).
Não obstante, pode o contribuinte oferecer o depósito do valor do tributo, bem como dos acessórios, por eventual temor da cassação da medida liminar. Apesar de ocorrer a suspensão da exigibilidade do crédito fiscal, caso a segurança não seja concedida por meio de sentença, o eventual depósito será convertido em pagamento favorável ao Fisco.
2.4 Cassação da liminar
Conforme salientado alhures, em matéria tributária o mandado de segurança pode ser impetrado preventivamente. Enquanto perdurar a liminar, as autoridades fiscais ficam impedidas de exigir o crédito tributário.
Questão interessante é ressaltada por Cláudio Borba (2007, p. 345), ao precatar:
Mas o que suspende a exigibilidade do crédito tributário não é o ajuizamento da ação nem a decisão transitada em julgado favorável ao contribuinte, decisão que extinguiria o próprio crédito. Os efeitos suspensivos somente serão desencadeados se o juiz, cautelarmente, nos termos do art. 7º, II, da Lei 1.533/51, diante da lesividade do ato ou sua iminência, conceder medida liminar que afaste de plano o ato abusivo de autoridade para evitar a irreparabilidade do dano com a demora da sentença.
Não obstante, a liminar poderá ser cassada. Nesse ponto, indaga-se: qual o efeito da cassação de liminar em sede de mandado de segurança em matéria tributária?
Sacha Calmon Navarro Coêlho (1999, p. 684) responde à questão, lecionando:
Cassada a liminar ou reformada a decisão que dava pela procedência da ação de segurança, as coisas voltam ao status quo ante, com todas as conseqüências que decorrem desse retorno, podendo a autoridade administrativa exigir o tributo e seus consectários (menos as penalidades, na esfera federal, por força de lei prevendo a inexigibilidade destas na duração da liminar). A sucumbência tem preço. Há que empreender sérios juízos naturais antes de ajuizar mandados de segurança (que não devem ser banalizados).
Nesse diapasão, verifica-se que o contribuinte que não recolheu tributo, em virtude de decisão liminar favorável, não é devedor em mora, sendo responsável apenas pelo pagamento do tributo acrescido de correção monetária.
Em razão da exauriente exposição acerca da matéria em mote, urge transcrever a lição de Erik Frederico Gramstrup (2002, p. 335), verbis:
Por vezes, o contribuinte está munido de tese bem construída. Conta com pareceres de origem insuspeita e com o prestígio da doutrina autorizada. Obtém liminar suspensiva da exigência que, ao final, vem a ser cassada. Como proceder? A impressão superficial seria a de que, removida a decisão liminar, retornar-se-ia ao status quo ante e, por via de conseqüência, seriam devolvidos a multa e os juros moratórios. Isto entra em rota de colisão, porém, com a mais comezinha justiça e com o amplo acesso à jurisdição. Afinal, não há como antecipar, em condições normais, que interpretação atribuirá o Judiciário ao texto legal; como resolverá as antinomias; de que modo colmatará lacunas [...]. A resposta parece-nos cristalina: quem deixou de recolher tributo na vigência de ordem judicial validamente concedida não é devedor em mora, portanto não se sujeita a seus efeitos. Vencido, o contribuinte deve promover o pagamento do valor do tributo, acrescido de correção monetária (pois se sabe que esta nada acrescenta, apenas preserva o valor real, pelo ajuste do nominal). Não lhe devem ser imputados juros e multa moratórios, porém. Simplesmente, sua situação não é equivalente à de quem apenas retardou o pagamento.
Por fim, não mais vigente a liminar, poderá o Fisco exigir o tributo. Nesse sentido, deverá efetuar o lançamento; notificar o contribuinte, esclarecendo a diferença a ser paga e o prazo para o pagamento; e possibilitar o direito de defesa do sujeito passivo após o lançamento e a notificação (FIGUEIREDO, 2002, p. 509).