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Noções propedêuticas acerca do instituto da responsabilidade civil: pressupostos jurídicos

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Agenda 07/04/2014 às 17:17

6. Elementos da responsabilidade civil

Inicialmente, faz-se mister assegurar que os elementos da responsabilidade civil entremeiam a responsabilidade contratual e a extracontratual. Em ambas há incidência dos elementos infra aduzidos, que se consubstanciam em verdadeiros pressupostos gerais da responsabilidade civil, permeando o plano da existência.

O Código Civil Brasileiro, no artigo 186, consagra o alicerce fundamental da responsabilidade civil, assentado no princípio de que ninguém deverá causar prejuízo a outrem (neminem laedere), conforme se verifica da transcrição do dispositivo: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Nesse rasto, erigem-se os elementos da responsabilidade civil, consolidados na conduta humana, na culpa (pressuposto acidental), no dano e no nexo causal.

No que toca à imputabilidade, não se pode considerá-la elemento autônomo da responsabilidade civil. De fato, a noção de imputabilidade justifica-se na aferição do sujeito responsável, e não na efetiva verificação da existência de responsabilidade. A imputabilidade está conglomerada, assim, no bojo dos elementos da responsabilidade civil, notadamente no conceito de culpa, sem constituir pressuposto individual. Assim, a imputabilidade é elemento constitutivo da culpa. A aferição da imputabilidade não tem o condão de possibilitar a efetiva recomposição do dano. Entretanto, facilita a verificação do sujeito responsável pela conduta lesiva.

6.1. A conduta humana

A conduta humana consiste na ação ou omissão voluntária que acarreta prejuízo a outrem. A concepção central da conduta humana alinha-se à noção de voluntariedade, resultante da liberdade de predileção volitiva do indivíduo na prática de um ato. A voluntariedade retrata o discernimento do agente na escolha do ato a ser engendrado.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ilustram, a título de exemplo, a relevância do caráter volitivo na simbolização da conduta humana, verbis:

Não se pode reconhecer o elemento ‘conduta humana’, pela ausência do elemento volitivo, na situação do sujeito que, apreciando um raríssimo pergaminho do século III, sofre uma micro-hemorragia nasal, e, involuntariamente, espirra, danificando seriamente o manuscrito. Seria inadmissível, no caso, imputar ao agente a prática de um ato voluntário. Restará, apenas, verificarmos se houve negligência da diretoria do museu por não colocar o objeto em um mostruário fechado, com a devida segurança, ou, ainda, se o indivíduo violou normas internas, caso em que poderá ser responsabilizado pela quebra desse dever, e não pelo espirro em si.[49]

Dessa forma, a conduta humana deve refletir a voluntariedade para ser passível de reparação. Ressalta-se, contudo, que a ação voluntária não implica a intenção de ocasionar dano. Na realidade, a espontaneidade da conduta é configurada com a real consciência do ato praticado. Precata-se, ainda, que a voluntariedade orienta tanto a responsabilidade subjetiva, quanto a objetiva, uma vez que ambas necessitam de ação volitiva perpetrada pelo agente causador do dano.

A voluntariedade caracteriza-se pela consciência do ato praticado, não se reclamando, necessariamente, a consciência subjetiva da ilicitude.[50] Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho distinguem as duas situações, em continuidade ao entendimento anteriormente esposado:

Assim, em outro exemplo, sendo os pais responsáveis pelos danos causados pelo seu filho menor de 16 anos, que tenha quebrado uma vidraça ao chutar uma bola, a incapacidade absoluta da criança, bem como a sua eventual falta de consciência da ilicitude do ato não excluem a responsabilidade civil, o que poderia ocorrer, todavia, se fosse provado que, embora estivessem na área, a bola teria se deslocado por uma repentina rajada de vento.[51]

Em síntese, a conduta humana consiste na ação ou omissão voluntária juridicamente qualificada. Revela a prática de ato ilícito ou lícito, em consonância com os ditames da teoria da culpa e do risco. Torna-se imperioso destacar que a regra geral da reparação do dano pela prática de ato ilícito se baseia na culpa. De acordo com Sílvio de Salvo Venosa “os atos ilícitos são os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento.”[52] Na realidade, quando o ato viola o ordenamento jurídico emerge a responsabilidade extracontratual. Acresce-se ao conceito de Sílvio de Salvo Venosa que o ato ilícito também pode se originar do descumprimento contratual, configurando hipótese de responsabilidade negocial. Não se pode olvidar, contudo, que a reparação do dano pode se desvirtuar da idéia de culpa. Nesse sentido, o próprio ato lícito pode ensejar a responsabilização na esfera civil, desvinculando-se “o ressarcimento do dano da idéia de culpa, deslocando a responsabilidade nela fundada para o risco.”[53] De fato, à preleção de Sílvio de Salvo Venosa deve-se assomar o fato de que a ilicitude não adorna invariavelmente a conduta humana lesiva. Não obstante, conserva-se a regra geral de que a antijuridicidade da ação gera o dever de indenizar, razão pela qual o ato lícito somente é indenizável quando a lei regulamenta determinada situação concreta.

Em conformidade com a estratificação do conceito de conduta humana acima formulado, depreende-se que prática do ato pode advir de ação ou omissão.

A conduta comissiva (positiva) sustenta-se na prática ostensiva de determinado ato. O sujeito posiciona-se ativamente, executando um ato ativo. Por outro lado, a conduta omissiva (negativa) consiste em um dever de agir voluntariamente omitido pela parte. O indivíduo que deveria agir no caso concreto se abstém da prática de certa conduta.

6.2. A culpa

Preliminarmente, faz-se mister indagar se a culpa configura pressuposto geral da responsabilidade civil. Para alcançar a esmerada ilação da matéria, é forçoso adentrar no melindroso conceito de culpa.

José de Aguiar Dias ressalta o conceito de Savatier, que elabora o seguinte conceito de culpa:

A culpa (faute) é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase-delito.[54]

Para Savatier, a culpa possui dois elementos: objetivo, que corresponde ao dever violado; e subjetivo, que caracteriza a imputabilidade do agente.[55]

José de Aguiar Dias acentua, ainda, que os juristas alemães conceituam culpa com fulcro no critério do bonus pater familias.[56] Posteriormente, o referido doutrinador fornece conceito pessoal de culpa, verbis:

A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude.[57]

Caio Mário da Silva Pereira traça o conceito de culpa como “um erro de conduta, cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa dano a outrem, sem a intenção de prejudicar, e sem a consciência de que seu comportamento poderia causá-lo.”[58]

Obtemperam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a respeito do conceito de culpa:

A culpa (em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito.[59]

Ulteriormente ao desenvolvimento do conceito de culpa, torna-se necessário sacramentar a disposição da culpa na seara da responsabilidade civil.

Carlos Roberto Gonçalves apresenta a culpa como elemento da responsabilidade civil, consoante acroase abaixo transcrita:

A culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil. Nesse sentido, preceitua o art. 186 do Código Civil que a ação ou omissão do agente seja ‘voluntária’ ou que haja, pelo menos, ‘negligência’ ou ‘imprudência’.

Para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato danoso tenha procedido ilicitamente, violando um direito (subjetivo) de outrem ou infringindo uma norma jurídica tuteladora de interesses particulares. A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência, como expressamente se exige no art. 186 do Código Civil. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo.[60]

Maria Helena Diniz atesta que a responsabilidade civil se criva em conduta culposa. Preceitua que o dever de reparação advém da prática de ato ilícito resultante da culpa. Assegura que o comportamento do agente será censurado quando, em face de determinada situação concreta, age de modo dissonante em relação à conduta intelectiva. “Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade.”[61]

Não obstante o posicionamento da corrente doutrinária que admite a cristalização da culpa como elemento da responsabilidade civil, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho não perfilham a culpa como pressuposto genérico da obrigação de reparar o dano. Cientificam os mencionados autores que a culpa consubstancia elemento acidental à noção de responsabilidade civil. Nessa diretriz, divisam transidos de indubitável razão:

Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões ‘ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência’, a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva). [62]

Conforme salientado outrora, a noção de culpa aporta no cenário da responsabilidade civil como conceito insuficiente para regular as hodiernas hipóteses concretas de subsunção legal. Com a adoção da teoria do risco, a culpa, apesar da efetiva relevância moderna da acepção adotada pelo direito pátrio, nem sempre é figura essencial para a aferição do dano. A indelével possibilidade de responsabilização independente da estimação da culpa demonstra a referida acidentalidade conceitual. Infere-se, por conseguinte, que a culpa é elemento acidental da responsabilidade civil.

A caracterização da culpa em sentido lato demanda a integração de certos elementos, aptos a edificar a real semasiologia da conduta culposa. De fato, para a configuração da culpa é essencial a presença de conjuntura integrativa, traduzida na voluntariedade do comportamento humano, na previsibilidade da conduta e na violação de um dever de cuidado.[63]

A voluntariedade do comportamento humano verbera atos involuntários. Dessa forma, a conduta humana que ocasiona dano a outrem deve ser voluntária, primando pela espontaneidade.

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A previsibilidade espelha a mensurável indicação de que a ação ou omissão perpetrada é passível de predição. Significa dizer que a conduta humana deve ser previsível, para qualificar a culpa lato sensu.

Enfim, a violação de um dever de cuidado simboliza elemento precípuo à noção de culpa. Nesse sentido, a culpa em sentido amplo enseja a profanação de um dever de cuidado culposo (negligência, imprudência ou imperícia), ou intencional (doloso).

A culpa pode ser classificada de acordo com a respectiva gradação. Estabelece-se, desse modo, a segmentação da culpa em: culpa grave, culpa leve e culpa levíssima, em consonância com a tradicional divisão oriunda do Direito Romano.

A culpa grave referencia o adágio ‘culpa lata dolo aequiparatur’. Sob o colóquio de que a culpa grave se equipara ao dolo, pretende-se ressaltar que, posto ausente o elemento intencional, a mencionada gradação da culpa revela que o agente agiu como se pretendesse atingir certa conduta, consubstanciada no efetivo prejuízo causado à vítima.[64]

A culpa leve reflete ação, cuja lesão pode ser evitada com a dispensa de atenção ordinária. Esmera a privação de diligência média, comum na conduta do homem normal.[65]

A culpa levíssima é aquela que somente é evitável em razão de conduta singular, contemporizada pelo comportamento extraordinário. Reflete a excepcional ausência de zelo e diligência do ato praticado. De fato, a lesão é cometida por força de conduta alheia ao procedimento adotado pelo diligentíssimo bonus pater familias.[66] Verifica-se, portanto, que ocorre a culpa levíssima quando a falta é cometida em virtude da inobservância de conduta deveras cuidadosa, incomum ao homem médio e habitual ao homem diligente.

A taxionomia da culpa quanto à gradação, acima explanada, é objeto de contundente crítica engendrada pela doutrina pátria, que ressalta que a “a sanção não está adstrita ou condicionada ao elemento psicológica da ação, mas, sim, à extensão do dano. Para efeito de indenizar, portanto, não se distingue o dolo da culpa leve, por exemplo.”[67] Assim, na praxe jurídica a referida classificação não teria suporte fático. Apesar da ponderação contrária, urge ressaltar a relevância da aferição gradual da culpa, máxime em virtude da dicção do artigo 944, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

O dispositivo nupercitado permitiu ao magistrado reduzir o valor da indenização quando observar que é excessiva a desproporção entre a gravidade da culpa, em relação ao dano ocasionado. Nesse diapasão, a aferição da gravidade imprime contornos de insofismável relevância prática.

No que tange à classificação da culpa quanto à natureza do dever violado, observa-se, como dito algures, que a culpa pode ser contratual (fundamentada na inobservância do contrato), ou extracontratual (fundamentada na inobservância da lei).

Os modos de apreciação da culpa podem ser: in concreto (considera as circunstâncias fáticas apresentadas, atendo-se ao exame do ato culposo), e in abstracto (coteja a conduta do agente em relação ao comportamento do homem médio, do bonus pater familias do Direito Romano).[68]

Percebe-se, amiúde, que a culpa em sentido amplo compreende o dolo, a negligência, a imprudência e a imperícia. O dolo caracteriza violação intencional de dever jurídico, refletindo a ação volitiva consciente em produzir determinado resultado. O agente manifesta o desejo de lesar, o propósito de causar dano. Por outro lado, quando se aduz acerca da culpa em sentido estrito, exsurge a negligência, a imprudência e a imperícia.

A negligência representa desídia perpetrada por omissão condizente com a ausência de observância do dever de cautela. A imprudência une-se ao conceito de temeridade, resplandecendo-se na conduta de agente que enfrenta desnecessariamente o perigo. A imperícia reproduz a falta de habilidade na prática de determinada conduta técnica ou científica.

Por fim, aspira-se a alumiar, sobejamente, as demais espécies de culpa, materializadas na seguinte classificação: culpa in vigilando, culpa in eligendo, culpa in custodiendo, culpa in comittendo, culpa in omittendo e culpa in contrahendo.

A culpa in vigilando consiste na responsabilização do agente que falha no dever de vigilância da conduta de terceiro. A culpa in eligendo decorre da desacertada escolha que recai sobre indivíduo, a quem se confia responsabilidade para a prática de determinada conduta. A culpa in custodiendo representa a ausência de cautela na guarda de animais ou coisas, sob a responsabilidade do agente designado. A culpa in comittendo ou in faciendo ocorre quando o agente pratica ato comissivo, concernente à ação propriamente dita. A culpa in omittendo, in negligendo ou in non faciendo referencia omissão, qualificada por uma abstenção culposa. Enfim, a culpa in contrahendo sintetiza a incúria ocorrida em fase prévia à conclusão do instrumento contratual, notadamente quando um dos contratantes não celebra o contrato esperado, atentando-se contra a boa-fé e causando lesão a outra parte.

6.3. O dano

O dano é elemento indispensável à responsabilidade civil. Configura pressuposto basilar para a viabilidade da reparação. De fato, sem a cristalização de prejuízo a outrem, não se manifesta a obrigação de reparar. Onde não existe dano, não paira a responsabilidade.

Seguindo a fundamentação adrede expendida, José de Aguiar Dias, reiterando posicionamento de Mazeaud et Mazeaud, preleciona:

O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil, o que suscita menos controvérsia. Com efeito, a unanimidade dos autores convém em que não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se (sic) onde nada há que reparar.[69]

Dessa forma, para a obtenção da reparação civil em juízo, faz-se mister ressaltar a necessidade de prova da existência de dano efetivamente configurado. De fato, a simples violação de um dever jurídico, resultante de dolo ou culpa do agente, não tem o condão de impor a obrigação de indenizar quando inexiste prejuízo.

Verifica-se que, mesmo na responsabilidade contratual, cuja materialização corresponde ao inadimplemento em pacto previamente fixado, ocorre, como salientado outrora, a presunção da ocorrência de dano. Nessa esteira, o dano é considerado a pedra de toque da responsabilidade civil (subjetiva, objetiva, contratual, extracontratual), mormente porque em todas as subespécies de responsabilidade se apresenta como elemento obrigatório ao dever de indenizar.

O conceito moderno de dano evidencia a lesão a determinado interesse. Em consonância com os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, o “dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não econômico.”[70]

Maria Helena Diniz emite ilação quanto ao conceito de prejuízo, registrando que “o dano é a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.”[71]

Em análoga diretriz, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho sublinham o conceito de dano, consignando: “Nesses termos, poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do sujeito infrator.”[72]

Observa-se que as concepções em mote sobrelevam prejuízos decorrentes de agressão aos bens patrimoniais e extrapatrimoniais. Nesse sentido, a premissa básica resultante da noção de dano abainha as violações ao patrimônio material e não material. De fato, os direitos personalíssimos ensejam a reparação de eventuais danos ocasionados, mormente porque os seres humanos, e não o patrimônio, ocupam o aguilhão do ordenamento jurídico.

O dano, como pressuposto do dever de indenizar, exige a contemporização de certos requisitos. Com o preenchimento de determinadas condições, atroa a emblemática configuração do dano indenizável. Ademais, ressalta-se que, em regra, todos os danos devem ser ressarcidos. Quando se torna impossível a recomposição do estado anterior à lesão, o magistrado pode determinar a compensação do dano em pecúnia.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assestam os requisitos para a corporificação do dano indenizável: a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica (o dano pressupõe ofensa ao bem material ou moral tutelado); a certeza do dano (refere-se à existência de dano efetivo, não sobrepairando a responsabilidade civil na recomposição de dano abstrato, hipotético, conjetural).; e, por fim, a subsistência do dano (o dano deve subsistir no momento da devida exigibilidade em juízo, pois, obviamente, o prejuízo já reparado malogra a discussão judicial, devido a ausência de interesse).[73]

Maria Helena Diniz acresce ao rol acima explicitado os seguintes requisitos do dano indenizável: a causalidade (relação entre a conduta humana e o prejuízo causado); a legitimidade (a vítima e os beneficiários do lesado possuem a titularidade da pretensão corporificada pela demanda); e a ausência de causas excludentes de responsabilidade (dano impassível de ressarcimento, em função da subsistência de causas que excluem o dever de indenizar).[74]

Não se pode olvidar a discordância atermada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, no tocante ao incremento dos mencionados requisitos do dano indenizável, referendado pelos elementos da causalidade, legitimidade e ausência de causas excludentes da responsabilidade. Admitem, ao revés, que os requisitos do dano são apenas três: a violação de interesse jurídico patrimonial ou moral, a certeza e a subsistência do dano. Nesse sentido, prelecionam:

Esses três são os requisitos básicos para que se possa atribuir o qualificativo ‘indenizável’ ao dano.

Todos os outros avençados por respeitável doutrina, como a legitimidade do postulante, o nexo de causalidade e a ausência de causas excludentes de responsabilidade, posto necessários, tocam, em nosso entendimento, mais de perto a aspectos extrínsecos ou secundários à consideração do dano em si.

Por isso, seguindo um critério científico mais rígido, preferimos elencar apenas esses três atributos, inerentes ao dano indenizável, que consideramos fundamentais para a sua caracterização: a) a violação de um interesse jurídico – patrimonial ou moral; b) a efetividade ou certeza; c) subsistência.[75]

O dano, quanto às espécies, biparte-se em patrimonial e moral. Inicialmente, urge ressaltar as concepções concernentes às referidas modalidades de dano.

O dano patrimonial consiste na concreta lesão a interesse relativo ao patrimônio de outrem, cujo resultado verbera bens materiais pelo perdimento ou deterioração total ou parcial. Pode ser estimado com fulcro no seguinte sistema binário: dano emergente (correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima); e lucro cessante (correspondente ao lucro que a vítima deixou de receber, em virtude da lesão).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho definem o dano moral, de forma a retratar o prejuízo aos direitos de índole pessoal, consoante conceito abaixo engenhado, verbis:

Consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.[76]

O dano moral consubstancia lesão não material na esfera de pessoa física ou jurídica. A evolução histórico-legislativa da compensação do dano moral no Brasil demonstra, originariamente, a impossibilidade de reparação. Nesse sentido, os argumentos levantados em desfavor da reparabilidade do dano moral pautam-se nas seguintes considerações: a) efemeridade do dano moral; b) incerteza de um verdadeiro direito violado; c) dificuldade de descobrir a existência do dano; d) indeterminação do número de pessoas lesadas; e) impossibilidade de rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; f) imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; g) ilimitado poder do magistrado na apreciação dos danos morais; h) impossibilidade jurídica da reparação do dano moral.

Não obstante a defesa da irreparabilidade do dano moral, edificada na passada centúria, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 exauriu quaisquer dúvidas pertinentes à temática. De fato, a Carta Magna previu no artigo 5º, incisos V e X, a reparação dos danos morais, consoante se verifica da transcrição dos referidos dispositivos, verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Nesse diapasão, Caio Mário da Silva Pereira itera a censura direcionada a plausibilidade de discussão hodierna, quanto à reparabilidade do dano moral, aduzindo:

A Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral. (...) Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo.

É de acrescer que a enumeração é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária aditar outros casos.

Com efeito:

Aludindo a determinados direitos, a Constituição estabeleceu o mínimo. Não se trata, obviamente, de numerus clausus, ou enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem, contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária, como podem ainda receber extensão por via de interpretação, que neste teor recebe, na técnica do Direito Norte-Americano, a designação de construction.

Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em o nosso direito. Obrigatório para o legislador e para o juiz.[77]

Consoante salientado algures, o Código Civil Brasileiro, no artigo 186, seguindo a modernização constitucional, estabeleceu a reparabilidade de dano exclusivamente moral.

Nota-se que a pessoa jurídica, atualmente, pode figurar no pólo ativo de demanda cujo desiderato se reflete no ressarcimento causado pelo dano moral. Apesar da corrente que propugna a irreparabilidade do dano moral em favor de pessoa jurídica – em virtude da impossibilidade, verbi gratia, de uma empresa sofrer lesão de ordem psíquica – predomina hoje entendimento que admite a reparação de dano moral na hipótese vertente. De fato, ordinariamente ocorre lesão moral ao nome e à imagem da pessoa jurídica, fundamentos capazes de gerar o dever de indenizar.

Destaca-se, também, que o dano moral pode ser classificado como direto (quando se refere à lesão em face de direito extrapatrimonial); ou indireto (quando a lesão alcança interesse na esfera material, que reflete prejuízo de ordem extrapatrimonial, como o furto de uma aliança de casamento).

No que tange à natureza jurídica da reparação por dano moral, singular o entendimento de que consubstancia verdadeira compensação do dano sofrido. Não possui o caráter de pena civil, sustentada pela imoralidade da reparação do dano moral em dinheiro, com espeque no pretio doloris. Seguindo rigor técnico, afigura-se errônea a expressão indenização do dano moral, uma vez que a noção de indenização se liga ao efetivo ressarcimento. De fato, a reparação do dano moral não torna possível a supressão do prejuízo. Uma pessoa caluniada não abjurará o constrangimento, mesmo recebendo valor em pecúnia, pois a indenização não apagará a ocorrência do delito. Na realidade, o dano moral possui natureza compensatória. Significa dizer que o dinheiro não estabelece relação de equivalência com o dano. Visa a atenuar as conseqüências do prejuízo sofrido. Nesse sentido, possui natureza sancionadora-compensatória. Realça-se a função satisfatória da reparação, isto é, a vítima não requer a equivalência em pecúnia do preço da dor sofrida. Pretende, tão-somente, suavizar o sofrimento moral, abrandando as conseqüências penosas enlevadas pelo espírito.

O magistrado possui liberdade para fixar a compensação do dano moral. Não obstante, deve-se impor restrição à referida liberdade, impossibilitando-se a fixação de quantias desarrazoadas, aptas a configurar enriquecimento sem causa. De fato, o juiz deverá mensurar a extensão do dano, a permanência do prejuízo, a intensidade da lesão, os antecedentes do agente, a situação econômica do ofensor e a razoabilidade do valor.[78]

Por fim, quanto às formas de reparação, torna-se relevante ressaltar a percepção de Orlando Gomes, que leciona:

Há reposição natural quando o bem é restituído ao estado em que se encontrava antes do fato danoso. Constitui a mais adequada forma de reparação, mas nem sempre é possível, e muito pelo contrário. Substitui-se por uma prestação pecuniária, de caráter compensatório. Se o autor do dano não pode restabelecer o estado efetivo da coisa que danificou, paga a quantia correspondente a seu valor. É rara a possibilidade da reposição natural. Ordinariamente, pois, a prestação de indenização se apresenta sob a forma de prestação pecuniária, e, às vezes, como objeto de uma dívida de valor.

Se bem que a reposição natural seja o modo próprio de reparação do dano, não pode ser imposta ao titular do direito à indenização. Admite-se que prefira receber dinheiro. Compreende-se. Uma coisa danificada, por mais perfeito que seja o concerto, dificilmente voltará ao estado primitivo. A indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a reposição natural, se esta não satisfizer suficientemente o interesse do credor.

Se o devedor quer cumprir a obrigação de indenizar mediante reposição, o credor não pode exigir a substituição de coisa velha, por nova, a menos que o reparo não restabeleça efetivamente o estado anterior. Por outro lado, o devedor não pode ser compelido à restituição in natura, se só for possível mediante gasto desproporcional.[79]

Ressalta-se, por fim, que a reparação do dano material reflete o exato valor mensurado, concernente ao prejuízo produzido. A reparação pode ser obtida pela restituição da coisa in natura ou em dinheiro, na proporção do dano sofrido. Contrario sensu, impossível a reparação do dano moral pela restituição in natura. De fato, o ultraje ao patrimônio espiritual não pode ser embaciado. Dessa forma, a reparação do dano moral ocorre via pagamento de valor pecuniário arbitrado pelo magistrado. Atente-se, enfim, ao fato de que lesão advinda da mesma conduta pode ensejar a reparação por dano material e moral.

6.4. O nexo de causalidade

O nexo causal cinge-se à categoria de pressuposto genérico da responsabilidade civil.

Rui Stoco principia o capítulo atinente ao nexo de causalidade reiterando nota de Caio Mário da Silva Pereira: “Na etiologia da responsabilidade civil estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade entre uma e outro.”[80]

Como informa Caio Mário da Silva Pereira, para a formação da responsabilidade civil não é suficiente a conduta antijurídica, nem, tampouco, o prejuízo sofrido pela vítima. Na realidade, é forçoso instituir uma relação de causalidade entre a ação ou omissão injurídica e o dano efetivamente experimentado.[81]

Sílvio de Salvo Venosa assenta o conceito de nexo causal, fixando:

O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.[82]

Seguindo a mesma senda, Sílvio Rodrigues obtempera que para a imposição do dever de indenizar o prejuízo sofrido se faz mister realçar a relação de causalidade entre o ato culposo e o dano.[83]

Luiz Roldão de Freitas Gomes assenta a causalidade como verdadeiro liame entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido.[84]

Maria Helena Diniz esquadrinha a definição de nexo causal, asseverando:

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.[85]

Verifica-se, oportunamente, que o nexo causal referencia liame, cuja função precípua é interligar a ação ou omissão ao dano. A conduta do agente causa o prejuízo passível de ressarcimento.

Aspirando à escorreita explicação do nexo de causalidade, surgiram três teorias: a) teoria da equivalência de condições; b) teoria da causalidade adequada; c) teoria da causalidade direta ou imediata.

A teoria da equivalência das condições registra, essencialmente, que todos os fatos concorrentes para a manifestação do episódio configuram causas. Assim, os fatores casuais se equivalem quando ensejam determinado resultado. Os elementos que antecedem o evento danoso guardam estreita relação com o resultado obtido, sendo despiciendo indigitar o fato específico que provocou o dano. A teoria em mote padece de figurável excrescência, mormente porque a imensurável cadeia causal pode levar a infinita perquirição. “Nessa linha, se o agente saca a arma e dispara o projétil, matando o seu desafeto, seria considerado causa, não apenas o disparo, mas também a compra da arma, a sua fabricação, a aquisição do ferro e da pólvora pela indústria.”[86]

A teoria da causalidade adequada doutrina que não se pode considerar como causa do prejuízo todos os fatos que antecederam o dano. Nessa diretriz, propugna pela aferição de juízo de probabilidade em relação ao ‘antecedente abstratamente idôneo à produção do efeito danoso.’[87] Significa dizer que a causa do dano reverbera o fato antecedente, necessário e específico que produziu o resultado, sem considerar todas as causas anteriores à efetivação do prejuízo. “O ponto central para o correto entendimento desta teoria consiste no fato de que somente o antecedente abstratamente apto à determinação do resultado, segundo um juízo razoável de probabilidade, em que conta a experiência do julgador, poderá ser considerado causa.”[88] Destarte, referida teoria fundamenta-se na idéia de que a relação de causalidade existe quando ocorre ligação entre a conduta e o dano produzido, de forma que o ato praticado pelo agente provoque prejuízo à vítima, seguindo a esteira do curso normal dos fatos e da experiência comum da vida. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho destacam exemplo fornecido por Antunes Varela, acerca da teoria da causalidade adequada:

Se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se apressava para tomar certo avião, e teve, afinal, de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa asseverar que este (nas condições em que se verificou) não se teria dado se não fora o ilícito.[89]

Exemplificando as duas teorias, Carlos Roberto Gonçalves lobriga:

As duas teorias podem ser facilmente compreendidas com o seguinte exemplo: A deu uma pancada ligeira no crânio de B, a qual seria insuficiente para causar o menor ferimento num indivíduo normalmente constituído, mas que causou a B, que tinha uma fraqueza particular dos ossos do crânio, uma fratura de que resultou a morte. O prejuízo deu-se, apesar de o fato ilícito praticado por A não ser causa adequada a produzir aquele dano em um homem adulto.

Seguindo a teoria da equivalência das condições, a pancada é uma condição sine qua non (sic) do prejuízo causado, pelo qual o seu autor terá de responder. Ao contrário, não haveria responsabilidade, em face da teoria da causalidade adequada.[90]

Verifica-se que a primeira teoria é criticada pelo excesso produzido pela perquirição da cadeia infinita de causas antecedentes ao prejuízo. Por outro lado, a segunda teoria, não obstante a limitação que enseja, possui o inconveniente de admitir ampla margem de discricionariedade à apreciação do magistrado, que analisará a hipótese concreta com fulcro em plano abstrato (curso natural das coisas, experiência comum de vida).

Por fim, a teria da causalidade direta ou imediata infirma que apenas o antecedente fático interligado ao resultado danoso por um vínculo necessário, ocasiona a comprovação do nexo causal. O prejuízo é considerado conseqüência direta da causa antecedente. Nesse diapasão, Agostinho Alvim desenvolve a teoria, verbis:

Suposto certo dano, considera-se causa dele a que lhe é próxima ou remota, mas, com relação a esta última, é mister que ela se ligue ao dano, diretamente. Assim, é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja efeito direito e imediato da execução.[91]

Nesse sentido, explanando a teoria da causalidade imediata, ilustra Wilson Melo da Silva:

O agente primeiro responderia tão-só pelos danos que se prendessem a seu ato por um vínculo de necessariedade. Pelos danos conseqüentes das causas estranhas responderiam os respectivos agentes. No clássico exemplo do acidentado que, ao ser conduzido em uma ambulância para o hospital, vem a falecer em virtude de tremenda colisão da ambulância com um outro veículo, responderia o autor do dano primeiro da vítima, o responsável pelo seu ferimento, apenas pelos prejuízos de tais ferimentos oriundos. Pelos danos da morte dessa mesma vítima em decorrência do abalroamento da ambulância, na qual era transportada ao hospital, com o outro veículo, responderia o motorista da ambulância ou o do carro abalroador, ou ambos. Mas o agente do primeiro evento não responderia por todos os danos, isto é, pelos ferimentos e pela morte.[92]

A teoria da causalidade imediata é conhecida, também, como teoria da interrupção do nexo causal. De fato, a interrupção da causalidade em função de acontecimento superveniente (abalroamento da ambulância) impossibilita a interligação do dano originário (indivíduo acidentado) com o resultado morte (advindo da colisão).

O Código Civil Brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata, não obstante o posicionamento de Sérgio Cavalieri Filho, que propugna pela consagração da teoria da causalidade adequada.[93] Destarte, o artigo 403, do Código Civil, estabelece: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”

Releva-se, ainda, problema interessante que permeia o elemento causal, consubstanciado na existência de concorrência de causas. Perscrutando a temática, Washington de Barros Monteiro assevera que na hipótese de concorrência de culpas entre o autor do ato lesivo e a vítima, a indenização deve sofrer redução. Tradicionalmente, a jurisprudência soluciona a questão determinando o pagamento pela metade, no caso de culpa de ambas as partes envolvidas no litígio.[94]

Por fim, impende traçar os contornos pontilhados pelas concausas. Referida expressão refere-se a uma determinada causa – antecedente, concomitante ou superveniente – que se assoma à causa principal, concorrendo para o resultado. Urge questionar se a concausa possui o condão de interromper os acontecimentos anteriores, produzindo novo nexo causal, deflagrando a irresponsabilidade do agente da primeira causa em relação à segunda. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho exaurem, indubitavelmente, qualquer indagação acerca da matéria, ao prescrever:

Se esta segunda causa for absolutamente independente em relação à conduta do agente – quer seja preexistente, concomitante ou superveniente – o nexo causal originário estará rompido e o agente não poderá ser responsabilizado.

Imagine, por exemplo, a hipótese de um sujeito ser alvejado por um tiro, que o conduziria à morte, e, antes do seu passamento por esta causa, um violento terremoto matou-o. Por óbvio, esta causa superveniente, absolutamente independente em face do agente que deflagrou o tiro, rompeu o nexo causal. O mesmo raciocínio aplica-se às causas preexistentes (a ingestão de veneno antes do tiro) e concomitantes (um derrame cerebral fulminante por força de diabetes, ao tempo que é atingido pelo projétil).

Diferentemente, em se tratando de uma causa relativamente independente – aquela que incide no curso do processo naturalístico causal, somando-se à conduta do agente –, urge distinguirmos se a mesma é preexistente, concomitante ou superveniente.

Em geral, essas concausas, quando preexistentes ou concomitantes, não excluem o nexo causal, e, conseqüentemente, a obrigação de indenizar. Tomemos os seguintes exemplos: CAIO, portador de deficiência congênita e diabetes, é atingido por TÍCIO. Em face da sua situação clínica debilitada (anterior) a lesão é agravada e a vítima vem a falecer. No caso, o resultado continuará imputável ao sujeito, eis que a concausa preexistente relativamente independente não interrompeu a cadeia causal. O mesmo ocorre se o sujeito, em razão do disparo de arma de fogo, vem a falecer de susto (parada cardíaca), e não propriamente do ferimento causado. Também nesta hipótese, a concausa concomitante relativamente independente não impede que o agente seja responsabilizado pelo que cometeu.

Entretanto, se se tratar de concausa superveniente – ainda que relativamente independente em relação à conduta do sujeito –, o nexo de causalidade poderá ser rompido se esta causa, por si só, determinar a ocorrência do evento danoso.

É o clássico exemplo do sujeito que, ferido por outrem, é levado de ambulância para o hospital, e falece no caminho, por força do tombamento do veículo. Esta concausa, embora relativamente independente em face da conduta do agente infrator (se este não houvesse ferido a vítima, esta não estaria na ambulância e não morreria no acidente) determina, por si só, o evento fatal, de forma que o causador do ferimento apenas poderá ser responsabilizado, nas searas civil e criminal, pela lesão corporal causada.[95]

A concausa evidencia, assim, um fato que se junta ao principal, reforçando o nexo causal e concorrendo para a produção do resultado.

Sobre o autor
Gabriel de Fassio Paulo

Advogado<br>Professor<br>Escritor<br>Pós-graduado em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULO, Gabriel Fassio. Noções propedêuticas acerca do instituto da responsabilidade civil: pressupostos jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3932, 7 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27293. Acesso em: 22 dez. 2024.

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