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Parcelamento da Lei nº 11.941 e a suspensão da exigibilidade do crédito tributário

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Agenda 16/04/2014 às 15:29

Os efeitos do parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 são produzidos, ao menos provisoriamente, a partir do momento em que o contribuinte manifesta sua intenção em aderir ao benefício fiscal, o que obsta a realização de qualquer ato constritivo por parte da Fazenda Pública.

I. Introdução

O presente trabalho visa analisar uma das causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, elencada no inciso VI, do artigo 151, do Código Tributário Nacional, qual seja, o parcelamento, especificamente, aquele previsto na Lei nº 11.941/2009, analisando-se a partir de qual momento o mesmo passa a produzir seus regulares efeitos, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário.

O parcelamento, inserido ao artigo 151, do Código Tributário Nacional, pela Lei Complementar nº 104, de 2001, é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sendo que, de acordo com o artigo 155-A, também do Código Tributário Nacional, as formas e condições para sua concessão serão reguladas por “lei específica”. É importante assinalar que a semelhança entre o parcelamento e a moratória é tamanha que muitos autores entendem ser aquele uma modalidade desta[1], ou seja, o parcelamento nada mais é que a prorrogação ou dilação do prazo de pagamento de determinado crédito tributário, pagamento este realizado em parcelas – diferentemente da moratória, onde o pagamento é feito de uma só vez. É benefício tributário que outorga aos Contribuintes a possibilidade de amortizar a dívida, impedindo a realização de atos constritivos, por parte da Fazenda Pública, durante sua vigência.

Com efeito, a “lei específica” que disciplina o parcelamento que será objeto do presente estudo é a de número 11.491, de 27 de maio de 2009, regulamentada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6, de 22 de julho de 2009.

A Lei nº 11.941/2009, prevê, em seu artigo 1º, a possibilidade de pagamento dos seguintes débitos:

"(...) administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, de que trata a Lei no 9.964, de 10 de abril de 2000, no Parcelamento Especial – PAES, de que trata a Lei no 10.684, de 30 de maio de 2003, no Parcelamento Excepcional – PAEX, de que trata a Medida Provisória no 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas e parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota 0 (zero) ou como não-tributados".

Contudo, para que um Contribuinte possa aderir ao parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009, deverá atender aos requisitos nela previstos, tal como as condições impostas pelos artigos 1º, 2º e 3º, de referido instrumento normativo; a renúncia a qualquer alegação de direito que sustente em eventuais ações onde seja requerido o restabelecimento de sua opção ou a reinclusão em outros parcelamentos do débito que se pretende parcelar (art. 6º[2]); bem como a confissão irrevogável e irretratável das obrigações tributárias indicadas para compor referido parcelamento (art. 5º[3]).

Não obstante, para aderir à referido benefício fiscal deve ser também observado o procedimento disposto tanto na Lei que o instituiu, quanto na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6, de 22 de julho de 2009, que a regulamenta.

Com efeito, os principais atos do procedimento são: (i) a manifestação do Contribuinte demonstrando sua intenção de aderir ao parcelamento, elencando os débitos que deseja parcelar e realizando o pagamento das primeiras parcelas; (ii) uma vez deferida a adesão pelo Fisco, a apresentação, pelo Contribuinte, dos documentos necessários à consolidação dos débitos que pretende parcelar e (iii) a consolidação do parcelamento. Verifica-se, de plano, que existem ações atribuídas exclusivamente ao Contribuinte (a adesão e o dever de prestar as informações solicitadas) e outras, também exclusivamente, à Administração Pública (o deferimento da adesão, com a consequente requisição de documentos, e a consolidação do parcelamento).

Diz-se que a concessão, ou deferimento, do parcelamento suspendem a exigibilidade do crédito, nos termos do art. 151, inciso IV, do Código Tributário Nacional. Esta, por sua vez, é ato do credor que o inibe de promover a cobrança do crédito respectivo. Ou seja, o deferimento do parcelamento tem como principal consequência a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Ocorre que alguns dos atos do procedimento administrativo previsto tanto na Lei nº 11.941/2009 quanto nas portarias que a regulamentam podem ser interpretados como deferimento do parcelamento, o que faz surgir três entendimentos distintos acerca do momento em que o parcelamento ora analisado produz seus efeitos e acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito tributário: (1) após a manifestação de adesão, realizada pelo Contribuinte; (2) após o deferimento da adesão, ato realizado pela Administração Pública; ou, ainda (3) apenas após a consolidação do parcelamento, ato também realizado pelo Fisco.

Desta forma, o presente artigo visa analisar cada um destes três distintos entendimento supra indicados a fim de verificar em qual momento o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

II. A “interpretação sistemático-sociológica”

Interpretar conceitos jurídicos não é simplesmente a tarefa de aclarar textos normativos, mas, tal qual ensina Carlos Maximiliano, “de revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta”[4]. Ainda, o mesmo autor ensina que a interpretação não pode ser realizada “de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis”[5].

Para solucionarmos o problema colocado no tópico acima, deve-se buscar uma solução no direito positivo, interpretando-o de forma sistemática. Contudo, não basta uma resposta destituída da realidade social, uma vez que o direito é uma ciência social aplicada e deve ser considerado como tal quando analisado. Portanto, propomos uma nova modalidade de interpretação jurídica, onde são considerados tanto aspectos sistemático-jurídicos quanto sociológicos da norma.

As normas jurídicas estão organizadas em um sistema. Um sistema composto de um conjunto de normas jurídicas vigentes dentro de uma certa comunidade. Esse sistema, ainda, está disposto de uma forma ordenada e estruturada e possui um fundamento de validade último. Este fundamento de validade, comum a todas as normas jurídicas, para Hans Kelsen, é a norma hipotética fundamental[6].

Portanto, todos aqueles que utilizam-se de prescrições normativas inseridas nesse sistema devem entende-las de forma sistemática, buscando sua maior integração, logicidade e coesão possíveis.

Contudo, considerar o sistema jurídico isoladamente parece-nos uma utopia. Todo esse sistema, por ser constituído de fenômenos sociais – entendidos como “atividades (ou comportamentos) cuja manifestação, generalidade e repetição dependem, indireta ou diretamente, de condições externas ou internas dos organismos”[7] – está inserido em uma “rede de interdependências e de interações sociais, característica da espécie de organismos considerados”[8].

É dizer, o ordenamento jurídico é um sistema e, como tal, seus elementos devem ser interpretados de forma lógica e com vistas a lhe conferir maior “unidade”. Contudo, o ordenamento jurídico não pode ser considerado individualmente, pois está inserido em uma rede muito maior de sistemas, está inserido em uma “ordem social”.

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Nesse sentido, o jurista deve analisar as normas jurídicas de forma a considerar, em primeiro plano, a lógica do sistema em que estas estão inseridas e, em segundo plano, analisá-las de acordo com o “plano em que ele pode ser descrito, objetivamente, através de propriedades da porção social do meio ambiente dos organismos e dos processos que nela ocorrem”[9].

Ao aplicarmos este entendimento, com vistas a solução do problema aqui colocado – a partir de qual momento o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 passa a produzir seus efeitos, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário – a conclusão é a de que os efeitos do parcelamento são experimentados, provisoriamente, a partir do requerimento de adesão, formulado pelo Contribuinte e produzidos, de forma definitiva, com o deferimento deste requerimento, ato realizado pela Administração.

III. O parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 e a suspensão da exigibilidade do crédito tributário

Como vimos, o primeiro ato do procedimento para a adesão ao parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 é a manifestação do Contribuinte. Contudo, não basta a mera manifestação do mesmo. É necessário, ainda, que o Contribuinte nos termos do artigo 6º, de referido instrumento normativo, renuncie à qualquer alegação de direito que sustente em eventuais ações onde seja requerido o restabelecimento de sua opção ou a reinclusão em outros parcelamentos do débito que se pretende parcelar. Ainda, a opção pelos parcelamentos previstos na Lei nº 11.941/2009 importa na confissão irrevogável e irretratável dos débitos que o Contribuinte indicar, nos termos do artigo 5º, da Lei.

Este requerimento de adesão acarreta, portanto, diversas consequências. Dentre estas estão um eventual óbice à eventual pedido de restituição de indébito ou de revisão administrativa e judicial do débito a ser parcelado. Não obstante, é, também, uma consequência do requerimento do Contribuinte em aderir ao parcelamento o restabelecimento da exigibilidade dos créditos eventualmente suspensos, ou, ainda, a implementação deste atributo, caso o crédito não tenha sido regularmente constituído. Ressalte-se que, de acordo com o escólio de Hugo de Brito Machado, esta disposição legal que impõe a manifestação do Contribuinte no sentido de renunciar a toda e qualquer alegação de direito que sustentem em eventuais ações que versem sobre o débito a ser parcelado é prescindível, uma vez que o pedido de parcelamento implica, logicamente, no reconhecimento de um débito pelo devedor[10].

A concessão, ou deferimento, do parcelamento, por sua vez, é “ato do credor que o inibe de promover a cobrança do crédito respectivo. Diz-se que suspende a exigibilidade do crédito, nos termos do art. 151, inciso IV, do Código Tributário Nacional”[11]. Ou seja, o deferimento do parcelamento tem como principal consequência a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. E, no parcelamento ora analisado, o deferimento do requerimento de adesão ocorreu, em muitos casos, quase seis meses após o requerimento de adesão. E o ato conjunto que estipulo o prazo para a apresentação dos documentos necessários à consolidação dos débitos somente ocorreu em 03 de maio de 2010, mediante a edição da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 3.

Portanto, referido “ato do credor com o condão de inibir a cobrança dos créditos” parcelados ocorreu muito tempo depois do requerimento de inclusão dos débitos tributários no parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009, realizado pelo Contribuinte.

Desta forma, considerando que a concessão do parcelamento perfaz-se apenas com um ato do credor, surgiu a afirmação de que a suspensão dos créditos tributários incluídos no parcelamento da Lei nº 11.941/2009, somente poderia operar-se à partir de 03 de maio de 2010, ou, ainda, apenas com a definitiva consolidação dos débitos e não com o simples requerimento de adesão.

Com efeito, da análise das disposições legais constantes na Lei nº 11.941/2009 e nas Portarias Conjuntas PGFN/RFB que a disciplinam, no Código Tributário Nacional e, especialmente, na Constituição Federal, depreende-se que o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 produz seus efeitos, provisoriamente, a partir do requerimento de adesão, realizado pelo Contribuinte, e definitivamente com o deferimento por parte da Fazenda. Não obstante, a interpretação de que os efeitos do parcelamento só são devidamente produzidos com o deferimento expresso ou com a consolidação dos débitos, ao nosso ver, viola o princípio da razoabilidade.

A razoabilidade impõe que a interpretação normativa seja feita coerentemente. Nesse sentido, Weida Zancaner ensina que: “o princípio da razoabilidade determina a coerência do sistema e que a falta de coerência, de racionalidade de qualquer lei, ato administrativo ou decisão jurisdicional gera vício de legalidade, pois o Direito é feito por seres e para seres racionais, para ser aplicado em um determinado espaço e em uma determinada época”[12]. Ou seja, a norma jurídica, bem como sua interpretação, devem ser construídas de forma racional, coerente e lógica. O sistema jurídico deve ser interpretado de forma racional.

O parcelamento é uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, “ex vi” do artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional. Através deste instituto, os Contribuintes podem dilatar o prazo para o pagamento de um débito tributário em diversas parcelas. Consequentemente, o parcelamento é benefício fiscal que, além de suspender a exigibilidade do crédito tributário, impedindo que a Fazenda Pública realize atos de cobrança, amortiza o débito tributário.

De plano, portanto, verificamos que a interpretação de que a exigibilidade do crédito que se pretende incluir no parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 somente perfaz-se quando do deferimento do parcelamento ou, ainda, com a consolidação dos respectivos débitos não passa ao exame da razoabilidade.

Ora, se o parcelamento é benefício fiscal que visa a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não pode o aplicador do direito interpretar as disposições da Lei nº 11.941/2009, e sua respectiva regulamentação, de forma a onerar o Contribuinte.

Com efeito, ao renunciar à qualquer alegação de direito que sustente em ações onde é requerido o restabelecimento de sua opção ou a reinclusão do crédito tributário que pretende parcelar em outros parcelamentos, com vistas em aderir ao parcelamento e em atenção ao disposto no artigo 6º da Lei nº 11.941/2009, o Contribuinte acaba por restabelecer a exigibilidade, suspensa por eventual determinação judicial.

Ainda, como o requerimento de adesão, nos termos dos artigos 5º, da Lei nº 11.941/2009 e 12, parágrafo 6º, I, da Portaria Conjunta nº 6/2009[13], implica na confissão irrevogável e irretratável dos débitos abrangidos pelo parcelamento, este torna exigível o crédito tributário, permitindo que a Fazenda realize atos constritivos, o que inclui o ajuizamento de execução fiscal.

Desta forma, considerando tanto a renuncia às alegações em eventuais ações quanto a confissão irrevogável e irretratável, o sentido da lei e sua respectiva regulamentação só pode ter sido o de que o simples requerimento de adesão, quando formulado pelo Contribuinte, tem o condão de suspender provisoriamente a exigibilidade do crédito tributário. Seria ilógico e irracional entender que o Contribuinte, para aderir a parcelamento, restabeleça, ou estabeleça, a exigibilidade do crédito tributário, permitindo que o Fisco realize atos constritivos, que, inclusive, podem acarretar no adimplemento integral do débito, o que esvaziaria, integralmente, o parcelamento ao qual o Contribuinte aderira.

Com efeito, Ives Gandra da Silva Martins e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, afirmam que o “mens legis” da Lei nº 11.941/2009 e de sua respectiva regulamentação não pode ser outro senão a de que “a adesão propiciasse ao Contribuinte uma situação de regularidade provisória, sobrestando qualquer ato de exigibilidade, até que se ultimasse o procedimento de consolidação dos débitos e cumprimento do parcelamento”[14]. Os autores sustentam, ainda, que qualquer entendimento contrário violaria, inclusive, o princípio da moralidade, pois permitiria que a Fazenda Pública adotasse comportamento “defraudador da confiança do Contribuinte que, de boa-fé e impelido pelas condições do parcelamento, confessa seus débitos e renuncia à discussão judicial, com o propósito de regularizar sua situação fiscal”.

Portanto, a interpretação jurídica de que o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 somente produz seus regulares efeitos, especialmente o de suspender a exigibilidade do crédito tributário, após o seu deferimento ou, ainda, apenas após a consolidação do débito que se pretende parcelar distorce a finalidade do parcelamento, além, e especialmente, de violar o princípio da razoabilidade.

Ressalte-se que são inúmeras as disposições normativas que sugerem que o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 passa a produzir efeitos, ao menos provisoriamente, a partir do momento em que o Contribuinte manifesta sua intenção em parcelar seus débitos.

Com efeito, o parágrafo único do artigo 1ª, da Portaria conjunta PGFN/RFB nº 13/2009[15] dispõe que “os efeitos de deferimento retroagem à data do requerimento de adesão”.

Há, ainda, aqueles que sustentam que os efeitos do parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 são produzidos apenas após a consolidação do débito parcelado, respaldando este entendimento através de uma aplicação analógica  de orientações que prevaleceram em outros parcelamentos, sem atentar que os programas anteriores não previam fases do procedimento administrativas de competência exclusiva da Administração, ou ainda, previam a possibilidade de deferimento tácito do parcelamento, evitando que o Contribuinte fique sujeito à morosidade da Fazenda Nacional.

Ressalte-se, por exemplo, que no parcelamento previsto na Lei nº 10.522/2002, havia a previsão, no parágrafo 4º, do artigo 11[16] (posteriormente revogado pela Lei nº 11.941/2009), de deferimento tácito, que ocorria nos casos de não manifestação da autoridade fazendária no prazo de até 90 dias contados da protocolização do pedido de adesão. Contudo, esta possibilidade, de deferimento tácito do parcelamento, não existe no benefício fiscal instituído pela Lei nº 11.941/2009, motivo pelo qual a necessidade de deferimento expresso da Fazenda Pública, sujeita o Contribuinte à morosidade estatal, obrigando o Contribuinte a aguardar o Fisco homologar os parcelamentos e, consequentemente, suspender a exigibilidade do crédito tributário.

Na tentativa de afastar este entendimento, claramente incompatível com o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009, a Lei nº 12.249/2010 previu, em seu artigo 127, que os efeitos do parcelamento são definitivamente produzidos a partir do momento em que a Administração defere a intenção do Contribuinte em aderir ao benefício previsto na Lei nº 11.941/2009, elencando os débitos que deseja parcelar, “verbis”:

“Art. 127. Até que ocorra a indicação de que trata o art. 5º da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, os débitos de devedores que apresentaram pedidos de parcelamentos previstos nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, vencidos até 30 de novembro de 2008, que tenham sido deferidos pela administração tributária devem ser considerados parcelados para os fins do inciso VI do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional”.

Com efeito, referido dispositivo visa assegurar que o Contribuinte não fique sujeito à morosidade da Administração, deixando claro que os pedidos de parcelamento deferidos devem ser considerados, definitivamente, parcelados e, portanto, suspensa a sua exigibilidade, retroagindo seus efeitos até a data do requerimento de adesão. Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza consignaram que referido dispositivo “deixa claro que até que o Contribuinte faça a indicação dos débitos a serem objeto da consolidação, os débitos objeto de pedidos de parcelamento que tiverem sido deferidos – porque feitos no prazo e na forma legal –, devem ser considerados parcelados e aptos a suspender a exigibilidade do crédito tributário, para os fins do inciso VI do art. 151 do CTN”[17].

Nem se alegue que a edição da Lei nº 12.249/2010 ocorreu em momento posterior e, portanto, impossível que esta atinja a efetivação de atos constritivos formalizados em momento anterior à sua vigência, uma vez que, por tratar-se de norma de cunho interpretativo, produz efeitos retroativamente, “ex vi” do disposto no artigo 106, do Código Tributário Nacional, que prevê que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito quando “em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”.

Desnecessário, ainda, que a lei mais benéfica, para ser interpretada retroativamente, seja expressamente interpretativa, bastando que o novo instrumento normativo refira-se à eventos pretéritos, conferindo-lhes novo significado, tal qual ocorre com o artigo 127, da Lei nº 12.249/2010. Nesse sentido Aliomar Baleeiro ensina que, “verbis”: “’Expressamente interpretativa’, todavia, não quer dizer que o novo diploma empregue essas palavras sacramentais, apresentando-se como tal na ementa ou no contexto. Basta que, reportando-se aos dispositivos interpretados, lhes defina o sentido e aclare as dúvidas.”[18].

Nesse sentido o Em. Des. Henrique Herkenhoff, em julgamento realizado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região consignou prudentemente que:

“A Lei nº 12.249 veio explicitar aquilo que o bom senso já recomendava: não sendo possível, por ora, dizer quais débitos estão ou não incluídos no parcelamento devem ser considerados suspensos todos aqueles em tese passíveis de inclusão, que terá efeitos retroativos. Nesse interregno, nas execuções fiscais devem ser adotas somente aquelas providências urgentes ou de caráter cautelar.”[19].

Finalmente, no que diz respeito à análise sociológica do sistema jurídico, especificamente do conjunto de normas acima referidos, deve-se considerar que a Lei nº 11.941/2009 é resultado da Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008. Com efeito, esta, de acordo com a sua exposição de motivos, visava “unificar a legislação referente ao parcelamento ordinário de débitos tributários, inclusive os previdenciários; conceder remissão nos casos que especifica; reduzir e agilizar o contencioso tributário; harmonizar as normas relacionadas às contribuições previdenciárias com a legislação relativa aos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil”, dentre outros. Visa, também, aumentar a arrecadação, fazendo com que débitos, muitas vezes impagáves, sejam quitados pelos Contribuintes.

Este aumento da arrecadação decorreria, justamente, da concessão de benefício fiscal aos Contribuintes, que, estimulados por medidas como a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a remissão de débitos individuais, de pequeno valor e antigos, a anistia de multas por descumprimento de obrigações acessórias e, é claro, pelo pagamento diferido e parcelado dos débitos, adeririam à esta modalidade de Parcelamento.

Não obstante, no item 57, da exposição de motivos da Medida Provisória nº 449, consta, ainda, que é urgente a adoção de medidas que visem a redução da litigância tributária no âmbito administrativo e judicial, sendo que a medida concreta adotada foi tanto a confissão irrevogável e irretratável do débito quanto a renúncia à qualquer alegação de direito, atos impostos ao Contribuinte no momento em que este realiza o requerimento de adesão ao Parcelamento.

Ou seja, estas medidas, traduzem-se em benefícios tanto para a Fazenda Pública quanto para o Contribuinte.

Portanto, a uma interpretação sociológica, pautada nas consequências sociais da Lei nº 11.941/2009, implica, também, que se reconheça que o requerimento de adesão produz “provisoriamente” o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário que será parcelado, pois, afirmar o contrário é reduzir e minimizar as consequências benéficas da lei.

IV. Conclusões

O parcelamento é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, “ex vi” do artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional, e será concedido na forma e condições previstos em lei específica – Lei nº 11.941/2009 – sendo que o procedimento administrativo para formalizá-lo – previsto na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6, de 22 de julho de 2009 – compreende, basicamente, três “etapas”, que englobam dês atos atribuídos ao Contribuinte até atos de competência exclusiva da Administração.

A primeira das “etapas” do procedimento administrativo compreendem uma série de atos atribuídos exclusivamente ao Contribuinte, dentre eles o requerimento de adesão ao parcelamento e a renúncia à qualquer alegação de direito que sustente em processos onde é requerido o restabelecimento de sua opção ou a reinclusão dos débitos que pretende parcelar em outro parcelamento, bem como a confissão irrevogável e irretratável dos débitos abrangidos pelo parcelamento, o que acarreta ou no restabelecimento da exigibilidade – caso esta tenha sido suspensa por alguma decisão judicial – ou em sua implementação, nos créditos que sequer haviam sido constituídos pelo Fisco.

Para que se verifique o momento em que este benefício fiscal passa a produzir seus regulares efeitos, suspendendo a exigibilidade do crédito tributários, propomos a adoção de uma interpretação “sistemático-sociológica”, que considera tanto o ordenamento jurídico como um sistema quanto insere este sistema em uma “rede” de interações sociais.

Desta forma, após uma análise sistemática das normas, conclui-se que os efeitos do parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 são produzidos, ao menos provisoriamente, a partir do momento em que o Contribuinte manifesta sua intenção em aderir a referido benefício fiscal, o que obsta a realização de qualquer ato constritivo por parte da Fazenda Pública. Ainda, de acordo com o disposto no artigo 127, da Lei nº 12.249/2010, o parcelamento passa a produzir efeitos, definitivamente, com o deferimento, por parte da autoridade fazendária, do pedido de inclusão.

Ainda, é importante ressaltar que o deferimento definitivo produz efeitos retroativos, motivo pelo qual deve-se falar em efeitos provisórios como consequência do requerimento de inclusão formulado pelo Contribuinte, evitando-se, assim, a realização de atos constritivos incompatíveis com o escopo do parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009.

A análise sociológica das normas em questão, considerando-se as principais consequências destas para a sociedade, também implica a conclusão de que o parcelamento previsto na Lei nº 11.941/2009 produz seus efeitos, provisoriamente, com o requerimento de adesão e, definitivamente, com o seu deferimento.

Qualquer entendimento contrário implicaria em violação tanto ao sistema jurídico quanto à ciência jurídica entendida como um fenômeno social.

V. Referências

BALEEIRO, Aliomar. “Direito Tributário Brasileiro”. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

FERNANDES, Florestan. “Elementos de sociologia teórica”. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1974.

KELSEN, Hans. “Teoria Pura do Direito”. 7ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. “O parcelamento como causa de suspensão e de interrupção da prescrição no código tributário nacional”, in “Revista Dialética de Direito Tributário”, nº 148.

MARTINS, Ives Gandra da Silva e SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de. “Aspectos relacionados ao parcelamento da Lei nº 11.941/2009 e da Lei interpretativa 12.249/2010” in Revista Dialética de Direito Tributário nº 181.

MAXIMILIANO, Carlos. “Hermenêutica e aplicação do direito”. Porto Alegre: Globo, 1933.

ZANCANER, Weida. “Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de direito” in “Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba – Direito Administrativo e Constitucional”, org. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. São Paulo: Malheiros, 1997

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Lucas Gieron Fonseca. Parcelamento da Lei nº 11.941 e a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3941, 16 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27588. Acesso em: 23 dez. 2024.

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