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Classificação das ações de conhecimento: uma releitura

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Agenda 04/05/2014 às 08:44

4 PAINEL DOUTRINÁRIO ATUAL    

Todo este conjunto de transformações normativas provocou efervescência no cenário doutrinário processual. Três teorias se destacaram. Essas três teorias cuidaram de organizar, cada uma a seu modo, a classificação das ações de conhecimento. Em suma, sistematizam-se as teorias e suas classificações, da seguinte maneira: (i) Teoria ternária e classificação ternária das ações de conhecimento; (ii) Teoria quaternária e classificação quaternária das ações de conhecimento; (iii) Teoria quinária e classificação quinária das ações de conhecimento.

Vejamos, separadamente, cada uma delas.

4.1 Teoria ternária e classificação ternária das ações:

Trata-se da concepção majoritária da doutrina processual brasileira. Adotam-na, entre outros autores: José Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Júnior e Fredie Didier Júnior.[14]

A teoria ternária entende que existem três espécies de ações de conhecimento: ações condenatórias, ações constitutivas e ações meramente declaratórias. Classificação ternária, pois. Para esta acepção, ações mandamentais e ações executivas em sentido amplo são subespécies das ações condenatórias, pois, com a edição da Lei Federal n. 11.232/2005, não havia mais sentido diferenciá-las.

Este é o esquema geral da corrente ternária.

Vejamos, de acordo com a corrente ternária, cada uma das espécies das ações de conhecimento.[15]

Ação condenatória é aquela que certifica a existência de um direito a prestação e admite a realização da atividade executiva a fim de efetivar concretamente a pretensão prestacional certificada. São exemplos de ação condenatórias: ação de cobrança; ação cominatória que vise o reconhecimento de uma obrigação de fazer ou não-fazer; ação para entrega de coisa; ação de despejo; etc.

Ação mandamental e ação executiva, aqui, diferentemente da classificação quinária de Pontes de Miranda[16], são espécies de ação condenatória, uma vez que certificam um direito a prestação e admitem a realização da atividade executiva a fim de efetivar concretamente a pretensão prestacional certificada, seja por coerção indireta (mandamental), seja por coerção direta (executiva em sentido amplo). Fredie Didier Júnior elucida o ponto:

“Também no Brasil a chamada classificação ternária foi bem acolhida, mas mereceu a crítica de Pontes de Miranda, que contribuiu para uma mudança de pensamento quando lançou mão de uma outra classificação, a classificação quinária, que acrescentava às três modalidades já existentes de sentença dois outros tipos: as sentenças mandamental e executiva.

Com a edição da Lei Federal n. 11.232/2005, essa discussão perdeu um pouco a sua razão de ser. Atualmente toda decisão que reconhece a existência de dever de prestar (fazer, não-fazer, dar coisa ou pagar quantia) pode ser efetivada no mesmo processo em que foi proferida, não havendo mais necessidade de instauração de um processo autônomo de execução. Perdeu o sentido, pois, distinguir as sentenças condenatórias das mandamentais e das executivas. O critério distintivo era exatamente a necessidade ou não de um novo processo para a efetivação da decisão judicial: a sentença condenatória deveria ser executada ex intervalo, em outro processo, a sentença mandamental/executiva poderia ser executada sine intervalo, ou seja, no mesmo processo em que proferida.

A partir da nova redação do art. 461 (1994), as sentenças que reconheciam o direito a uma prestação de fazer ou não-fazer passaram a poder ser efetivadas no mesmo processo em que proferidas. Em 2002, com a introdução do art. 461-A ao CPC, o mesmo regime foi estendido à efetivação das sentenças que reconhecessem o direito a uma prestação de entrega de coisa. Mais recentemente (2005), a sentença pecuniária também passou a poder ser efetivada no mesmo processo em que proferida, como se vê da redação do art. 475-J, CPC. Todas as sentenças de prestação podem ser efetivadas no mesmo processo em que proferidas, sine intervalo. Todas podem ser designadas, pois, de condenatórias, embora se reconheça que houve uma alteração no conceito de sentença condenatória”. [17]

Ação constitutiva “é aquela que certifica e efetiva direito potestativo. Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à alteração, criação ou extinção de situações jurídicas. São exemplos de direitos potestativos: (i) o de rever as cláusulas de um contrato ou de rever a prestação alimentícia é potestativo (alterarelação jurídica); (ii) o de instituir servidão ou de adotar alguém (cria relação jurídica); (iii) o de rescindir um contrato ou de anulá-lo, ou ainda o direito de pedir o divórcio (extingue relação jurídica)”.[18]

Como visto, o direito potestativo prescinde de “efetivação material”. Isso porque a mudança operada (alteração, criação ou extinção de situações jurídicas) ocorre no mundo jurídico, e não no mundo dos fatos. “Assim, por exemplo, a decisão que decreta a nulidade de um contrato é suficiente para que a relação jurídica contratual seja extinta, sendo desnecessário que as partes pratiquem qualquer conduta para tanto (p. ex., não precisam inutilizar as vias do instrumento do contrato, nem devolvê-las uma à outra)”.[19]

Ação meramente declaratória é aquela que limita a certificar a existência, a inexistência ou o modo de ser de uma situação jurídica. Não há prazo para a propositura de uma ação meramente declaratória, visto que, a princípio, tais demandas não visam a execução de nenhum direito, mas apenas a certificação. São demandas imprescritíveis, portanto.

O Código de Processo Civil reconhece o interesse na pretensão daquele sujeito que se vale de ação declaratória para obter certeza jurídica quanto a existência ou inexistência de relação jurídica ou autenticidade ou falsidade de documento (art. 4º, CPC). O Código de Processo Civil autoriza um único caso de ação meramente declaratória de fato: trata-se da demanda ajuizada para certificar a autenticidade ou falsidade de documento.

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Ademais, “mesmo nos casos em que o direito cuja certificação se busca já foi violado, o legislador brasileiro admite haver interesse-utilidade na pretensão processual à simples declaração da sua existência. Em outras palavras, ainda que o demandante já possa pleitear a certificação e a efetivação de um direito (porque já violado), é lícito que peça apenas a certificação. É o que deflui da leitura do art. 4º, p. único, do CPC”.[20]

Uma dúvida que sempre instigou a doutrina processual: a sentença que acolhe uma pretensão meramente declaratória goza de executividade?

José Roberto dos Santos Bedaque, ao abordar sobre a impossibilidade de executar a ação meramente declaratória assevera que “essa tutela, todavia, não terá o condão de eliminar completamente a crise de direito material. Embora declarado existente o direito, o inadimplemento não poderá ser afastado pela tutela executiva, pois a sentença declaratória não é título. Terá o credor que postular nova tutela cognitiva, de conteúdo condenatório, para obter acesso à via executiva". [21]

Por outro lado, adotando concepção mais arrojada, Teori Albino Zavaski admite a executividade da sentença que acolhe a pretensão meramente declaratória de uma obrigação exigível. Segundo o autor, “se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por sentença, não ha razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultado que não um já prefixado representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional”.[22]

O Direito Positivo parece ter abraçado essa última concepção. Em 2005 foi alterado o inciso I do artigo 475-N do CPC. Tal dispositivo passou a prever que “são títulos executivos judiciais: a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Fredie Didier Júnior arremata dizendo que do artigo mencionado, “retirou-se a menção que havia à sentença condenatória, para deixar claro que qualquer sentença que reconhecer a existência de uma obrigação exigível, o que inclui a declaratória, tem eficácia executiva. Há diversos exemplos de ações meramente declaratórias que geram decisão com força executiva: consignação em pagamento, oferta de alimentos, desapropriação judicial etc”.[23]

Eis a estrutura básica da concepção ternária das ações de conhecimento.

4.2 Teoria quaternária e classificação quaternária das ações:

Trata-se de acepção minoritária na doutrina processual brasileira. É adotada, fundamentalmente, por Ada Pellegrini Grinover.[24]

Difere-se da corrente ternária em alguns aspectos.

A vertente quaternária entende que existem quatro espécies de ações de conhecimento: ações mandamentais, ações executivas em sentido amplo, ações constitutivas e ações meramente declaratórias. Classificação quaternária, pois.

A ação condenatória estaria extinta após a edição da Lei Federal n. 11.232/2005. Com a lei, todas as ações de prestação tornaram-se sincréticas. De acordo com a lição da corrente quaternária, condenatória era somente a ação de prestação que certificava o direito afirmado, sem executá-lo, pois tal incumbência reclama outro processo, o processo autônomo de execução.

Outra distinção é a estipulação da ação mandamental e da ação executiva em sentido amplo como espécies autônomas de ação de conhecimento.

No mais, as ideias vistas quanto as espécies de ações de conhecimento na corrente ternária aplicam-se para a quaternária.

4.3 Teoria quinária e classificação quinária das ações:

Também é linha de pensamento tida como minoritária, idealizada por Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, e abraçada por autores como Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.[25]

Diferencia-se das últimas duas classificações (ternária e quaternária) pois prevê cinco espécies autônomas de ações de conhecimento: ações condenatórias, ações mandamentais, ações executivas em sentido amplo, ações constitutivas e ações meramente declaratórias. Classificação quinária, portanto.

Aqui, a exemplo da corrente quaternária, a ação mandamental e a ação executiva em sentido amplo são espécies autônomas, e não subespécies da ação condenatória.

Conforme menção já feita neste estudo, após a sequência de modificações normativas (Lei Federal n. 8.078/90; Lei Federal n. 8.952/84; Lei Federal n. 10.444/02; e Lei Federal n. 11.232/05) a corrente quinária perdeu fôlego.

As feições de cada uma das espécies das ações de conhecimento foram suficientemente abordadas quando explicada a teoria ternária, razão pela qual evita-se tediosa repetição.

Encerra-se, neste momento, a análise do painel doutrinário atual sobre as teorias, as classificações das ações de conhecimento e toda a fase de reportagem deste trabalho. Passemos às considerações críticas e sugestões sobre tema.


5 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS E SUGESTÕES SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES DE CONHECIMENTO  

 Este tópico inaugura a fase construtiva do trabalho.

Sem rodeios, iniciemos.

A classificação das ações de conhecimento leva em conta o conteúdo das demandas, e não os seus efeitos. A propósito, José Carlos Barbosa Moreira elucidou a diferença tênue, mas elementar, entre conteúdo e efeito: “o efeito é algo que está necessariamente, por definição, fora daquilo que o produz”.[26]“Aquilo que integra o ato não resulta dele; aquilo que dele resulta não o integra”.[27]Fredie Didier Júnior, poeticamente, faz bela analogia para demonstrar a distinção entre conteúdo e efeito: “uma coisa é a música; outra coisa é o que sentimos ao ouvi-la”.[28]

O conteúdo de uma ação de conhecimento é a situação jurídica [29]determinada submetida à apreciação judicial. O efeito de uma ação de conhecimento é a consequência gerada pelo acolhimento da situação jurídica apresentada.

Até aqui, nenhum problema.

Aliás, uma observação se faz necessária. Do ponto de vista puramente doutrinário, o engendramento das ações de conhecimento, suas classificações e suas espécies, é muito bem concatenado. No entanto, a organização dogmática não se reflete quando é analisada a natureza jurídica de uma ação de conhecimento específica. Isto é, ao se indagar qual a natureza jurídica de uma ação direta de inconstitucionalidade, de uma ação de interdição, de uma ação de falência etc., respostas de variada ordem são apresentadas.

Apenas a título exemplificativo, a ação direta de inconstitucionalidade, para os constitucionalistas, de uma forma geral, é declaratória; para os processualistas, há polêmica: alguns a entendem como declaratória outros como constitutiva. Eis o problema: a multiplicidade de posições sempre que o assunto envolve o enquadramento jurídico de ações de conhecimento parece indicar que algo precisa ser revisto.

Pois bem.

Costuma-se, para justificar a separação entre cada um das espécies das ações de conhecimento, explanar sobre o conteúdo de cada qual. Logo, possuindo cada uma um conteúdo diferente, justificada estaria a estipulação em espécies distintas. Em outros termos, Fredie Didier Júnior sintetiza as consideradas diferenças ao tratar da classificação das decisões de procedência quanto ao seu conteúdo. O raciocínio também cabe, perfeitamente, para as ações de conhecimento: “a decisão meramente declaratória é um minus em relação às decisões constitutivas e às que impõem uma prestação. E exatamente por isso que se acrescenta ao adjetivo ‘declaratória’ o advérbio ‘meramente’: uma decisão pode certificar e determinar a efetivação (decisão que impõe uma prestação), pode certificar e alterar uma situação jurídica (decisão constitutiva) ou pode simplesmente certificar (decisão meramente declaratória)”.[30]

Ousa-se, com todo respeito, discordar destas diferenciações. Na realidade, diferença não há. O que há, de fato, é uma relação de especificidade entre ação condenatória e ação constitutiva em relação à ação declaratória, que seria gênero. Quer-se dizer que a ação condenatória e a constitutiva estariam abarcadas pela ação declaratória. Há uma similitude grande entre ação condenatória, ação constitutiva e ação declaratória. Todas têm um denominador comum: a certificação de uma situação jurídica.

Não existe, pois, uma tricotomia (quadricotomia ou quintuplicotomia) de espécies nas ações de conhecimento. O que existe é unitariedade. Toda ação de conhecimento é, no mínimo, declaratória.

Sugere-se, assim, uma reorganização das espécies das ações de conhecimento, a fim de minimizar, ao máximo, controvérsias doutrinárias acerca do enquadramento jurídico dessas demandas. A classificação das ações de conhecimento deve ser, pois, unitária, e não ternária (quaternária ou quinária).

Fundamenta-se a seguir a posição aqui defendida.

Por definição, ação declaratória é aquela que busca certificar a existência, inexistência ou o modo de ser de uma situação jurídica. Que situação jurídica é essa? Ora, pode ser uma situação jurídica que envolva mera certificação sem que se pretenda efetivação (declaratória pura) ou pode ser uma situação jurídica que trate da certificação e efetivação: de um direito a prestação (declaratório-condenatória); de um direito potestativo (declaratório-constitutiva); da eficácia de uma relação jurídica (declaratório-eficacial) etc.

Há, repita-se, unitariedade. O que é isso? A ação de conhecimento tem como única espécie a ação declaratória. Esta, por sua vez, possui diversas subespécies (a depender do objetivo pleiteado): (i) declaratória pura visaria certificar uma situação jurídica qualquer ou até mesmo um fato, na hipótese autorizada pelo art. 4º, II, CPC; (ii) declaratório-condenatória visaria certificar e permitir a efetivação de um direito a prestação; (iii) declaratório-constitutiva visaria certificar e efetivar um direito potestativo; (iv) declaratório-eficacial visaria certificar a eficácia de uma relação jurídica; etc. A ação direta de inconstitucionalidade, referida a pouco, cuja natureza jurídica é tão polêmica, seria declaratório-constitutiva.

A permissão para efetivação ou a efetivação propriamente dita, que servem para diferenciar ações condenatórias e ações constitutivas das ações declaratórias, é efeito da ação de conhecimento ajuizada, e não conteúdo. A permissão para efetivação decorre da certificação de um direito a prestação, da mesma maneira que a efetivação propriamente dita resulta do reconhecimento de um direito potestativo. Rememorando Barbosa Moreira: “aquilo que integra o ato não resulta dele; aquilo que dele resulta não o integra”.

Teori Albino Zavaski, quando ainda ministro do STJ, no voto do REsp. n. 588.202/PR (j. 10.02.2004, DJ de 25.02.2004), parece concordar com a linha de pensamento defendida no parágrafo anterior:

“(...) Calamandrei busca superar tais objeções sustentando que a característica da sentença condenatória não está na aplicação ou na declaração da sanção. 'Somente há condenação', diz ele, 'quando, por força da sentença, o vínculo obrigacional é substituído por um vínculo de sujeição. A transformação da obrigação em sujeição, esta me parece ser verdadeiramente a função específica da condenação'. E acrescenta: 'pode-se dizer que a função da sentença de condenação é a de constituir aquele estado de sujeição, por força do qual o condenado é posto a mercê dos órgãos executivos e submetido a suportar passivamente a execução forçada como um mal inevitável' (Piero Calamandrei, 'La condana', cit., p. 492).

Ocorre que o estado de sujeição a que se refere Calamandrei é próprio de qualquer título executivo, inclusive dos extrajudiciais, e não apenas da sentença condenatória. Ele não é, portanto, 'constituído' pelo ato sentencial. É, antes, conseqüência natural da norma jurídica consubstanciada no título executivo, mais especificamente do enunciado da perinorma, que estabelece a sanção jurídica para a hipótese de descumprimento. Aliás, esta mesma objeção pode ser colocada à doutrina de Liebman, quando sustenta que a sanção à violação do direito é constituída pela sentença condenatória, e daí a razão de ser ela, no seu entender, pré-requisito indispensável à execução forçada. Também a sanção jurídica decorre da norma, e não da sentença. Esta, no máximo, a identifica e declara (...)”.

“(...) É equívoco, portanto, afirmar que a sentença condenatória, ou outra sentença qualquer, é constitutiva da sanção ou do estado de sujeição aos atos de execução forçada. Não é esta, conseqüentemente, a justificação para a força executiva dessa espécie de sentença. Sua executividade decorre, isto sim, da circunstância de se tratar de sentença que traz identificação completa de uma norma jurídica individualizada, que, por sua vez, tem em si, conforme se viu, a força de autorizar a pretensão à tutela jurisdicional. Se há 'identificação completa' da norma individualizada é porque a fase cognitiva está integralmente atendida, de modo que a tutela jurisdicional autorizada para a situação é a executiva. Ocorre que tais virtudes e características não são exclusivas da sentença condenatória, podendo ser encontradas em outros provimentos jurisdicionais, inclusive em certas sentenças declaratórias (...)”.[31]

Ainda que não se enxergue como efeito a permissão para efetivação ou efetivação propriamente dita, este plus, que é notado nas ações condenatórias e nas ações constitutivas, não é justificativa plausível para conduzir ao raciocínio de que tais demandas não são declaratórias. Pensar que uma ação condenatória ou uma ação constitutiva não é uma ação declaratória é o mesmo que cogitar que um bolo de cenoura com calda de chocolate não é bolo de cenoura.

Atualmente, soa atécnico falar que o Juiz “declarou a condenação” ou que “declarou a invalidade”. Diz-se, somente, que o Juiz “condenou” ou que “decretou a invalidade”, como se a declaratoriedade não englobasse o reconhecimento de uma prestação ou de um direito potestativo. Discordamos. Não há qualquer empecilho lógico ou jurídico que induza atecnia quando alguém menciona que o Juiz “declarou a condenação” ou que “declarou a invalidade”. A certificação, ou melhor, a declaração, é pressuposto para que exista condenação ou constituição.

Alguns autores, mesmo que de relance, reconhecem o que se preconiza neste trabalho. José Carlos Barbosa Moreira é um dos que evidencia a dificuldade de distinguir a declaração da condenação.[32]Fredie Didier Júnior chega a mencionar que “as ações de prestação e as ações constitutivas são também ações de certificação, mas as meramente declaratórias têm apenas esse objetivo”.[33]Mais a frente em sua obra, o jurista baiano enumera sutis distinções entre a ação declaratória e ação condenatória: argumenta-se que, ao contrário da ação condenatória, a ação meramente declaratória é cabível para reconhecer: a autenticidade/falsidade de um documento (declaração de fato); a interpretação que se deve dar a uma cláusula contratual; a existência de uma obrigação ainda exigível; a constitucionalidade das leis[34]. Tais características distintivas da ação declaratória destacam ainda mais o seu caráter de maior abrangência perante a ação condenatória. Logo, pode-se cravar que, toda ação condenatória é necessariamente declaratória, embora nem toda declaratória seja condenatória.

Não há razão, portanto, em separar três espécies de ação de conhecimento, como se a condenatória e constitutiva fossem autônomas e indistinguíveis em relação à declaratória. Em essência, toda demanda condenatória ou constitutiva também é declaratória. Declarar é algo mais amplo do que condenar, do que constituir. E é exatamente por isso que se afirma que toda ação de conhecimento, seja ela qual for, é, no mínimo, declaratória de uma situação jurídica. O vocábulo “condenar” está muito mais ligado à eficácia de uma decisão que declara uma prestação, do que à essência desta norma jurídica individualizada. É por conta da noção equivocada do verbo “condenar” que se discutiu, por tanto tempo, algo tão óbvio: a executividade de ações meramente declaratórias (art. 4º, parágrafo único, CPC). As ações meramente declaratórias são executáveis exatamente porque, em essência, são parcialmente idênticas às demandas condenatórias, distinguindo-se destas, por não possuírem, a princípio, a pretensão de efetivar o direito à prestação reconhecido no processo.

Lança-se mão de uma teoria unitária das ações. Ação de conhecimento é ação declaratória; e esta, como se viu, pode assumir vários formatos. Essa acepção, que não é eclética, parece menos tendente à perpetuação dos conflitos doutrinários sobre a classificação das ações de conhecimento.

Em suma: a declaração contém a condenação e a constituição.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Pedro Henrique Bicalho. Classificação das ações de conhecimento: uma releitura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3959, 4 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27739. Acesso em: 5 nov. 2024.

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